INTERLÚDIO - ORGULHO E DECEPÇÃO
Olá, amorecos. Eu sei que prometi esse bônus caso o Brasil ganhasse. BUT, como perdemos,vou liberar como consolo pra vocês KKKKK
(quando a autora é ansiosa e quer liberar capítulo fica inventando desculpa)
Espero que gostem.
Boa leitura.
São Paulo, 1995
A porta do nosso quarto se abriu bem pouquinho, rangendo baixo, mas, para às onze da noite, com todo o apartamento em silêncio, parecia o som mais alto do mundo. Mesmo entreaberta, e mesmo minha prima sendo magra, passar pelo vão estreito era uma missão quase impossível. Logicamente ela ia esbarrar na madeira.
— Faz mais barulho, Larissa — sussurrei em advertência, no meu lugar do beliche, em cima.
— Cale a boca — devolveu, encostando a porta com o maior cuidado.
Um segundo mais tarde, senti-a sentando-se na parte debaixo do beliche, onde ela dormia. Enquanto descia, ouvi-a chacoalhar a velha lanterna para as pilhas funcionarem. Já estava ao seu lado quando a parca luz iluminou seu rosto infantil.
Larissa segurava um velho exemplar de Capitães de Areia, emprestado da biblioteca da escola onde estudávamos. Meti-me debaixo das cobertas e debruço, cobrindo-nos totalmente, enquanto minha prima abria a primeira página.
Era sexta-feira e, como de costume, passávamos o final de semana lendo. Tia Erica não nos impedia de ler — inclusive incentivava com gibis e tudo mais —, mas não às onze da noite. "Hora de criança dormir", dizia quando pedíamos pra ficar mais tempo acordados. Assim, duas horas depois de estarmos na cama, Larissa se esgueirava pelo apartamento e ia até a mochila buscar o livro da semana. Minha tia não nos deixava trazer o material escolar para o quarto justamente porque sabia que íamos burlar sua regra. E de qualquer maneira o fazíamos.
Meu tio Olavo era um caso à parte. Para ele, era aceitável a filha ler, mas não para mim. "Não é coisa de macho", era sempre o que me dizia quando me pegava lendo. Dois meses atrás, inclusive, ele chegou mais cedo do trabalho e me pegou com um livro de Monteiro Lobato nas mãos. O resultado foi que ele meteu fogo no exemplar e depois me deu uma surra de cinta, me mandando procurar coisas de homem para serem feitas: jogar futebol, correr na rua, cantar umas garotas.
E olha que eu só tenho doze anos.
E toda vez que tio Olavo me batia por qualquer coisa que eu fizesse por não ser "coisa de homem" minha casa virava um inferno, pois tia Erica brigava muito com o marido, ficava dias sem falar com ele e por qualquer motivo estavam discutindo. Até que comecei a apanhar às escondidas e ser ameaçado caso eu contasse alguma coisa pra minha prima ou minha tia. Logicamente eu não achava justo apanhar sem motivo e não ter de contar nada, mas eu também não queria causar mais atritos entre o casal que estava me criando desde os meus cinco anos de idade e, por bem ou por mal, me dando lar, comida e educação. O básico que meu pai e minha mãe biológicos não me deram.
Para evitar esse tipo de conflito, desde os onze anos eu venho lendo às escondidas — se não sou pego, não apanho, se não apanho, não há conflitos — e Larissa sempre me ajudou muito nesse quesito, me acobertando diversas vezes, me avisando quando o pai estava chegando, então eu escondia meus livros debaixo do travesseiro e o esperava não estar à vista para retomar minha leitura. Dois meses atrás foi uma das poucas exceções desde então. Apanhei calado e tive de esconder as marcas no meu corpo por algum tempo, pois não queria que minha tia soubesse dessa violência.
