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Capítulo 23


Martin

Ao contrário do que pensei, a bruxa preferiu marcar em um restaurante caro ao invés de um lugar esmo, o que indicou que ela também sentia receio de se envolver comigo.

Fui acompanhado apenas por Edson, mas do lado de fora e pelos arredores do restaurante deixamos homens a postos para qualquer eventualidade.

Entrei no lugar requintado e varri o local à procura da mulher com a cara repuxada e como era difícil não notá-la, logo a encontrei perto de uma janela, acompanhada por um homem tão grande quanto o Edson.

Usava o cabelo cheio, preto e ondulado, com uma franjinha fina na testa, já seu rosto carregado na maquiagem deixava claro que a aparência era tudo o que importava para ela, sem falar do dinheiro.

Andamos até sua mesa e quando nos aproximamos, perguntei:

— Gabriela Gothel?

— Martin. — Deu um meneio de cabeça e um sorriso de lado. — Sentem-se.

Edson e eu nos acomodamos a sua frente e fui surpreendido pela pergunta que ela fez a seguir:

— Como está a minha sobrinha? Achei que ia trazê-la. Ela não é a minha cara? — Gargalhou. — Brincadeirinha. Sou mais bonita. — Eu continuava sério.

Então aquela realmente era a história de Rosabel, ela era a dona da fábrica de cosméticos e seus pais foram assassinados.

— Vamos parar de firulas e vamos direto ao ponto. Já acabou com as suas palhaçadas e joguinhos de recados ou vou ter que tomar providência para que isso termine?

Sorriu e o homem ao seu lado nos encarava com a mão dentro do terno, em uma ameaça que Edson também mantinha.

— Aí depende de você, querido. — A mulher deslizou uma pasta em minha direção.

Abri e dentro dela continha uma espécie de dossiê sobre mim e sobre Rosabel, muitas fotos nossas e elas começavam com uma foto minha quando fui visitar a minha mãe, pouco antes de ser largado próximo do convento. Lembrei-me da data da foto porque eu tinha um corte no rosto por uma briga no Sexy Stripper.

— Então, querido, em todos os meus negócios, gosto de saber com quem estou lidando. Foi assim que há três meses quando comecei a lavar dinheiro no seu hotel, decidi te investigar, foi então que para a minha surpresa, descobri que você tinha uma ligação com o maldito convento. Era sobrinho de uma das freiras que era muito grudada a minha querida sobrinha. Aí começaram os recados. Ainda mais quando soube que vocês começaram a mexer no passado.

Ri em desdém.

— Eu não falava com a minha tia há anos e não tinha qualquer conhecimento ou ligação com a sua sobrinha até a noite do convento. Em que seus capangas me soltaram lá perto. — Fechei a pasta e encarei a mulher que falava ao mesmo tempo que me lançava um maldito sorriso, como se fôssemos apenas amigos conversando.

— Te deixar lá foi uma falha da minha equipe e que eu já consertei. O meu antigo braço direito, que Deus o tenha. — Olhou para o céu. — Errou quanto a isso e acreditou que você tivesse algo a ver com o convento e te soltar lá foi uma forma de te alertar que sabíamos sobre essa ligação e aí te afastar de vez dele, caso a sua intenção fosse usar a história de Rosabel contra mim.

Bufei.

— Eu nunca entenderia o recado para me afastar do convento quando me jogaram lá, porque nem sabia que aquele era o convento da minha tia.

— Exatamente. Você acabou conhecendo a freira por erro do meu pessoal, ela saiu do convento e foi justamente parar na casa da sua mãezinha. Ah, e agora vocês vivem um conto de fadas da vida moderna. — Riu alto e empurrou seu comparsa com o ombro para rir com ela. — Tudo por um erro do meu pessoal e que agora eu preciso consertar.

Mulher escandalosa e louca.

— Chega de teatro. O que você quer?

— Quero que termine com ela, quebre seu coração e a faça voltar para o convento, onde há anos a enterrei e de onde nunca deveria ter saído.

