Caindo em si
Capítulo quatro
Mariana
Que dia!
Como eu lido com toda essa informação que recebi?
Será que a minha mãe faria isso comigo?
Parando para pensar, ela nunca aprovou meu namoro com o João e sempre fez de tudo para nos afastar, não seria algo tão impossível assim de ela ter feito. Mas espera! Era a minha mãe. Ela viu o quanto eu fiquei mal, viu que eu quase morri de tristeza e demorei a sair da depressão que tomou conta de mim, após tudo acontecer. Será que ela faria isso comigo?
Não... Acho que não. Prefiro acreditar que não.
Quando cheguei em casa depois do encontro com o João, corri para o meu quarto para que ninguém me visse e me tranquei lá. Qualquer um que olhasse para mim, veria que andei chorando e não queria que ninguém soubesse.
Tomei um banho demorado e pensei muito. Voltei ao passado diversas vezes a procura de detalhes que eu poderia ter deixado passar, como por exemplo: lembrei-me de algumas discussões dos meus pais que presenciei sem querer, durante o período em que eu estava muito triste, que meu pai pedia para que a minha mãe me revelasse tudo. Não sei se tinha a ver comigo, na época eu sempre achava que era algo a ver com a doença do meu pai, mas depois da conversa com o João, tudo que eu me lembrava do passado parecia suspeito.
Ainda não acredito no João, mas quando me lembro dos seus olhos me olhando, tão verdadeiros e parecendo tão surpresos com tudo que eu contava, a dúvida tomava conta de mim e eu já não tinha certeza de mais nada.
Desci para tomar café com a minha mãe no dia seguinte e minha aparência era miserável.
— Nossa, Mariana, você está péssima! Tudo isso é saudade do Breno? — minha mãe me perguntou, eu não respondi e coloquei café na xícara, ainda perdida em tudo que aconteceu na noite anterior, pensando em cada palavra do João. — Você falou com ele?
— Com quem? — Perguntei assustada.
— Com o Breno. Ainda está dormindo?
— Ah! Não falei. Ele disse que me ligaria, mas não ligou.
— Logo ele liga. Ainda deve estar perdido no fuso horário.
Assenti e passei requeijão na torrada.
— Você demorou a chegar do aeroporto, ontem. Onde você foi?
— A lugar nenhum, só que o carro acabou o combustível comigo na estrada, tive que ir a um posto, buscar gasolina e voltar até onde tinha deixado o carro. Por isso demorou. — dei de ombros, contando a verdade, porém omitindo a parte da ajuda do João, como se a noite de ontem não tivesse acontecido.
— Desculpa por isso, me esqueci de colocar gasolina. Detesto dirigir, detesto ficar sem motorista e seu pai disse que iria arrumar um e não arrumou. — ela revirou os olhos como se isso fosse muito importante. — Falando nisso, como não tenho motorista, vou com a sua tia Virginia até a casa da sua tia Rosália e não poderei sair com você para resolver nada do casamento, hoje. Pense como um dia de folga. — ela sorriu e eu sorri também, um sorriso falso de boca fechada. Pensando bem o sorriso era verdadeiro. Adorei essa notícia, não estou nada a fim de pensar em casamento, hoje.
— Vou sair para visitar a igreja, então. — falei.
Ela se acendeu de orgulho.
— Isso mesmo, filha! Tudo tem que estar perfeito. A família do Breno é muito importante, são muito ricos e todos têm que ter uma boa impressão da nossa família. Ah! Eu contratei um cerimonialista muito famoso. Você vai adorá-lo! — Dei mais uma vez o sorriso falso em resposta. Esse era verdadeiramente falso.
Não consigo pensar em nada sobre esse casamento, até por que, para mim meu casamento perfeito sempre foi sonhado em uma capela no interior, de frente para um campo e tudo bem simples. Só o amor e a cerimônia que seriam o ponto alto ali, nada de glamour e luxo. Mas quando contei isso para a minha mãe, ela fez cara de nojo, brigou comigo e disse que nunca, nenhuma Medeiros casou-se em uma capela simples e a filha dela não seria a primeira.
