Olhos nos olhos
Capítulo Três
João
Depois de meses que havia colocado os pés de volta na minha cidade natal, enfim era o grande dia!
A inauguração da Angels!
Minha mãe me ligou desejando sorte e avisou que estava triste, mas não conseguiria comparecer, por conta de ter pegado um resfriado. Eu a tranquilizei e avisei que ela teria muito tempo para prestigiar a minha Angels.
Eu estava mega orgulhoso, ansioso e agradecido a Deus por a inauguração ser exatamente naquela semana, pois fiquei organizando os preparativos finais e não tive tempo de pensar em alguém que voltou, um alguém que não quero pensar muito menos ver, então ficar envolvido praticamente vinte e quatro horas por dia com os detalhes da Angels e não sair do escritório para quase nada, foi bom.
E, além disso, na última semana, o pouco tempo que me restava quando não estava organizando tudo, eu me jogava na antiga vida de cachorrada e me acabava cada noite em uma mulher diferente. Mas em minha defesa, todas elas sabiam e aceitavam a minha condição, aliás, não tenho culpa se a mulherada se amarra nas minhas covinhas e era só eu sorrir, que conseguia uma gata diferente a cada noite.
Claro, isso também serviu como uma espécie de distração para esquecer tudo que me tirava do foco e deixar o passado onde ele tinha que ficar. No passado!
Gustavo, Fernando e Rodrigo ficaram de se encontrarem comigo lá na Angels, antes da casa abrir, e eu estou nervoso pra porra!
Queria mostrar para eles que fiz tudo certo e que eles podiam confiar em mim para tocar sozinho nosso novo empreendimento. E eu confiava na equipe de marketing que contratei, sei que fizeram um trabalho excepcional e naquela noite eu esperava fila na porta.
Aprontei-me para sair e assim que escureceu, rumei para ocupar meu posto de anfitrião. Não sei se estou preparado para encontrar com o Gustavo depois do que aconteceu, mas espero que possamos superar tudo e voltarmos a sermos amigos.
Eu queria que eles gostassem dos reparos que eu fiz e da disposição de tudo. Além do lustre caríssimo pendurado no meio da pista de dança e o bar de ponta a ponta característicos da Angels matriz, também mantive o vidro no piso superior, em que se vê quem está na pista, mas quem está na pista não vê quem está no escritório e mantive modelo rústico de uma fábrica, com tubulação aparente e parede de tijolos a mostra.
Assim que entrei no estacionamento da Angels, avistei os três carros dos caras e eles estavam em pé ao lado dos seus carros, junto com suas parceiras. Todos olhavam a fachada com o letreiro da Angels e pareciam admirados.
Quando cheguei mais perto, dei uma acelerada e o motor da minha Ducati roncou chamando a atenção de todos. Estacionei, desci da moto e tirei o capacete indo em direção aos meus amigos.
— E aí, cara? — Rodrigo me deu um aperto de mão seguido de um abraço de macho e perguntou olhando para a minha moto: — Mano, e essa máquina? — E com um sorriso no rosto se afastou da Samira para olhar meu novo brinquedo de perto.
— Tudo bom, Samira? — a cumprimentei com um beijo no rosto e parti para o Fernando.
— E aí, japa. — o cumprimentei com o mesmo aperto de mão estalado e o abraço de macho. — Clara, você como sempre, linda. — Dei um beijo no rosto da Clara do Fernando e o provoquei.
— Minha linda. — Fernando frisou a palavra minha e eu ri.
— Vocês continuam os mesmos babões. — falei rindo largamente. — E os bebês estão bem? — apontei para a barriga da Clara que já estava redonda e aparecia, entregando a feliz gravidez.
— Ótimos. — ela respondeu sorrindo feliz, com a mão na barriga e olhou para o Fernando que a deu um beijo.
Gustavo e Lívia estavam mais atrás, pareciam sem jeito e achei que precisava partir de mim o contato inicial.
— E aí, Gustavo? — estendi a mão para ele.
Gu segurou a minha mão por um segundo a mais me encarando, mas me puxou também para um abraço de macho e aí eu disse:
— Você não sabe o quanto me arrependo de tudo e se eu pudesse...
— Passado é passado. — ele me interrompeu. — De novo Amigos?
— Amigos. — confirmei sorrindo. — Vocês para mim são como irmãos. — Engoli em seco, porque sou macho e não podia deixar que eles vissem que eu estava emocionado em receber o perdão do meu amigo.
— Ah, que bonitinho as dondocas fizeram as pazes. — Rodrigo provocou.
Mostrei o dedo do meio.
— Vai se fuder, Rodrigo! — Gu o xingou também rindo.
