Capítulo 2
A alegria sufocada pela solidão gera a companhia da tristeza.
Capítulo dois
Isabela
Minha sogra ainda não havia chegado da missa e já era por volta das sete da noite quando seu Bernardo e Pietro entram na sala da mansão e eu estava no sofá com o meu notebook procurando projetos sociais que eram engajados com a literatura e que precisavam da minha ajuda. Assim que os vi chegar fechei o aparelho e sorri para o meu marido que veio ao meu encontro parecendo irritado, me deu um beijo na testa que mal encostou os lábios e disse:
⸺ Só vou até o escritório participar de uma videoconferência e já subo para tomar banho e depois a gente jantar. ⸺ Sem esperar resposta ele saiu.
Eu tinha muito orgulho do profissional de sucesso que meu marido era com apenas seus trinta e cinco anos, mesmo tendo herdado sua fortuna ele fez com que ela aumentasse com seu trabalho duro, mas me perguntava se realmente ele precisava trabalhar tão duro para aumentar a fortuna e não ter tempo para aproveitá-la... Comigo.
Subi para o nosso quarto na esperança de que ele subisse logo e enquanto o aguardava comecei a ler um livro, mas não consegui me concentrar, pensando se meu marido teria ficado bravo comigo por eu ter ido à biblioteca pública e só pelo cumprimento seco que ele havia me dado quando chegou do trabalho, eu já esperava uma discussão.
Depois uma hora após eu ter subido, Pietro entrou no nosso quarto e já foi afrouxando a gravata e tirando a roupa para tomar banho, sem falar comigo. Pensando em agradá-lo, entrei no banheiro para me juntar a ele no banho e o abracei, mas Pietro me rejeitou e disse que estava cansando, que depois do jantar a gente conversaria, ao ouvi-lo me rejeitar me senti completamente desinteressante, saí do banheiro, triste e sentei-me na nossa cama a fim de esperá-lo. Me lembrei de quando nos casamos, o quanto éramos felizes, o quanto éramos fogo, tínhamos sexo todo dia e se tivéssemos mais tempo era a toda hora e aí voltando para aquele momento do nosso casamento em que Pietro vivia apenas para a empresa, eu me perguntava em que momento que havíamos deixado nossa vida de casal esfriar.
Suspirei e pensei que eu não trabalhava há muito tempo, então o que eu sabia sobre cansaço? Podia ser que ele estivesse trabalhando tanto para me proporcionar uma boa vida, que talvez eu estivesse sendo ingrata e o recriminando à toa apenas por ele não ter me deixado acompanhá-lo no banho.
Ouvi o barulho do chuveiro desligando e para não o encará-lo decidi sair do quarto e esperá-lo para o jantar no andar debaixo. Da escada eu já consegui avistar a minha sogra sentada no sofá, nos esperando para o jantar e no instante em que a vi, me arrependi de ter descido antes, já que com isso eu teria mais tempo para interagir com ela.
Sempre me perguntava quando seria o dia que enfim o Pietro sairia da casa dos pais e teríamos a nossa casa, mas sempre que eu o perguntava ele dizia que ali era mais seguro e que os seus pais se sentiriam solitários sem a nossa presença, mas eu sempre me perguntava também, em quando seria o momento em que ele pensaria um pouco em como eu me sentia.
⸺ O que tem feito com o seu cabelo, Isabela? ⸺ minha sogra perguntou, assim que me sentei ao seu lado no sofá.
⸺ Ah, essa semana não fui ao cabeleireiro, porque andei meio indisposta.
⸺ Devia ter ido, querida, o estou achando tão apagadinho. ⸺ Torceu a boca em desagrado. ⸺, devia deixá-lo crescer também, eu já te disse isso. Você ficaria linda com cabelo comprido. ⸺ Apenas sorri em resposta, para não dizer mais uma vez que eu gosto dele curto.
⸺ E o meu neto quando vem? ⸺ a mesma pergunta de sempre.
⸺ Quando o seu filho decidir que é a hora.
⸺ Vocês enrolam demais até para ter filho, na minha época era só ter.
⸺ Por mim eu já teria. ⸺ Sorri sem vontade para aquela conversa que era sempre a mesma e cheia de acusações e insinuações camufladas.
⸺ Você não devia ter medo de estragar seu corpo, tenho certeza que recupera rápido e também se não recuperar a gente acha o melhor cirurgião plástico. ⸺ Ela sorriu.
⸺ Essa não é a questão, dona Nice. ⸺ Sorri mais uma vez sem vontade.
A nossa breve conversa foi interrompida quando Pietro e seu Bernardo se juntaram a nós, o que eu agradeci mentalmente por me livrarem daquelas mesmas perguntas de sempre e em seguida fomos para a mesa de jantar.
