Dança gatinho, dança!
Capítulo seis
João
Deixei a Mariana próxima a sua casa e já estava quase escurecendo. Nem acredito que esse dia aconteceu!
Passamos a tarde juntos, conversamos na beira da cachoeira, comemos um salgadinho murcho que era vendido no barzinho que tinha lá, rimos, tivemos assuntos sérios e também assuntos bobos sobre coisas que vivemos juntos quando estudávamos e separados, quando estávamos na faculdade e distantes um do outro. Quando percebemos que o sol estava querendo se pôr, ela disse que já estava na hora de irmos, mas por mim eu teria ficado ali, sentado naquela pedra, por mais um bom tempo.
Quando parei na pracinha, nos despedimos de maneira estranha, ela me deu um abraço rápido, seguido de um sorriso tímido e um até a próxima, mas acho que a estranhes era mais da minha parte, porque acho que ela me via somente como amigo, que na verdade era como eu deveria vê-la também, enquanto eu... Bom, eu também a via como amiga, mas não posso evitar sentir um arrepio pelo corpo e uma lembrança de tudo que já vivemos, sempre que ela sorri.
Tenho que me afastar!
Esse pensamento me vinha à cabeça sempre que eu pensava na loucura que eu estava fazendo, me aproximando dela novamente. Ela vai se casar, João! Me repreendia sempre que lembrava dos risos e até mesmo da lembrança da mão dela na minha, quando quis me defender dos seguranças. Não posso negar que fiquei com vergonha de tê-la ali para testemunhar mais essa humilhação que sofri, por conta da cor da minha pele, apesar de que eu até já tinha me acostumado, não me irritava mais tanto quanto já me irritei um dia, mas hoje me entristeci extremamente, pois a Mari estava ao meu lado para presenciar e isso além de me entristecer, me envergonhou. Apesar de que minha mãe sempre me disse que quem tinha que sentir vergonha de ser ignorante, era quem praticava o racismo e não nós. Entretanto, foi ela entrelaçar nossos dedos e me defender de uma forma tão firme em tudo que dizia, que fez os sentimentos decadentes sumirem e eu percebi que realmente Mari ainda era do jeitinho de como me lembrava, não tinha mudado e nem virado como a mãe. Ela ainda era a minha Mari... Quero dizer: a mesma Mari, com o coração bom e sem preconceitos.
Contudo, no mesmo instante eu sentia que nosso tempo passou, éramos somente amigos e eu podia parar com isso quando quisesse. Mas só enganava a mim mesmo.
Apesar de toda a confusão e mesmo sendo difícil de entender, nós gostamos tanto daquele dia, que decidimos não parar de nos ver e marcamos um novo passeio para a semana seguinte e trocamos telefones, na verdade ela já tinha o meu e eu gravei o contato dela no meu celular, para acertarmos tudo. Somente como amigos. Sempre deixei claro para mim mesmo. Ela iria se casar e estávamos saindo somente como amigos, para que ela pudesse sair um pouco do mundo cansativo da preparação do casamento.
*
Já fazia dias que eu tinha passado a tarde na cachoeira com a Mari e depois disso ela não me ligou. Fiquei esperando e por diversas vezes peguei o celular, encarei o número dela no intuito de ligar e desisti. Não queria atrapalhá-la e se ela não ligou, talvez seja porque se arrependeu do combinado. Uma tristeza tomava conta de mim quando eu penava que ela estava tão envolvida no casamento, que nem sequer se lembrasse do nosso combinado. O pensamento de que Mari iria se casar me atingia como um soco e então eu entendia que talvez eu não devesse mesmo esperar que ela me ligasse.
Foquei no trabalho, era domingo e eu estava arrumando tudo para o funcionamento da daquela noite na Angels. Teríamos um show de uma banda de pop rock muito boa.
A Angels sempre foi conhecida por ser uma balada eclética, tocar todos os ritmos, e agradar a todos os públicos, sendo assim, desde o dia que abrimos, nunca tivemos problema por falta de público, a casa sempre enchia nos finais de semana e era a balada mais frequentada da região.
