Encarando as feras
Capítulo onze
Mariana
Por mais que eu não quisesse voltar, a Angels precisava do João e eu tinha que dar um jeito na minha vida. Eu estava na garupa da moto dele, agarrada a sua cintura e lutando fortemente contra a sensação de despedida que tomava conta de mim todas as vezes que me dava conta de que estávamos voltando. Tentei focar no sentimento de recomeço e pensar que voltar só significava que enfim eu e João iríamos ficar juntos, porém, sinto uma força maior dentro de mim, dizendo que não será assim.
Na noite após a lanchonete, nós voltamos para a pousada e fizemos amor a noite toda. No dia seguinte João me levou a uma praia deserta, onde também fizemos amor escondidos e rindo como dois adolescentes felizes. No final de tarde ficamos contemplando o pôr do sol e voltamos para a pousada onde fizemos amor mais inúmeras vezes. E no dia de partirmos, ficamos o dia todo na cama, sem nos desgrudarmos e aproveitando a presença um do outro a cada minuto, até a hora que enfim decidirmos voltar e enfrentar o que nos esperava com o retorno.
João a cada palavra tentava me mostrar que tudo ficaria bem, mas eu tinha certeza que ele também estava sentindo o peso da volta, principalmente depois que meu irmão me enviou uma mensagem de manhã, em que ele dizia estar ao meu lado para enfrentar a fera (nossa mãe). Aí percebi que quando eu voltasse uma guerra estaria me aguardando.
Quando fomos nos aproximando da minha casa, percebi que a velocidade da moto foi diminuindo e era como se João estivesse adiando a despedida. Mas o inevitável aconteceu e o motor da moto parou de roncar, quando ele estacionou do outro lado da rua, de frente para o portão grande da casa da minha família.
Desci, tirei o capacete e João fez o mesmo. Ele parecia perdido em pensamentos e quando olhei para o amor da minha vida, eu tinha um sorriso nos lábios e os olhos lacrimejando.
— Nos vemos amanhã? — Ele me perguntou com um sorriso fraco.
— Sim, nos vemos.
João passou a mão pelo meu rosto e falou:
— E por que estou tendo a impressão de que não?
— É apenas impressão, porque pode ter certeza de que nos veremos.
Olhei para o portão, vi que os seguranças já se mexiam e usavam o celular.
— Quer que eu entre com você?
Neguei.
— Tem certeza? Acho que podíamos enfrentar isso juntos.
— Não, deixa comigo. Acho que se você entrar vai ser pior.
Ele assentiu, olhou para os seguranças e eu fiz o mesmo.
— Se precisar de mim, me liga. E se não precisar também. — João falou tomando de volta a minha atenção.
Eu sorri sem vontade.
— Você também.
— Já posso te ligar agora, então? Porque só de pensar na distancia, já estou precisando de você.
— Ah! Que fofo! — dei um beijo rápido nele.
Ficamos nos olhando por alguns segundos sem dizer nada, até que quebrei o silêncio:
— Bom, vou com o coração apertado, mas preciso entrar, então, juízo na Angels, hoje. Vê se não se esquece de mim.
— Nem por um minuto. — ele disse imediatamente.
E eu o dei um beijo intenso, com uma mão em cada lado do seu rosto e o puxando para mim, enquanto a minha língua passeava pela sua boca. Quando o beijo terminou ele encostou sua testa na minha e disse:
— Me liga quando tiver um tempo, para me avisar se está tudo bem. — eu assenti — Não deixa ninguém te afastar de mim... Mesmo que seja difícil. — assenti novamente — E o mais importante: não esquece que te amo.
— Eu também amo você.
O beijei novamente e quando nos separamos, um movimento no portão da minha casa mais uma vez chamou a minha atenção e quando olhei, avistei a minha mãe com um olhar fulminante nos observando.
— Eu vou lá enfrentar a fera. — sorri sem graça.
— Eu vou com você.
Ele começou a se virar para desligar a moto, mas eu o parei.
— Por favor, não. Essa é uma conversa que eu tenho que ter com ela, a sós.
Ele me olhou meio em dúvida, mas assentiu.
— Mas já sabe. Vou ter que ir até a Angels, mas se precisar de mim é só me ligar que largo tudo.
— Pode ir em paz.
Ele olhou em direção ao portão.
— Tudo bem. Qualquer coisa, me liga
Dei-o mais um beijo, o disse mais uma vez que o amava e me virei para ir ao encontro da minha mãe, o deixando encostado na moto, com o braço cruzado na frente do peito e um olhar desafiador. Enquanto eu caminhava sentia seu olhar em mim.
