Carona
Capítulo quatro
Clara
Após a estreia tudo dentro do meu estômago se acalmou, parei de ter a sensação de que iria vomitar a qualquer momento, como senti na primeira sexta que nos apresentamos. E no final, aquele nervosismo todo foi desnecessário, porque a estreia foi tão linda. Fomos super bem recebidas pelos frequentadores e quando estamos no comando das coqueteleiras me sinto a diva das bebidas. As mulheres nos perguntam como faz para conseguirem fazer igual e os rapazes nos fazem propostas indecentes. Cassio, o segurança, já teve que tirar um ou dois engraçadinhos que se excederam nas propostas. Fiquei amiga do Cassio, ele é bem legal e já que ele sempre ficava ali, próximo ao bar nos protegendo, sempre que dava uma folguinha a gente conversava.
Já faz duas semanas que estou trabalhando na Angels e estou amando. Os Angels foram muito simpáticos e compreensivos quanto a minha falta de prática no início, mas já estou pegando o jeito e fazendo tudo com maestria. Os outros barmans são super simpáticos e me ajudam em tudo que preciso, graças a Deus não tenho nenhum colega de trabalho como a Shirley aqui. Quase não vejo o Gustavo trabalhando, fiquei sabendo que ele está sofrendo por amor, mas os demais Angels: Fernando, Rodrigo e João estão sempre por perto. Ainda fico tensa quando eles estão me olhando trabalhar. Vez ou outra o Fernando desce e fica aqui no balcão tentando puxar assunto e ainda não me acostumei a ter patrões tão jovens. Hoje é terça feira e a Angels fica muito sossegada, mas mesmo não sendo dia de apresentação, eu e Laura sempre tentamos ser o mais alegres possível, percebemos que isso agrada os clientes, então mesmo quando estávamos lavando copos estamos cantando e nos divertindo. Hoje sei, que a melhor coisa que fiz, foi ter permitido que a Laura fizesse nossa inscrição para aquele teste. Além de trabalhar, me divirto muito aqui.
— Ei Clarinha! Olha aquele gato ali no canto. — Laura indicou o canto com o queixo. — Acho que ele está me querendo, não para de me olhar.
Sorri e balanceia cabeça em negativa.
— Amiga desde que chegamos aqui, já perdi as contas de quantos carinhas você já foi embora depois que acaba o expediente.
— Preciso tirar o estresse Clara, e nada melhor que sexo.
— Afff... Nem sei mais o que é isso. — Falei e coloquei a garrafa plástica na boca para beber um pouco de água, quando ouvi alguém perguntando atrás de mim.
— Isso o que?
— Sexo. — Laura respondeu ao Fernando e eu engasguei com a água que estava bebendo.
Lancei um olhar assassino para a minha amiga e sorri sem graça para o Fernando.
— Você não é casada Clara? — Ele me perguntou divertido.
— Sou... Não sou... Era... Sou separada! — Enfim consegui falar e parar de gaguejar.
— Hummm... E não namora?
— Não. — Eu estava fazendo uma caipirinha para o cliente, olhava para os limões que cortava e não olhava para o Fernando nem um segundo.
Ele dobrou os braços sobre o balcão e me perguntou:
— Porque sempre acho que você tem medo de mim?
— Medo? Não, de jeito nenhum. Só o respeito, como meu chefe. — Senti minhas bochechas esquentarem.
— Quem tem chefe é índio Clara, aqui sou mais como uma amigo, vocês aqui são todos nossos amigos colaboradores, precisamos mais de vocês, do que vocês da gente, sem cada um dos funcionários aqui, a Angels não funciona. — Ele parecia divertido, com um sorriso faceiro no rosto. Ele me fez carinho com aquelas palavras e me senti útil como nunca me senti na vida. O mundo precisava de mais patrões como os Angels.
— Tem razão. — Falei enquanto entregava a caipirinha ao cliente após anotar em seu cartão magnético. Em seguida voltei meu olhar para o Fernando e encarei seus olhos sorridentes. — Vou tentar ser menos introvertida.
— Não precisa, gosto do seu jeito. Você só me parece muito desconfiada.
— Não sou desconfiada. Bom, na verdade, acho que sou sim. A vida me fez ser um pouco.
— Me conta um pouco da sua vida? — Ele me perguntou cruzando os braços.
— Nada demais, só um casamento que não deu certo. — Preferi deixar a Mayara de fora da conversa, vai que eles implicam por eu ter uma filha. Ele assentiu a minha resposta.
— Está gostando de trabalhar aqui?
