Capítulo quatro
A fuga de uma triste realidade nem sempre é uma fuga, às vezes, pode ser o primeiro passo rumo ao encontro de um abraço.
Capítulo quatro
Othon
Eu já tinha encerrado o meu expediente e já estava com a capa de chuva, esperando que o aguaceiro que caía amenizasse para assim eu conseguir ir embora de moto. De onde eu estava era inevitável ouvir a discussão que vinha do quarto de Pietro e Isabela que ficava bem em cima da garagem. Pensei o quanto ele foi babaca pelo modo com que tratou a mulher que tinha acabado de sofrer uma situação traumática e ao invés de tratá-la com carinho e acalmá-la, foi um grosso e a culpou, assim como os seus pais.
Havia apenas dois dias que eu estava convivendo com aquela família, mas eu já podia perceber e até tinha certeza que a única pessoa boa ali era a Isabela e até, talvez por ela ser tão maltratada, o meu instinto protetor em tão pouco tempo já tinha feito com que eu me apegasse a ela e a vontade de protegê-la sempre falava mais alto.
Fiquei mais um tempo ali, vi quando Pietro saiu e achei estranho ele não sentir medo que algo o acontecesse, já que ele e seu pai que eram os alvos até então. Gerson tinha nos passado as cartas que eles tinham recebido e as ameaças eram muito superficiais, mas sempre diziam que ambos iriam pagar pelo que fizeram e a primeira coisa que me veio a cabeça era que as cartas podiam ser de um antigo funcionário. Eu pensava que o dono das ameaças não era alguém acostumado a fazê-las e que elas eram resposta a algo que Pietro ou Bernardo haviam feito a alguém. Além de que, a pessoa que nos seguiu mais cedo também não era alguém que tinha experiência no que estava fazendo, já que em nenhum momento tentou se camuflar na perseguição e foi rápido descobrir que o carro estava nos seguindo. Isso me fez crer e passar para o Gerson que em minha opinião, não era alguém contratado para isso, talvez fosse alguém tentando apenas assustar ou se vingar. A placa era fria e de nada serviu anotá-la, pois não nos levou a lugar algum em relação a descobrir quem era o motorista do carro e pelas câmeras de segurança também não conseguimos nem uma imagem já que o veículo tinha os vidro tão escuros que não conseguiram flagrar quem dirigia.
Quando a chuva já tinha dado uma aliviada decidi enfim ir embora, mas quando eu já estava montado na moto ouvi o burburinho dos seguranças que estavam de plantão, fui ver o que era e soube que a Isabela estava saindo, aí já fiquei preocupado e pensei que aquilo não ia prestar. Logo vi o carro dando ré e em seguida foi para o caminho sentido o portão, mas parou antes de abrir e realmente sair. Imediatamente mandei uma mensagem para o Gerson avisando o que estava acontecendo e em poucas palavras o expliquei que eu estava seguindo a Isabela afim de protegê-la caso algo acontecesse. Subi na moto e os seguranças da noite pareciam dar graças a Deus por eu estar ali e tomar as rédeas dos acontecimentos, afinal, consegui apenas colocar o capacete novamente antes de Isabela abrir o portão e passar por ele, comigo logo atrás dela.
Seguimos por mais de uma hora e ainda bem que o tanque da moto estava cheio ou eu não conseguiria acompanhá-la, além da chuva que caía e não dava trégua, tinham as estradas que estavam começando a alagar e a ficarem perigosas, já eu, a cada quilômetro rodado ficava cada vez mais preocupado.
Isabela pegou a estrada para a serra, passamos por uma grande ponte onde o nível da água estava assustador e estava quase passando por cima dela. O carro a minha frente seguiu para os bairros mais afastados e a estrada tinha muitas curvas e subidas íngremes que dava a impressão de que as encostas iam desbarrancar a qualquer momento conforme seguíamos nela, mas Isabela não parava e eu me perguntava como ela não notava que eu a estava seguindo e o perigo que estava correndo.
Depois de alguns minutos entre árvores, curvas e ribanceiras, chegamos a uma pequena planície cercada por pinheiros altos e no que parecia ser uma chácara com a entrada para um chalé. Estava muito escuro e apenas com o farol ligado e apontado para o portão, Isabela desceu do carro para abrir o cadeado e então eu parei a moto bruscamente ao seu lado e ela não se assustou, então chamei sua atenção:
⸺ Isabela, você não sabe o quanto é perigoso você estar aqui sozinha? Poderia ser outra pessoa te seguindo e não eu ⸺ falei alto, em meio ao barulho do motor baixo do carro e o da moto que estavam ligados.
⸺ Eu não estou com o medo, sabia desde o início que era você quem estava vindo atrás de mim e sinceramente, só criei mais coragem ao saber que você estava comigo.
Desci da moto, tirei o capacete e fui até próximo da Isabela.
⸺ Vou ligar e avisar que você está aqui.
⸺ Não! ⸺ ela falou, nervosa. ⸺ Por favor, me deixe aqui, não precisa mais me proteger de nada. Só me deixa aqui.
⸺ É o meu trabalho, Isabela.
⸺ Eu te demito.
⸺ Não fui contratado por você.
⸺ Droga! ⸺ Ela bateu a mão na lateral do corpo e nitidamente irritada.
⸺ Vou ligar. ⸺ Comecei a tirar a mochila para pegar o celular e ela segurou meu braço.
⸺ Só espera até amanhã, por favor, pode ir embora não precisa ficar aqui comigo sei que deve ter coisas para fazer, mas eu preciso desta noite, preciso que ao menos Pietro sinta que pode me perder.
