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Prólogo... Cansada.


Clara

Aqui estou eu, mais uma vez encolhida no canto do quarto, agarrada a minha filha Mayara de apenas cinco aninhos, que me olha com os olhos assustados enquanto do outro lado da porta trancada e escorada pela cômoda, o pai dela grita bêbado e soca a porta com força como um louco. A cada batida, a porta do quarto parecia que ia cair e a cada batida eu apertava a minha filha mais forte, tentando protege-la.

Os gritos dele me xingando a toda altura e dizendo que iria nos matar ecoavam pelo quarto e eu fechava os olhos em oração para que ele não conseguisse entrar. Graças aos céus, minutos depois, os gritos foram cessando e dessa vez ele não conseguiu quebrar a porta e a minha costela, nem me deixar de olho roxo ou com o lábio cortado.

Ouvi quando o carro dele saiu da garagem, cantou pneu, saindo como um louco e mais uma vez agradeci a Deus por ele enfim ter desistido de nos matar... Dessa vez.

— Mamãe, estamos salvas? — Aqueles olhinhos cheios de lágrimas e espantados me olhavam perguntando.

— Estamos filha, e dessa vez vai ser para sempre. — Beijei o topo da cabeça dela e a ajudei a levantar, pegando-a no colo em seguida colocando-a sobre a cama.

Peguei o telefone depressa e liguei para a minha melhor amiga da época de escola. Tinha voltado a ter contato com ela a pouco mais de um ano quando a reencontrei por meio de uma rede social. Desde então, conto a ela todo o sofrimento que o meu casamento virou. Meu príncipe encantado virou um sapo horrendo e o conto de fadas para mim foi o inverso. Jeferson era um verdadeiro príncipe no começo do nosso casamento, até que a bebida o transformou em um monstro que me trai, me bate e faz da minha vida um inferno. O perdoei por diversas vezes, quando voltava arrependido e me pedia para perdão chorando. Eu não tinha para onde ir se não o perdoa-se, nem ninguém a quem pedir ajuda, já que meus pais eram filhos únicos e morreram em um desastre de ônibus logo após meu casamento.

Contei tudo isso a minha amiga Laura quando voltamos a conversar e desde a última surra em que fiquei com as costelas quebradas, ela tenta me convencer a ir morar com ela em outro estado e fugir de vez dessa vida.

Os olhinhos assustados da minha filha olhando em volta, como se vivessem com medo, foram o empurrão que eu precisava para criar coragem e fugir dali para sempre. Fui até esconderijo secreto e peguei o pouco dinheiro das coisas que vendi e dos saques à carteira de Jeferson quando ele estava um bêbado manso. Estava guardando o dinheiro para quando um dia, eu tivesse a coragem de fugir e esta coragem está me atingindo agora. Preciso sumir daqui.

Não era muito dinheiro o que eu tinha, mas era o suficiente para um taxi, duas passagens de ônibus e o início de um recomeço. Liguei para Laura com pressa e medo do meu marido voltar. Graças a Deus ela atendeu no primeiro toque.

— Amiga, não aguento mais. Aconteceu hoje de novo...

— Clara você está machucada? Quer que eu ligue pra polícia? — Ela me interrompeu assustada.

— Não, eu estou bem. Dessa vez foi só a tentativa, mas ainda está de pé a sua proposta de me salvar daqui? Posso mesmo ir morar com você — Falei entre soluços.

Ela suspirou parecendo aliviada.

— Já não era sem tempo. Toda vez que meu telefone toca com o código daí, penso ser alguém ligando para me avisar que você morreu. — Um calafrio passou pelo meu corpo e pensei nas muitas vezes que isso quase chegou acontecer. — Apague todas as pistas que possam te ligar a mim e venha. Quando estiver chegando me liga, que vou te buscar. Esse monstro não vai encontrar vocês amiga. Chega de sofrer.

Fechei meus olhos e soltei um suspiro de alívio por as propostas dela não terem sido somente palavras.

— Obrigada Laura. Me espere que estou indo.

Desliguei, fiz duas malas e coloquei nelas além de roupas o notebook em que eu conversava com a Laura, algumas joias que ele me deu, como pedido de desculpas nos dias seguinte as surras, e meu celular. Arrumei a minha Mayara e tentei mostrar a ela um sorriso de alegria.

— Vamos embora filha.

— Ele nunca mais vai nos encontrar mãe?

Me doía toda vez que ela se referia ao pai como "Ele". Ficava evidente para mim o quanto ela o desprezava, com apenas cinco aninhos.

— Não filha, nunca mais. — Ela sorriu um sorriso autêntico e com esse sorriso percebi que estava fazendo a coisa certa.

Partimos para sempre, para um futuro incerto, em busca da felicidade que nunca tivemos e que tenho certeza que vou encontrar.

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