Capítulo 9
Cyndi
O caminho para casa foi rápido com um sorriso no rosto, mas no instante em que abri a porta da sala meu sorriso sumiu. Sentadas no sofá coberto com colcha de fuxico, estavam a minha avó com uma cara muito brava e minhas tias com sorrisos maldosos camuflados por falsa tristeza para enganar a vó.
— Até que enfim chegou — Ana Constância disse.
— Cyndi, quero saber por que inventou uma mentira sobre a Ana para a Fátima? — minha avó perguntou.
— Eu não inventei nada. — Continuei andando em direção ao corredor que me levaria até a porta dos fundos.
— Volta aqui — minha avó ordenou, com a voz muito brava e eu dei dois passos para trás, voltando a ficar na sua frente, porque eu era obediente demais para seguir e deixá-la falando para as minhas costas. — Você não pode fazer da nossa família um inferno, não pode inventar mentiras sobre a sua tia e não pode me afrontar como a sua mãe fazia.
Ela tinha que usar a minha mãe e isso me irritava, mas naquele momento a menção a minha mãe me incentivou a responder:
— Não foi mentira.
— Ana disse que foi.
— Então ela está mentindo de novo, porque não foi — falei incisiva e quase deixando a raiva tomar conta de mim... quase.
— Desse modo, devo acreditar em você?
— A senhora acredita no que quiser. Sempre fui uma neta exemplar e sempre levei a culpa por tudo simplesmente por medo de ser deixada sozinha e por respeitá-la demais para me opor, só que percebi que já sou grandinha demais para ser tão obediente e que já vivo sozinha há muito tempo.
Minha avó me encarou com surpresa evidente no olhar, já minhas tias pareciam não acreditar no meu tom de voz e que eu estava respondendo a vó.
— Você só pode estar tomada por algum espírito maligno. Tá amarrado! — minha avó disse me encarando com os olhos arregalados.
— Bom, estou cansada e se quer saber o que aconteceu, converse com a dona Fátima que a senhora vai saber tudinho e tudo o que a... — olhei para a minha tia e falei seu nome com desdém: — Ana Constância andou fazendo. Inclusive, o que as duas têm feito, por exemplo, no sábado que disseram estar na igreja.
Virei-me para sair da sala, ouvi minha avó me mandando voltar e em seguida perguntando para as minhas tias sobre o que eu estava falando, claro que as duas negaram e as ouvi dizendo que eu devia estar louca ou precisando de oração.
— Cyndi... Cyndi... — Ouvi minha avó chamar.
Não voltei daquela vez, andei às pressas para o meu quarto e tranquei a porta quando cheguei lá. Mesmo com raiva, falar com a minha avó daquela maneira me deixava péssima, além de com medo de que as três fossem embora e me deixassem sozinha no mundo. Eu tinha me mostrado liberta, tentava ser e queria ser, porém eu não estava, esse sempre foi um dos meus maiores medos: que elas desistissem de mim.
A sensação de ficar sozinha era horrível, me lembrava do dia em que recebi a notícia de que não teria mais meus pais comigo e... não gostava nem de lembrar. Meus olhos se encheram de lágrima. Olhei para o chão e lá estavam meus três bichinhos: sentadinhos e me olhando.
— Nunca estarei sozinha enquanto vocês estiverem comigo. — Os peguei no colo e os levei até a cama, onde chorei.
No dia seguinte fui trabalhar mais uma vez mais cedo que o horário habitual, tudo para não encontrar com ninguém da casa.
Sentia-me meio cansada emocionalmente, mas depois de ponderar, chorar e repensar toda a minha vida no caminho até a loja, tomei uma decisão e me vi determinada a não ser mais dependente afetiva de uma família que não me dava amor e que me tratava como se me ter por perto fosse uma obrigação.
Tudo bem que eu já tinha tomado essa decisão antes, mas daquela vez era definitivo e eu ia conseguir.
Coloquei boa parte do trabalho da loja em ordem e o peso que Ana Constância colocava em mim com sua presença mal-humorada, até parecia ser uma âncora para o meu trabalho também, já que sem ela eu rendi muito mais.