— Muito. — Enquanto conversava com ele eu tentava atender pedidos esporádicos que apareciam nessa terça feira calma.
— Bom, acho que estou te atrapalhando vou subir, outra hora conversamos mais.
— Você não me atrapalha Fernando. — Tentei sorrir para ele.
— Então converse comigo também, me faça perguntas, sei lá, você realmente é muito reservada. Estou sentindo como se eu conversasse sozinho aqui. — Ele disse sorrindo
Tive que sorrir.
— Bom vamos lá então... Você tem medo de mim? Você é casado? E gosta de trabalhar aqui? — Fiz a ele as mesmas perguntas que me fez.
Ele sorriu.
— Medo? Não. Casado? Não. Trabalho? Amo.
— Me conta o porquê de Angels?
— Bom... Éramos os Anjos da noite, que levam as mulheres ao céu, na verdade ainda sou. — Ele falou com uma cara de safado que senti meu rosto quente.
Assim que terminou de responder, alguém o chamou e ele se levantou para ir ao encontro do chamado, mas antes falou:
— Foi bom conversar com você Clara. Amigos?
Sorri.
— Sim, amigos.
Ele piscou para mim e se foi.
— Uau que coisa linda. — Laura disse no balcão ao meu lado, com um sorriso no rosto.
— O que? — Perguntei me virando para ela e tirando os olhos do Fernando.
— Essa interação, patrão/funcionário, coisa linda de ser ver. Ele é um gato!
— Para de ser ridícula! Eu sei o que está insinuando, mas sem chance. Nem que ele quisesse, o que não é o caso, eu não poderia.
— Por que não poderia?
— Porque tenho a Mayara.
— Que desculpa mais idiota. Não culpe a criança pelo seu medo bobo, você tem que entender que nem todo homem é um monstro como o Jeferson.
— Eu sei disso. Só acho tudo muito recente.
— Já faz um ano Clara, e mesmo se fizesse um dia. Você tem que viver.
— Ah, mas nem é por isso também. Só não quero me relacionar com ninguém e outra coisa, isso nem se quer vem ao caso, já que nada esta acontecendo aqui. Ele é meu chefe e ponto, no máximo estamos começando a sermos amigos.
— Entendi. — Ela sorriu e continuou fazendo a bebida enquanto conversava com o rapaz que agora estava sentado de frente para nós no balcão e a encarava.
Dei a volta por traz dela e sussurrei só para que ela ouvisse:
— Mas tem alguém aqui que vai se dar bem hoje né miga?
— Vou me dar ótima miga. — Ela piscou para mim.
As horas passaram rápido e trabalhar aqui era tão bom, que eu nem as via passar. Já passava das duas horas da manhã e a casa estava praticamente vazia. Uma chuva torrencial caia lá fora e agradeço a Deus por ter aceitado a proposta da dona Regina de deixar a Mayara dormir lá todos os dias e só busca-la na escola. Fiquei com o coração aflito de dormir longe dela, mas tira-la da cama de madrugada me deixava mais aflita ainda, então por fim aceitei e só pega-la depois.
O Dj anunciou o fechamento da pista e do bar e por volta das duas e meia encerramos o expediente.
— Você se importa de ir embora sozinha hoje de novo? — Laura me perguntou fazendo beicinho.
— Quem tinha que estar fazendo beicinho era eu né dona Laura. Mas a resposta é não. Claro que não me importo. Vai curtir a vida, mas cuidado, usa camisinha e não deliga o celular.
Ela riu.
— Tá mãe. Pode deixar que farei isso. — Ela me deu um beijo no rosto, pegou a bolsa na dispensa e saiu.
Fiquei rindo pensando como ela conseguia ser tão descolada e desapegada. Eu não conseguiria ser assim. Fazer sexo sem compromisso, sair com um homem cada semana. Sou do tipo romântica, mas também do que me adiantou ser tão romântica? Só apanhei, e muito. Balancei a cabeça em negativa, coloquei a bolsa no ombro e me virei para sair do estoque onde guardávamos as nossas coisas no armário. Assim que me virei dei de cara com o Fernando encostado a porta com os braços cruzados me olhando.
— Ai que sustooo! — Gritei.
— Desculpa, não quis te assustar, é que estava indo embora e o Valmir me informou que só estava esperando você sair para fechar, aí vim ver se estava tudo bem.
Respirei.
— Está tudo bem sim. Só estava terminando de arrumar minhas coisas, desculpa não queria atrasar vocês. — Falei envergonhada.
— Tudo bem, não atrasa. Você está bem? Parecia bastante chateada antes de me ver.
