De volta
Capítulo um
João
Nove anos depois
Guns N'Roses naquela manhã cantava alto Sweet Child O' Mine, no despertador do meu celular e a música me acordou para começar um novo dia.
Eu tinha voltado a morar no interior e estava sendo bem legal viver novamente em uma realidade diferente da que eu estava acostumado. Até me esqueci de como tudo ali era mais calmo, tranquilo e sossegado. Na verdade, fiquei anos fazendo tudo que podia para esquecer o lugar onde eu estava, mas tinha certeza, que com a minha volta e trazendo comigo a Angels eu iria movimentar ali!
Já era mais de duas horas da tarde, e como todos os dias, eu tinha que colocar o celular para despertar ou não iria acordar. Sempre fui muito dorminhoco e ser dono da Angels e ir dormir tarde todo dia, tinha me deixado ainda mais propenso a acordar tarde.
Eu era dono de uma casa noturna chamada Angels, eu e mais três amigos. Nosso negócio recebeu esse nome, pois quando estávamos na faculdade, éramos apelidados de os anjos da noite que levavam as mulheres ao céu e modéstia a parte, comigo elas sempre iam às estrelas.
Na faculdade eu e meus amigos fomos organizando festa atrás de festa, a princípio por diversão, mas como elas foram ficando cada vez melhor, acabamos ganhando dinheiro com isso e quando terminamos o curso de advocacia, guardamos nossos diplomas e abrimos a Angels: uma balada eclética, que tocava de tudo, e que virou sucesso no ramo de casas noturnas.
O sucesso foi tanto, que decidimos abrir uma filial e por conta de uma briga que tive com um dos meus amigos, (a qual me declaro totalmente culpado por ter ficado com a mina que um deles estava a fim), eu fui designado a vir para o interior e cuidar da nova Angels, sozinho. Não via isso como um castigo e sim como um voto de confiança dos três, até mesmo do Gu, que foi com quem eu briguei. Fui um canalha com ele e com a Lívia, a sua namorada. Toda vez que eu pensava nessa história me sentia mal e minha consciência pesava, afinal, por minha culpa eles se separaram, a Lívia sofreu um acidente e quase morreu. Aliás, acidentes só me lembravam de tristeza e o da Lívia, mexeu muito comigo, me fazendo voltar para o passado e me lembrando de um que aconteceu anos atrás e me marcou para sempre, porém, apesar de ter sido um marco na minha vida, o acidente do meu passado, tinha que ficar enterrado, trancado e esquecido para não doer.
Por isso, depois do acidente da Lívia, decidi vir para cá o mais rápido possível, para não ficar perto dos meus amigos, os lembrando do canalha que eu fui, e para que novos projetos pudessem dar um up na minha vida e me tirassem de acontecimentos da minha vida que o acidente da Lívia estava frequentemente me lembrando.
Já fazia quatro meses desde que eu tinha voltado para a minha cidade natal. Os dias tinham sido de solidão, porém, os ocupei arrumando a minha nova casa e a deixando do meu jeito. Fiquei ocupado com os preparativos iniciais para a Angels abrir, as papeladas para o funcionamento e tudo o que fosse necessário, até que ela estivesse pronta para ser a melhor casa noturna da região.
A nova Angels ainda não estava aberta ao público, então eu tive noites livres para ir a alguns bares locais, para ver qual era a da cidade e assim aprimorar a nossa balada quando abrisse. Tinha me privado de encontros com mulheres quaisquer, como fazia antes, pois esses só tinham me feito mal.
Precisava me concentrar nos negócios e esquecer as mulheres, pois nenhuma seria como a... A que... Bom, eu achava que não iria amar ninguém de novo, como a primeira mulher que amei. Pensar nela e em tudo que vivemos sempre doía e desde o acontecido, não consegui me envolver completamente com mais ninguém. Por mais que eu tentasse, por mais que eu quisesse, todo o sentimento de dor e revolta, sentimento de algo inacabado, mal explicado e mal resolvido, tomava conta de mim e não deixava com que eu me entregasse, vivesse e sentisse de novo aquilo tudo que senti com ela.
Nunca mais fui eu mesmo e nunca mais o amor teve o mesmo sentido para mim.
Mas ficar pensando no passado não iria me levar para um presente feliz. Me restava encarar as minhas obrigações e esquecer o que me deixava pensando em coisas das quais eu não queria me lembrar. Então levantei-me, tomei um banho e mais uma vez fui até onde seria a nova Angels.
Dentro de uma semana seria a inauguração. Eu estava rezando para a casa lotar e eu ter muito que mostrar para os caras.
*
Era a noite da inauguração, meus amigos e sócios, Gustavo, Fernando e Rodrigo iriam vir para a estreia e eu já estava ansioso para encontrar com o Gu e pedir desculpa por tudo que o fiz passar. Espero muito que ele aceite e possamos recomeçar como amigos.