Após o café, minha mãe saiu com a minha tia e eu subi para o meu quarto, a fim de me jogar na cama e esperar a ligação do Breno. Mas um tempo depois que eu estava lá e lendo, pensei que já tinha passado da hora dele me ligar e dizer que chegou. Fiquei preocupada e tentei ligar para ele. Na segunda tentativa ele atendeu:
— Oi, amor! — um som alto tocava ao fundo e eu estranhei.
— Está tudo bem, Breno? Você ficou de me ligar quando chegasse.
— Ah, está sim. Desculpa, é que cheguei, dormi um pouco, depois vim para a empresa e acabei esquecendo. E aí, está tudo bem? Sua mãe já começou a te deixar doida com os preparativos do casamento?
Me esqueceu.
— Graças aos céus hoje estou tranquila, mas amanhã começaremos.
— Ainda bem que não estarei aí. — ele riu. — Mas já estou com saudade de você, amor.
— Também estou.
— Olha, vou ter que voltar ali, que o pessoal está me chamando, quando eu chegar em casa te ligo.
— Tudo bem, vai lá. Depois nos falamos.
— Até mais tarde, beijos.
— Beijos.
Mas quando eu mandei o beijo, ele já tinha desligado. Fiquei olhando para a tela do celular imaginando de onde vinha aquela música, já que pelo fuso horário lá está no meio da tarde e, além disso, o achei tão distante e não digo distante fisicamente, o achei distante emocionalmente.
Enviei uma mensagem mandando beijo para o Breno e decidi que iria sair para dar uma volta pela cidade e ver como estava tudo depois de todos esses anos, adorava ir a vários lugares que eu ia quando mais nova.
Dirigi um tempo meio sem rumo e quando dei por mim, sem que tivesse planejado, eu estava em frente à loja da Isabela.
Fiquei ali por alguns minutos observando o lugar e criando coragem para ir de novo até lá. Foi então que eu a vi andando pela calçada, junto com um menino lindo que ela pegava pela mão. Isabela entrou na loja, sorrindo, pegou o menino no colo e sumiu do meu campo de visão. Então desci do carro e decidida, fui até lá.
Assim que entrei, uma vendedora sorridente veio me atender e eu retribui o cumprimento sorrindo também. Disse a ela que queria falar com a Isabela e no mesmo instante, minha antiga amiga apareceu e me olhou surpresa.
— Você voltou!
— Ham... Preciso conversar com você um minuto. Será que pode, por favor, me dar um instante do seu tempo?
— Claro, entra aqui.
Isabela me levou para uma sala como se fosse um escritório e indicou que eu me sentasse de frente para uma mesa, deu a volta nela, se sentou do outro lado e de frente para mim.
Estávamos tão cheias de gentilezas e cerimônia, que nem parecia que fomos duas amigas e que juntas vivemos tantas loucuras na adolescência.
— Podemos conversar sossegadas aqui.
Sorri e tentei um assunto superficial:
— Essa loja é sua?
— Sim.
— É linda.
— Obrigada.
Assenti sem saber como continuar o assunto, aí ela o fez:
— Quanto tempo! Fiquei tão confusa ontem, quando você foi embora correndo.
— Desculpa por ontem. — consegui falar.
— Tudo bem. Você voltou, é o que importa.
Olhei para ela e agora não consigo imaginá-la sendo tão falsa a ponto de ter me traído daquela forma. Então decidi que não diria nada e apenas a entregaria a foto e veria a sua reação. Abri a bolsa, sendo observada por ela, peguei a foto e a deslizei sobre a mesa com o indicador e indiquei que ela olhasse.
— Que droga é essa? — ela falou assustada quando olhou a foto de perto — Isso é uma mentira!