Dona Fátima apareceu na hora do almoço e ao notar que me encontrava cabisbaixa e pensativa, perguntou o que me deixava com um semblante tão apagado.
— Eu nem te ouvi cantando hoje, passarinha — disse após eu responder que estava tudo bem, colocando as mãos na cintura e arqueando uma sobrancelha.
Fiquei feliz por ela se preocupar comigo e para minha alegria conversamos um pouco sobre a minha avó e tias, depois que contei tudo da noite anterior, dona Fátima me aconselhou:
— Continue apenas desviando, não as afronte, mas também não deixe de viver por conta do que vão pensar, pois a vida é uma só. Ah, e o mais importante,
— Inclusive o nosso.
— Inclusive o nosso — concordou comigo e pegou a minha mão que estava pousada sobre o balcão.
— Sua avó te cuidou quando você não tinha mais ninguém que fizesse e entendo sua gratidão a ela por isso, no entanto, jogou sobre você a raiva do mundo por ter levado sua filha e isso não foi justo.
— Só que eu entendo a dor dela, deve ser parecida com a minha.
— Sim, filha, mas o acidente não foi culpa sua, aliás, não foi de ninguém, foi uma fatalidade.
Assenti, engoli a minha dor e não consegui responder ou choraria.
— Talvez, sua avó precise que você se coloque como prioridade, para que ela note que você não é mais o saco de pancadas daquela casa nem de ninguém. E casa essa, que inclusive é sua.
— Sim, mas não quero que elas saiam.
— Eu entendo, querida, eu entendo... você é boa demais para mostrar a elas quem é a dona da casa em que moram e deveriam ao menos tratá-la com respeito. Bom, vamos torcer para que agora que você está criando coragem e arrancando dos olhos a máscara que não te deixava ver o quanto de força e vida você tem aí dentro, elas também vejam e te respeitem como você merece.
Sorri com gratidão por aquela conversa que tirou do meu coração a culpa por ter tratado a minha avó com rispidez.
Para mudar de assunto e me animar, Dona Fátima me contou sobre os seus netos que faziam uma bagunça grande em sua casa e que ela disse amar, mas também me contou que puxava orelhas deles sempre que preciso.
A seguir fui para os fundos da loja e enquanto minha chefe me contava tudo, eu almoçava na cozinha ao lado, porém, a porta aberta permitia que interagíssemos ao mesmo tempo em que ela ficava de olho na loja.
Quando voltei do meu horário de almoço, dona Fátima teve que ir embora e me deixou sozinha novamente. Naquele dia o fluxo de clientes na parte da tarde foi grande, o que foi bom e não me deixou com tempo para pensar no que me deixava triste.
A noite caiu e com ela também o movimento na loja, que passou de cheia no período da tarde para quase zero quando a noite chegou, salva apenas por clientes que paravam na frente da vitrine a fim de olhar um ou outro produto e sorriam para mim que os observava do lado de dentro e através do vidro.
Com a calmaria, aproveitei para colocar um aviso de "já volto" e fui ao banheiro.
Deixei aberta a porta que ligava a frente aos fundos da loja e me ajeitei para esperar o Felipe, caso ele resolvesse realmente aparecer para me ver, como tinha me prometido.
Tirei a camiseta do uniforme que usava, lavei minhas axilas e passei o desodorante novamente, para pelo menos tirar o cheiro de suor de um dia de trabalho. A seguir coloquei uma camiseta limpa, prendi meu cabelo loiro no rabo de cavalo alto e soltei uns fios próximos da orelha, passei um rímel e um batom, por fim achei que o batom era demais e o tirei.
Imediatamente me achei ridícula por estar me arrumando para um cara que não disse com todas as letras que sentia interesse em mim, na realidade, ele não havia dito com nenhuma, apenas foi gentil nas duas vezes que o vi por ali. Tínhamos transado, mas só eu sabia disso.
Olhei-me no espelho e pensei: boba! Talvez ele nem aparecesse, talvez nem se lembrasse de mim ou da promessa de vir me ver, no entanto, ali estava eu: ansiosa para revê-lo.