Ri sem vontade.

— Nunca farei isso.

— Então serão muitas consequências.

— Consequências?

— Sim. A primeira consequência podia ser para a sua tia que está aos cuidados da minha mãe, a Madre Gorete. — Pareceu pensar e continuou: — Ah, antes de tudo vou te contar minha história já que estava tão disposto a descobri tudo. — Piscou para mim. — A Madre do convento da Rosabel é minha mãe, que por sinal, sempre me ajudou a ter tudo que eu queria por eu ser a filha preferida. Sabe, eu era muito pequena quando me deixou para se isolar em um convento por culpa das traições do meu pai. Depois de anos resolveu sair, sentiu-se culpada pelo abandono e criamos a Afrodite Cosméticos. Percebi que estava deixando de ser a filha favorita quando ela começou a dar muita atenção para a minha irmã Arianna e como rebeldia eu queria a fábrica só para mim. Depois que dei um jeito na minha irmã e no seu marido, fiz minha mãe pensar que a culpa era dela. Era para eu ter matado a pirralha também, mas estava com a babá que no dia do acidente, morreu misteriosamente, tentando fugir com a criança. — Gargalhou. — Então minha mãe evitando que eu cometesse mais crimes, disse que voltaria para o convento, cuidaria da pequena praga e eu poderia ficar com tudo para mim e assim foi. Só exigi que ela não amasse a neta ou eu voltaria e mataria a menina se soubesse que ela tinha mais amor que eu. — Olhou para as unhas como se contasse uma história de contos de fadas. — Ah, e eu, como sou muito generosa, deixei a pulseira da minha irmã com a pequena coisinha. Aquela pulseira era o símbolo da nossa sociedade na fábrica e ficar com ela como herança estava de bom tamanho para a Rosabel ratinha. — Riu alto e eu cerrei o maxilar de raiva. — Sou muito generosa, não sou?

— Não quero saber da sua história. Quero saber das consequências. — Tentava não parecer enojado e agir como se tudo que me contava sobre a história do amor da minha vida não me causasse nada, mas aquela mulher era doente e eu sentia vontade de esfregar sua cara contra o chão.

— Ah, sim, sua tia pode ser envenenada, talvez? — Pensou. — E se você ainda quiser continuar de casalzinho com a minha sobrinha, então além da sua titia que vai sofrer, sua mamãe vai sofrer... — Pensou novamente. — Que tal um acidente em uma das excursões? Ah, e Rosabel... digamos que terminarei o que comecei há anos. — Piscou para mim e eu fechei a minha mão em punho, mas fui segurado por Edson e o homem a minha frente ameaçou tirar a arma que levava no terno.

Respirei e ri como se ela não estivesse conseguindo me atingir.

— Não vou fazer nada do que quer.

— Então aguente as consequêêências. — Sorriu e disse a palavra "consequências" meio cantando.

— Você sabe que eu também tenho provas que podem acabar com a sua aparência de boazinha e empresária de sucesso, não sabe?

Ela gargalhou.

— Tenta a sorte, querido. Antes que comece, a sua tia, sua mãe e sua namorada já terão partido para a terra dos pés juntos. — Riu alto.

Respirei fundo e precisava me acalmar, além de que não podia mostrar desespero.

— Vou analisar o que está sugerindo, vamos ver como tudo fica, mas até o final da semana você terá sua resposta.

Ficou séria.

— Até amanhã, ao final da noite. E estou sendo generosa. Quanto a nossa parceria de investimentos não preciso nem dizer que está encerrada, né? O que quero agora é enterrar Rosabel naquele convento de novo. Ah, e se eu vir vocês juntos novamente após as vinte e quatro horas que estou te dando de prazo, a ordem é atirar.

Bufei, coloquei os cotovelos sobre a mesa e me aproximei dela, ao mesmo tempo que o seu segurança colocou a mão mais para dentro do terno e o Edson fez o mesmo, prontos para atirarem.