— Pela sua reação presumo que você não tenha namorado o João enquanto eu estava internada.
— Claro que não! Como você pode pensar isso? João é como um irmão para mim e ele estava sofrendo tanto sem você, que mesmo se não fosse como irmão e eu quisesse beijá-lo, ele nunca me veria como mulher.
Abaixei a cabeça, fechei meus olhos e comecei a chorar. Como pude ser tão burra e ter me deixado enganar assim? Pensando agora em tudo que aconteceu, vejo que a minha amiga nunca faria aquilo comigo, ela sempre me apoiou a ficar com o João, sempre foi tão fiel a mim.
Isabela deu a volta na mesa, sentou-se ao meu lado, pegou a minha mão e disse:
— Me conta o que aconteceu.
— Eu não sei o que aconteceu, mas acho que fui vítima de uma armação. — enxuguei os olhos com as mãos. — Fui tão injusta com você e com o João. Como pude ter pensado que vocês me trairiam?
— Olha, eu te detestei todas as vezes que vi o João sofrendo, mas agora olhando essa foto pelo ângulo que foi tirada, até eu acho que beijei o João. — ela falou olhando a foto. — Mas imagina você beijando o Miguel. — fiz uma careta de nojo e ela continuou: — Viu, essa seria a reação exata.
Eu sorri.
— Me desculpa? Me perdoa por ter pensado tão mal de você? — perguntei chorando.
— Claro. — ela me abraçou — Como eu disse, eu também acreditaria nessa foto.
— Mas eu tinha que ter confirmado, nem que fosse para brigar com vocês. Eu não devia ter ido embora e vivido todos esses anos sofrendo por tudo.
— Olha, Mari, esquece isso.
Só consegui assenti e ela perguntou:
— Mas o que fez você desacreditar de toda a história em que acreditou por anos?
Afastei-me da Isabela, sem jeito.
— Tanto a sua reação quanto a do João me mostraram muita sinceridade. Agora sei que estão falando a verdade ou se estiverem mentindo, vocês são ótimos atores. — Isa riu e eu ri também. Isa... Quanto tempo eu não pensava nela como Isa. A minha amiga Isa.
— Acho também, que agora que você é uma mulher adulta, você é capaz de ver tudo com mais calma, do que antes, quando era mais nova.
Concordei com uma afirmação de cabeça.
— Ah e me desculpa, amiga, mas sua mãe sempre foi meio esnobe e nunca gostou do João.
— Amiga? — sorri e ela assentiu. — Muito bom ouvir isso depois de tanto tempo.
— Eu nunca deixei de ser sua amiga, mesmo quando te odiei. Eu sempre tentava imaginar que você devia ter um motivo para ter ido embora sem nem uma explicação.
— Sabe, Isa. Pensando agora, acho que realmente minha mãe pode ter inventado tudo sim, depois que viu que perdi o bebê.
— Ah, o bebê... João sofreu tanto por ele. — fechei meus olhos ao ouvir isso. — mesmo sabendo que era pai por tão pouco tempo, quando ele perdeu vocês, ele sofreu demais.
Isabela pensou um pouco e disse:
— Só um minuto. — ela olhou para o relógio, deu a volta na mesa e ligou para alguém. — Oi, isso, sou eu. Pode vir aqui, por favor? Tá. Ah e trás a tia Carmem, que é importante.
Isa desligou o telefone, olhou para mim e disse séria:
— Você precisa saber um pouco mais do outro lado da história, para não haver dúvidas de que tudo não passou de uma armação.
Ela me contou que tinha chamado a sua mãe e a mãe do João, que trabalhavam ali perto na escola em que estudamos. Disse que estavam no horário de almoço e viriam em breve, ver o que ela queria.