Soltei o ar, balancei a cabeça em negativo, apaguei a luz do banheiro e deixei de lado a animação que sentia e até me senti infantil por esperar ansiosa por Lipe e o encontro que não era encontro.
Minhas coisas ficaram arrumadas no estoque e fiquei pronta para a hora de ir, depois segui novamente para a frente da loja e após alguns minutos, quando deu a hora de encerrar o expediente, comecei a me preparar para fechar tudo.
Enquanto desligava as luzes, um carro preto estacionando do outro lado da rua chamou a minha atenção e lembrei-me que no dia anterior ele também se encontrava ali, com isso, deduzi que o motorista escondido atrás dos vidros pretos do veículo, podia ser o Lipe.
Uma respiração ficou presa em meu peito ao mesmo tempo em que meu coração pulou uma batida com a expectativa. Assemelhava a uma menina animada por ver o carinha que gosta.
Será que ele veio mesmo?
Evitei olhar mais em direção ao carro, fechei tudo, abaixei a porta de metal e a tranquei. Fiquei atenta a tudo a minha volta, ouvi a porta de um carro batendo logo atrás de mim e quando me levantei após fechar o trinco, involuntariamente fechei meus olhos por um segundo e respirei fundo controlando a ansiedade.
— Boa noite — a voz grossa e um pouco rouca cortou o silêncio da noite.
Sorri antes mesmo de me virar e vê-lo, até que quando fiz, o cumprimentei alegre:
— Boa noite. Você veio mesmo.
— Claro que sim, eu cumpro as minhas promessas.
Assenti sem saber o que dizer, mas dentro de mim meu coração batia acelerado.
— Vamos para o bar? — perguntou.
— Sim, acho melhor nos mantermos ali... por enquanto.
Vi seu rosto se abrir em um sorriso insinuante.
— Por enquanto? Então quer dizer que nos veremos mais vezes e que aceitou me ajudar com a minha busca?
— Ainda estou pensando, porque não sei nem como me meti nessa nossa... amizade?
— Sim, amizade e vou resumir como nossa amizade começou. Eu te ajudei com a porta da loja, te convidei para tomar um chope comigo, depois você fugiu e não disse nem um tchau, aí fiquei intrigado para saber o motivo que fez a dona dos lindos olhos azuis fugir de mim. Logo de mim, um cantor gato, talentoso e que as mulheres normalmente caem em cima ao invés de fugir.
Fiz uma careta.
— Credo, que convencido.
— Fui demais, né? — Apertou os lábios em uma careta, eu concordei e rimos. — Então continuando... depois precisei encontrar uma pessoa misteriosa e como não conheço ninguém na cidade, pensei que a garota bonita que ajudei com a porta da loja, pudesse me retribuir o favor, assim me ajudando com a minha procura.
— Entendi... Masss você nunca ouviu dizer que não se deve ajudar alguém esperando algo em troca.
Ele riu.
— Bom, naquele momento eu não esperava nada quando te ajudei, masss... pensei que você tivesse um bom coração e com a sua infinita bondade me ajudaria também.
— Entendi de novo, muito perspicaz.
Lipe sorriu divertido.
— Vai me ajudar?
— Vou, porque não gosto de ficar devendo favor para ninguém.
— Hum... Você é do tipo independente?
Pensei e não sabia como responder aquilo, já que vivia uma guerra familiar que não conseguia me livrar por ser emocionalmente dependente.
— Mais ou menos.
Balançou a cabeça em positivo, exibiu um sorriso curioso e mudando de assunto, perguntou:
— Vamos ao bar?
— Vamos. — Deu passagem para que eu seguisse e com a mão na minha cintura, em um toque leve como se quisesse me guiar, atravessamos a rua.
Meu corpo traidor imediatamente reagiu ao seu toque e eu, da adolescente ansiosa passei a me sentir como uma virgem que nunca tinha sido tocada, já que um simples toque dele mexia comigo, só de estar ao seu lado tudo em mim parecia formigar e suspiros pareciam tomar a minha respiração a deixando presa em meu peito.