— Acho melhor você não me ameaçar assim, porque eu também posso atirar a qualquer momento.

Ergueu uma sobrancelha em afronta.

— Duvido que seja tão burro a ponto de começar uma coisa que as pessoas que você ama podem pagar por você. Eu não tenho ninguém que pague por mim. — Sorriu maquiavélica.

Respirei fundo e assenti.

Ok. Por hora você terá o que quer. — Levantei-me e não deixei nada resolvido, porque eu não tinha saída.

Ela sorriu com seu rosto repuxado.

— Até loguinho, querido.

Sem olhar para trás saí daquele restaurante tentando achar uma maneira de virar aquele jogo e eu tinha vinte e quatro horas para isso.

— E agora, Edson? — perguntei enquanto andávamos.

— Vamos dar um jeito, Chefe.

— Só me resta fazer o que ela quer. Não vou arriscar a vida das pessoas que amo.

— Como disse, pode fazer o que ela quer por hora, mas vamos achar uma saída.

— Creio que esteja chegando a hora de matar alguém pela primeira vez.

Rosabel

Após Martin sair recebi uma ligação da sua mãe que me contou maravilhas sobre a viagem e disse que ligaria no dia seguinte de novo. Quando ela perguntou pelo filho, menti falando que ele tinha ido ao mercado, mas que já voltaria.

Fiquei preocupada com a saída repentina de Martin, no entanto, me acalmei e pensei que se fosse algo muito sério ele teria me contado. Talvez fosse apenas algum problema rotineiro nos seus negócios.

Sozinha na cama dele, acabei pegando no sono e nem vi a hora passar, o que foi bom, já que me via tão dependente da sua companhia que senti falta da sua presença assim que partiu.

O sono também devia-se a exaustão por tanto sexo. A noite tinha sido movimentada e maravilhosamente quente. Além de ter ido dormir tarde e acordado cedo para ir à missa.

Após o sono relaxante, horas depois acordei com um barulho no quarto e quando abri meus olhos, sentado ao meu lado estava Martin, com um copo de uísque na mão.

Nem o percebi chegando, meu sono estava tão pesado que provavelmente ele devia estar ali há um tempo me vendo dormir. Peguei o celular para ver as horas e já era de madrugada.

— Já chegou, gato? Faz tempo que você está aí?

Balançou a cabeça em negativo e ergueu uma garrafa ao seu lado que continha um pouco a mais da metade da bebida dentro dela

— Apenas o tempo de beber quase meia garrafa.

— Estamos comemorando alguma coisa? — Fui beijá-lo, mas Martin virou o rosto e foi aí que notei que tinha algo errado.

— Depende do ponto de vista. — Levantou-se, pousou a garrafa na mesa e andou pelo quarto com o copo na mão.

Eu não gostei do seu jeito e sentia que algo muito sério estava para acontecer.

— Martin...

— Rosabel, deixa eu te fazer uma pergunta, você acha que nós dois daríamos certo?

Não entendia, mas decidi ser sincera.

— Somos muito diferentes, mas acho sim, podemos dar um jeito e...

— Não, eu não tenho jeito e sei que você quer me mudar. Eu não quero a mudança, assim como você não se mudaria para entrar na minha vida.

— Eu mudaria...

— Entraria para o crime?

— Não, mas

— Mas o quê? — gritou e eu me assustei.

— Martin eu não estou entendendo. Você saiu daqui dizendo que já voltaria para mim e agora está tão... estranho. O que aconteceu?

— Esse sou eu e se você não gosta do que vê, podemos... encerrar tudo agora.

— Encerrar? — Meus olhos se encheram de lágrimas.

Martin foi para a janela, tomou um gole grande da sua bebida e não me olhou.

— Você quer terminar? — Minha voz saiu trêmula.

— Acho que é claro o que eu quero.

Sentia meu peito doer e o choro estava fechando a minha garganta.