Nós quatro éramos mais que amigos, éramos como irmãos, e sempre que eu pensava no que eu fiz me dava um aperto no peito, um arrependimento batia forte e eu não parava de pensar que precisava do perdão do Gu para me sentir bem.
Nosso novo empreendimento tinha sido construído em um galpão onde antes funcionava uma fábrica e muito do que era, decidimos manter. Também colocamos um toque sofisticado como a da outra Angels, por exemplo: o lustre enorme suspenso e o bar de ponta a ponta. O único que já tinha visto como ficou depois de tudo quase pronto, foi o Rodrigo, para os outros seria completamente surpresa.
Uma das coisas boas de voltar a morar na minha antiga cidade era que ficava próximo da casa da minha mãe, de onde passei minha infância e adolescência. Era meia hora de carro e eu passaria mais tempo com a dona Carmem.
Desde que terminei o colegial e saí do interior para estudar na cidade, voltei poucas vezes para visitá-la. Eu era muito apaixonado pela minha mãe, mas ainda me doía tudo que tinha vivido ali quando mais novo. Voltar à cidade em que tudo aconteceu e ver cada lugar, era difícil.
Minha mãe era uma guerreira e sempre foi muito esforçada, fazendo de tudo para que eu estudasse nos melhores colégios e me educando da melhor maneira possível. Tudo que eu era devia a ela, apesar de que minha mãe não ficou muito feliz quando guardei o diploma e não por tornei o advogado que tanto sonhou, mas mesmo assim ela apoiou todas as minhas decisões. Dona Carmem era uma negra linda e sempre quando estávamos juntos, minha mãe mais parecia a minha irmã.
Combinamos de almoçar juntos e eu estava esperando-a sair da escola que estudei e que hoje ela é coordenadora. Fiquei observando como tudo continuava igual: o prédio antigo e imponente onde ainda estudavam os filhos das pessoas mais influentes da cidade, a sorveteria de frente também continuava a mesma, até as árvores parecia que não tinham crescido e era como se o tempo não tivesse passado.
Pedi uma cerveja enquanto esperava a minha mãe, dei um gole generoso e degustei o líquido que desceu gelando pela minha garganta. Olhei em volta, para as cadeiras de ferro preto e para as mesinhas redondas com guarda sol, que ainda estavam ali e era como se o passado estivesse na frente dos meus olhos... Senti o cheiro do perfume dela, o sorriso lindo que iluminava um ambiente e sorri em pensar o quanto ela era popular naquela escola, mas fui eu que a tive em meus braços e não nenhum dos playboys que a queriam.
Lembrei-me de quantas vezes a galera se encontrou naquele lugar, lembrei-me das graças que o Miguel, irmão dela, fazia e da minha melhor amiga Isabela. Sorri sem querer, com a lembrança da minha adolescência e do quanto me diverti naquele lugar antes de tudo acontecer.
Pensar no motivo pelo qual eu não gostava mais dali, tirou o sorriso do meu rosto e no mesmo instante a mãe dela me veio à cabeça: com o seu olhar de desdém, seu sorriso cheio de si e suas palavras que me menosprezaram tanto.
Tentei esquecer as lembranças que me faziam sofrer e as guardei no baú das memórias esquecidas, como eu tinha feito por todos os anos que estive longe. Tomei mais um gole da minha cerveja e quando olhei para frente, vi a minha mãe atravessar a rua e vir sorrindo em minha direção, o que bastou para me fazer sorrir também.
— Mãe. — dei um beijo nela — Como você está linda!
— Você que está lindo. Que homão, que meu filho se tornou. — Sorri para ela.
— Mas e aí? Quando disse que queria almoçar comigo, achei que iria conhecer a minha futura nora. Desde aquele almoço de boas vindas que fiz para você lá em casa, que você não aparece.
— Ah, mãe. — dei de ombros e nos sentamos. — Ando sem tempo. E sobre uma nora, estou mais sem tempo ainda. Além do mais, está difícil alguém me querer.
— Deixa de bobagem, menino! Um negro gato como você, deve chover mulher te querendo.
— Mas nenhuma que eu queira. — respondi e vi uma nuvem de preocupação tomar o seu rosto.
— E aquela história? Não machuca mais, não é?
Minha mãe sabia de tudo que aconteceu, de como aconteceu e era ciente do antes, durante e principalmente do depois. Viu como eu fiquei e como foi difícil superar.
— Não, aquilo é passado.
— Que bom. — ela sorriu e parecia contente, apesar de eu ver algo em seu olhar.
— Tem algo que queira me contar? — perguntei.