Erica também me encobria. Enquanto Olavo estava no trabalho, eu aproveitava para ler tudo o que podia. Quando faltavam cinco ou dez minutos para chegar em casa, ela me avisava, então eu rapidamente guardava meus livros e ia fazer qualquer coisa considerada de homem. Quando meu tio chegava e me via jogando videogame, ou assistindo às partidas de futebol, me dava um sorriso de orgulho, me cumprimentava e bagunçava meus cabelos e me deixava em paz.
No fundo, sentia-me estranho por enganá-lo daquela maneira, mas ao mesmo tempo, eu queria deixá-lo orgulhoso de mim, porque quando eu lhe dava orgulho, tio Olavo não me rejeitava, nem me ofendia com palavras do tipo "Você não é viado pra fazer isso". Ele era um cara legal quando eu me comportava da maneira que ele achava ser ideal um homem se comportar.
— Ouvi o papai dizer que vai trabalhar amanhã — Larissa disse baixinho, passando a lanterna pela folha. Desconcentrei-me um segundo da leitura e a olhei com um sorrisinho.
— Podemos passar o dia lendo, então? — perguntei, no mesmo tom.
Larissa afirmou em positivo com um maneio de cabeça. Eu sorri e beijei-a no rosto. Era minha prima, mas eu a considerava minha irmã. Como temos a mesma idade, ela sendo mais velha do que eu em dois meses, nós crescemos juntos desde sempre, e somos cúmplices em tudo.
De repente, a porta se abriu com força, e a luz foi ligada. Antes que eu pudesse sequer pensar em enfiar o livro por baixo do travesseiro, a coberta já era arrancada de cima de nós, nos descobrindo. Ao virar o rosto, eu vi meu tio apenas de calção e regata branca, segurando o cinto de couro. Engoli em seco, já sabendo que ia apanhar.
Eu pensava em falar qualquer coisa, mas não tive oportunidade, porque Larissa pulou da cama e se pôs entre mim e o pai.
— Não vai bater nele!
— Saia da minha frente, Larissa! — ele ordenou, entredentes.
— Não vai bater no Levi, pai! Ele só está lendo, não está fazendo nada demais — a menina continuou o enfrentando, enquanto eu me encolhi mais para os fundos da cama, amedrontado demais até mesmo para aproveitar a oportunidade e sair correndo. E, de qualquer maneira, eu não tinha a quem recorrer. Tia Erica não estava em casa, pois precisou passar a noite na casa de família onde trabalhava.
— Vocês dois estão desobedecendo. Você — e apontou para a filha — por ainda estar acordada, e ele — apontou para mim — por estar acordado e ainda por cima lendo! — Olavo empurrou a menina para o lado e avançou sobre mim, tirando o livro da minha mão.
Eu tentei pescá-lo de volta — misericórdia se ele ateasse fogo em um livro da escola! —, mas não consegui, pois fui empurrado com força total contra à parede em que o beliche estava encostado. Bati a cabeça e fiquei levemente zonzo. Nem me dei ao luxo de sentir dor, porque um segundo depois eu era arrastado para fora da cama. Uma, duas, três, quatro cintadas entre as pernas e a lombar, enquanto Larissa chorava baixinho e puxava as mãos do pai, pedindo-o para parar.
Embora doesse mais do que eu poderia suportar, mantive-me calado, segurando o choro — chorar seria ainda pior, e ele me bateria mais. Na sexta cintada, Olavo achou que estava de bom tamanho. Jogou-me de volta ao meu lugar.
— Nunca mais pensem que podem me enganar. E da próxima vez, Larissa — disse, virando-se para a filha —, você também vai apanhar — ameaçou, mas sabíamos que jamais tocaria um dedo na filha, não faria nem um terço do que fazia comigo. Antes de sair ele me olhou uma última vez e disse: — Você é uma decepção, Levi.
