Capítulo 1
Mãe... mulher... não tem que ser exemplo de força, está tudo bem dividir o fardo e ter mais um elo na corrente da vida. Isso não é fraqueza, é reconhecer o valor que se conectar ao outro pode ter e aí interligados deixar tudo mais leve e o peso mais fácil de carregar.
Capítulo um
Eu estava trabalhando quando a vi pela primeira vez, ela tinha a mão na incubadora e olhava para o seu bebê recém-nascido ali dentro, percebi pelos seus olhos que seu pensamento estava longe, enquanto lágrimas saíam dos seus olhos e ela as enxugava rapidamente com as costas da mão, antes que elas escorressem para dentro da máscara que usava. Fazia isso como se por instinto para que ninguém as visse e talvez tenha sido nesse pequeno instante, em que possivelmente fui o único a ver seu momento de fraqueza, que dentro de mim despertou o interesse e a vontade de saber mais sobre aquela mulher.
Depois da primeira vez que a notei, sem que eu pudesse controlar meus olhos pareciam ser puxados para ela e todos os dias quando eu chegava no hospital para trabalhar, logo a enxergava através dos vidros e ela sempre estava com o olhar triste e ao mesmo tempo esperançoso para o pequeno guerreirinho dentro da incubadora.
Eu era enfermeiro no berçário que ficava em frente a Unidade de Terapia Intensiva onde seu bebê ganhava peso, já tinha visto milhares de mães com seus bebês, milhares de mães chorando e sorrindo e isso fazia com que eu entendesse menos o motivo daquela mulher ter ligado algo em mim que as outras não, e foi por essa faísca acesa no meu coração que comecei a acompanhá-la de longe dia a dia.
Mesmo a distância eu admirava seus movimentos e tinha uma vontade estranha de me aproximar e perguntar se ela estava sentindo-se bem, se precisava de ajuda ou até mesmo se precisava desabafar, porém, até eu achava que o interesse súbito que passei a sentir por aquela desconhecida e seu bebê era estranho, apesar de eu ter a sensação de a conhecer de algum lugar e de já ter visto seus lindos olhos castanhos.
Dia após dia percebi que era claro que as suas dores não eram apenas dos pontos do parto cesárea que tinha feito há pouco, ela parecia sentir dor na alma, mas também era nítido o quanto tentava se manter forte.
No início pensei que eu só devia estar ficando louco, mas a cada dia queria saber mais dela e de tudo que a afligia, me pegava ansioso por vê-la sorrir enquanto conversava com seu bebê e quando eu estava em casa logo queria voltar para o hospital.
Com o passar dos dias fiquei ensaiando um jeito de me aproximar, mas faltava coragem, me achava um doido por pensar demais em uma paciente do hospital e estava com medo de assustá-la com o meu interesse repentino, afinal, ela era desconhecida e tinha acabado de dar à luz.
Isso nunca tinha acontecido e quem estava assustado era eu.
Fiz perguntas, sondei de modo discreto com as minhas colegas da UTI e descobri que a mulher se chamava Alice, tinha vinte e nove anos e pelo o que uma das enfermeiras me contou, ela era viúva, soube que o marido havia morrido no ano anterior, quando Alice tinha acabado de descobrir a gravidez. Pensei que talvez pelo estresse de se ver nessa situação que o bebê tinha nascido antes do previsto.
Ela era bonita mesmo com o semblante triste e seu olhar que transmitia solidão, tinha o cabelo curto e castanho, sempre preso em um rabo de cavalo alto e seus lábios eram cheios de modo que me faziam pensar enquanto a observava, se eles eram assim em um dia feliz ou só eram evidentes e rosados por ela chorar tanto, fazendo-os ficarem daquele modo.
No início quando a observava, mesmo com a máscara da UTI a vi fazer careta de dor quando se mexia bruscamente e pensei ser por conta dos pontos, a vi fazer careta de dor ao amamentar o bebê e em seguida a vi chorar e sorrir pela alegria de vê-lo conseguindo mamar direto em seu seio, depois parecia sempre se emocionar quando o amamentava.
A vi conversar com as enfermeiras e em seu rosto tinha um olhar agradecido por elas cuidarem do seu filho e eu sempre quando podia, parava o que eu estava fazendo para observar o quanto ela era uma mulher forte e uma linda mãe.
Ainda sem deixar transparecer meu interesse e só parecendo curioso, pedi para alguma das minhas colegas Técnicas de Enfermagem, irem até ela e a perguntar se precisava de algo, me mantive diariamente informado sobre o estado de saúde do bebê, que descobri que se chamava Antony e me via feliz a cada grama que ele ganhava, como se estivesse acompanhando a evolução de alguém da minha família ou até de forma paternal, imaginando que aquele bebezinho não teria um.