Sentido ao bar andamos lado a lado e pela proximidade seu perfume inebriante atingiu em cheio meu olfato e a minha vontade era pular nele e colar meu nariz ao seu pescoço para sentir melhor seu cheiro.
Imaginei-me em seu colo, com as pernas e os braços em volta do seu corpo, o nariz colado em seu pescoço e o cheirando feito uma maluca. O pensamento me fez rir.
— O que é engraçado? — perguntou e a sua pergunta indicava que ele estava de olho em mim.
— Nada demais — respondi e Lipe assentiu com um sorriso no rosto.
— Sorriu de mim ou para mim?
— Nenhuma das opções.
Novamente nos acomodamos na parte de dentro do bar, ao lado da mesa em que ficamos da segunda vez que estivemos ali. Dessa vez a mesa ficava embaixo da caixa de som e eu conseguia ouvir melhor a música que estava tocando, era Dona da voz da banda Malta. Parecia combinado com o momento e para a minha surpresa, soube que Lipe também a conhecia quando cantou baixo a letra:
Dona da voz que me conduz
Meu motivo pra sonhar
Éramos dois vivos em um
Pelo mesmo ar
Ser o seu dom em oração
O segredo no olhar
Por onde for tudo que sou
Já está marcado...
Sua voz era rouca, sexy e mesmo cantando baixo conseguiu me arrepiar. Quando parou de cantar juntou as sobrancelhas se dando conta do que a letra falava e disse:
— Dona da voz? Que coincidência.
Sempre que ele dizia algo sobre a cantora ou sobre a noite que cantei e que transamos no camarim, me sentia uma impostora, mas permanecia gostando de manter a minha dupla identidade.
— Verdade — concordei com um sorriso divertido.
— Você está diferente hoje — mudou de assunto com um olhar curioso.
— Diferente?
— Sim, parece mais leve, menos preocupada com a hora e ter que ir embora, até está sorrindo com facilidade e mais falante.
— Estou tudo isso?
— Sim.
Dei de ombros sem vontade de contar a minha vida, não queria dizer que apenas aos vinte e sete anos decidi viver e por isso estava agindo com leveza naquele momento, tentando deixar os medos de lado e escondendo as preocupações em baixo do momento leve que eu vivia com ele.
— Não sei se estou diferente, na verdade, acho que só estou me soltando mais por te conhecer melhor. Olha, já é nosso terceiro encontro. — Ele sorriu. — Não encontro amoroso — Me apressei a corrigir. —, mas encontro amigável, nos encontramos três vezes — E mudei de assunto: — Mas me conta, como anda a busca por sua cantora?
Sorriu ainda mais por eu ter me enrolado, mas para a minha sorte mudou de assunto também e me respondeu:
— Nada ainda. Hoje junto com a equipe da banda ajustamos algumas regras do concurso que vai encontrar a garota, recuperamos alguns vídeos que foram postados na internet do dia da apresentação dela, para que sirvam como base na busca e para comparar as candidatas à original. Já que a voz da Cyndi cantora é incrível e raramente acharemos outra tão parecida a não ser que seja ela mesma.
— Legal. — Ao mesmo tempo que me sentia uma mentirosa, me sentia maravilhosa. Era ótimo conseguir ouvir alguém falar a meu respeito, sem a pessoa saber que era de mim que estava falando.
— Amanhã vamos começar a fazer um movimento nas redes sociais e sábado começaremos as audições.
— Ela cantava bem mesmo? — meu ego queria confirmar.
— Uma voz que nunca ouvi igual e olha que fiz muitos anos de escola de música, tínhamos audições e sempre apareciam vozes de outras escolas, mas nunca uma voz me arrepiou como a dela.
Sorri.
— Espero que a encontrem logo.
O vi chamar o garçom, que depressa se aproximou, e antes de fazer o seu pedido Lipe perguntou o que eu queria beber, em resposta novamente pedi um refrigerante, já ele pediu um chope e uma porção de batatas com cheddar e bacon.
— Hoje você vai me acompanhar na batata também, né?
Balancei a cabeça em positivo já que eu estava com fome.