— Por quê? — Não respondeu, deu de ombros de forma fria e de nada lembrava o Martin daquele dia mais cedo. — Você me pediu em namoro e fez com que eu acreditasse que sentia algo por mim. Era mentira?

— O que você acha?

Cada palavra sem emoção ou sentimento que saíam da sua boca, era como um soco no meu estômago e eu me sentia em um misto de raiva, dor e decepção. Queria bater nele para que parasse de ser tão frio comigo e conversasse como adulto.

Ele tinha me feito acreditar que podia dar certo mesmo quando eu achava que não, me pediu em namoro usando a minha fé, disse que estava apaixonado quando eu, mesmo sem nem uma experiência com sentimentos amorosos, lutava contra os meus para não admitir que o amava e assim, não sofrer quando tudo acabasse e aí quando eu me abro, ele simplesmente se fecha, do nada.

Olhei em volta tentando achar uma saída e tentando trazer de novo o Martin bom, de volta para mim.

— Eu amo você, Martin. — Sem pensar nas consequências das palavras deixei os sentimentos que borbulhavam em meu peito sair por minha boca e o vi fechar os olhos e balançar a cabeça em negativo.

— Para!

— Não paro. Eu te amo.

— Para, Rosabel.

— Por que está fazendo isso comigo?

— Porque sou assim.

— Não é! — gritei.

— Você nem me conhece.

O encarei com os olhos cheios de lágrimas e foi aí que ele usou o que sabia que ia me machucar para justificar o que estava fazendo.

— Saí com o Edson. — Deu um gole na sua bebida e não me olhava. — Fomos ao Sexy Stripper e o tempo que passei lá observando aquelas mulheres lindas, percebi que você... não se encaixava no meu mundo. Muito certinha e pura... Não é o que eu gosto. — Deu outro gole.

Levantei-me da cama e suas palavras doeram em mim.

— Você podia ter percebido isso antes. — Aproximei-me dele. — Antes de eu me declarar como uma idiota, antes da noite na sua cobertura, antes de ontem, de hoje de manhã e de... tudo. — Estávamos frente a frente e muito próximos. As lágrimas escorriam por meu rosto e eu as limpei sem nem um pingo de delicadeza.

— Bom, é isso, Rosabel. Acabou. — Continuou olhando janela afora frio como um covarde. Me dispensando como se eu fosse uma mosca.

Eu sentia que tinha algo mais, sentia que me escondia a verdade. Não podia ter sido tão burra a ponto de acreditar nele e sentir que realmente estava apaixonado por mim e ser tudo mentira. Tinha que ter algo mais ou uma explicação para aquela reação. Tinha que ter.

— Olha para mim — pedi, me humilhando, o puxei pelo ombro para que ficasse de frente e ele se manteve olhando para a janela. — Olha para mim. — Continuou sério e sem me olhar. — Olha para mim! — gritei, descontrolada e comecei a esbofetear seu peito rijo ao mesmo tempo que as lágrimas rolavam por meu rosto. — Olha para mim! Você não pode ser tão mentiroso assim. Eu vi verdade em seu olhar. Não acredito que você minta tão bem.

Segurou-me pelo pulso.

— Eu minto e você não sabe nada de como as pessoas podem ser — gritou com os olhos cheios de dor ou raiva, não sabia decifrar e eu me encolhi. — Como acha que é uma pessoa que se envolve com o crime? Um príncipe bonzinho? Não, Rosabel. Não!

Dito isso, saiu batendo a porta do seu quarto e logo ouvi seu carro saindo da garagem e acelerando pela rua em disparada.

O amor doía e era a dor que eu sentia naquele momento.

Sentia-me enganada, decepcionada por ter acreditado que ele era uma pessoa boa e também humilhada por mim, por ter insistido em fazê-lo me explicar o que era tão claro. Martin nunca me amou e eu fui inocente como sempre.

Nunca devia ter saído do convento, ao menos lá, meu coração ainda estaria inteiro. Nunca devia ter saído.


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