— Já estava na hora. — Fernando disse. — Briga besta da porra!
Todos riram.
— Oi, Lívia. — Fui cumprimentar a namorada do Gu com um beijo na bochecha, mas me freei, olhei para o meu amigo e perguntei: — Posso?
— Claro! — ele assentiu sorrindo meio sem jeito.
— Oi, João. — Lívia falou também sem jeito.
— Bom, mas antes de recomeçarmos, preciso pedir desculpas a vocês. A todos vocês.
— Não há nada o que desculpar. Foi tudo uma grande idiotice e passado é passado, lembra? — Lívia disse sorrindo.
E eu assenti.
— Combinado. Passado é passado.
— Ei, João! Você deve estar pegando mulher adoidado com essa máquina, hein?
Rodrigo falou apontando para a minha moto, chamando a nossa atenção e levou um beliscão da Samira, sua namorada, o que fez todos sorrirem.
— Um pouco. — dei de ombros.
— Vou ter que dar uma volta nessa máquina antes de ir embora. — Rodrigo falou alisando o tanque da moto.
— Quando quiser. — sorri.
— Está na hora de arrumar sua alma gêmea também, João. Todos nós arrumamos. — Samira disse e olhou para o Rodrigo com um olhar apaixonado.
— Sim. — todos responderam juntos e com olhares apaixonados.
— Vocês ensaiaram isso? — perguntei e ele riram. — Olha, tô bem sossegado quanto a isso, se for pra ser, um dia aparece a minha metade... A peça que falta no meu quebra cabeça, a tampa da minha panela e etc... Que brega! — fiz uma careta.
— Ou já apareceu e você que não sabe. — Clara falou sorrindo e uma pequena lembrança indesejável voltou a minha memória, mas eu a enviei novamente para o canto do esquecimento.
— Quem sabe... Mas vamos entrar e ver a Angels — mudei de assunto — Estou doido para saber o que vocês vão achar de tudo.
Nos encaminhamos para parte interna e assim que passamos pela portaria, dei espaço para eles passarem, enquanto os observava com apreensão, já esperando que as críticas viessem.
— Cara! Tá muito foda! — Rodrigo falou e foi acompanhado pelos outros que também elogiaram e só aí com a aprovação deles, que eu senti que tinha feito tudo certo.
Os funcionários já estavam chegando, se preparando para trabalhar e a cada minuto que passava eu ficava mais ansioso para a bilheteria abrir e a casa bombar.
Subimos para a parte de cima, onde ficava o escritório e até nos móveis, tentei manter o lugar o mais parecido possível com a primeira Angels. E todos eles gostaram disso.
A música começou a tocar e o Dj a se aquecer fazendo a passagem de som nos equipamentos. As luzes começaram a piscar e eu comecei a sentir o frenesi que sempre sentia com esse trabalho. A noite estava começando e só agora vendo tudo aqui como era lá, eu via o quanto senti falta disso!
A hora passou de pressa e os primeiros frequentadores começaram a chegar, enquanto eu e meus amigos nos acomodamos no bar.
— Vai bombar. — falei só para mim, esfregando as mãos em um pensamento positivo, mas Gustavo ouviu.
— Vai bombar. — ele repetiu levantando a sua cerveja para o auto em um brinde.
— Vai bombar! — nós todos erguemos nossas bebidas e brindamos juntos.
— Relaxa, cara! Você fez um bom trabalho. Vai ser sucesso. — Nando me acalmou, colocando a mão no meu ombro.
Eu assenti, mas não pude responder, pois Samira provocou o Fernando e disse:
— Ei, Clara, vai lá fazer uma performance pra gente, jogar umas garrafas para cima e animar a galera.
Clara era bargirl da Angels antes de começar a namorar o Fernando e os dois tiveram uma longa história até chegarmos a esse ponto, mas ele se apaixonou por ela logo na primeira performance que ela fez, na entrevista para trabalhar com a gente. Ela dançava, jogava garrafas e fazia drinks ao mesmo tempo e isso deixou meu amigo encantado, porém, depois que ela engravidou, por motivos óbvios ela parou com as apresentações.
— Até que eu queria. — Clara respondeu com um sorriso provocador.
— Nem pensar, linda. O médico exigiu repouso, a gente nem deveria ter vindo. — Fernando falou sério.
— Estou brincando, amor. Mas que iria ser legal jogar umas garrafas, ah iria!
— Para você não passar vontade, Clara, o Fernando vai lá e faz uma performance pra gente. — Rodrigo disse para irritar o Fernando.
— Melhor não, Rodrigo. Se não ele vai dar prejuízo para a casa logo na inauguração. — falei.
Todos nós ríamos, a noite seguia e como era esperado, a casa lotou.
A Angels era um sucesso!
Aí então eu realmente me permiti curtir a festa e a sensação de dever cumprido me preencheu. Ainda mais quando os meus amigos não paravam de erguer brindes em minha homenagem.
O Dj parou a música, anunciou os Angels e as luzes foram apontadas para nós quatro. Houve uma comoção geral, principalmente quando ele contou, meio por cima, o significado do nosso apelido, fazendo com que as mulheres que estavam presentes ficassem loucas e bem curiosas. Mas Samira, Clara e Lívia mostraram que o único livre ali era eu.
Ponto para mim!
Nós todos dançamos e já estávamos bem bêbados, felizes e isso era bom! Era dessa normalidade com os meus amigos que eu senti falta todo esse tempo, desde que eu e o Gu brigamos.
Me and you do Alok animava a noite e eu curtia pra caramba essa música, mas eu não sabia que ela seria o fundo musical que tocaria no momento exato, em que tudo a minha volta parou e tudo pareceu ficar em câmera lenta.
Menos o meu coração... Esse batia acelerado.
E a minha respiração estava entrecortada.
Paralisei, pisquei e forcei a vista para ver se era realmente quem eu achava que era que estava ali, na minha frente, ou se era todo o álcool que eu ingeri que estava fazendo com que eu tivesse alucinações.
Mas não.
Não eram alucinações e eu realmente a estava vendo... Era ela... Ainda com o mesmo cabelo comprido e no tom de loiro quase ruivo... Era ela... Meus olhos não acreditavam no que viam, mas era ela, era a... Fechei meus olhos e voltei a abri-los na esperança que quando olhasse para a direção em que ela estava, não fosse o que eu achava que fosse, fosse só uma miragem e ela não estivesse mais ali.
Mas lá estava ela... Rindo, dançando, jogando o cabelo para o lado e parecia feliz.
— Mariana! — Enfim, em anos... Anos após tudo ter acontecido, consegui dizer o nome dela e mesmo estando distante, em meio ao barulho de música alta e pessoas conversando, quando o seu nome saiu da minha boca, era como se ela tivesse me ouvido e mesmo no meio da multidão, seus olhos cruzaram com o meu e seu sorriso congelou. Nos encaramos... Segundos que pareciam horas... A música pulsando alto e ela ali... Me olhando de volta...
— João? Você tá bem, mano? — Rodrigo me perguntou preocupado e me tirou do transe.
— Oi? — desviei o olhar da direção dela, olhei para ele e respondi com uma pergunta.
— Você está parecendo que viu um fantasma.
— E realmente vi. — Olhei na direção em que eu tinha visto a Mariana e ela não estava mais lá. Procurei varrendo com o olhar todo o espaço ao redor, mas nem sinal dela. Deve ter sido coisa da minha cabeça.
— Você está passando mal? — Fernando perguntou.
— Só acho que bebi demais.
— Acho que esses meses que passou aqui sem os seus parceiros de night, você ficou meio mole para bebida, hein? — Gu falou chegando perto para ver como eu estava.
— Num guenta bebe leite. — Samira brincou e eu sorri sem jeito.
— Está tudo bem, gente, foi só que... — eu ainda a procurava atordoado, engoli em seco e mais uma vez olhei em volta a sua procura — Achei ter visto alguém que eu não via há muito tempo.
— Deve ser alguém importante para ter te deixado assim. — Clara falou parecendo preocupada.
— Nem tanto. Só uma conhecida, mas acho que me enganei e não era ela. — Dei de ombros como se não fosse nada, mas meu coração ainda estava acelerado.
— Bom, se for ela, logo você vai vê-la de novo. — Lívia tentou me acalmar e colocou a mão no meu ombro.
— Tá certo! — Dei um tapa de leve no balcão, para tentar voltar a realidade. — Bora beber pra comemorar. Desce uma rodada de bebida pra todos. — Falei para o barman. — Para a Clara desce suco.
Todos riram.
— Ou bebe leite — Samira completou rindo. — Porque quem não guenta... — Ela ergueu o copo para cima indicando com a cabeça para a gente continuar.
— Bebe leiteeee... — todos dissemos juntos, rindo e viramos nossas bebidas.
Tentei parecer normal, tentei continuar a me divertir com os meus amigos, mas nada me tirava da cabeça que ela estava ali e os olhos dela nos meus, não saíam do meu pensamento, então eu passei o resto da noite procurando-a sem querer e mesmo quando eu tentava pensar que era coisa da minha cabeça, meu coração traidor dizia que não.
https://youtu.be/FxIkFuuvdy4
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