— Esses encontros estão cada vez mais elaborados... Encontros não, vamos chamar de contatos amigáveis. Nosso terceiro contato.
— Contato, isso. — Ele ria de mim ou para mim, não consegui decifrar.
As bebidas chegaram, o garçom, que era um rapaz simpático, me serviu e me lançou um sorriso após pousar a lata na mesa, depois colocou o chope na frente do meu acompanhante e saiu. Vi que Lipe olhou para ele com o semblante sério e o seguiu com o olhar, depois voltou-se para mim novamente e parecia que algo o incomodava.
O encarei e ele logo me fez um convite como se para começar logo um assunto:
— Sábado você conseguiria ir ao clube da cidade para acompanhar na seletiva? Considerando que tenham candidatas a Cyndi e que as possíveis cantoras da cidade vejam o anúncio do concurso e compareçam.
— Ah, vão ver sim, sua equipe vai fazer um trabalho legal. Quanto a ir, trabalho no sábado também até a noite e acho que não vou conseguir.
— A noite, depois da loja você conseguiria?
Respirei fundo e soltei o ar, pensando no que a minha vó falaria se eu dissesse que ia sair no sábado e a noite, provavelmente me excomungaria.
Notando que eu estava pensando para responder, Lipe perguntou:
— Você tem algum segredo... um namorado talvez? Algo que te prenda, pois te acho sempre tão receosa a qualquer tempo a mais comigo ou a qualquer proposta minha.
— É um assunto chato, longo e não quero te encher com ele.
— Eu gostaria de ouvir.
O encarei e apertei os lábios sem saber o que dizer, nunca ninguém do sexo oposto quis me ouvir, se interessou na minha história ou no que eu sentia. Lipe até mesmo parecia ansioso para ouvir sobre meu passado.
— Só uma história chata de uma mulher solitária.
— Não estou com pressa e tenho certeza que nada que venha de você é chato.
Ri, dei um gole no refrigerante e falei:
— Você é engraçado.
— Sou? — Juntou as sobrancelhas.
— Sim. Sempre tão educado e solícito comigo. Isso é coisa de pop star?
— Não sei que tipo de homem você se relaciona, mas não acho que você mereça nada menos que um tratamento educado, solícito e carinhoso. — Sorri sem jeito.
As batatas chegaram e ao mesmo tempo que o garçom as pousava na mesa, três mulheres se aproximaram também.
— Dá licença. — Uma colocou a mão no ombro do Felipe. Íntima demais. — Você é o vocalista da banda Prince?
Ele sorriu, meio sem jeito e ao mesmo tempo um pouco convencido.
— Sim.
As três abriram seus rostos radiantes e pediram:
— Será que você pode tirar uma foto com a gente?
Simpático ele se levantou e fez como elas haviam pedido. Mais de uma vez, até que ficassem satisfeitas.
Enquanto eu observava a cena, comia as batatas e sorria para o que eu estava vivendo que era algo tão inusitado na minha vida, como nunca imaginei. Eu, em um restaurante com um astro da música? Sorri ainda mais.
Depois de algumas fotos as três partiram e Lipe sentou-se novamente a minha frente.
— Me desculpa por isso — pediu parecendo tímido.
— Tudo bem — o tranquilizei.
— Onde paramos?
Peguei uma batata em meio ao cheddar e ao bacon, mostrei para ele e falei:
— Paramos nas batatas. — Coloquei na boca, Lipe acompanhou o olhar e parou tempo demais olhando para os meus lábios, até que sorriu e engoliu em seco. — Eu estava com fome, desculpa não esperar por você. — Lipe ia dizer algo sobre o que eu falei, quando foi interrompido:
— Oi — cumprimentou uma, de duas moças que pararam diante da nossa mesa, já essas não deviam ter mais que dezoito anos e eram tão afoitas e barulhentas quanto a idade permitia que fossem.
— Oi — Lipe respondeu.
— Ai, é ele mesmo! — Pularam, deram gritinhos e para conter o riso coloquei mais batatas na boca. — Estávamos olhando para você com vontade de pedir uma foto desde antes delas se aproximarem — a que falava apontou para as mulheres que tinham acabado de pedir as fotos e já estavam sentadas em outra mesa. — Será que poderia tirar com a gente também?
