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Capítulo 6


Capítulo seis

Meus pais e minha irmã sempre iam até o sítio nos finais de semana, sentiam-se culpados e eu fazia o que podia para garanti-los que eu estava muito bem e mesmo se eu estivesse me sentindo mal, na presença deles eu disfarçava para que pudessem voltar para a cidade despreocupados e para que focassem apenas no que tinham que fazer, sem pensarem em mim.

Percebi que eles não queriam me contar a real situação do escritório, mas eu via que estavam tão atarefados com a saída dos advogados, que mesmo todos tentando me dar atenção e parecendo tão divididos, eu conhecia como era cansativa a rotina do escritório e entendia que também não estava sendo fácil para eles, ter que pensar em mim e pensar em processos e mais processos, então por eles, eu também pensava que eu tinha que ficar bem logo.

Eu notava que a rotina deles estava estressante, pois o modo que a minha irmã achava de se livrar do seu estresse era mudando o cabelo e, sendo assim, no último final de semana que Sheila me viu, ela apareceu com as pontas dos cabelos pintadas de azul, o que me fez rir, fez minha mãe bufar e meu pai dizer que ela tinha mesmo que mostrar a sua personalidade.

Eu estava no ciclo dez da quimioterapia e em um dos dias pós-químio em que eu estava me sentindo muito bem, Senhor Antônio entrou na cozinha enquanto eu tomava o meu café da manhã e em meio a conversa, comentou que teria uma apresentação de música, com um conhecido cantor que cantava MPB, disse que a apresentação seria em um barzinho na pequena cidade que ficava próxima do sítio.

— Você e o Mateus deveriam ir ouvir uma música. Quando eu era jovem, sempre me animava com música.

— O senhor ainda é bem jovem — falei.

— Não sou mais jovem igual a vocês.

— Liarinha, esse meu véio é teimoso, só por que teve uma gripe forte aquela vez, acha que está morrendo — dona Zilda disse, abanando as mãos como se o senhor Antônio estivesse dizendo bobeira e eu ri.

— Bobagem! Acho que vocês também deveriam ir ouvir música, sair e se divertir. Vocês são muito jovens para se privarem da diversão — falei e quando terminei a frase Mateus entrou pela porta da cozinha. — Não é verdade, Mateus? — perguntei, já o colocando na conversa.

— O quê?

— Filho, falei para a Liara que vocês deveriam ir ver o cantor que faz sucesso na cidade. Sair para espairecer, já que vocês são jovens e só ficam enfurnados nesse sítio. — senhor Antônio explicou, sem falar sobre eles também irem.

— E eu disse que seus pais também são jovens e tinham que ir também.

— Eu concordo com os dois. Você está se sentindo bem hoje? — Mateus me perguntou solidário e eu assenti. — E o senhor, pai, está cansado?

inteiro.

— Ótimo então hoje vamos os quatro, comer uma pizza e ouvir música.

— Adorei! — falei animada.

— Você está mesmo precisando se animar — Mateus disse e passou o dedo delicadamente na minha testa como se tirasse um cisco que estava ali, depois desceu com o dedo pela lateral do meu rosto e apertou a minha bochecha levemente. Seu toque inesperado e carinhoso aqueceu meu coração e eu me senti cuidada com aquele simples gesto, com isso sorri envergonhada.

Olhei para os pais do Mateus e vi que senhor Antônio e dona Zilda se olharam cumplices e o toque carinhoso do Mateus em mim não tinha passado despercebido por eles e quando notei isso senti minhas bochechas vermelhas e dona Zilda falou, como se para tirar de mim o foco de todos:

bom, então iremos os quatro.

— Programa de casal — Mateus falou e quando me olhou consertou: — Não que sejamos um... amigos... Ah, você entendeu. — Rimos.

— Entendi.

