6 - REENCONTRO COM O ACASO
Capítulo bônus de 5K de leituras. Obrigada, xoxos. E boa leitura. ^_^
São Paulo, 2017, depois da fama
Lia empurrou a porta com a bunda, pois segurava uma caixa grande de papelão nos braços. Entrou andando para trás, meio desajeitada, e cambaleou com o peso por alguns metros até deixá-lo cair no meio da sala espaçosa e mobiliada. Voltou até o elevador, onde, do lado de fora, Liz a esperava com todas as outras caixas e malas. Pegou mais o que podia e retornou para dentro, a irmã agora a seguindo com as caixas menores e restantes. Distribui-as pelo ambiente e, por último, foi novamente até a entrada buscar duas ou três malas com suas roupas.
Olhou ao redor, contemplando o novo apartamento. Já mobiliado e incluso no aluguel. Era espaçoso e grande. Tinha um quarto, uma cozinha conjugada, uma varanda bonita, um banheiro grande e um quartinho menor que ela usaria como escritório para preparar suas aulas ou ler.
— Papai é mesmo espetacular, não? Que apart maravilhoso ele te conseguiu — disse Liz, sentando-se no piso laminado e cruzando as pernas. — Bom bairro, bom condomínio. É relativamente perto de tudo, inclusive da sua escola. O aluguel é um pouquinho salgado, né?
— Sim — concordou Lia, também se sentando e cruzando as pernas. — Mas papai prometeu me ajudar custear a mensalidade.
— Ainda bem que você descobriu a tempo a traição daquele embuste, viu? E, aliás, você já providenciou todos os exames? Se aquele desgraçado te passou alguma DST, eu juro...
Lia deu uma risadinha e se levantou.
— Se acalme, Liz. E, sim, eu já fiz todos os exames necessários. Não se preocupe. — Caminhou até as caixas, revirando-as até encontrar o que precisava: uma leiteira, o pó de café, açúcar, filtro, filtro de papel e duas canecas. Foi para a cozinha, pôs uma água para ferver e se encostou à pia, enquanto a irmã se aproximava com a colher que ela esquecera.
— Eu não entendo por que ele te traiu. Um mulherão da porra como você. Quem sai perdendo é ele, aquele imbecil.
Lia riu de novo, agora preparando o filtro com o pó de café para ser coado.
— Esqueça do André — falou, baixinho. Já tinha umas três semanas que havia descoberto as traições do namorado. Vingara-se dormindo com outro homem, depois arrumou suas coisas e foi embora, se refugiando na casa dos pais por algum tempo até encontrar um novo lugar para morar. Os pais a receberam de braços abertos, e, se quisesse, até poderia voltar para lá, mas Lia preferia morar sozinha, ter sua própria liberdade e independência.
— Mas, e você? — a irmã a indagou. — Já esqueceu ele?
Lia deu de ombros, virou-se para a leiteira com a água já borbulhando e a despejou no filtro com o pó. Enquanto o café era coado, respondeu:
— Uma hora eu supero.
— Acho que já superou. Aquele cara da livraria, era mesmo um gatinho? E gostoso?
Lia Cotrim soltou uma risada gostosa e virou-se para a irmã. O abatimento em seus olhos, causado por ainda nutrir alguma coisa por alguém tão insignificante, foi substituído por um brilho mais intenso. Levi. O cara com quem ela dormiu na noite em que descobrira as traições de André Luiz. Bonito, simpático, um sorriso esplêndido. Mas, acima de tudo, cheiroso. Um cheiro bom, inebriante e excitante. Talvez o cheiro dele, aquele perfume delicioso, foi o maior responsável por fazê-la dormir com um desconhecido, algo que não tinha feito antes. É claro, a raiva e a mágoa por ter sido traída foram uma influência, mas certamente, se o cheiro dele não fosse tão gostoso, sua razão teria sobressaído a qualquer sentimento negativo. Mas, não. Levi precisava ser cheiroso daquela maneira. E estar lendo o seu livro favorito.
— Sim, gatinho e gostoso — respondeu, enfim, servindo-as com o café. Entregou uma xícara à irmã e tornaram a se sentar no chão, como se não houvesse cadeiras ou sofá na casa. Era como um ritual para elas. Tinham essa mania de se sentarem ao chão, quando estavam juntas, para conversarem e, ocasionalmente, beber café. — E ainda por cima se interessou pelo livro do Theo, acredita?
— Aquele seu escritor que você adora? De livros eróticos?