— Ah, claro. — As duas deram pulinhos de novo quando Lipe concordou e feliz fizeram algumas fotos.
No entanto, eu continuei comendo as batatas e bebendo meu refrigerante. Eu estava com fome.
Até que não demorou e ele voltou a se sentar, mas daquela vez tinha um olhar que demonstrava um pedido de desculpas.
— Você é muito famoso! — me apressei em dizer.
— Para!
— É sério.
Ri, ele respirou fundo e soltou o ar.
— Olha, sinceramente, agora estou com medo de que do nada apareça mais alguém querendo foto e atrapalhe a nossa conversa mais uma vez.
— Fica tranquilo, eu não me incomodo. Até acho um máximo e divertido eu estar em um bar com um astro da música.
— Mas eu me incomodo, porque quero apenas a sua atenção e não de todo o bar.
Senti vontade de suspirar, mas reprimi e fiquei o observando dar um gole no seu chope e em seguida fazer uma careta.
— Esquentou. — Eu ri. — Esquentou o chope e esfriou a nossa conversa. — Tinha um olhar um tanto irritado.
— Não esfriou nossa conversa.
— Claro que esfriou.
Dei de ombros.
— Ossos do ofício, meu caro. — Dei um gole no refrigerante ainda com um sorriso divertido nos lábios e falei: — Preciso ir.
— Não! Que injusto, nós nem conversamos. Espera, vamos para outro lugar mais calmo?
— Não tem. Nessa cidade só tem bares, indústrias e uma praça que vive lotada. Você não ia querer ir até lá e ter mais atenção ou ter que fazer um show ao ar livre.
— Não. — Balançou a cabeça em negativa para enfatizar seu não. — Mas não é possível que não tenha um lugar mais calmo, que não seja dentro do carro.
— Para a nossa segurança, acho que no carro não é seguro.
— Tem razão.
Pensei um pouco.
— Minha amiga na faculdade quando queria conversar sério com alguém, ia a um motel — falei sem pensar e no mesmo instante me arrependi. — Poderia ser hotel também, mas ela preferia motel por ser mais discreto e também porque o único hotel que presta na cidade é... sabe aquele... o mais caro e ela não podia pagar. Então preferia o motel que ao menos era discreto e o valor é... bom você sabe.
Droga!
— Eu e você em um motel? Eu topo. — Ele parecia segurar o riso e se divertir com o meu embaraço.
— Não seja cínico! Só te contei o que a minha amiga fazia para conseguir um lugar calmo.
Ele riu com vontade.
— Entendi. Bom, o hotel caro ao que você se refere deve ser o que estou hospedado com os caras da banda e a equipe, se você quiser podemos ir pra lá.
— De jeito nenhum! — Pensei que algum deles podia me reconhecer, mesmo sendo quase impossível considerando a fantasia que eu usava e o pouco tempo que passei no palco, porém tinham os vídeos, que com certeza, eles estavam analisando para achar a Cyndi cantora. — Não vou ficar em um quarto de hotel com você.
— Por que não? Não vou te atacar.
— Não é por isso, só não vou. Não quero que me vejam e pensem que sou mais uma no quarto do cantor famoso.
— Não é bem assim, não saio pegando geral por onde passo. — Semicerrei os olhos duvidando, ele riu e consertou: — Tudo bem, às vezes, vamos dizer que sim.
— Sabia. — E aquela pontinha de ciúme do que nem era meu voltava a atacar.
— Tá, então já que você não quer ser vista no hotel, vamos ao motel mesmo?
— Não! — falei mais alto do que devia e ele riu.
— Só para conversar, Cyndi e foi você que sugeriu.
— Não sugeri, só te contei o que a minha amiga fazia.
— Eu estou tão ansioso para saber mais da sua história, sobre você ser a mulher solitária que ia me contar quando as fãs chegaram. Juro que é apenas isso. Sem segundas intenções.
Me decepcionei, porque mesmo me negando a ir, queria as segundas intenções dele.