— Fiquei sabendo na escola... que os Medeiros voltaram para a cidade. — Dei um gole na minha cerveja, tentei não esboçar reação à menção do sobrenome dela e então minha mãe continuou: — Estão preparando o casamento da Mariana. — Então eu parei de beber a cerveja e o último gole desceu quadrado em minha garganta.
— Ah, ela vai se casar? — tentei perguntar da maneira mais natural possível, mas meu coração estava saindo pela boca só de ouvir seu nome.
— Sim, com o herdeiro de uma multinacional.
Sorri em desdém.
— Só podia ser.
— Você está realmente bem com essa história toda, filho?
— Sim. Já faz muito tempo. Por que não estaria? — falei tentando ainda parecer natural, mas sei que a minha mãe não deixava passar o pequeno tremor na minha voz. — Vamos almoçar? Tô varado de fome. — Desconversei.
Seguimos a pé para o restaurante, que ficava ali perto. Tentei almoçar e me sentir normal. Tentei acalmar meu coração e a minha cabeça, que não parava de pensar no maldito casamento e não parava de pensar nela. Almoçamos e tentei seguir em conversas seguras do nosso cotidiano, para que a minha mãe não notasse que eu estava mexido. Falei com ela sobre a Angels, que era o assunto que eu mais falava com tranquilidade e orgulho.
Perguntei sobre a Isa, que revi assim que voltei para cá, quando ela e minha mãe organizaram um almoço de boas vindas para mim. Foi muito divertido, acabei ficando amigo do seu marido Jean e conheci o seu filho Arthur. Minha mãe me contou que Isa estava bem, mas que estava chateada, porque a Mariana não a procurou depois que chegou a cidade e com certeza não seria convidada para o casamento. E lá vinha a minha mãe falando do maldito casamento de novo. Esse casamento bem que poderia acontecer logo, ela casar com o tal herdeiro e voltar para fora do país, de onde nunca deveria ter saído. Tirei a história do casamento de novo da mesa e perguntei sobre o Miguel. Ele sempre foi um ótimo amigo.
— O Miguel, voltou pra cá pouco tempo depois que você foi estudar na cidade, ele voltou para tomar conta negócios da família. Soube que ele se casou também.
— Que legal, queria vê-lo. Depois que eles foram embora sem se despedir, nunca mais o vi.
— E por que não procura por ele, filho? Você não deve nada para essa gente. Muito pelo contrario, né?
— Vou procurá-lo nas redes sociais.
— Procure-o pessoalmente, João. E você precisa enfrentar seus medos do passado. Pare de ficar se escondendo como se devesse alguma coisa. Você é muito superior a eles.
Assenti e mudei de assunto mais uma vez.
— Como está a escola?
— Está ótima, adoro trabalhar ali. Queria ter trabalhado quando você estudava nela, eu teria evitado muita coisa. — Minha mãe disse com um tom raivoso.
— Podemos, por favor, parar de falar do passado, mãe?
— Tudo bem, filho, desculpa, mas é que ainda não engoli aquela mulherzinha de quinta, que pensa que é melhor que alguém por ser branca. Mas um dia ela terá o castigo dela. Um dia ela vai entender que cor da pele não diferencia ninguém.
— Não pense mais sobre isso. É passado e se é passado tem que permanecer lá.
Minha mãe pareceu não acreditar muito no meu desinteresse, mas continuamos conversando sobre outros assuntos. Algum tempo depois terminamos o nosso almoço, que foi muito agradável, minha mãe se despediu de mim com beijos, mandando eu me cuidar e perguntando mais várias vezes se eu realmente não queria morar com ela. Em seguida voltou para a escola, enquanto eu fui rindo da cara chorosa dela por eu estar me encaminhando para a minha Ducati Monster 1200 cilindradas.
Assim que vim morar aqui, vendi meu carro e realizei meu sonho de juventude e mesmo contra a vontade da minha mãe, comprei a minha moto que era a minha mais nova paixão.
Subi na Ducati, a liguei e apreciei o ronco forte do motor.
Era música para os meus ouvidos.
Parti com o vento batendo contra o meu corpo e era disso que eu precisava: o vento que me calmava, pensar na inauguração da Angels e fazer planos futuros para esquecer problemas do passado.
A noite caiu e depois das novidades que a minha mãe tinha me contado, aquela história de não dormir uma noite com cada mulher acabaria. Voltei a ser o João pegador e depois de sair para beber alguma coisa, voltei para casa com uma morena gata que me deu mole no bar, porém, ao contrário das outras vezes em que iludi, tentei seguir em frente, mas não consegui e por medo de tentar, abandonei, dessa vez logo de cara já avisei a moça que não passaria daquela noite. Pelo menos o rolo com a namorada do meu amigo, serviu para que eu aprendesse a não iludir mais as mulheres.
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