Conforme os dias foram passando e ela foi se recuperando da cesárea, Alice ficava mais tempo com Antony do que em qualquer outro lugar e só saía do seu lado quando era para comer ou ir até a sua casa rapidamente.
Fazia dez dias que eu a observava e a cada dia meu interesse só aumentava, meus colegas de trabalho já sabiam do meu interesse e uns até zombavam de mim dizendo que eu tinha que criar coragem e me aproximar do meu amor platônico, outros diziam que eu parecia um psicopata, mas a verdade era que nem eu sabia o que sentia por àquela mulher com olhar calmo e sorriso doce.
Minha melhor amiga, a Mônica, trabalhava comigo no hospital e me xingava todos os dias dizendo que eu estava ficando louco e não foi diferente em uma conversa que tivemos no nosso horário de almoço no hospital.
— Um homem do seu tamanho, Miguel! — falou após tomar um gole do seu suco e terminar seu prato. — Parece um menininho apaixonado pela professora do primário a diferença é que é todo alto, com esse cabelo castanho e brilhoso de homem feito e bem resolvido e essa pele morena que parece que acabou de sair da praia. Você é o Enfermeiro bonitão, o que arrasa os corações das mulheres do hospital e está apaixonado justo por uma das mães.
Eu só sabia rir enquanto ela brigava comigo e sorria.
— Não estou apaixonado, mas sei lá, é mais forte do que eu e tenho a sensação de que a conheço, sabe? E só quero saber se ela está bem.
— Ah, agora vai usar a cantadinha de que já a conhece de outras vidas?
Ri.
— Claro que não, sou um homem sério.
— Tá, homem sério, mas o que você pretende é ficar para sempre a admirando de longe? Para sempre não, né? Pois logo o bebê terá alta.
— Eu não sei. — Pensei sobre não vê-la mais e me deu uma pontada de tristeza.
— Conversa com ela, arruma um jeito de se aproximar.
— Não vou fazer isso, ela passou e está passando por um momento difícil, não cabe um relacionamento na vida dela.
— Às vezes, pode ser que o que esteja faltando...
— Não.
Ela revirou os olhos.
— Medroso! Nem me deixa terminar de falar. Eu ia dizer que pode ser que esteja faltando um amigo, alguém para ajudar carregar o fardo, você mesmo já me disse que nunca a viu acompanhada por ninguém.
Pensei um pouco e falei:
— Não, nunca vi nem mãe, amiga... ninguém.
— Então, pode ser que ela não tenha ninguém.
— Vou pensar. — Nesse momento ela entrou no restaurante do hospital e eu a observei do momento em que apareceu na porta até o momento que se sentou.
— Olha, e a cada dia você está pior. Só falta babar — Mônica disse, me tirando do meu transe.
— Lógico que não.
— Logico que sim e sinto te informar que acabou nosso horário de almoço e você não vai poder ficar aqui babando por ela.
Rindo, saímos do restaurante, mas antes de ir a olhei mais uma vez.
No dia seguinte cheguei para trabalhar e lá estava Alice, sentada na salinha do lado de fora da UTI e lendo um livro, parecendo solitária como sempre, mas estava ali à postos caso seu filho precisasse. Passei por ela e quase a cumprimentei ou puxei assunto, mas não fiz por falta de coragem e por pensar que ela me acharia um doido intrometido.
Mais uma vez percebi que dias tinham se passado e Alice continuava sem ninguém com ela no hospital, não a vi ter apoio ou alguém para oferecê-la um ombro amigo enquanto acompanhava a luta daquele pequeno serzinho para ganhar peso e ir para a casa. Com isso, me lembrei das palavras da Mônica sobre eu me oferecer como amigo e até que ela não estava errada.
Mesmo na solidão eu conseguia ver em Alice a esperança e a confiança, principalmente quando as enfermeiras diziam que seu bebê tinha ganhado peso e com isso eu a via sorrir e era como se ela tivesse recebido o apoio que precisava.
Ela sorria e eu sorria também por ver a nuvem escura em seu olhar sumir.
Quanto ao Antony, eu já tinha um carinho especial por aquele guerreirinho e torcia tanto pela sua recuperação que me via vibrando a cada peso ganho e até parecia que ele era da minha família.
Quinze dias depois da primeira vez que a vi, acordei decidido a ao menos começar uma aproximação e fui o caminho todo de casa até o hospital dirigindo e pensando em como ser notado por ela e me tornar um amigo.