Ao bater da porta, eu me desmanchei em choro. Não de dor na carne — em partes era —, mas de dor na alma. Toda noite me perguntava o que eu tinha feito aos meus pais para terem ido embora e me deixado para ser criado por esse homem. O carinho e os cuidados de tia Erica eram espetaculares, mas a raiva e a rejeição de Olavo sobressaíam a qualquer sentimento bom.
Larissa subiu na cama e se deitou comigo me abraçando com força e chorando baixinho junto comigo. Suas mãos me acariciaram no cabelo e no rosto, secando minhas lágrimas.
— Isso um dia vai passar, Le — me disse, sussurrando. — Um dia você vai poder ir embora desse inferno.
Ela me beijou na bochecha e continuou comigo até eu me acalmar.
— Por que ele me odeia, La? Por que meus pais me odeiam? Eu também sou uma decepção para eles? — indaguei, soluçando.
Larissa não me respondeu, apenas continuou me afagando no rosto e nos cabelos.
— Eu não sei — foi tudo o que me disse. — Eu não sei, Levi.
Eu também não sabia. E nunca saberia, mesmo quando fosse adulto. O ódio gratuito do meu tio, o abandono dos meus pais. Eu nunca saberia o que tinha feito para me odiarem tanto, isso até eu entender que eu não tinha feito nada nem para os meus pais nem para meu tio. Eu levaria tempos demais para entender que o problema nunca fora eu.
Mas eles. Eles eram o problema.
Eu nem tinha chegado da escola direito quando o telefone tocou na sala. Tia Erica estava no fogão, terminando de refogar o feijão, por isso me pediu para atender à chamada. Larissa pegou minha mochila dizendo que a guardaria enquanto eu atendia ao telefonema. A voz do outro lado da linha fez congelar a minha espinha.
— Levi, querido, é você?
— Hum. Oi, mãe.
— Como você está, meu amor?
Pestanejei e olhei para tia Erica. Tapei o microfone e disse:
— É a minha mãe. O que eu faço?
— Fale com ela — incentivou-me. Balancei a cabeça em positivo e voltei minha atenção para a ligação.
— Tô bem — respondi, meio sem graça e receoso. Eu queria mesmo dizer que sentia sua falta, afinal, nosso último contato tinha sido uns quatro anos atrás, talvez um pouco mais. Mas engoli essas palavras para mim e decidi ficar apenas com essa resposta.
— Que bom, meu filho! — exclamou. — Escute, estava pensando em almoçar com você no Dia das Mães, o que acha? Só nós dois. Depois tomamos um sorvete.
Meu coração deu uma guinada tão forte dentro do peito que, por um segundo, pensei que fosse pular pela minha garganta e quicar no chão. Eu não quis sorrir de felicidade, mas foi involuntário. Quando me dei conta, estava afirmando freneticamente e dando pulinhos na sala.
Combinamos que ela passaria o dia comigo no domingo de dia das mães e eu fiquei eufórico e ansioso, pois ainda faltavam bem umas duas semanas. Pedi a tia Erica para me comprar uma roupa, tênis e boné novos, pois eu queria estar bonito para esse almoço. Ela me comprou o que pedi e, além disso, me deu dinheiro para escolher um presente para minha mãe. Junto de tio Olavo, fomos até o centro da cidade e eu demorei demais para escolher alguma coisa. Eu não tinha ideia do que Camila gostava e só de pensar em errar no presente e decepcioná-la me deixava extremamente com medo e perturbado. Eu queria agradá-la, deixá-la orgulhosa.
Na sexta-feira antes do domingo de comemoração, na escola, fizemos lembrancinhas para entregarmos. Eu acabei optando por fazer duas — uma para tia Erica e um para minha mãe — e era uma coisa bem simples: um cartão escrito à mão e uma flor de papel crepom.
No domingo em questão eu levantei cedo, tomei banho e vesti minha roupa nova. Tia Erica me ajudou a embrulhar o presente que comprei — uma colônia da O Boticário — e fiquei ansioso a esperando.