— Sim, isso mesmo. Bonito, cheiroso e de bom gosto. — E abriu um sorrisinho, a caneca rente aos lábios pintados de rosa-claro, como se viajasse em um devaneio.
— E você foi estúpida o bastante pra não pegar nenhum contato dele? Como você é burra! — protestou a irmã.
Lia riu, colocando a caneca entre o vão das pernas cruzadas.
— É, eu fui. Levi foi maravilhoso aquela noite, mas... não sei. Não sei mesmo por quê. Ele ainda quis trocar informações, se ofereceu pra me levar pra casa. — Suspirou. Deu tapinhas na testa, como se se repreendesse por sua atitude idiota. — Acho que só não queria me envolver, Liz. Tudo com o André ainda está recente e a última coisa que eu quero é arrumar outra pessoa na minha vida, mesmo casual, entende?
A irmã estava prestes a dizer que sim, entendia, mas a campainha do apartamento soou. Elas se entreolharam. Era cedo, pouco mais de oito da manhã e não esperavam por ninguém. Então, quem poderia ser?
Lia se levantou do chão e foi até a porta. Ao abri-la se deparou com uma mulher linda, negra, alta, maquiagem colorida logo cedo, cabelos todo trançado, quadris largos e tronco avantajado, mas sem ser necessariamente gorda. Trazia um refratário coberto em mãos.
— Ei, nova vizinha. Lia, não é? O seu João, o síndico, me falou sobre você. Vim te dar as boas-vindas, se não se importa. E trouxe um pavê. Fiz ontem à noite e está geladinho.
Lia abriu um sorriso lindo e deixou a vizinha entrar.
— Luiza, aliás — apresentou-se. — Mas pode me chama de Lu ou de Iza. Moro no apartamento de frente para o seu.
— Iza é legal — disse, encaminhando-a até a cozinha. Liz se levantou ao ver a visita. — Iza, essa é minha irmã. Liz, essa é nossa vizinha, Luiza.
As duas mulheres trocaram cumprimentos.
Lia ofereceu café enquanto a irmã pegava pratos e talheres dentro das caixas para comerem o pavê. Iza era alguém tão sociável, amigável e simpática, que não demorou muito para as irmãs Cotrim pegarem intimidade e, em questão de minutos, conversarem como se fossem amigas desde sempre. Duas horas se passaram e as três já tinham criado um laço afetivo de amizade profundo. Iza olhou no relógio. Precisava ir, estava no horário de ir trabalhar. Despediu-se nas novas amigas e perguntou se poderia voltar à noite, com uma garrafa de vinho para um jantarzinho. Lia acenou freneticamente em positivo, adorando a ideia.
Era mesmo disse que precisava. De novas amizades. Coisas para ocupar a cabeça. E esquecer.
Esquecer de André e sua traição estúpida.
Esquecer do maravilhoso Levi e da sua burrice de não ter trocado meios de contato.
Levi levantou cedo, mais do que o de costume. Essa noite tinha dormido no sofá, enquanto assistia a um filme na televisão. Foi até o banheiro e, ao abrir a porta, Ana Paula deu um grito de susto. Ela estava nua terminando de se secar.
— Levi! Não pode bater antes?
Ele fechou a porta, como se nunca a tivesse visto sem roupa antes. Encostou-se à madeira.
— Você não costuma usar esse banheiro, só o da nossa... — Pausa. Corrigiu-se. — Só o da suíte. E você também não costuma levantar cedo. — Olhou no relógio. Cinco para as seis de uma manhã da última semana de junho.
— Perdi o sono. E estou usando esse banheiro há dias, Levi. O chuveiro da nossa suíte queimou. Te falei, pedi pra trocar, mas você me deu pouca atenção. Estava enfurnado no computador, fazendo sabe-se lá o quê.
— Vou providenciar isso — disse apenas.
Olhou no relógio de novo. Daria tempo. Ela só saía por volta de seis e meia.
Lia.
Era nela que estava pensando quando a porta do banheiro se abriu, e Ana saiu, enrolada em um roupão branco e curto, deixando suas pernas esguias e depiladas à mostra. Tática, pensou. Funcionara vez ou outra. Mas não hoje em dia.
— Pode usar. Está livre. — Levi já ia entrando quando ela o interrompeu: — Você também não levanta cedo dessa maneira.
Através da fresta da porta, o marido lhe deu um sorriso enigmático e terminou de fechá-la.