— Você não tem que ajudar os outros integrantes da banda a achar a cantora? — mudei de assunto.
— Eles devem estar se divertindo também e deixaram isso com a equipe.
Assenti sem saber mais como fugir do assunto e pensei que fosse bom desabafar com alguém que não fosse minha amiga, já que Arabela estava longe e nem com ela podia me abrir ou, conhecendo-a como conheço, se eu contasse tudo, era capaz de pegar um avião só para saber como eu estava, sendo assim, sem ela eu não tinha com quem conversar. Tinha a dona Fátima, mas ela não tinha a mesma idade que eu.
Além de que, eu gostava de ser amiga do Lipe. Era divertido, atencioso, carinhoso e lindo como o sol no céu azul em uma manhã de verão. Encontrava-me até fazendo poema mentalmente para descrever sua beleza.
— Tudo bem, vou ao motel com você, mas... — Ergui um dedo em sua direção. — Só porque estou precisando mesmo desabafar. E também, porque sei que quando você notar quão chata eu sou, minha história e a minha vida, nunca mais irá querer saber de conversar comigo onde quer que for.
— Duvido! — Exibiu um sorriso radiante.
— Você vai ver. Todas as áreas da minha vida são chatas, a sentimental, a familiar, a profissional, a financeira, etc.
— Continuo duvidando. Então... vamos agora?
— Ham?
— Vamos ao motel? — Tinha que confessar que ouvi-lo me convidando assim, fez minha mente vagar e meu corpo imaginar quão bom seria se aquele convite fosse para fazer o que realmente se fazia em um motel.
— Não, hoje já está tarde, vamos outro dia.
Semicerrou os olhos para mim.
— Você parece estar fugindo de mim.
Sorri.
— De maneira nenhuma.
— Então amanhã?
Apoiei os cotovelos na mesa e pousei meu queixo nos meus punhos para encará-lo, depois com uma sobrancelha arqueada e exalando desconfiança, falei:
— Eu só queria entender o motivo de você estar tão interessado em saber da minha vida.
— Quero ser seu amigo.
— Por quê?
— Porque quero.
Ficamos nos encarando por alguns segundos, até que sendo vencida totalmente pela emoção, que naquele momento batia insistentemente na minha razão, que gritava a plenos pulmões para eu não ir, falei:
— Vou. Amanhã mesmo horário na frente da loja?
Lipe abriu um largo sorriso.
— Sim.
Encaramo-nos mais um pouco.
— Você... — Começou a dizer, mas parou e completou: — Amanhã a gente conversa.
— Sim, amanhã. Agora termina seu chope quente e o resto da batata fria e vamos que está ficando tarde.
— Por mim podemos ir, não quero nem um dos dois. — Ri da sua cara de desdém.
Seguimos para o caixa e dessa vez fiz questão de pagar tudo, afinal, fui eu quem desfrutou da batata. Então sob muito protesto paguei as comandas e saímos do bar com ele exibindo um bico de quem tinha sido contrariado e até parecia que eu tinha colocado em cheque a sua masculinidade apenas por ter pagado a conta.
— Quer que eu te leve? — perguntou quando paramos próximo do carro.
— Melhor não. — Semicerrou os olhos para mim em desconfiança e me apressei em acalmá-lo. — Amanhã eu te conto tudo e aí você vai entender o motivo de preferir que não me leve em casa.
Assentiu feliz.
— Tudo bem, vou esperar ansioso para ouvir sua história cheia de mistérios.
Bufei.
— Nada de mistérios, você vai ver, chata e desinteressante.
— Veremos.
Ficamos nos olhando até que me despedi:
— Vou indo, então.
Lipe se aproximou e mais uma vez, como na noite anterior, me deu um beijo demorado na bochecha que fez meu corpo acordar. Fechei meus olhos e imaginei se ele sentia o mesmo quando me tocava.
— Até amanhã, Cyndi.
— Até amanhã, Lipe.
Virei-me, caminhei para longe dele e não olhei para trás. Na minha cabeça eu só pensava que no dia seguinte eu iria para o motel e não tinha nem roupa para isso.
https://youtu.be/TBHQajuE4MM
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