Como em todos os dias, Pietro e o pai já começaram o assunto a mesa falando sobre mais trabalho e eu mexia no meu prato, de cabeça baixa, comendo em silêncio enquanto pensava nos projetos sociais que eu tinha visto mais cedo. Eu estava tão cansada de apenas ouvir sobre assuntos dos quais eu não entendia nada, que resolvi explanar meus pensamentos e os interrompi:
⸺ A empresa apoia algum projeto social?
Os dois me olharam como se tivesse crescido um chifre no meio da minha testa.
⸺ Projeto social? ⸺ meu sogro perguntou.
⸺ Sim, eu estava pesquisando hoje e existe alguns projetos literários, a biblioteca pública, por exemplo, entre outros, que aceitam ajuda de empresas privadas.
Vi um sorriso debochado surgir no rosto do meu sogro, como se eu estivesse dizendo uma grande bobagem.
⸺ E por que faríamos isso? ⸺ meu marido perguntou e a minha vontade era responder que fariam apenas para gastar um pouco a fortuna que tanto ganham.
⸺ Bom, além de fazer para ajudar os menos favorecidos, podemos fazer também, pois dependendo do projeto o governo abate uma porcentagem nos impostos ou a empresa ganha bonificações e promoções públicas. Seria ótimo para o legado e bom nome da família.
⸺ Isabela, já temos muito trabalho para nós nos preocuparmos com mais ⸺ meu sogro falou, impaciente.
⸺ E já temos um bom nome ⸺ dona Nice falou, como se tivesse respondendo a uma afronta.
⸺ E não temos tempo para nos responsabilizarmos por algo que só vai nos trazer migalhas do governo. ⸺ Pietro falou, com um sorriso debochado nos lábios e começou a mudar de assunto, mas eu o cortei.
⸺ Eu tenho tempo e poderia ver tudo que precisa e ficar responsável por isso. Eu amo o mundo literário e o trabalho social, eu ficaria feliz em fazer.
Minha sogra e meu sogro me olharam como se eu fosse um inseto e Pietro, que não consegui ler suas emoções, apenas pegou na minha mão e disse tentando parecer carinhoso, mas só estava impaciente:
⸺ Querida, outra hora falamos sobre isso. ⸺ Nisso virou-se para o seu pai e recomeçou a falar sobre números novamente.
Minha vontade era de gritar até me ouvirem.
Eu queria chorar.
Eu me sentia tão sufocada.
Olhei todos ali naquela mesa, queria bagunçar o cabelo da minha sogra, gritar com o meu sogro e estapear o meu marido para ver se ele me ouvia e depois virar aquela mesa com talheres bonitos e jogar cada prato requintado na parede, entretanto, apenas respirei fundo, controlei as lágrimas que ameaçavam cair e engoli o caroço que se formou na minha garganta e quase me tirou a respiração.
Eu só queria ser útil de novo, cozinhar, construir a minha família em uma casa minha, com filhos e meu marido... Eu só queria viver intensamente, ser amada intensamente e ser feliz intensamente.
O jantar seguiu e não dei mais nenhuma palavra, já estávamos na sobremesa e eu mexia meu prato ouvindo a conversa sem sentindo ao meu redor, com a minha sogra falando empolgada algo sobre uma grande festa que o clube caro em que éramos sócios ia promover.
Abaixei a minha cabeça e quando olhei para o lado, na porta de vidro que separava a cozinha da sala de jantar, vi que Othon estava de pé em sua posição de segurança, em que prestava atenção em tudo e fingia não ouvir a conversa. Olhei para frente e de onde eu estava via o outro segurança que se eu não estava enganada se chamava Ricardo, com a mesma posição perto da porta e observando janela afora. No pé da escada do lado do corredor que ia para o escritório, o segurança chamado Jackson estava de olho em tudo e exibia sua cara de mau e parecia uma estátua. A sensação de sufocamento voltou e sem que eu pudesse controlar falei:
— Estamos mesmo correndo tanto perigo assim?
Os três me olharam.
— O quê? — Pietro me perguntou.
— Precisamos mesmo de tantos seguranças? ⸺ Apontei para os dois que estavam alguns metros a nossa frente.
— Se eu decidi colocar é por que precisamos — meu sogro disse sorrindo, mas notei o tom de impaciência.
Assenti e fiquei em silêncio controlando a vontade de xingá-lo.
— Bom, já terminei o jantar e vou subir — dona Nice disse com olhar cansado, provavelmente de não fazer nada.
— Vou subir também. Boa noite. — Meu sogro a acompanhou.