Depois do banho, ainda com o roupão azul e felpudo, Levi foi até a cozinha. Seis e quinze. Pôs água e pó na cafeteira, encostou-se à pia e esperou. Apenas cinco minutos até ela aparecer. Levi endireitou o corpo e olhou com mais atenção. Lia já estava vestida, tinha uma caneca branca nas mãos que, ocasionalmente, bebericava. Andava para lá e para cá, procurando por alguma coisa, e Levi sabia. De duas, uma: bolsa ou celular. Depois de levantar uma almofada, ela encontrou o celular e enfiou no bolso da calça. Sentou-se no sofá, deixando a caneca na mesinha do lado. Encurvou o corpo e amarrou os tênis.
Levi sorriu. Já tinha algumas semanas, umas quatro mais ou menos, que ela se mudara para o apartamento de frente para o seu. Nunca tivera a coragem de ir até lá e dizer "Lembra-se? O que tiver de ser, será? Pois parece que está sendo." Ele não era muito de acreditar em destinos, tão pouco em acasos. Não tinha uma opinião formada acerca disso, mas que era uma tremenda coincidência Lia estar morando no seu condomínio e, ainda por cima, de frente e no mesmo andar, isso era, e ninguém poderia negar tal fato. Apesar disso, não tinha ido falar com ela. Dizer um oi, embora quisesse muito isso. Não que não tivesse ensaiado alguma coisa. Um encontro "por acaso" na entrada do prédio. Um convite para um café na padaria do outro lado da rua. Vontade de falar com Lia de novo não lhe faltava. Tanto que, desde que descobrira que era sua "vizinha" tinha pegado o hábito idiota de vê-la pela janela. Conhecera sua rotina — seu horário de saída, quando voltava, as visitas de duas outras mulheres sempre às quartas e sextas.
Às vezes até perdia o horário do trabalho por conta disso, por querer observá-la da sua torre, esperando que, em algum momento, ela o visse, reconhecesse-o. Lia preferira não trocar contato, e isso o fez crer que não pretendia manter qualquer tipo de relação, e Levi tinha sido apenas mais um, embora não conseguisse entender porque decidira transar com um completo desconhecido. De qualquer maneira, não tinha ido até Lia por um único motivo: queria respeitar seu espaço e sua decisão. Se ela quisesse revê-lo, teria lhe dado um telefone, e-mail, perfil na rede social. Ao contrário disso, disse apenas que o que tivesse de ser, seria.
Então, seguiria sempre o seu rito de observá-la do outro lado.
O que tiver de ser, será.
Lia não conseguia realmente entender seu humor. A coisa toda com André já tinha uns dois meses, não o vira desde então, apesar de ter recebido algumas ligações e mensagens dele — nenhuma delas atendida ou respondida —, e estava levando uma boa vida em seu novo apartamento. Amava o emprego e "suas crianças", como costumava dizer, via os pais com frequência, Liz a visitava todo fim de semana e ligava toda tarde, Luiza também estava presente quase o tempo todo, levantando seu astral e a fazendo rir.
Mas algo parecia estranho dentro dela. Em alguns momentos sentia-se vazia, sozinha, triste. E se lembrava de André, de como sentia falta da sua vida ao lado dele, de chegar em casa e preparem o jantar, assistirem à programação da televisão juntos, agarrados no sofá, os beijos, os amassos, o calor do corpo dele ao seu à noite, na hora de dormir. Ele a abraçava por trás, beijava-a na nuca e sussurrava a mesma mentira todas as noites: "eu te amo".
Mesmo todos os últimos quatro anos da sua vida terem sido, provavelmente, uma grande farsa, ainda assim, sentia saudades dele. Era o maior dos embustes, Liz já lhe dissera isso, mas os sentimentos são assim. Não passam de um dia para o outro. E Lia não podia mandar no coração ou nos seus sentimentos pelo inútil do ex-companheiro. Afinal, tinham sido quatro anos, e ela o tinha amado verdadeiramente.
Ela era uma mulher forte. Após a traição, não se deixou abalar, ergueu a cabeça, refez a vida e seguiu em frente. Era forte, mas não de ferro, e estava propensa às fraquezas em algum momento. Principalmente quando de TPM.
Isso. Deveria ser esse o motivo de estar debaixo das cobertas, num sábado às duas da tarde, quando tinha um sol lindo lá fora, assistindo a um melodrama no canal fechado, com um pote de sorvete de baunilha no colo e sem vontade nenhuma de fazer qualquer coisa a não ser ficar na cama, sentindo-se a pior pessoa do mundo.
O som da campainha, porém, frustrou seus planos de não se levantar. Talvez se ficasse bem quieta, desistissem de vê-la e fossem embora. Mas, e se fosse Liz? Os seus pais? Mesmo se não quisesse ver ninguém, não poderia ignorá-los. Assim, contra a própria vontade, obrigou suas pernas a se levantarem e a levarem até a porta. Quando atendeu, um pequeno sorriso iluminou seu rosto. Luiza estava do outro lado, com uma torta doce nas mãos.
— Ah, não! — exclamou Luiza, observando os trajes da amiga. — Por que está toda amuadinha aí, hein?
Lia suspirou e deu de ombros, como se Iza pudesse ler seus pensamentos e adivinhar seus problemas.
— Nem pensar, Lia Cotrim. Nada de ficar chorando por causa de macho que não vale a pena. Nem se fosse o próprio Bradley Cooper, me entendeu?
Lia deu uma risadinha e acenou em positivo, dando espaço para a amiga entrar.
— Espero que já tenha almoçado, trouxe sobremesa.
— Não almocei. Mas aceito a sobremesa mesmo assim
Luiza sorriu e, já íntima, pegou os pratos no armário de cima, distribuindo-os na mesa. Cortou um pedaço da torta doce e serviu-as.
— Vamos, o que há? — indagou, dando uma garfada na sobremesa. — Me conte tudo. Estou aqui pra isso.
— Ah, não é nada, Iza. Só minha TPM. Fico assim, mesmo.
— Sentindo falta daquele embuste?
— É, mas logo passa — concordou, com um sorrisinho.
— Não deveria nem acontecer. Uma mulher linda como você, Lia. Vamos, anime-se! Que fará hoje à noite? Devíamos sair e rebolar um pouco a raba, o que acha? — sugeriu a amiga, toda feliz, balançando o corpo como se estivesse dançando.
Lia deu uma risada gostosa diante às palavras dela. Adorava Luiza. Ela era super alto-astral, conseguia sempre deixá-la com uma ótima autoestima e animá-la quando estava triste e para baixo. E tinha esse seu jeito desvairado e contagiante.
— Posso chamar Liz pra ir com a gente? Se ela não estiver estudando.
— Claro! — Luiza bateu palminhas, feliz que a amiga tenha aceitado o convite.
Lia ligou para a irmã, que também curtiu a ideia de sair na noite e se divertir. Seus estudos estavam em dia, por isso poderia acompanhar as meninas a um barzinho, ou balada, ainda não tinham decidido. Liz chegou cinquenta minutos depois, e, juntas, as três decidiram aonde ir naquele sábado à noite. Concordaram por um barzinho e música ao vivo.
Por volta de oito da noite, o trio já estava pronto. Lia vestia um vestido preto brilhante, maquiagem noturna destacando seus olhos verdes e saltos que a deixavam dez centímetros mais alta do que seus habituais 1,57 metros. Liz estava tão deslumbrante quanto, trajando jeans skinning, coturnos femininos, cropped branco, maquiagem e cabelos trançados.
— Uau, mulher! — Lia exclamou, analisando a beleza exuberante de Luiza. Ela trazia um batom marcante nos lábios, usava um vestido branco decotado que deixavam à mostra seus seios fartos, e saltos meia-pata. — Você está maravilhosa, Iza!
— Que nada, mana — exclamou a outra, terminando de trancar seu apartamento. — Maravilhosas estão vocês. Arrasaram no look. — Virou-se, ajeitando a pequena bolsa a tiracolo no ombro e sorriu. — Podemos ir?
O happy hour foi melhor do que Lia podia esperar. Riu, bebeu, comeu e conversou como nunca. A companhia de Luiza era extremamente cativante, ela exalava alegria e simpatia por onde passava. Flertaram com alguns caras, falaram as típicas bobagens que mulheres falam quando em grupo, e, para fechar a noite, injuriam os ex-namorados até a última geração. Foi como lavar a alma. Lia até se sentia melhor. Pensou que, realmente, não valia a pena ficar pensando em André. Não mesmo.
De volta para casa, no táxi, sentada ao banco do passageiro, Lia se virou para trás e olhou para a irmã e a amiga.
— Ei, quero a opinião sincera de vocês duas — disse. Já tinha um tempinho, muito antes de descobrir a traição de André, que pensava em uma segunda graduação. Amava dar aulas para o infantil, e nada no mundo era melhor do que ver o amor e a evolução daqueles pequeninos amorosos e espevitados. Mas queria avançar na carreira. — Estou pensando em uma segunda graduação. Licenciatura. O que acham?
— Acho maravilhoso — incentivou Liz. — Você tem um dom nato para lecionar, Lia! Tem paciência, dedicação, didática, imaginação. Seus alunos iam todos te amar e aprender. Em que área da licenciatura?
— Em Letras — respondeu Lia, buscando o olhar de Luiza, como se buscasse aprovação.
— Eu super te apoio. Acho até que é melhor mesmo tu estudar, ocupar a cabeça. E estudo nunca é demais. Vai fundo e arrebenta, garota.
Lia riu de novo. Luiza com certeza estava embriagada. Virou-se para frente, observando o caminho. A mente estava meio enevoada por causa dos drinks no bar, mas tinha boa memória, e boa memória fotográfica. Mesmo levemente bêbada conseguia visualizar a tela do computador na frente dos olhos, com a data-limite de inscrição para o vestibular em uma faculdade paga. Havia vagas para bolsistas. A inscrição era até o dia seguinte. A prova, dentro de duas semanas. Início das aulas, na primeira semana de agosto.
Estava decidido.
Arriscaria a sorte em uma nova graduação.
A sala de aula estava cheia. A maioria dos estudantes era bem mais nova do que ela. Lia se sentiu deslocada e, por um segundo, achou-se uma estúpida por querer fazer outra faculdade aos vinte e oito anos. Deveria ter deixado pra lá, deixado para os recém-saídos do ensino médio, com seus 17, 18, 19 anos.
Arranjou-se em uma das carteiras na quarta fileira. Nem no fundo demais, nem na frente demais. Os outros estudantes cochichavam, riam e conversavam ao redor, como se se conhecessem há anos, quando, na verdade, tinham se conhecido havia apenas alguns minutos. Lia ficou na sua, observando os demais e a sala de aula, grande, cheia de carteiras confortáveis, telão, projetor e quadro-branco. Não conversou com ninguém.
Cinco minutos mais tarde, enquanto conferia suas redes sociais pelo celular, a turma ficou em silêncio quando a porta se fechou e ouviu-se um "boa noite, turma". Estranhamente, a voz lhe era familiar. Ergueu os olhos e então o viu.
Ele entrava na sala, vestindo calças de brim cinza, sapatos sociais pretos bem-engraxados, camisa branca dobradas até a altura dos cotovelos e colete cinza. Os cabelos estavam comportados e penteados com esmero, e no rosto acomodava um par de óculos que escondia seus olhos azuis, mas, ainda assim, não escondiam sua beleza.
Lia engoliu em seco, surpresa com a coincidência.
— Acomodem-se em seus lugares — disse, voz profissional e altiva, deixando a valise sobre a mesa, mal olhando para os alunos. Pegou uma caneta piloto, recolheu o telão, deixando o quadro-branco livre e escreveu seu nome e sobrenome na superfície. — Meu nome é Levi Fernandes de Alencastro, mas podem simplificar. Só Levi está ótimo.
Ele se virou para frente, olhou rapidamente para a classe. Lia se encolheu no lugar. Por que exatamente não sabia explicar. Levi não a viu num primeiro momento. Caminhou até sua valise de novo e retirou algumas folhas de sulfite de lá de dentro.
— Serei o professor de Estudos Linguísticos de vocês nesse primeiro semestre, com aulas às segundas, quartas e sextas — ia dizendo, enquanto distribuía as folhas aos alunos das primeiras carteiras. — Estou entregando a vocês meu currículo lattes, apenas para me conhecerem um pouco mais.
Lia o seguia com olhar, enquanto Levi falava e distribuía o currículo, explicando seu curso, as especializações que fizera — doutor desde os 29 anos! — e plano de estudo para a matéria. Tinha uma dicção ótima, uma fala firme e uma postura profissional. Era diferente do homem que conhecera meses atrás. Mais elegante, mais refinado. Seu coração batia cada vez mais forte ao passo que ele se aproximava. O reencontro por acaso era inevitável. Uma hora a veria, mas a reconheceria?
— Qualquer dúvida que vocês tiverem em relação ao meu plano de estudos, é só me procurar — disse, olhando para a classe mais ao fundo.
Lia prendeu a respiração quando Levi, ainda falando e olhando para os fundos, colocou seu currículo lattes sobre a mesa dela.
— E hoje eu gostaria... — E então, ele baixou o olhar.
Seus olhos se encontraram, e o homem parou de falar abruptamente.
Por longos segundos, sustentaram o olhar um no outro.
Espero que tenham gostado do capítulo. <3
Até a próxima, amores.
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