Aquela vontade de proteger alguém, talvez seja o amor aparecendo de forma disfarçada.

Capítulo três

Othon

Eu detestava ver alguém chorar, eu já havia chorado demais e sabia como era sensação de sufocamento, depois de transbordamento e esgotamento. Quando vi Isabela chorando eu queria abraçá-la e queria perguntar como ela estava se sentindo, queria saber como ajudá-la de alguma forma e tirar a sua dor. Eu tinha ouvido a sua tentativa de comunicação e interação naquela mesa e o quanto os outros integrantes da família a trataram como um nada.

Tive vontade de dar uns socos naquele marido que não via como ela estava pedindo desesperadamente por algum tipo de atenção ou distração e mais uma vez eu pude perceber que Isabela parecia realmente diferente de tudo que eu tinha imaginado que ela era.

O seu olhar triste não saía da minha cabeça, por isso talvez, meio que involuntariamente, quando encontrei com os seguranças do turno da noite avisei que ficassem de olho na direção oeste da casa, que era onde ficava o quarto da Isabela e do Pietro, não os dei nenhum motivo específico para que o local recebesse mais atenção e até disse que era intuição e eles aceitaram. Na verdade, nem eu entendi o motivo de ter pedido proteção para ela, eu não achava que Pietro fosse agredi-la nem nada, mas o barulho do tapa que Pietro deu na mesa durante a discussão me deixou em alerta. Então um dos seguranças da dupla daquela noite disse que ficaria por ali e eu agradeci.

Éramos em quatro seguranças durante o dia e mais quatro contratados para a noite que revezavam na segurança sendo uma dupla de plantão a cada noite.

Fui para a casa pilotando a minha moto em meio aos carros e com o vento frio vindo no sentido contrário. Depressa cheguei no meu pequeno Kitnet que ficava em um condomínio formado por vários outros Kitnets um ao lado do outro, onde em baixo ficava uma garagem e em cima era realmente o cômodo grande onde tinha uma cozinha separada por um balcão, em que para o lado de dentro ficava a pia, a geladeira e o fogão e do outro lado tinham baquetas altas. Logo em frente ao balcão ficava uma pequena sala formada por um único sofá e uma TV em cima da estante, ao fundo ficava a minha cama que era de casal, um criado mudo e um guarda-roupa próximo ao pequeno banheiro. Fora o banheiro era tudo no mesmo cômodo, era pequeno, mas era bem aconchegante e eu já morava ali há algum tempo.

Deixei a minha carteira e a chave da moto sobre o balcão, fui tomar banho e ao sair abri uma cerveja e um saco de Doritos. Me joguei no sofá onde com o controle remoto em mãos, passeei pelos canais da TV, mas nada me atraiu, pois a cena da Isabela chorando ainda estava bem presente nos meus pensamentos e com isso me peguei imaginando que nem sempre dinheiro trazia felicidade.

Cheguei àquela casa com os estereótipos de cada um dos patrões completamente certos na minha cabeça e a única que se mostrou diferente do que eu imaginava que era, foi a Isabela e justamente a que eu fui escalado para proteger. Ficou nítido para mim ao presenciar a conversa à mesa, apesar de me fingir de surdo, que Isabela era a única que tinha um pensamento solidário, a única que não estava satisfeita com a vida que levava e também era a única que não era ouvida. Seu olhar envergonhado e me pedindo desculpas não me saía da minha cabeça, entretanto, nada eu podia fazer para que ela se sentisse melhor, pois ali eu não fui contratado para ser amigo ou psicólogo e sim segurança.

Não dormi direito naquela noite, mas no dia seguinte pontualmente no horário de troca de turno, lá estava eu esperando para ocupar o meu lugar. Fui até a cozinha e fiquei lá com o Jackson, já que ele era o único que ainda estava por ali e Gerson e Ricardo já haviam saído com os patrões.

⸺ Cara, soube da sua instrução para que ficassem de olho no lado oeste. Aconteceu algo?

⸺ Não, é que percebi que a janela do quarto do Pietro costuma ficar aberta ⸺ menti e ele assentiu.

⸺ Mano, fiquei bem impressionado com a discussão de ontem, eu no seu lugar, teria saído e deixado a mulher lá chorando. Tenso.

⸺ Bem tenso ⸺ respondi, contido e fiquei em silêncio, não o contando que tive vontade de abraçá-la para a acalmar.

Selma estava na pia da cozinha e se virou para participar da conversa.

⸺ Sabem, eu gosto muito da Isabela e trabalho aqui desde que eles se casaram. No início ela era uma mulher totalmente diferente do que é agora, ela andava pela casa até cantando, as vezes que ela vinha até a cozinha conversar comigo, sempre fazia planos. A cozinha em anexo foi ideia dela, por ser formada em gastronomia, sabe? Mas ela nunca nem sequer ferveu uma água lá. Pietro sempre podou o seu jeito alegre e eu vi o sorriso da Isabela se apagar aos poucos e mesmo ela ainda sendo essa pessoa simpática, que trata a todos com educação, de nada lembra a Isabela que conheci quando Pietro se casou.

⸺ Que foda! ⸺ Jackson falou, pensativo.

Eu me mantive em silêncio e tomando a xícara de café que a Selma tinha me servido.

⸺ Tem homens que pensam que podar a mulher como se fosse uma planta ornamental de jardim, a moldando como quer, é a maneira certa de tê-la por perto, mas se esquecem que têm mulheres que não gostam de se sentir perfeitas e gostam mesmo é de ter seus galhos soltos e livres. Isabela é assim, e tenho visto que ela está no seu limite.

Assenti concordando como se a conhecesse, me lembrando do seu olhar e do seu choro descontrolado que mais parecia um desabafo e no instante em que paramos de falar, Maísa, apareceu na cozinha para avisar que Isabela a pediu para me avisar que sairia em meia hora.

⸺ Shopping de novo, Othon? ⸺ Jackson me perguntou, tentando me provocar e eu ri.

⸺ Percebi ontem que ela não me dará trabalho, já você... Me conte como foi a tarde na igreja. ⸺ Brinquei.

Jackson bufou irritado.

⸺ Cara, aquelas velhas são o cão! ⸺ Eu ri dele e Jackson continuou: ⸺ Depois do terço ficaram conversando até o horário da missa e... ⸺ Ele se esticou para ver se dona Nice ou alguém da família o ouvia e continuou: ⸺ Só falavam mal das outras frequentadoras, além de a dona Nice ainda querer separar a assembleia por classe social. O terço já é só para mulheres e eu tive que ficar do lado de fora da igreja.

⸺ Não sei o que faz na igreja ⸺ Selma comentou, séria.

Assenti concordando com ela e me levantei.

⸺ Bom, vou arrumar o carro para sair.

⸺ Será que se eu pedir para o tio Gerson trocar sua protegida pela minha, ele faz isso?

⸺ Nem tente a sorte ⸺ falei e saí sorrindo e pensando em como um dia de trabalho faz a diferença, no dia anterior eu não havia gostado de ser o segurança da Isabela e naquele momento eu estava me sentindo feliz e sortudo por ter sido escolhido por Pietro para ser o segurança dela.