Tínhamos combinado de ela vir me buscar ao meio-dia. Mas, às três da tarde, minha mãe não tinha aparecido, sequer dado uma ligação para dizer que se atrasaria ou que não viria. Um nó enorme se instalou na minha garganta, o sentimento e a dor da rejeição me acertaram com uma força maior.
Quando o relógio bateu cinco da tarde e eu continuava ali na sala, na janela, esperando vê-la na rua, tia Erica se solidarizou, pôs a mão sobre meus ombros e sussurrou:
— Ela não vai vir, meu amor. Sua mãe deve ter... tido algum imprevisto.
Eu balancei a cabeça em positivo, mas não saí do lugar.
— Venha comer alguma coisa. — Eu não tinha posto nada no meu estômago, tudo porque eu tinha a esperança idiota de ir almoçar com a minha mãe.
Eu me virei e sentei à mesa. Larissa estava ali, me olhando com compaixão. Tia Erica requentou a comida do almoço e me entregou um prato e um copo com suco, mas eu mal comi. Tio Olavo chegou da rua, pois tinha saído um tempo antes, e me olhando, disse:
— Eu trouxe sorvete, garoto.
Quis dar uma risada seca, como se o sorvete que ele trouxe fosse substituir a promessa da minha mãe. Eu o olhei e agradeci, porém; afinal o homem tinha se solidarizado e feito algo pra tentar me animar. Não era muito do feitio dele, então eu devia algum agradecimento.
Depois do sorvete, eu peguei a lembrancinha da escola que fiz para mamãe e joguei no lixo. Desembrulhei o perfume e fui até tia Erica:
— Você pode ir comigo até a loja devolver o perfume e pegar seu dinheiro de volta, tia?
Ela se virou para mim, com os olhos repletos de lágrimas, e me abraçou com força.
— Não precisa, Levi. Não se preocupe com isso.
— Mas... — contestei, com um murmuro. — Você gastou esse dinheiro à toa.
Ela balançou a cabeça em negativo, me apertando mais em seu abraço.
— Eu fico com o perfume pra mim, não se preocupe.
Não disse nada por um tempo. Tia Erica me afastou de seus braços e sorriu, secando uma lágrima teimosa. Eu quis me bater por ter sido burro o bastante. Eu devia ter comprado algo pra ela, porque ela é quem é a minha mãe de verdade, e não a mulher que só me pôs no mundo.
— Me desculpe. Eu não devia ter gastado seu dinheiro com a mamãe — pedi, quase soluçando. — Você está decepcionada comigo, tia? Porque eu não te comprei um presente? — perguntei, com medo de que a única pessoa que me amava realmente se decepcionasse comigo.
Suas mãos me seguraram com força pelo rosto.
— Você é meu presente, Levi. Um bom menino, de coração puro, estudioso, obediente. Não sabe como me dá orgulho, meu filho.
Eu me joguei em seus braços e a apertei com força, pois era somente em seus braços que eu me sentia acolhido. Depois de me forçar a não chorar e de estar mais calmo, eu fui para meu quarto. Larissa estava lá, deitada em seu lugar no beliche, brincando com uma boneca. Eu pensei em subir para minha cama, deitar e dormir, mas não tive tempo, pois fui puxado para a cama dela e obrigado a deitar.
— Pode chorar, Levi — disse, acariciando meu rosto. — Eu vou estar aqui para te consolar e chorar suas dores com você.
Então, eu deixei minhas lágrimas me invadirem.
Acho que tem um olho na minha lágrima. Ai gente, não sei vocês, mas eu chorei com esse capítulo na hora de escrever. :'(
Me digam o que acharam, deem aquela estrelinhas marota e indiquem Codinome Venturini para as amigas (e amigos também xD)
Até domingo, amores.
Nosso Levi com 9 anos *-* Ai que xuxuzinho
E com 13 anos
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