Na filial, o final de semana de estreia foi um sucesso e a casa lotou, não deixando o nome de a Angels cair, desde então, ela vivia cheia e eu não tinha do que reclamar, mas como mudanças são sempre bem vindas, quando contei ao Fernando sobre ter ido a um bar, com música ao vivo de uma banda de pagode e que me diverti muito, ele deu a ideia de eu tentar ingressar na atração semanal da Angels, uma banda de música ao vivo, portanto já que no domingo o movimento era mais fraco por conta de o pessoal trabalhar na segunda, resolvi colocar a banda neste dia. Eu esperava que agradasse o público e pelo o que podia ver, já estava dando certo, pois estava começando a lotar.
As horas passaram rápido, a Angels já estava cheia e enquanto eu trabalhava, conferindo um documento em um canto afastado do movimento maior, ouvi alguém me chamar:
— João.
Virei-me para ver quem era e lá estava Miguel e sua esposa.
— E aí, cara. — o cumprimentei com um aperto de mão. — Oi, Vanessa.
— João, fiz o Mi me trazer aqui de novo, amei esse lugar.
— Fico muito feliz. Te falei que a Angels era foda, Mi. — provoquei o meu amigo, usando o apelido que a Vanessa o tinha chamado.
— Para de graça, que você não vai me chamar de Mi, palhaço.
Gargalhei.
Engraçado como a minha relação com o Miguel era como se nunca tivesse deixado de ser.
— Deixa ele, amor. Ele não tem o mesmo charme que eu, para te chamar de Mi. — Vanessa disse me encarando, simulando uma falsa raiva e sorriu. Eu gostava dela, meu amigo teve sorte. Era linda, cabelos encaracolados, a pele branca e com sardas. Além de linda, era simpática e divertida.
— Deixo o chame nesse departamento, todo para você, Vanessa. — falei sorrindo. — Sentem. — apontei para os bancos ao meu lado. — O que querem beber?
Miguel pediu uma cerveja e Vanessa uma bebida doce.
— Então, soube que você e a minha irmã andaram saindo.
O simples fato de o Miguel citar a Mariana, já fez meu corpo estremecer.
— Sim, ela queria andar de moto e como eu sou o único que ela conhece que tem moto. — dei de ombros como se isso não fosse nada.
— Sei... Ela me disse que sua moto é incrível.
Sorri convencido.
— Ela é. Quando quiser dar uma volta...
— Ah, não sou de moto, não. Sou de carro mesmo.
— Medroso. — provoquei.
— Não é medo, é receio.
— Sim, João. É o mesmo receio que ele tem de barata. — Vanessa falou rindo.
— Vai me dizer que um homão desse tem medo de barata?
— Mas cara, o bicho além de ser asqueroso, voa. Não pode ser que faça parte da criação de Deus.
Vanessa e eu estávamos rindo largamente do Miguel quando fomos interrompidos.
— Que difícil achar vocês aqui. E do que riem tanto?
Era a Mari e meu sorriso aumentou ainda mais quando a vi.
— Até que enfim chegou, cunhada. Estava me sentindo perdida no meio desses dois homens tão bobos, parecem duas crianças, não param de se provocar.
— Opa, bobo não, hein! — me defendi.
— Bobo de amor por você, minha deusa. — Miguel falou, agarrou a Vanessa e a beijou, enquanto eu e a Mari trocamos olhares sem graça.
— Podem parar com isso, vocês já estão casados há anos, já podem parar com essa agarração toda. — Mari os afastou.
— Vish, Mari, se você está com esse pensamento estando prestes a se casar, pode ser que você esteja se casando com a pessoa errada. — Miguel falou sorrindo e me olhou.
O que ele quis dizer com esse sorriso irônico?
Mariana não sabia o que falar e pareceu sem jeito. Então eu para acabar com o embaraço dela, falei:
— Quer beber alguma coisa, Mari?
Ela pediu tequila e quando o barman serviu, virou em um só gole e mudou de assunto:
— Liguei para a Isa, mas ela disse que não poderia vir por conta do Arthurzinho.
— Que pena. — Vanessa falou. — Adorei conhecê-la, iria adorar conversar de novo com ela.
— A gente marca outras vezes. — Miguel falou para a sua esposa.
Ficamos em silêncio de novo, ainda impactados pelo comentário do Miguel. Mariana disse que precisava ir ao banheiro e chamou a cunhada para ir com ela, me deixando a sós com o meu amigo.
— Sabe, João, durante o tempo que morei em Portugal e depois, quando voltei lá para visitá-la, nunca vi a Mari com um sorriso tão largo e verdadeiro, como no dia que ela nos contou sobre o passeio de moto que fez com você. Era o sorriso de menina, o sorriso autêntico que ela perdeu e há tantos anos eu não a vi dar.