— Está tudo bem sim, só lembranças desagradáveis. — Tentei sorrir, mas só de mencionar as lembranças sinto um medo terrível de aquilo tudo voltar, que o sorriso saiu mais como uma careta.
— Vamos? — Fernando me indicou a saída e eu assenti.
Passamos pelo Valmir e o desejei bom descanso, que me retribuiu com um sorriso. Saí na porta lateral que dava de frente para o estacionamento da Angels ainda acompanhada pelo Fernando. Já era mais de três horas da manhã.
— Bom, vou indo Fernando. Até amanhã. — Sorri.
— Como você vai embora? Está de carro? — Ele perguntou e olhou o estacionamento como se procurasse um carro que não fosse o dele e o do Valmir que estavam estacionados ali.
— Não, vou de taxi, tem um ponto bem ali. — Apontei para o outro lado da rua.
— Eu te levo.
— Imagina, não precisa se incomodar, eu estou acostumada, posso ir de taxi.
— Pode mesmo, mas eu não vou deixar, além de que não é incomodo nenhum te levar.
Ele colou a mão nas minhas costas me indicando o carro dele e fez um arrepio subir pelo meu corpo. Segui com ele até um carro preto luxuoso e lindo. Ele destravou o alarme e abriu a porta para eu entrar.
— Obrigada. — Agradeci sem jeito e ele sorriu.
Entrei e fiquei sentindo o cheiro que pairava no carro, um perfume amadeirado tipicamente masculino, que pude sentir uma ou duas vezes, quando fiquei um pouco mais próxima dele, mas que aqui dentro estava muito presente. Ele deu a volta no carro e se instalou atrás do volante e me lançou um sorriso que retribui mais uma vez sem jeito. Assim que ligou o carro o expliquei rapidamente onde eu morava e ele disse conhecer o endereço. Começamos a zapear pelas ruas vazias e um silêncio constrangedor pairava entre nós. Ele ligou o rádio e Sam Smith - Leave Your Lover, começou a tocar. Sorri pensando que era bem música que toca no rádio de madrugada.
— Qual a graça? — Como ele me viu sorrir?
— Essas músicas românticas que tocam de madrugada. — Respondi.
— Você não gosta? Eu gosto. Sou um cara romântico.
Ele sorriu e eu sorri de volta.
— Gosto. — Pensei um pouco e olhei para fora do carro, lembrando de tudo pelo o que passei fazendo o sorriso sair do meu rosto e continuei a falar — Gostava na verdade. Parei de acreditar em romance há algum tempo.
— Esse seu ex-marido deve ter sido um idiota hem? Mas não mude por causa de um homem que passou na sua vida.
— Sim, ele era. Você não faz ideia do quanto.
Andamos mais um pouco pela cidade, até que chegamos em frete a casa da Laura. Desafivelei o cinto e olhei para ele para agradecer, mas ele estava me olhando.
— Obrigada pela carona Fernando. Desculpa o incomodo te fazer sair do seu percurso para me trazer.
— Incomodo nenhum. Foi um prazer ficar mais um pouco ao seu lado e tentar arrancar mais uma ou duas palavras dessa moça tão misteriosa e tímida.
Sorri.
— Tímida sim, não sei até agora como consigo me apresentar no bar, mas misteriosa não. Não tenho nada de mistério.
— Para mim parece ter. Será que você é uma feiticeira?
Gargalhei.
— Estou mais para bruxa e uma que não sabe fazer feitiços.
— Ah sabe sim. Tenho visto muitos homens enfeitiçados por você.
— Duvido! A bargirl que faz sucesso com os homens é a Laura.
— Tenho certeza de pelo menos um que você enfeitiçou. — Ele me olhou intensamente e eu retribui corando e segurando o olhar por um segundo, até que quebrei o clima.
— Bom, mais uma vez obrigada pela carona, eu preciso descansar porque logo mais a noite eu tenho que trabalhar novamente e tenho chefes que tiram o meu coro.
— Olha só, ela sabe fazer graça. — Eu sorri largamente para ele — Gostei desse seu lado, agora estou começando a me sentir seu amigo.
— Sim, você é. Vocês todos da Angels são. Mas vou indo, até mais tarde Fernando.
— Até mais — Ele respondeu sorrindo.
Saí do carro e fui caminhando até o portão, o abri e quando me virei para fecha-lo, vi que Fernando ainda estava estacionado do outro lado da rua me olhando. Acenei para ele e fechei o portão sorrindo.
https://youtu.be/i8XNitm7PyI
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