Quando ambos se afastaram o silêncio aumentou e aí a minha vontade de gritar voltou, mas meus sogros não me achariam uma boa esposa se eu gritasse e aí eu seria alvo de mais críticas e reprovações.
⸺ Preciso falar com você sobre hoje ⸺ Pietro quebrou o silêncio, após terminar a última colherada da sua sobremesa e me olhando como se tivesse algo chato a falar.
⸺ Sobre hoje?
⸺ Sim, não quero mais você na biblioteca pública.
Fechei meus olhos controlando minha fúria.
⸺ Não entendo o motivo de você não me querer lá.
⸺ Não quero ⸺ falou como se desse o assunto por encerrado.
⸺ Mas aquele lugar me faz bem e eu não tenho muita coisa para fazer.
Ele deu um tapa na mesa que fez os talheres tremerem em cima dos pratos.
⸺ Você gosta de me irritar? Não está vendo o quanto estamos tensos em relação ao risco que todos nós estamos correndo? Você não vê o perigo que corre indo até lá? Além de não precisar se misturar com pessoas que... ⸺ Ele se conteve, eu estava imóvel e olhando para ele. Pietro nunca tinha gritado comigo assim. ⸺ Eu falei para você não ir e mesmo assim você foi ⸺ falou, baixo e parecendo arrependido pelo ataque de fúria e ficou me olhando, mas eu não o olhava.
⸺ Othon ⸺ ele chamou o segurança, que ainda estava parado no mesmo lugar e fingindo não ouvir toda a minha humilhação.
⸺ Pois não, senhor?
⸺ Me mantenha informado de cada passo do itinerário de amanhã.
⸺ Ok.
⸺ Boa noite e pode pedir para o Gerson encerrar o turno que não vamos mais sair. Ele sabe quem ficará de plantão hoje ⸺ com isso saiu da mesa, irritado e subiu a escada como um raio, me deixando para trás sem se importar.
Senti o choro vindo novamente e dessa vez tomou conta de mim, eu não consegui segurá-lo e comecei a chorar copiosamente. Eu tentava parar, mas aquele dia veio sobre mim como uma rocha e foi pesada demais, entretanto depois de alguns poucos minutos que eu chorava notei que ainda parado ao meu lado Othon parecia querer me ajudar ou talvez não soubesse o que fazer, então enxuguei as lágrimas, respirei fundo e com os meus olhos inchados e vermelhos, eu o encarei envergonhada e falei já me levantando:
⸺ Me desculpe por isso, você não é pago para presenciar essa cena, me desculpe.
Ele com uma voz acolhedora que eu ainda não tinha ouvido, me perguntou:
⸺ Você precisa de alguma coisa? Uma água? ⸺ Então o encarei e vi compaixão em seu olhar e me deu mais vontade de chorar, porque eu queria um abraço, mas era óbvio que o segurança não poderia me dar. Enxuguei mais uma lágrima.
⸺ Não, obrigada. Acho que você está dispensado e pode ir descansar.
Virei-me e subi as escadas, já no topo quando olhei para baixo, Othon ainda me observava, envergonhada quebrei o contato visual e continuei a andar sem mais olhar para a sua direção.
Fui para o meu quarto pensando que eu não queria encontrar meu marido, mas eu não tinha para onde correr, então entrei no quarto ele já estava deitado, com o celular na mão e sem me dar nenhuma atenção. Passei direto para o banheiro, tomei um banho e me preparei para dormir, depois me deitei ao seu lado e fiquei em silêncio, foi aí que enfim notando o meu descontentamento, ele me disse:
⸺ Me desculpa? Mas preciso que você entenda que não é mais só uma Chef de cozinha e que está correndo perigo.
Apenas assenti, mas por dentro pensei que ser apenas a Chef era o que eu mais estava querendo ultimamente, então permaneci em silêncio e ele continuou:
⸺ Ei, eu amo você.
Olhei para ele, demorei alguns segundos, mas enfim respondi:
⸺ Eu também te amo.
Só então meu marido me deu um beijo depois um dia inteiro e fizemos amor de reconciliação, o que me fez esquecer um pouco o sufocamento que eu estava sentindo, entretanto, quando acabou ele se virou para o lado e dormiu, não parecendo em nada o marido apaixonado com quem eu me casei e comparando com o nosso início, o sexo estava cada vez mais morno e sem graça. Com isso, eu também me virei para o lado e pensei um pouco mais no quanto seria bom se o nosso casamento voltasse a ser o que era, se tivéssemos a nossa casa e a empresa apoiasse algum projeto social e eu pudesse ser a organizadora disso, mas eu não tinha apoio.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro