Capítulo 3
Capítulo três
Mais um dia de trabalho e antes de conhecer a Alice nunca tive tanta disposição e nunca levantei com tanto ânimo e alegria para trabalhar como eu estava naquele momento.
Cheguei no berçário já a procurando com os olhos, como sempre, mas como não a vi por ali, entrei para começar mais um turno e o berçário estava uma loucura naquele dia, estava lotado e parecia que todos os bebês da cidade resolveram nascer no mesmo momento.
As horas passaram rapidamente e nem de longe e através dos vidros consegui ver a Alice e assim foi até a hora que acabou o meu turno.
Saí do berçário e fui direto para o vidro da UTI, tentando ver se ela estava dentro da sala, mas não a vi e quando estava desistindo e indo para casa desanimado e sem vê-la, percebi uma das técnicas de enfermagem saindo da UTI e antes que eu pudesse pensar em me preservar e preservar a Alice de mais especulações sobre nós, perguntei:
— Oi, você sabe se a Alice veio hoje ficar com o Antony?
— Veio sim e acabou de sair, agorinha mesmo, disse que ia pegar um táxi e logo voltaria para o hospital, porque o exame do Antony hoje deu anemia e ele terá que fazer transfusão.
Aquelas palavras bateram no meu peito como um soco e imaginei o quanto ela devia estar abalada.
— Obrigado.
Não a esperei responder e saí como um raio em direção ao elevador que para a minha sorte tinha acabado de chegar no andar. Desci rezando para que ela estivesse por ali ainda.
Eu não sabia o que ia dizer para acalmá-la, mas tentaria e me colocaria a sua disposição, como amigo.
Assim que as portas do elevador se abriram no térreo, eu a vi parada na porta da frente e com o celular na mão, como se estivesse esperando um carro de aplicativo ou procurando por um.
— Alice.
Ela me olhou e vi que seus olhos estavam vermelhos como se estivesse chorando. Instintivamente apressei o passo para chegar mais próximo e sem saber o que dizer a puxei para um abraço e para a minha surpresa ela me abraçou de volta.
— Anemia...
— Já estou sabendo. Não vai ser nada demais, faz parte do processo por ele ser prematuro e ter que fazer muitos exames.
— Sim, o médico me explicou e disse que Antony vai ter que fazer uma transfusão de sangue ainda hoje.
— Ele é forte e vai ficar bem.
Ela ficou agarrada a mim por alguns segundos, enquanto eu afagava seus cabelos, mas depois se afastou parecendo envergonhada.
— Me desculpa por ter te colocado no meio da minha angustia, mas é que... você é a única pessoa que tenho aqui e os poucos que estão longe não fazem muita questão de saber de mim.
— Sou seu amigo — falei e sorri para acalmar seu coração.
Ela pareceu voltar a si e depois de enxugar os olhos voltou a olhar para o seu celular.
— Eu estava procurando o número de um táxi ou ia chamar um carro por aplicativo, mas a minha internet está ruim e não consigo. Preciso ir em casa e tomar banho e depois voltar pra cá. Acho que estou nervosa e não consigo me orientar.
— Vem, eu levo você. Estou de carro. — Alice pareceu pensar, como se ponderasse minha proposta, estava tentada a aceitar e para que ela se tranquilizasse falei: — Juro que não sou nenhum assassino, psicopata e nem nada parecido. Prometo te levar e te trazer de volta em segurança.
— Não é isso, só que não quero parecer tão desesperada por ajuda e aceitar a oferta de carona de um quase estranho.
— Ai meu coração. — Coloquei a mão no coração me fingindo de atingido e ofendido. — Poxa, eu não sou um estranho, vai? Sou seu amigo.
Ela sorriu.
— Sim. E você tem sido esses dias uma distração no meio do caos que estou vivendo. — Acho que dei o sorriso mais largo da minha vida ao ouvir o que ela disse. — Aceito a sua carona e vai me ajudar muito.
Sabia que Alice não estava com medo de mim, mas sabia também que por ser uma mulher responsável ela estava ponderando cada passo dado, justamente por me conhecer há pouco tempo e por só termos tido contato ali pelo hospital e no máximo no restaurante da frente, por isso ela estava com medo de dar mais um passo na nossa amizade me mostrando onde morava.
Em silêncio fomos andando em direção ao carro que estava no estacionamento do hospital e depois que entramos nele, assumi o volante e falei:
— Alice, já que somos amigos, acho devíamos trocar nossos números de telefone, porque eu queria te ligar há pouco e não tinha como. — Dei de ombros e me senti um tanto envergonhado por pedir seu número.
— Acho ótimo ter para quem ligar, principalmente alguém que mora perto de mim. — Ela pegou seu celular na bolsa e o entregou para mim. — Agora me dá o seu aparelho que anoto o meu número nele e você faz o mesmo no meu.
Assim fizemos e trocamos nossos números, quando Alice foi me devolver meu telefone, falou com um sorriso triste.
— Quando Antony sair do hospital, já sei para quem eu vou ligar pedindo socorro.
— Será um prazer socorrer vocês.
Liguei o carro e rumei para a casa dela enquanto ao meu lado Alice ia me explicando o caminho. Até que quando estacionei em frente a um grande portão de madeira ela, parecendo sem graça, começou a se despedir de mim:
— Obrigada pela carona, me ajudou muito.
— Você não vai voltar para o hospital?
— Sim, mas não se preocupe que eu pego um táxi, pode ir descansar.
— Não vou, eu te espero e te levo de volta.
— Claro que não, pode ir embora que volto sozinha.
— De jeito nenhum, eu insisto em te levar de volta.
Ela soprou e com um sorriso tímido perguntou:
— Você tem certeza?
— Absoluta! Pode fazer com calma tudo que tiver que fazer, que te espero aqui.
Ela pareceu pensar um pouco e envergonhada perguntou:
— Quer entrar comigo e me esperar lá dentro? Prometo que é rápido.
— Não precisa se preocupar, leve o tempo que precisar e se você for se sentir melhor eu espero aqui mesmo.
— Vou me sentir melhor se você entrar comigo.
Assenti e juntos entramos em sua casa.
Era uma casa confortável e assim que entrei na sala que era ampla e integrada com a sala de jantar, vi uma foto do falecido na estante. Ele estava vestido com o uniforme da polícia e Alice estava ao lado dele.
Quando viu que eu olhava para a foto ela me disse:
— Tenho certeza que onde ele está, deve estar feliz que eu arrumei um amigo como você.
Sorri para ela, mas dentro de mim eu imaginava que ele devia estar se remoendo de raiva se soubesse que a amizade que eu tenho com a mulher dele, de minha parte era mais colorida que um arco-íris.
O que ela quis dizer com o: "como você"?
— Espero que sim — enfim respondi.
— Juro que não vou demorar. Fica à vontade que já volto.
— Pode fazer tudo com calma que não tenho pressa.
Alice andou no corredor que levava para o que parecia ser o quarto e eu fiquei na sala sozinho. Imediatamente depois da sua saída me peguei pensando em todo caminho percorrido até eu estar ali naquele momento, eu tinha ficado dias apenas observando a Alice até que me tornei seu amigo... Não era bem o que eu queria, mas em meio as circunstâncias em que ela estava vivendo, eu estava mais do que satisfeito em estar ao seu lado nessa condição.
Analisando todo o caminho desde o momento em que a conheci até momento em que eu me encontrava, era difícil não me perguntar: o que eu estava fazendo e por que com tanta mulher no mundo eu fui me interessar justo por aquela com a vida em um momento tão bagunçado? E a resposta me atingia em seguida: eu queria ser aquele que a ajudaria a arrumar a bagunça.
Apesar de ela estar se virando bem sozinha, de ser forte e uma mulher tão guerreira como nunca vi igual, apesar de ser uma mãe leoa e que mal sai do lado do seu filho, eu sabia que todo mundo por mais forte que seja precisa de alguém para ajudar a carregar o fardo e pensei que eu seria esse alguém na vida da Alice se ela me deixasse.
— Miguel...
Eu estava perdido em meus pensamentos quando fui surpreendido por Alice, que apareceu só de toalha vindo pelo corredor e foi difícil não engolir o caroço de nervoso que se formou na minha garganta ao vê-la: ela tinha o cabelo preso em um coque e a toalha enrolada em seu corpo chegava no meio das suas coxas, que apesar de eu tentar não encará-las, não pude deixar de notar que eram grossas. Fui subindo com o olhar e notei o nó que a tolha fazia em seu busto, que ainda estava com pinguinhos de água do banho que ela tinha acabado de tomar, seu colo era lindo e a curva que se formava nos seus seios fartos, talvez por causa da amamentação, fez meu corpo esquentar e mesmo tentando me manter respeitoso, foi difícil não imaginar como ela era por baixo daquela toalha.
— Esqueci de falar, se você estiver com fome, pode mexer na geladeira. Não deve ter muita coisa, porque eu quase não estou parando aqui, mas deve ter umas frutas. Dá para enganar a fome. Rapidinho coloco a roupa e a gente vai.
Assenti, sem conseguir dizer nada e parecendo nervoso demais, depois sorri meio envergonhado. Dito isso ela voltou para o quarto e me deixou sozinho na sala com uma ereção como se eu fosse um adolescente, com um calor por todo o corpo e com uma fome que não era de comida.
Realmente ela foi bem rápida e em meia hora estava de banho tomado e pronta para voltarmos ao hospital. Percebi que seus olhos estavam novamente inchados como se tivesse chorado no banho e preferi não comentar isso para que ela não voltasse a chorar, então me levantei do sofá, a mostrando que eu estava pronto para ir quando ela quisesse, fiquei de pé.
— Demorei?
— Não, foi super rápida.
— Não quero deixar o Antony muito tempo sem mim, a gente sabe o quanto queremos nossa mãe por perto quando não estamos bem... E eu sinto muito a falta da minha.
Eu fiquei em silêncio e não sabia o que falar, então Alice me contou:
— Ela faleceu tem quase três anos e ainda sinto a sua falta.
— Acho que sempre sentirá.
Ela assentiu e começou a chorar, levando as mãos aos olhos como instinto para se esconder de mim. Imediatamente rompi a distância entre nós e a puxei para um abraço e com isso Alice destampou os olhos e abraçou a minha cintura, chorando em meu peito a seguir.
Ficamos apenas assim: abraçados e em silêncio, abraço esse que eu a puxava de encontro ao meu corpo e a aninhava de forma que ela pudesse se sentir segura em meus braços, enquanto eu apoiava o meu queixo em sua cabeça.
Com o tempo o seu choro foi amenizando e então ainda abraçada a mim ela disse:
— Desculpa. Tenho uns momentos de fraqueza que são quando penso no pior, quando penso que para ficar com meu marido deixei o pouco de família que eu tinha na outra cidade e me mudei para cá onde juntos compramos essa. Não tenho irmãos, meus pais morreram e o meu único motivo para viver é o meu filho que... — Ela ia começar a chorar novamente quando eu apertei um pouco mais de encontro ao meu peito, então ela respirou fundo e continuou: — Ele vai sair do hospital logo... Ele vai!
— Sim, ele vai e precisa de você forte ao seu lado, mas também sempre que precisar chorar eu estarei aqui para você colocar tudo para fora e depois se reerguer.
Com isso, ela se afastou de mim e limpou as lágrimas com as mãos, depois me olhou nos olhos e já não parecendo mais ter tanta vergonha de expor suas emoções para mim, disse:
— Obrigada.
— Não por isso.
Ela me olhou e suspirou e eu tive que me manter firme para não beijá-la.
— Vamos, que você precisa descansar e o meu guerreirinho precisa de mim. —Concordei e saímos da sua casa de volta para o hospital.
No caminho ela começou a se abrir sobre a sua vida e me contou que seus sogros não gostavam muito dela e não aprovaram o casamento com o marido, mas como ambos se gostavam decidiram enfrentar tudo para ficarem juntos. Ela disse que amava o marido, mas depois de uns anos morando ali, ela não tinha mais certeza se era realmente aquilo que ela queria, só que em seguida veio a notícia da gravidez e com ela a melhora no modo em que o marido a tratava, porém, por uma fatalidade acabou morrendo. Pensei em perguntar do que ele morreu, mas achei melhor não tocar em mais essa ferida.
Enquanto conversávamos ela parecia se sentir melhor e era como se estivesse colocando para fora toda a angústia que tinha pela falta de não ter ninguém para dividir tudo que estava sentindo.
Estacionei em frente ao hospital e com gratidão a Alice se despediu de mim:
— Miguel, muito obrigada por ser esse amigo... incrível.
— Se quiser que eu passe a noite com você eu faço isso. — A olhei nos olhos e mostrei que realmente era verdade e eu ficaria ali com ela se me pedisse.
— Agradeço e me sinto honrada, mas prefiro que você vá descansar.
— Tudo bem, mas qualquer coisa me liga e amanhã cedo estou aqui. — Sorri.
Ela suspirou, me olhou nos olhos como se quisesse dizer algo e voltou a suspirar, depois parecendo incrédula, sorriu e disse:
— Você é um desperdício, viu! Tão maravilhoso assim e... — Ela não completou a frase e tive a impressão que ela queria dizer solteiro, quase respondi que podia ser dela, mas achei demais, então apenas dei um sorriso orgulhoso e pensei: vou dar um tempo até tudo se organizar em sua vida e por enquanto serei apenas o amigo que ela precisa, mas logo espero dar um passo no relacionamento e sair do lugar de só amigo.
Pela primeira vez Alice me deu um beijo no rosto como despedida e em seguida desceu do carro para ir ficar com o seu Antony.
Já eu, parti para a minha casa onde a noite seria longa com a imagem dela só de tolha na minha mente e o toque dos seus lábios no meu rosto.
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