Sorri com essa informação e meu amigo continuou:
— Tá em suas mãos. Confio em você para manter esse sorriso no rosto dela.
— Não sei se estou entendendo o que você quer dizer. — cruzei os braços na frente do peito.
— Você sabe sim e vejo no jeito como você age quando está com ela, que você também quer.
Fiquei pensativo um instante, cogitando agir e disse em seguida:
— E o noivo? Você não gosta dele?
Ele deu de ombros.
— Tive pouco contato, me parece uma boa pessoa, mas não faz os olhos da minha irmã brilharem como você faz.
— Eu faço?
Ele deu um peteleco na minha cabeça e me pegou de surpresa, me fazendo rir quando falou:
— Para de ser fazer de mané, você reparou, né? Ou vai esperar ela te pedir um beijo de novo, enquanto a gente bride de verdade ou desafio?
Eu estava meio sem reação, mas balancei a cabeça em negativo, rindo.
Vanessa e Mariana voltaram e fui apresentar a Angels aos meus amigos. Mostrei toda a parte de baixo, o estoque, fui explicando o que era cada canto e explicando também sobre como funcionava a matriz. Subimos para o piso superior, mostrei o escritório e todos ficaram encantados com o vidro panorâmico no qual eu via tudo lá de cima.
A noite seguiu, bebemos, rimos e parecíamos amigos que nunca haviam passado tanto tempo separados. Até que em um dado momento da noite, no intervalo que a banda parou de tocar, o Dj começou a tocar Candy shop do 50 cent e a casa foi a loucura. Dois rapazes começaram a dançar passos de hip hop e logo começou a abrir uma roda no meio da pista de dança, dando espaço para eles darem piruetas e fazerem passos de break. Quem sabia dançar também entrava na roda, formando assim uma pequena competição de dança, enquanto quem estava em volta balançava as mãos no alto, aplaudiam e gritavam em incentivo.
— Ei, João, éramos bons nisso, lembra quando resolvemos fazer aula de street dance, na adolescência.
Ri.
— Éramos mesmo. Na semana das notas azuis a gente sempre ganhava os concursos de dança. — nós dois rimos com a lembrança.
— Minha mãe quis me matar, falava que era música da periferia. — Miguel gargalhou.
— Vocês tinham que ir até lá e mostrar pra eles o quanto vocês ainda são bons nisso. — Mari sugeriu.
— Ah, eu quero ver isso. — Vanessa cruzou os braços rindo.
— Por mim, tô dentro! — Miguel concordou.
— Você só pode estar brincando. — Falei rindo largamente.
— Já tô bêbado, mesmo. — ele deu de ombros. — Eu vou. — levantou-se, colocou o copo em cima do balcão e já começou a dar pulinhos e girar o pescoço como se fosse um lutador de boxe se aquecendo.
— Para, mano, você só pode estar brincando.
— Não estou, não!
Gargalhei.
— Porra! Sério? — Sorri para a Mari que me olhava de volta também sorrindo e parecia se divertir.
— Vai, João! Nunca vi o Mi dançar. Tô curiosa e doida para ver. — Vanessa disse empolgada.
Pensei um pouco.
— Vai lá, João, também estou doida para ver. — Mariana falou e tinha um sorriso safado no rosto, que fez um frenesi tomar meu corpo.
Ah... Aí foi o que bastou.
— Então vamos lá, Mi. Vamos ver se você ainda sabe dançar.
— Mi é o caralho! — Miguel falou bravo e rindo por eu usar de novo o apelido que a Vanessa o chama e todos rimos.
— Arrasa! — Mari gritou, eu passei de leve o indicador na bochecha dela, dei uma piscada e me virei indo sentido à pista de dança.
Não faço ideia de porquê vou fazer isso, mas sempre gostei de dançar e fazia tempo que eu não dançava hip hop.
— E se a minha coluna travar, cara? — Miguel perguntou me fazendo rir, enquanto nos encaminhávamos para a pista.
— Pode ser que a minha também trave.
— Ah, somos jovens ainda. — Miguel levantou o punho fechado em minha direção e eu toquei o meu punho fechado no dele.
Mas eu só pensava em impressionar aqueles lindos olhos, que me olhavam do bar.
https://youtu.be/KqM3yTgDmZw
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