A cada momento de carinho que eu e Mateus trocávamos algo em mim mudava e aquele, talvez pelo seu toque tão íntimo e inesperado ou talvez pelos olhares cumplices dos seu pais ou pelos momentos felizes e tristes que estávamos compartilhando nos últimos tempos ou talvez por algo que eu estivesse fantasiando e nem ao menos, de verdade, eu estivesse sentindo, mas aquele tinha sido diferente.

Fiquei sem saber como agir e dei graças a Deus quando o senhor Antônio olhou para fora, disse que ia chover e que ele tinha que fazer algo importante no estábulo, com isso Mateus o acompanhou e os dois saíram rapidamente da cozinha me deixando sozinha com dona Zilda.

Mateuzim gosta muito de você.

Tirei os olhos da porta por onde eles tinham passado e eu estava olhando pensativa e com um sorriso nos lábios e respondi a dona Zilda:

— E eu dele.

Ela sorriu.

— Vocês sempre se deram tão bem e agora chega ser bonito a cumplicidade de vocês. — Assenti não sabendo muito bem como responder para aquele comentário.

— Tenho ele como um irmão. — E ao dizer isso me senti mal, pois não era realmente o que sentia por Mateus.

— Sim, mas não são. — Ela piscou para mim e virou-se para fazer algo na pia, me deixando com a dúvida sobre o seu comentário. Para não aprofundar o assunto apenas fiquei em silêncio e depois de um tempo mudei o rumo da conversa a perguntando algo sobre a comida que ela estava começando a fazer.

Depois do café da manhã subi para o meu quarto, fiquei o resto do dia lá e passei as horas entre descansar e me arrumar para o programa noturno.

Eu estava me sentindo animada, pois fazia tempo que eu não saía à noite. Fiz as unhas, tirei a sobrancelha e descansei mais um pouco para que eu estivesse com o mesmo ânimo de sair quando a noite chegasse, contudo, por ficar o dia todo no quarto quando a tarde estava no final, fui até a sacada e involuntariamente deixei meus olhos varrerem todo o espaço do sítio que a vista do meu quarto podia enxergar.

E sem me enganar admiti para mim que era o Mateus que eu estava procurando.

Passeei com o olhar mais um pouco, até que parei em um ponto distante onde vi Mateus puxando um dos cavalos e o admirei um pouco, mesmo de longe e como se meu olhar chamasse pelo dele, Mateus me olhou e acenou para mim, voltando em seguida a segurar a rédea do animal.

Ele era realmente muito bonito.

Como que instantaneamente, de novo meu pensamento vagou para todos os gestos de carinho e cuidado que ele vinha tendo comigo, inclusive lembrei-me dos seus braços fortes me levando para a cama e involuntariamente mais de uma vez suspirei.

Eu sentia que algo em mim estava mudando e o que eu estava sentindo não era mais só amizade, mas por medo de sofrer mais e sem ter forças para lutar outra batalha que não fosse o câncer, eu enganava a mim mesma e pensava que o que eu estava sentindo era apenas carência misturada com muita gratidão, só que no fundo eu estava entendo que eu gostava do Mateus de outra maneira.

Saí da sacada e fui para frente do espelho, me observei um pouco, olhei meus braços magros e o meu cabelo ralo, minhas olheiras até que não estavam tão aparentes naquele dia, mas elas logo estariam ali me deixando com a aparência de doente.

Sem que eu pudesse controlar pensei novamente em Mateus e na sua aparência saudável e linda e ele não merecia nem sequer que eu pensasse em uma possibilidade de algo entre nós que não fosse apenas amizade e carinho fraternal. Ele não merecia gastar toda sua saúde comigo. Era jovem, bonito e merecia alguém que fosse igual e não tivesse a vida ultimamente regada a médicos, exames e hospitais.

Balancei a cabeça como que na tentativa de dissipar os meus pensamentos e voltei a me deitar na cama.

— Você só pode estar ficando louca, Liara — falei para mim mesma e depois fiquei em silêncio, para tentar dormir um pouco. 

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