Ao chegar do outro lado da rua, passei por minha mãe no portão sem olhá-la e ela falou calmamente:
— Novamente se envolvendo com essa pessoa, Mariana? — mesmo demonstrando não estar afetada, eu a conheço bem e notei o ódio na sua voz.
— João! O nome dele, do amor da minha vida, é João. — continuei andando e ouvi ao fundo o ronco forte da moto do João se afastando, quando o portão se fechou.
Minha mãe veio pisando duro atrás de mim e me puxou pelo braço quando entramos na sala.
— Não é possível que seja isso que você quer para sua vida?
— Isso o quê? Ser feliz? É exatamente isso que eu quero para a minha vida.
Ela se virou de costas muito irritada e voltou a olhar para mim tentando se recompor.
— E quanto ao casamento?
— Sim. Vou me casar um dia, mas com o João.
— Pelo amor de Deus, Mariana! Você já brincou de "de volta ao passado", agora já pode voltar ao normal e recuperar o juízo. Você esqueceu-se de tudo que este rapaz te fez?
Eu sorri em desdém.
— O que ele me fez? Ou o que você me fez?
Minha mãe me olhou sem entender.
— Quer saber, mãe? Na verdade, agora que eu estou no meu juízo perfeito. Eu descobri tudo sobre o passado. Eu sei da sua armação para nos separar. — eu estava gritando. — E só consigo pensar o quanto você é mesquinha.
Ela me olhou assustada, mas logo recuperou a pose.
— Eu tinha que fazer alguma coisa. Eu não podia deixar a minha única filha se envolver com aquele... Com esse tipo de gente.
— Vai... Fala... Completa a frase, não seja dissimulada. — eu estava com muita raiva.
Minha mãe soltou o ar e falou calmamente o que me deixou ainda mais nervosa.
— Eu não queria você com aquele rapaz, não queria ser avó de negrinhos e na época fiz o que foi preciso para impedir isso.
— Eu não acredito no que estou ouvindo. — coloquei as mãos na cintura e me virei de costas para ela, mas voltei a olhá-la. — Olha, eu não vou mais discutir com você. Seu racismo só pode ser uma doença.
— Não sou racista. Tenho aula de pilates com uma negra em Portugal, e tenho vários empregados negros, mas só não os quero na minha família.
Balancei a cabeça de um lado para o outro, incapaz de entender como minha mãe pode ser essa criatura tão nojenta.
— Não, seu racismo não é doença. É burrice, ignorância... Ou melhor, é crime! Como eu tinha dito, não vou discutir com você, eu já sou adulta e dona da minha própria vida. Dessa vez você não vai nos separar e é com o João que eu vou ficar.
Virei-me para subir rumo ao meu quarto e minha mãe me parou:
— Tudo bem. Se é isso que você quer, tudo bem, porém, eu tenho uma pergunta para te fazer: você tem onde morar aqui nesse país? Tem como se sustentar? Porque na minha casa você não vai morar se decidir acabar com o casamento com o Breno.
Não respondi, continuei subindo e ela continuou:
— Seu trabalho e sua casa estão em Portugal, Mariana. Você tem uma vida estável, prestes a ser casar com um dos maiores herdeiros de Portugal, com uma vida cheia de mordomias e você realmente vai deixar tudo para trás para ficar com esse Zé ninguém?
Engoli em seco e balancei a cabeça em negativa.
— Você realmente nunca vai entender.
— Se você fizer isso, eu não vou te ajudar financeiramente com nada, você vai sair da minha casa, vai ser deserdada e vai viver as custas do seu "Amor". — ela fez aspas quando falou a palavra amor.
Fiquei olhando para o rosto sem emoção da minha mãe e não consegui responder.
— Ah e mais uma coisa, seu noivo voltou esta manhã e está atrás de você. Espero que você seja esperta o suficiente e faça a coisa certa. Além de que, ele veio com um amigo para o casamento. Não nos faça e não o faça passar essa vergonha.
Virei-me sem respondê-la e chorando fui para o meu quarto, sentei na minha cama e comecei a pensar em como eu resolveria isso. Não tenho como me manter aqui, meu escritório está em Portugal, todo os meus ganhos são junto com os do Breno, afinal, iriamos nos casar. Não tenho onde morar, nem emprego ou carro. Como vou fazer?
Pensei em pedir ajuda para o meu irmão, mas ele era o presidente da empresa da família, sei que se ele me ajudasse, nossa mãe iria dar um jeito de coagi-lo e não queria que ele ficasse entre nós. Meu pai era um pau mandando e sempre fez só o que a minha mãe mandava, além de que estava com a saúde frágil e não podia fazer muita coisa. Já eu me recusava a ter que contar isso ao João. Não podia pedir para que ele me sustentasse até que eu conseguisse me firmar financeiramente como engenheira e ter meu próprio escritório no país. Não posso pedir isso a ele, além da vergonha, essa nunca seria eu. Ele me sustentar estava fora de cogitação. Ai meu Deus.
As lágrimas escorriam pelo meu rosto e eu não achava uma saída.
Breno. Ele teria que me ajudar, eu fui responsável por vários projetos de sucesso no escritório e mesmo que nosso noivado acabasse, ele teria de ser profissional e dividir as coisas.
Tentei ligar para ele e dizer que precisávamos conversar, mas ele não atendeu. Devia estar com o Santiago, talvez fosse ele o amigo que ele trouxe.
Peguei meu celular e tinha uma mensagem do João:
"Está tudo bem, minha linda?"
Eu ia responder que sim, quando uma batida na porta chamou a minha atenção. Ergui o olhar e lá estava o Breno me olhando.
— Posso entrar?
Assenti.
— Você está bem? — ele me perguntou calmamente como se tivesse medo do que eu pudesse responder.
Eu fechei meus olhos e suspirei a procura de força. Afinal, eram anos juntos e eu não tinha ideia de como contaria a ele que amava outra pessoa e em pouco tempo que fiquei longe dele, eu já queria voltar com o meu ex e cancelar nosso casamento. Quando eu ia começar a falar, Breno falou antes:
— Olha, pela dificuldade que você está sentindo em começar a falar, acho que vai ser uma conversa longa.
Eu o olhei, assenti e enxuguei uma lágrima que rolou pelo meu rosto.
— Janta comigo hoje? A gente janta, passa um tempo juntos e se mesmo assim você ainda quiser falar o que você precisa falar, aí você diz, se não a gente vai adiando. Só acho que precisamos passar um tempo juntos para que você se lembre do quanto éramos felizes.
Eu assenti sem olhá-lo, mas eu estava chorando, pois estava me sentindo a pior das traidoras. Além de estar uma confusão e sem saber que rumo seguir, enquanto ele estava ali, na minha frente, compreensível e sereno. Mesmo possivelmente já desconfiando que fiz algo errado, só pelo olhar de culpa que eu destinava a ele.
— Vou me arrumar e passo para te pegar ás oito. — falou calmamente.
Eu assenti, sem olhá-lo e ainda sem saber se era uma boa ideia. Breno se levantou, me deu um beijo na bochecha e depois um selinho na boca, aí senti que traia o João.
Assim que o Breno saiu, peguei meu celular novamente, vi algumas ligações perdidas e li mais uma mensagem do João que dizia:
"Por favor, me liga. Só quero saber como você está."
Liguei.
— Oi, minha linda. — João atendeu.
— Oi. — Falei somente e tampei a minha boca para ele não notar que eu estava chorando.
— Como foi a conversa? Você está bem?
As lágrimas rolavam pelo meu rosto e eu só conseguia pensar que queria uma vida simples, com uma mãe simples, sem preconceitos, que aceitasse e respeitasse as minhas escolhas.
— Posso te ligar mais tarde? — fungo e limpo o meu rosto.
— Você está bem?
— João, te ligo depois, tá? Eu amo você.
Desliguei e deitei na minha cama chorando, soluçando e sem saber o que decidir. Eu tinha a absoluta certeza do que eu queria, mas querer nem sempre é poder.
*
Eu não estava com a mínima vontade de sair para jantar com o Breno, mas próximo da hora marcada, coloquei uma roupa qualquer e fiquei o esperando. Pensei que era até melhor essa conversa acontecer em local público, pelo menos assim evitaria quaisquer dramas, gritos e acusações desnecessárias.
Peguei o celular para ligar para o João, como eu estava mais calma tive a sensação que conseguiria falar com ele sem desmoronar, porém, antes de começar a discar fui interrompida por um dos empregados, dizendo que Breno já havia chegado. Terminei de calçar os sapatos, peguei a minha bolsa, o celular e enquanto descia devagar as escadas, fui tentando ligar para o João, mas em todas as tentativas só dava fora de área. Talvez ele já tenha ido para a Angels. Segui descendo as escadas e assim que avistei o Breno na sala, parei de ligar e fui em sua direção.
— Vamos? — falei sem olhá-lo nos olhos.
— Não vai nem me dar um beijo. — ele perguntou triste.
Nesse momento, uma moça que tinha começado a trabalhar há pouco tempo na casa, para cobrir as muitas vontades da minha mãe, entrou na sala e tropeçou no tapete, derrubando a água que vinha trazendo para Breno e espatifando o copo pelo chão. A coitada ficou toda sem graça, pediu milhares de desculpas, achando que eu fosse esganá-la como a minha mãe faria, e se abaixou para secar. Vendo a tragédia e sendo solidária a ela, pois sabia que se a minha mãe visse ela realmente iria dar um chilique, deixei o celular e a bolsa em cima do sofá, fui ajudá-la a juntar os cacos e secar a bagunça.
Enquanto eu a ajudava, a moça pediu desculpas mais uma vez, disse que eu não precisava me incomodar que ela limparia tudo sozinha, entretanto, quando viu que eu não iria parar, agradeceu.
Na verdade, mal sabia ela que quem estava agradecida era eu, por ela ter causado esse desastre no momento em que o Breno me pediu um beijo. Eu não estava confortável, para ter qualquer contato físico com meu ex-noivo, depois dos dias que passei com o João e depois de ter traído Breno, aliás, se eu beijá-lo nesse jantar, eu estarei traindo o João, que era a quem meu coração e meu corpo pertenciam.
Quando terminei de ajudá-la, peguei minha bolsa no sofá, sem demorar me encaminhei para a porta, chamei o Breno para que assim fossemos logo e ele não pedisse mais beijos e nem nenhum contato físico.
Chegamos ao restaurante que ficava bem próximo da casa da minha família. Desci rápido do carro e me encaminhei para a entrada do restaurante, com o Breno logo atrás de mim e a todo tempo eu sentia o olhar dele me examinando, mas eu o evitava a todo custo.
Fomos até a mesa que a hostess nos informou que estava reservada para nós, sentei-me em silêncio e eu estava tão envergonhada que eu mal o encarava. O garçom tirou nossos pedidos e saiu. Breno digitou algo no seu celular e só aí notei que eu estava sem o meu, que o havia deixado no sofá. Droga! Se o João ligasse ou mandasse mensagem, não iria conseguir ver.
Burra!
— Você está tão quieta. — Breno falou, quando enfim largou o celular, depois de responder sei lá quem. Pegou a minha mão, me dando atenção e eu sorri sem vontade em resposta.
— Só estou pensando em tudo que tenho para te falar. — o olhei nos olhos e tirei a minha mão debaixo da dele, para o garçom colocar as nossas bebidas.
— Olha, eu sei que eu fui um péssimo noivo te deixando sozinha, mas eu voltei. Voltei para você e para o nosso casamento.
— Breno... Não sei se você se lembra de quando te contei do meu ex...
Percebi que assim que mencionei o João ele mudou a feição, mas assentiu.
— Nós nos reencontramos... Foi sem querer, não combinamos nada. — eu engoli em seco e procurava as palavras certas para contar.
— Mariana. — ele falou sério. — Olha, eu não quero saber se você me traiu ou não, não quero detalhes, mas eu assumo a culpa por tê-la deixado sozinha e com o caminho aberto para que outro ocupasse o lugar que era meu.
Ele parou de falar e a minha vontade era dizer que esse lugar sempre foi do João, meu coração sempre foi dele, mas então Breno continuou:
— Se aconteceu algo, eu te perdoo e podemos recomeçar. Mas não cancela o nosso casamento, eu preciso dele, eu preciso de você. — ele pegou mais uma vez a minha mão.
Eu não sabia o que responder, pois ver o Breno assim tão vulnerável e tão disposto a perdoar uma traição, apenas para que eu ficasse com ele, me quebrou. Eu gostava do Breno, sempre fomos acima de tudo, amigos. Não queria que ele sofresse, entretanto, eu não sabia o que responder a ele.
— Olha, está tudo tão complicado. — comecei a sentir as lágrimas encherem meus olhos e eu não queria chorar em lugar público. Foi uma péssima ideia aceitar esse convite. — Breno, será que podemos conversar na minha casa? Eu não estou bem e essa história toda é tão difícil para ser discutida assim, em público. — pisquei para conter as lágrimas que ameaçavam a cair.
— Claro. — ele parecia triste. Mas além de triste, ele parecia preocupado e aflito.
Breno pediu a conta e enquanto esperávamos, ele me disse:
— Por favor, só te peço que não me deixe. Eu preciso de você.
Não consegui respondê-lo, só virei o rosto para o lado, para fugir do seu olhar pidão. Encarei a grande janela de vidro do restaurante requintado em que estávamos e fui andando com meu olhar por toda a sua extensão, que dava de frente para rua, mas assim que olhei no canto, próximo a saída, lá estava ele... O homem que eu amava, me encarando incrédulo e com uma tristeza maior que a minha no olhar. Senti meu coração quebrar e meu peito em brasa, junto com a bile subindo pela garganta, com o pensamento de tudo de errado que João deveria estar pensando de mim.
Levantei-me sem me lembrar do Breno e andando, quase correndo, fui para a porta do restaurante ao encontro do João, que já estava me virando as costas e indo embora para longe de mim.
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