Durante o caminho, ensaiei diversas formas de começar uma conversa parecendo inteligente, mas quando aconteceu não foi como nenhuma das que eu imaginei. Assim que cheguei no andar do berçário a vi de frente para o vidro da UTI e sem pensar muito em uma tática de aproximação e sendo completamente impulsivo, parei ao seu lado com as mãos nos bolsos e tentando ser casual, falei:
— Antony, é fortão, né? — Ela me olhou parecendo perguntar a si mesma quem era aquele homem invadindo a sua bolha de preocupação, mas ao notar meu uniforme verde do hospital deu um sorriso tímido e respondeu:
— Sim, espero que a cada dia mais.
— Ah, vai sim. — Eu tremia, parecia um menino inexperiente e eu nunca tinha me sentido tão atraído assim por alguém e tão repentinamente e instintivamente.
Ficamos em silêncio e nervoso, dei um jeito de continuar a conversa:
— Me chamo Miguel. — Estendi a mão para ela.
— Eu me chamo Alice. — Ela pegou a minha mão, em meio a um sorriso que também tinha um pouco de curiosidade ao meu respeito.
— Eu sei — respondi rapidamente, parecendo desesperado demais.
Era estranho o quanto eu me sentia atraído por ela.
— Sabe? — perguntou, juntando as sobrancelhas e tinha um olhar amistoso que parecia esconder um sorriso.
— Sou Enfermeiro. — Soltei da sua mão e apontei para as minhas roupas, como se fosse óbvio. — E apesar de não estar cuidando diretamente do Antony, sei tudo sobre ele e... sobre você.
Ela assentiu, ficou em silêncio e eu não tive entendimento do que o seu silêncio significava, então antes que tivéssemos que parar de conversar por algum motivo, emendei:
— Venho te observando e é sempre só você com o Antony.
Ela me olhou como se testasse minhas palavras e respondeu cautelosa:
— Sim, sou sozinha há alguns... meses.
— Espero não estar sendo invasivo nem nada, mas se sentir-se sozinha e quiser conversar... — Dei de ombros como se estivesse à disposição. — Juro que não sou um psicopata e enquanto estiver no hospital... Se quiser um... amigo.
Pra que se oferecer tanto, Miguel?
Ela sorriu genuinamente e pensei estar conseguindo sua confiança.
— Seria bom, não tenho ninguém fora daqui. A minha pouca família é distante, na verdade nem os considero família.
Ela até que estava receptiva ao meu contato, talvez por conta da solidão ou por se sentir segura comigo por eu ser funcionário do hospital, não sei... Eu só sabia que estava me sentindo muito feliz com isso, entretanto, quando eu ia aprofundar a conversa, fui chamado no berçário o que me deixou irritado, mas me lembrou de que eu estava no trabalho e tinha obrigações, então me despedi rapidamente, mesmo querendo ficar:
— Alice, tenho que trabalhar, mas se quiser conversar enquanto estiver no hospital, estou bem aqui na frente. — Apontei para o berçário e pensei em dizer que poderíamos sair mais tarde para conversar, mas isso soaria como um flerte e de início eu só queria que ela soubesse que em mim tem um amigo.
— Obrigada, foi um prazer conversar com você. — Alice sorriu parecendo feliz e como um imã meus olhos foram puxados para os seus lábios e com isso pude notar que eram normalmente chamativos e cheios, também quando ela estava feliz e não somente quando chorava.
Relutante me afastei dela e a deixei olhando para as incubadoras com vários bebezinhos.
Me virei para ir ao berçário e ao erguer meus olhos encontrei os meus colegas de trabalho nos observando enquanto fingiam trabalhar. Eu sabia que estavam felizes por me ver enfim tomar coragem e tentar um contato com a Alice, com isso, disfarçadamente me lançavam sinais de positivo, que me fizeram sorrir ainda mais e em resposta, eu também disfarçando, ergui o punho fechado como sinal de vitória e quando me aproximei os acalmei, dizendo que ela e eu seriamos apenas amigos e que eu a respeitava muito. Minha fala fez as mulheres presente suspirarem.
Com meu peito em brasa e com a sua voz delicada repetindo em meus pensamentos, comecei a trabalhar ainda mais encantado do que antes por Alice e em meu rosto, um sorriso feliz ficou o dia todo, o que fez minhas colegas de trabalho caçoaram de mim a cada vez que me olhavam.
No dia seguinte, fiquei enrolando para almoçar e de olho na UTI a minha frente. Não tinha mais tentado contato com Alice para não parecer tão desesperado, entretanto aquele já era outro dia e eu já pensava em como me aproximar dela novamente.
Pensei que eu tinha que ir com calma para não assustá-la, então a minha ideia era me aproximar novamente só que parecendo que foi completamente por acaso.