Enquanto esperávamos, contei para ela o quanto sofri por conta desta história toda e da minha quase depressão. Contei como conheci o Breno e falei que os apresentaria em breve quando ele voltasse para o casamento. Isabela pareceu triste quando mencionei o casamento, mas sorriu em resposta, como incentivo para que eu falasse mais. Fomos interrompidas quando as duas mulheres entraram na sala e se assustaram ao me ver. As duas continuavam muito bonitas, a mãe do João ainda parecia mais ser sua irmã.
— O que está acontecendo? — a mãe do João falou e me olhou com desprezo.
— A história do João e da Mari, tem muito mais história do que imaginávamos.
Minha amiga contou tudo, mostrou a foto e ouvi a mãe da Isa dizer baixo um "maldita mulher dos infernos" e depois sorriu para mim para disfarçar.
— Olha, Mariana, se você ainda tem dúvidas que essa foto seja mentirosa, eu confirmo. Isa não dividia nem pirulito com o João, quando eram pequenos, de tanto que ela era nojenta. Ou seja, beijo nunca. — a mãe da Isa disse.
A mãe do João sorriu com a lembrança, depois olhou para mim e parou de sorrir, demonstrando uma grande mágoa no olhar.
— Meu filho sofreu tanto quando você foi embora, sem nem se despedir pessoalmente dele.
— Me desculpa, mas...
— Eu o vi confuso, — ela me interrompeu. — triste, sem entender o que tinha acontecido, o vi se sentindo diminuído por sua cor, menosprezado por sua classe social e até por o pai ter morrido, pois segundo a sua mãe, ele não ter uma figura paterna também seria um problema.
— Me desculpa pelo o que a minha...
— Talvez você não saiba disso, mas foi a sua mãe que o disse tudo isso e o fez se sentir um lixo. Eu vi meu filho chorando, ouvindo música triste, trancado no quarto por horas e depois de você, ele nunca mais sorriu aquele sorriso feliz, que eu o via dar quando eu chegava em casa depois de um dia de trabalho e fingia não perceber que você tinha passado o dia todo ali com ele. — ela sorriu sem vontade e enxugou uma lágrima. — Portanto, você precisa de prova, mas eu não preciso de prova nenhuma para lhe dizer que essa foto é uma grande mentira. Eu vi o que o meu filho passou e sei que ele te amava demais para fazer qualquer coisa que te fizesse sofrer, além de que, ele sempre teve e tem um coração muito grande para fazer qualquer um sofrer.
A Isa e a sua mãe também estavam chorando, assim como eu, que agora mantinha a minha cabeça baixa, enquanto dona Carmem continuava a falar:
— E se não bastasse perder a garota por quem ele era apaixonado e ser diminuído, ele ainda perdeu um filho e eu um neto. Sim, recebi a notícia da gravidez e em seguida que você tinha perdido, foi pouco tempo, mas sentimos sim a dor da perda. — ela limpou as lagrimas. — Olha, Mariana. Eu espero que você tenha um casamento feliz com o genro rico, branco e perfeito que sua mãe aprova. Espero que volte para onde você veio, para quem sabe assim, meu filho também volte a ser feliz de verdade.
Dona Carmem se levantou e saiu do escritório, me deixando destruída e me sentindo culpada por ter sido tão ingênua e manipulável. Enxuguei as lágrimas que escorriam pelo meu rosto.
— Dê tempo a ela. — foi o que dona Carla me disse e saiu atrás da amiga me deixando a sós com a sua filha.
— Isa, eu não preciso de mais nada para me dizer que ele é inocente. Senti toda a dor que João sentiu, através de cada palavra da dona Carmem. — falei e Isa me olhou com compaixão.
— Tudo vai se resolver. Fica em paz, Mari.
Isa pegou na minha mão e depois nos abraçamos, um abraço perfeito de amizade reconstruída, de anos de distância e de reconciliação.
Mas enquanto cada minuto passava, eu só pensava em dar esse mesmo abraço demorado no João e pedir desculpa por tudo que a minha mãe nos fez passar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro