Capítulo 1
Capítulo um
Me encontrava cheia de trabalho e perdida entre processos espalhados pela minha mesa, na sala do escritório de advocacia em que eu tinha escolhido cuidadosamente cada parte da decoração.
Tudo combinava perfeitamente comigo e tinha muito da minha personalidade profissional. Os móveis eram em preto num estilo moderno e sério, como uma advogada de respeito tinha que ser e era o que eu era ali: séria e respeitada.
Minha mesa ficava de costas para uma grande janela de vidro, que dava para uma das avenidas mais movimentadas da metrópole em que meus pais inicialmente montaram o escritório e que anos depois acabou se tornando a empresa da família, quando eu e minha irmã, assim como eles, nos formamos em Direito.
— O que você fez no cabelo de novo, Sheila? — Minha irmã Liara me perguntou, com as sobrancelhas erguidas e entrando na minha sala sem bater. Provavelmente já havia se certificado com a minha secretária de que eu estava sozinha.
— Oi para você também.
Ela foi até minha mesa, me cumprimentou com um beijo no rosto e depois sentou-se na cadeira a minha frente.
— Oi. — Sorriu. — E seu cabelo está incrível.
— Gostou? Cansei do colorido e estou loira.
— Quase platinada! Tô chocada, irmã — Me olhava sorrindo e meio boquiaberta com a minha nova peripécia capilar, apesar de eu sempre aprontar com as madeixas. —, mas realçou muito seus olhos pretos e seus cílios cheios. Você está linda!
— Obrigada. Resolvi manter uma cor só e parar com a metamorfose nesses fios cansados — falei olhando as pontas do meu cabelo que estava comprido, mais ou menos no meio das costas.
Há algum tempo eu seguia o pintando de várias cores, enquanto minha irmã estava lutando contra o câncer. Eu a amava muito e esse era o meu modo de expressar o estresse de vê-la sofrendo e nada poder fazer para ajudá-la, entretanto, depois que Liara venceu a doença, me vi sem motivo para descontar a rebeldia nos cabelos e decidi manter uma cor normal, bom, não tão normal, já que pintei de loiro muito claro e meus cabelos naturais eram pretos.
— Arrasou! — falou, elevando a minha autoestima como sempre.
— Como vocês estão lá no sítio? — mudei de assunto, perguntando como estava a vida da minha irmã que depois que ficou curada em vez de voltar a trabalhar no escritório da família, preferiu viver na cidade pequena em que se tratou.
Tínhamos apenas dois anos de diferença uma da outra, eu estava com trinta anos e ela com vinte e oito, fizemos faculdade quase juntas, além de sermos muito parecidas fisicamente, a não ser pela covinha que a Liara levava nas bochechas, já os cabelos ondulados e olhos escuros eram iguais.
Sempre fomos muito grudadas e só nos afastamos depois que ela se casou e decidiu ficar de vez em sua casa no campo e eu na cidade, com isso nos víamos apenas quando a Liara ia até a cidade ou eu para o sítio da família, que situava-se ao lado do seu.
— Estamos bem e vocês aqui como estão?
— Está tudo sob controle. Você não sente falta de advogar aqui no escritório?
Em resposta exibiu uma careta divertida.
— Não. Acho que me encontrei naquela cidadezinha e junto com o meu Mateuzim. — Fez cara de apaixonada ao falar do marido que era nosso amigo de infância, meu melhor amigo, e eu revirei os olhos.
— Olha, no dia que você me vir falando assim tão cheia de doce de um homem, pode me internar que com certeza devo estar ficando louca.
— Tenho para mim que ainda verei, eee... vou te lembrar cada letra dessa sua fala.
— Para de me jogar praga, menina! — Ela riu.
— Não entendo esse seu movimento antiamor, anti-homem e antirrelacionamento sério. Irmã, por acaso você é gay?
Gargalhei.
— Claro que não, sou muito apaixonada por uma piroca cheia de veias, pelo cheiro de homem, sou louca naqueles braços bem marcados, sabe? Amo uns puxões de cabelo, uns tapas na bunda e uma pegada mais forte. — Fiquei olhando ao longe imaginando tudo que eu tinha acabado de descrever e me deu até um calor repentino.
— Meu Deus, Sheila!
— Ué, é a verdade, amo homem, mas não tenho paciência para me relacionar com um.
— Mas homem é bom com todo o pacote.
— Dispenso, quero só o pacote de baixo. — Pisquei um olho para ela e sorri. — E tudo o que eu citei que esse pacote pode me proporcionar. Por exemplo, orgasmos múltiplos.
Rimos.
— Sabe o que me lembrei? De você falando que ama um boy com cara de bandido.
Assenti ainda sorrindo.
— Sim, mais ou menos isso. E só de me lembrar de tudo que acabei de te falar, junto com um boy com cara de bandido, já me bateu a vontade de sair e encontrar alguém para passar a noite.
— Sheila... Isso é perigoso.
Ri.
— Fica tranquila, irmã, que é mais perigoso para quem sai comigo do que o contrário.
— Sei... Toma cuidado.
Mais uma vez ri do seu semblante preocupado e pensei que ela nem imaginava os locais em que eu me metia na calada da noite, então a tranquilizei:
— Tomarei. — Alisei rapidamente a sua mão para mostrar que eu entendia sua preocupação e mudei de assunto: — Mas o que você veio fazer na cidade?
— Nada de mais, apenas resolvi passar com um oncologista que a minha médica me indicou, para uma segunda opinião, mas está tudo certo.
Sorri aliviada ao ouvir a boa notícia e por ver o sorriso largo em seu rosto.
— Aí depois da consulta resolveu passar aqui para me dar um beijo? — perguntei desconfiada.
— Também, mas na verdade...
— Sabia que não era só saudade — a interrompi e ela riu.
— Saudade também, mas vim mais para ver se você pode pegar um caso de um amigo do Mateus. Ele me ligou agorinha e é meio urgente. Eu até podia defendê-lo, só que como é daqui, para eu ficar indo e vindo do sítio é cansativo, sendo assim, pensei em você.
Entortei a boca para o que me disse e perguntei:
— É furada, né?
— Não, coisa simples. Ele estudou com o Mateus, sempre foram muito amigos e o irmão dele que ligou para contar o que aconteceu, parece que o réu agrediu o dono de um bar, que não quis mais o vender bebida por já estar muito bêbado.
— Babaca!
— Não é bem assim, claro que foi babaca, mas normalmente é legal. Tenho convivido um pouco com ele e pelo o que sei, é que convive com a culpa. Mateus me contou também que o amigo bateu o carro e a sobrinha de doze anos que estava no banco do carona morreu no acidente, aí vive se martirizando por isso.
— Mas o acidente foi culpa dele?
— Pelo o que o Mateus me contou, não. Era para ele ter deixado a sobrinha em casa, só que resolveu antes ir ao banco, foi quando no caminho um bêbado bateu no carro em que estavam, bem do lado da sobrinha.
— Porra! Coitado.
— É. Depois disso Mateus disse que ele vive arrumando confusão com o intuito de se machucar, mas o irmão e os amigos tomam conta para que não acabe preso ou morto, só que preso aconteceu dessa vez, inclusive o Mateus até se culpa por tê-lo deixado para trás quando foi ficar comigo no sítio e por isso está te pedindo essa ajudinha para tirar o amigo dele da cadeia... Com urgência.
— Tudo bem, comoveu meu coração de pedra e me convenceu a aceitar.
Liara bateu palmas sorrindo.
— Mateus disse que se você aceitasse te pagaria uma cerveja bem gelada depois.
— Ele é cheio de promessas.
— Mas sempre cumpre todas.
— Quero só ver.
— Bom, irmã, agora tenho que voltar para o sítio, para a minha vida de advogada do lar, mas cuida com carinho do caso do amigo do Mateus e depressa, porque ele está preso.
Bufei, a encarei e disse:
— Tudo bem, pinguinho de gente — usei seu apelido de infância e continuei a falar: — Estou gostando de ver o quanto esse casamento está te fazendo bem. Mateuzim que tome conta direitinho de você ou eu mato aquele arrombado. — Eu tinha a mania de chamar as pessoas mais próximas assim, mas eu estava parando com isso de tanto que a minha mãe me repreendia dizendo que era ofensivo e também porque uma vez eu quase chamei a juíza de arrombada quando indeferiu um protesto meu. Bom, mentalmente eu chamei.
Me despedi da minha irmã e depois que ela saiu peguei o papel com o telefone do irmão do tal briguento alcoolizado e ia começar a defender o dito cujo que meu cunhado gostava tanto.
Mateus me pagaria muita cerveja por me fazer pegar mais um caso quando eu já me via atolada de serviço, mas pensei:
O que eles não me pedem chorando que eu não faço sorrindo?
Eu não era o tipo de mulher boazinha, cheia dos bons modos e que não falava palavrões, sempre fui a porra louca da casa, a estourada e desbocada, mas quando o assunto era minha família e as pessoas que amava, imediatamente me tornava uma manteiga derretida.
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