Como eu tinha amigas na UTI, pedi que uma delas me informasse quando Alice estivesse de saída para almoçar e no meu setor dei um jeito de deixar as Técnicas responsáveis pelo berçário, para que eu conseguisse sair para almoçar no mesmo horário que ela, foi então que tudo resolvido e de maneira inocentemente armada, encontrei com ela na porta do elevador.
— Oi de novo — cumprimentei.
— Oi de novo.
— Indo almoçar? — perguntei me xingando mentalmente por ser tão obvio.
— Sim.
— Olha que coincidência, eu também estou indo. Quer almoçar comigo? — Ela me olhou como se analisasse meu convite e eu me apressei em deixá-lo parecer despretensioso. — É que sempre almoço com a minha amiga Mônica, mas ela já almoçou e detesto almoçar sozinho. — Pensei que fui rápido demais, mas, às vezes, era preciso uma tática mais ousada, por outro lado, usei a Mônica como modo de dizer que eu tinha amigas e que podíamos ser amigos se ela quisesse e que assim o nosso almoço era totalmente inocente.
Ela pensou um pouco e falou:
— Quero sim.
Tentando conter meu sorriso de alegria descemos em silêncio no elevador e seguimos até o restaurante que ficava ao lado do hospital, em que a maioria dos funcionários e dos acompanhantes almoçavam.
Ela parecia sem jeito ao meu lado, como se não estive acostumada com uma companhia masculina há algum tempo ou como se não estivesse acostumada com companhia alguma.
No restaurante Alice serviu-se apenas de comidas leves e folhas e eu para acompanhá-la também me servi de pouca comida e juntos fomos no sentar.
De início parecíamos sem assunto até que ela me perguntou para puxar assunto:
— Faz tempo que você trabalha aqui?
— Não, não faz nem três meses, antes daqui eu trabalhava na emergência de outro hospital, mas eu não gostava daquela loucura e minha amiga, a Mônica, me avisou que aqui tinham vagas em aberto e aqui estou eu.
— Que legal. As enfermeiras me falam muito bem de você e falam muito. — Ela riu. — Você é muito popular entre elas. — Sorri feliz, pois sabia que elas estavam fazendo propaganda a meu respeito por saberem do meu interesse na Alice, mas também pensei que ela podia ter interpretado todos os elogios das minhas amigas de outro modo e me apressei em deixar claro.
— São todas minhas amigas, assim como os Médicos e todos os outros funcionários do hospital. Tenho sorte de por onde passo faço muitos amigos.
Ela sorriu.
— Percebi que você é uma boa pessoa e por isso estamos aqui almoçando. — Fiquei sem jeito com o seu elogio e perguntei para tirar o foco de mim:
— Você mora aqui perto?
— Mais ou menos, moro a uns quinze minutos de carro.
— Sempre morou aqui?
— Não. — Ela deu uma pausa como se pensasse se contava ou não a sua vida para um desconhecido, mas acho que a transmiti confiança, então continuou: — Me mudei para cá na semana que descobri a gravidez, estávamos muito felizes, meu marido era policial, tinha conseguido um ótimo emprego aqui e na semana seguinte, depois de desempacotar a última caixa da mudança, perdi meu marido e mesmo não tendo ninguém nessa cidade, decidi ficar na nossa casa, porque na outra eu também não tinha.
— Sinto muito.
— Agora estou bem quanto a solidão, têm vezes que dói, mas foi mais difícil nos primeiros meses, depois me apeguei aos preparativos da chegada do Antony para tentar esquecer... Aí ele nasceu antes do tempo e eu estou revivendo toda a dor e o medo de perder...
— Ele vai ficar bem, você não vai perdê-lo. — Instintivamente peguei na sua mão e ela me olhou.
— Sim, tem razão. — Soltou a sua mão da minha e parecendo sem graça por ficar com os olhos marejados na frente de alguém que acabou de conhecer. — Desculpa por descarregar toda a minha frustração em você.
— Imagina! Amigos são para isso.
Ela sorriu de um jeito genuíno para a minha menção da palavra amigo e eu me senti incrível por tê-la feito sorrir depois de um momento triste.
Após alguns assuntos aleatórios infelizmente a hora passou rápido, terminamos de almoçar e voltamos para o hospital, ao chegarmos no nosso andar, nos despedimos de maneira tímida, ela agradeceu o almoço e foi se preparar para entrar na UTI, já eu me preparava para voltar ao berçário, entretanto dentro de mim o sentimento que prevalecia era de ansiedade e eu só contava os minutos para alguns momentos com ela novamente.
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