⸺ Tem outras maneiras de você mostrar isso para ele e sem se colocar em perigo.
⸺ Só vai embora e me deixa aqui! Diz que não me encontrou.
⸺ Eu não vou a lugar nenhum se você não for.
Ela respirou fundo e soltou o ar tentando controlar a irritação.
⸺ Tudo bem, fica, mas não avisa ninguém.
A chuva tinha parado e apenas uma garoa grossa estava caindo sobre nós. Suspirei, mas enfim respondi:
⸺ Não aviso, mas amanhã, logo de manhã vamos embora. Não sei se estamos seguros aqui, vim o caminho todo prestando atenção e acho que ninguém nos seguiu, mas amanhã vamos embora, ok?
Ela balançou a cabeça em positivo e disse triste:
⸺ Tá, vamos entrar e lá dentro conversamos direito.
Ajudei Isabela a abrir o portão e ela me entregou a chave para que eu o trancasse depois de passar por ele e então dirigiu até a frente do chalé. Passei com a minha moto e tranquei o portão, depois olhei todo o entorno e pelo o que pude notar rapidamente, não tinha vizinhos, o muro era alto e o portão era de madeira, mas totalmente fechado, então ninguém saberia que estávamos ali. Após a inspeção segui com a moto até a entrada do chalé e a Isabela já havia aberto a porta e iluminado todo o ambiente. O chalé era um misto de moderno e rústico, a porta dava de frente para a escada que levava para os cômodos de cima, do lado esquerdo ficava a cozinha e do lado direito a sala que tinha uma lareira, um único sofá grande de três lugares que ficava de frente para uma estante com uma televisão de última geração e um moderno aparelho de som integrado.
A noite estava fria, era por volta das nove da noite, peguei meu celular para ver se tinha alguma ligação e estava completamente sem área, fui até o telefone fixo que havia no chalé e ele também estava mudo, provavelmente por conta de toda a chuva que caiu desde a tarde a linha devia ter estragado.
Tirei a minha capa de chuva e a estendi em um gancho que ficava próximo a porta e fiquei só com o terno que estava seco. Observei a Isabela mexer no cabelo que estava parecendo molhado por conta da garoa que pegamos ao chegar, depois a vi sentar-se na cadeira da pequena mesa que ficava na entrada do chalé e Isabela parecia muito triste.
⸺ Você está com o cabelo molhado, devia secá-lo para não ficar doente.
⸺ Vou fazer isso ⸺ disse, olhando para as mãos e ficou em silêncio em seguida.
⸺ Você está bem? Quando quiser podemos voltar.
⸺ Eu não vou voltar! Volta você se quiser.
Suspirei e me sentei a sua frente.
⸺ Não vou voltar, se você vai ficar, eu fico. Tipo no filme Titanic se você pula, eu pulo.
Ela me olhou como se estranhasse a minha citação, sorriu, depois fechou os olhos e chorou, apoiou os cotovelos na mesa e cobriu o rosto enquanto chorava e aí, seu choro desenfreado mexeu comigo. Eu detestava ver as pessoas chorando, então com um ato completamente inconsequente eu me levantei, rompi a distância entre nós e a abracei como eu queria ter feito algumas vezes nesses dois dias que convivi com ela, parecia muita pretensão minha, mas ela precisava de um abraço e de alguém que a dissesse que tudo ficaria bem. Vi como ela ficou bem quando passou o dia com as irmãs e ela era tão menosprezada naquela casa que ela só precisava de um pouco de atenção, então eu fiquei feliz em estar sozinho com ela ali e poder abraçá-la.
Meus braços ficaram em volta dela e no primeiro segundo pensei que talvez ela estivesse desprezando o meu ato, entretanto, quando comecei a pensar que eu tinha me adiantado demais, faltado com respeito e ia me afastar, Isabela retribuiu o abraço e me apertou de encontro ao seu corpo, com força como se realmente fosse isso que ela precisasse.
De início eu só quis acalentá-la, mas aí quando ela me abraçou de volta algo em mim mudou e era como se algo que desligou em mim há nove anos voltasse a ser ligado. Desde que perdi a Aline, que eu estava desligado e morto para a vida, há nove anos perdi meu sorriso e só fui levando os dias sem sentir nada e com medo de me aproximar de alguém e de algum modo a vida tirá-la de mim como sempre faz. Vivi nove anos sem receber um abraço de ninguém, pois eu não tinha ninguém que pudesse me dá-lo a não ser meus amigos que eu afastava sempre que tentavam uma conversa mais íntima. Eu não quis mais saber de ninguém, nem de viver nem de sentir, eu só sobrevivi nesses nove anos de solidão e com isso, ao abraçá-la e senti-la tão perto, percebi que o abraço foi mais importante para mim do que para ela.
⸺ Ai, me desculpa por isso. ⸺ Ela me afastou. ⸺ Sou uma chorona, obrigada pelo abraço, mas só que... Eu agora pensei em tudo e...
⸺ Não... é... ⸺ eu estava sem fala. ⸺ Tudo bem... É... Agora vá secar o seu cabelo, antes que fique doente. ⸺ Me afastei mais e fui até a janela verificar se estava tudo seguro, enquanto Isabela se levantou e foi até o banheiro.
Fiquei no silêncio na janela da sala olhando a chuva cair e tentando acalmar o meu coração e a sensação estranha que meu corpo estava sentindo.
Um abraço... Um único abraço e algo em mim reacendeu.
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