Capítulo 4
Cyndi
No final do dia eu estava cabisbaixa e o show ficou durante todo o tempo em minha mente. Imaginei-me lá cantando, dançando, vendo gente da minha idade e me divertindo, imediatamente ao pensamento senti falta da minha amiga Arabela, que se estivesse ali com certeza armaríamos algum esquema e ela conseguiria me levar a este bendito show.
Nunca senti tanta vontade de ir a um lugar como eu estava sentindo em relação aquele, acreditava que era primeiro por ser um tributo a Cyndi Lauper que fazia eu me lembrar da minha mãe e segundo, porque queria rever o simpático cantor da noite anterior. Tudo bem que minhas chances de chegar perto dele eram remotas, mas elas existiam.
Comecei a cantar baixo a música True colors da Cyndi Lauper, enquanto terminava de dobrar e guardar as peças de roupas e fantasias que foram experimentadas pelos últimos clientes da loja.
...I see your true colors
And that's why I love you...
Só a minha voz era ouvida no silêncio da loja e a música que eu cantava me fazia companhia e como sempre fazia com que me lembrasse da minha mãe e do meu pai.
— É só ficar sozinha que a minha passarinha começa a cantar.
Olhei para a porta de vidro que adornava a entrada do ambiente e dona Fadinha passava por ela. Lancei um sorriso e logo fiquei tensa, pois teria que mentir para proteger a Ana Constância mais uma vez.
— Está sozinha? Onde está a Ana? — perguntou procurando-a pela loja.
— Já foi.
— Já foi?
— Sim... é... estava... indisposta — me atrapalhei ao mentir.
— De novo? — Dona Fátima me observou, notou que tinha algo errado e depois pediu: — Me diga a verdade. — Ergueu a sobrancelha, a irritação na voz era presente e eu soltei o ar, me sentindo exausta e culpada.
— Ela foi embora, porque tinha um show para ir, na verdade, ela está saindo cedo todos os dias e me deixa com todo trabalho. Dona Fátima, me desculpa por não ter contado antes para a senhora — falei tudo de uma vez e me senti péssima por ter omitido as fugidas da minha tia daquela senhora que era tão boa para mim e depois me senti uma traidora por entregar a Ana Constância.
— Por que não me contou antes?
— Eu não podia... Eu... elas vão fazer da minha vida um inferno quando descobrirem que contei. — Fechei meus olhos, já estava arrependida e ao mesmo tempo aliviada. — Me desculpa?
— Não fique assim, minha filha. Você fez o certo.
Encarei a senhora bondosa que me olhava de volta e percebi que ela me conhecia tão bem que não foi preciso que eu dissesse como estava me sentindo para que soubesse que me sentia mal.
Repensei tudo e não sabia se tinha contado sobre as fugidas da minha tia por inveja por conta dela ter ido ao show que eu queria ir ou se por não conseguir mentir para dona Fátima.
— Acho que tem algo a mais nessa história e que você está me escondendo. Me conta.
— Ai, dona Fadinha. — Ela riu, sempre ria quando a chamava pelo apelido. —Sou uma pessoa péssima. — Meus olhos se encheram de lágrimas.
Dona Fátima me pegou pela mão, me levou até um dos pufes que ficavam espalhados pela loja e disse:
— Não é, você é uma das melhores pessoas que já tive o prazer de conhecer. Anda, me conta tudo o que está te magoando.
Pensei um pouco e por fim desabafei:
— Por mais que me doa admitir o que eu sempre finjo não notar, sou muito maltratada naquela casa, mas até já estou acostumada, só que hoje... vai ter um tributo a Cyndi Lauper que eu queria tanto ir, as músicas me lembram tanto a minha mãe, mas se eu for, sei que quando voltar a minha avó vai me deixar louca com todas as suas acusações. Minhas tias foram, pedi para ir com elas, na intenção de que me dessem cobertura com a vó, mas elas não gostam de mim... Eu podia tê-la acobertado hoje de novo, ter inventado uma desculpa para a senhora, mas estou com tanta raiva por elas irem e eu não. Sei que já sou velha e ainda obedeço a minha avó... mas... tenho medo de fazer o contrário do que ela me diz e aí fazê-la passar mal e até ir parar no hospital.
Dona Fátima riu.
— Minha filha, você não é uma velha! Olha esse rostinho de menina. — A encarei e dei um sorriso tímido. — Eu acho lindo o respeito que você tem por sua avó, mas já está na hora de você mostrar para ela e as suas tias que você é dona da sua vida. Não se sinta mal por ter me contado sobre as escapadas da Ana, ela é a errada. E também não sinta por não ter contado antes, eu entendo.
Respirei fundo sem encará-la.
— Acho que você devia ir ao show.
A encarei de imediato.
— Ah, acho melhor não. — Tentei sorrir. — Já desisti da ideia.
— Sua mãe gostaria que fosse, tenho certeza.
Com esse comentário imediatamente me ganhou, mas repensei. Meu inconsciente, junto com o medo, tentava achar um empecilho para que eu não fosse e depois de um pequeno tempo, falei:
— Não tenho ingressos, roupa e nem nada. Deixa para uma outra vez quando eu tiver conversado com a minha avó antes, tiver organizado tudo e...
— Qual a chance de ter um outro tributo a Cyndi Lauper?
Torci a boca em tristeza.
— Nenhuma. — Ocultei também a frustração de o cantor de uma das bandas do festival ser o da banda Prince. O lindo dono do sorriso sedutor. Talvez eu nunca mais o visse de novo.
— Sendo assim, acho que você tem que ir — Dona Fátima sorria e parecia animada.
— E a minha avó?
— Ela não precisa saber. — Exibia um olhar acolhedor. — Cyndi, eu com sua idade, já tinha saído escondida muitas vezes. Você precisa viver, menina!
Sorri.
— E quanto as minhas tias? Elas estarão lá.
— Você será a própria Cyndi Lauper. Não é um evento temático? Você irá a caráter. — Dona Fadinha, se afastou do balcão onde estávamos conversando, trancou a porta de vidro e abaixou a porta de metal da frente da loja, depois me pegou pela mão e me levou para os fundos. — Vem comigo!
Já dentro do estoque começou a olhar em volta e disse:
— Enquanto preparo algo para você vestir, vá até o banheiro dos fundos e tome um banho.
— Eu não trouxe nada. — Eu tinha toda a confusão em meu rosto.
Dona Fátima foi até uma das prateleiras da loja, pegou um conjunto de lingerie novo e me jogou, ao mesmo tempo em que pegava o telefone da loja e discava um número nele.
— Tem toalha no armário, quando você sair terei preparado algo lindo para você. — Ela parecia radiante e se divertindo em me ajudar.
Meio que no automático fiz o que me ordenou e corri para o banheiro.
Uma eletricidade daquelas que aparecem quando algo bom vai acontecer percorreu meu corpo, um frio na barriga de ansiedade me atingiu e me senti muito aventureira ao topar, seja lá o que for que dona Fadinha planejava.
Tomei um banho rápido, saí do banheiro enrolada na toalha, depois me vesti com o conjunto de calcinha e sutiã na cor branca que dona Fátima tinha me dado. A renda no bojo destacava meus seios e a calcinha também rendada, pequena e sexy me deixava incrível. Encarei-me e pensei nunca ter usado um modelo como aquele.
Segui de volta para o estoque, onde estava a máquina de costura que usávamos para ajeitar as fantasias e ao me aproximar já ouvi o barulho dela funcionando e encontrei dona Fátima a manuseando.
— O que a senhora está aprontando?
— Senta ali, filha, que já te mostro. — Apontou para o sofá.
Poucos minutos depois parou a máquina, tirou o pano que estava costurando nela e quando o ergueu desavessando-o vi que era um vestido feito de cetim azul-claro, com tule por cima e todo cheio de brilho.
— Experimenta para ver se cabe em você. — O esticou em minha direção.
Peguei-o animada, coloquei-o e caiu como uma luva. Certamente meus olhos só faltavam brilhar quando me olhei no espelho grande que ficava pendurado na parede do estoque.
— Sabia que este cetim ia dar um charme. Ficou perfeito em você.
O vestido acentuava minha cintura com a saia era rodada, exibia um decote em "V" e a altura ficava acima do joelho.
— Coloque isto. — Entregou-me uma pulseira chamativa. — E isto. — Jogou-me a minha jaqueta jeans que antes estava pousada sobre o sofá. — No pé coloque seu All Star branco mesmo.
— Esta jaqueta era da minha mãe, por isso amo usá-la — contei e dona Fadinha sorriu carinhosa.
— Mais um motivo para ir com ela. — Piscou e eu sorri.
Vesti tudo como ela ordenou e dona Fátima me encarava com um braço na frente do peito, o outro apoiado nele e com sua mão na boca, claramente analisando a sua obra.
— Agora só precisa de uma maquiagem. Você tem alguma coisa?
— Tenho na minha bolsa, mas...
— Hummm... Já sei, uma peruca ou suas tias vão te reconhecer. — Me interrompeu e sorrindo andou até uma das prateleiras da loja, onde ficavam os acessórios de fantasias e pegou uma peruca com cabelo na cor rosa, franja e um corte Chanel. — Prende o cabelo e coloca uma touca de meia para segurá-lo embaixo da peruca.
Fiquei a encarando, rindo e com as sobrancelhas erguidas entregando a minha confusão, até que ela me acelerou:
— Rápido! Se mexa que o carro já está chegando e se enrolar mais você vai perder o show. — Dei um pequeno pulo com o susto e fiz o que ela me mandou.
Puxei uma cadeira para frente do espelho, prendi meu cabelo e fixei a peruca a ele, depois peguei meu nécessaire na bolsa, fiz uma maquiagem marcada como as da Cyndi Lauper e arrematei com um batom vermelho.
— Toma, coloca isso. — Dona Fátima me entregou um par de lentes de olho, na cor preta.
— Dona Fadinha, eu não tenho dinheiro para pagar isso.
— Anda, menina! Não estou te cobrando nada. Leve isso também. — Me entregou óculos escuros de estilo gatinho. — Caso ache que vá ser descoberta coloque os óculos.
Ri e os aceitei, depois coloquei as lentes e ao final da produção, me olhei no espelho e eu estava um arraso, com a fantasia perfeita para um evento como aquele, mas discreta a ponto de não chamar atenção para não ser reconhecida, aliás, eu estava tão diferente que nem eu me reconheceria.
— Maravilhosa! — Dona Fátima disse batendo uma palma e me encarando como se eu fosse uma boneca que ela acabou de vestir.
Eu estava sorrindo, ao mesmo tempo em que me encarava no espelho, alisava o vestido e me mexia admirando o seu brilho, mas parei no mesmo instante.
— Tudo está lindo, dona Fadinha, mas e o ingresso? Deve estar esgotado.
— Eu penso em tudo, minha querida. — Ela fechou a boca e como se tivesse combinado, um carro buzinou na frente da loja no mesmo segundo. — Anda, depressa ou vai chegar tarde.
Dona Fátima abriu a porta e o carro ali parado era do seu sobrinho que trabalhava como motorista de aplicativo.
— Conseguiu fazer o que eu te pedi, Laerte?
— Sim, tia, está aqui. — Entregou-a um ingresso.
Dona Fátima virou-se para mim e disse:
— Aqui, Cyndi, querida. Este é o ingresso para o show, divirta-se e tenta chegar antes da sua avó em casa, amanhã você conversa com ela e explica que tem que ter o livre arbítrio para decidir a sua vida, mas hoje como estamos sem tempo, vamos tentar como um segredo nosso, para não afrontá-la e também para você não perder o show.
Meus olhos começaram a lacrimejar.
— Não chora ou vai borrar a maquiagem.
— Muito obrigada, a senhora sempre foi muito boa para mim... — Engoli para não chorar. — Prometo pagar tudinho.
— Não há nada para pagar, tudo presente meu para você. Sempre foi minha melhor funcionária. — Sorri e a abracei.
— Minha verdadeira fada madrinha.
Separamo-nos e sorrindo, falou:
— Bibidi-bobidi-bu. — Bateu palma no ritmo das palavras de uma fada madrinha e rimos juntas. — Agora vá que Laerte te levará.
Entrei no carro com o maior sorriso do mundo, acenei para dona Fátima e seguimos para o show que eu tanto queria ir. Conforme o carro se afastava eu ria de orelha a orelha ainda vendo dona Fátima na calçada. Ela estava mais satisfeita do que eu.
Em meu coração era como se minha mãe estivesse ali me vestindo para o show e me senti feliz, porém, ao mesmo tempo a alegria de viver um momento lindo se misturava com o medo de ser descoberta, arrumar confusão ou até passar vergonha com isso. O medo me assombrava.
Seja corajosa, Cyndi!
Lá vou eu cantar muito alto Cyndi Lauper, lembrar da minha mãe e rever o Felipe!
Lipe
Já tinha passado o som com a banda e confirmando que estava tudo certo com a afinação dos instrumentos. Havia trocado algumas palavras com uma das outras bandas que também tocaria no festival em tributo a Cyndi e esse nome me trazia lembranças de um momento triste.
Tirei meu pensamento do passado e passei a observar orgulhoso todo o espaço do palco onde eu tocaria mais tarde, olhei também todo o entorno dele, a parte que o público iria ficar, admirei os refletores alojados no chão, os do teto que apontavam para o centro do palco, depois andei até o fundo e observei o grande telão de led que na hora do show se misturaria com a banda. Sorri feliz. Literalmente seria show.
O palco não era o de uma mega superprodução, mas era muito mais do que um dia sonhei em tocar, na verdade, nem em meus melhores sonhos imaginei que os vídeos amadores que postávamos no YouTube nos fariam chegar onde chegamos.
Eu já não era nenhum menino e os primeiros vídeos eram só um passatempo em meio ao meu trabalho como engenheiro civil e quando começamos a ganhar dinheiro com as views e com os shows, largar o escritório foi o que me pareceu melhor.
Terminamos nossa parte pré-show, estava quase na hora de começar o festival e eu precisava seguir para o hotel e me arrumar. Me sentia nervoso só de pensar em tocar para aquela galera e em minha mente, o passado surgia me lembrando o motivo de eu ter insistido em cantar naquela cidade.
Tentava imaginar se a garota do passado estaria ali me assistindo no meio da multidão, porém, havia se passado quinze anos e eu quase não me lembrava mais do seu rosto e até pensava que o pouco de que me lembrava também podia ser a minha imaginação. Me perguntava se ela pensava em mim e se me visse me reconheceria.
Se eu a visse eu a reconheceria?
Por outro lado, a linda mulher com quem eu havia conversado na noite anterior havia tomado conta da minha mente. Pensei muito em seus cabelos loiros e compridos, seus olhos azuis acompanhados do seu sorriso que carregava um toque de inocência, revivi a sua voz doce que parecia música e senti vontade de sentir seus lábios que aparentavam ser rosados naturalmente e macios.
Não estava esperando conhecer uma mulher como ela quando decidi sair na noite anterior, talvez até pudesse terminar com alguém na minha cama, mas com certeza não alguém com a aparência tão angelical misturada com mistério que fez um interesse surpreendente e repentino tomar conta de mim.
Peguei-me pensando no motivo que a tinha feito sumir daquela maneira e por que não me esperou voltar? E qual o medo que carregava consigo, que a deixou tão em dúvida se ia ou não comigo ao bar?
Consegui ver o medo que carregava, por mais que ela não tivesse dito que algo a reprimia, eu sabia que seu olhar escondia um medo.
Ao mesmo tempo que parecia com medo, em contrapartida também tinha uma leveza e um semblante risonho quando não estava com ele, parecia do tipo de pessoa que qualquer um adoraria ser amigo.
Quando saí do hotel para ir àquele bar, de forma nenhuma imaginei que meu dia acabaria, comigo se tornando refém de lindos olhos azuis e amistosos.
— Você está muito sério, Lipão, tá bem? — Cleber perguntou chegando perto de mim no fundo do palco e me tirando dos pensamentos na amiga sem nome.
— Tô, só acho que bebi muito ontem e ainda estou com um pouco de ressaca.
Andamos de volta à frente do palco onde estavam os outros e Christian me perguntou:
— Quem era aquela gata de ontem?
— Não sei — respondi os fazendo rir.
— Você estava sentado com ela e não sabe? Você está se tornando mais cuzão do que sempre. Antes ao menos se lembrava o nome das minas — Caio me repreendeu.
Revirei os olhos.
— A única coisa que sei sobre a loira, é que trabalha na loja em frente ao bar. Não viram quando saí da mesa para ajudá-la?
— Não, só sentimos sua falta quando fomos conversar com a banda aí vimos você do outro lado da rua — Caio contou.
— Acho que você está perdendo a mão com as mulheres, se fosse em outros tempos, a loira tinha terminado o dia na sua cama e olha só, nem o nome dela você sabe — Christian provocou.
— Vocês não me deixaram saber mais, me puxaram de perto dela para cantar. Caralho, viu!
— Para vai, que você gostou que te puxamos, cantou se exibindo pra porra, como sempre. — Caio me fez rir.
Eu gostava do sucesso.
— Ainda não acredito que fomos reconhecidos.
— Somos sucesso, cara, a gente que não entendeu ainda. Graças a Deus levamos segurança ou estaríamos perdidos para sair daquele bar. — Cleber ergueu as mãos para o alto em agradecimento.
— Sim, muita coisa mudou — concordei pensativo. — Mas agora vamos voltar para o hotel ou nos atrasaremos. Ainda não somos estrelas a esse ponto.
Caminhamos para fora do palco, enquanto conversávamos amenidades e também acertávamos algumas coisas sobre o show de logo mais e a sensação de felicidade e de estar fazendo algo certo era muito boa.
Cheguei ao hotel, tomei banho e me vesti para o show. Eu usava uma camiseta preta que estava escrito em letra cursiva: "voltei para você" que era o título de uma das nossas músicas.
Meio que a usei na intenção de que se o meu passado voltasse ao presente, ela o ajudasse a se lembrar de mim. Olhei-me no espelho e pensei:
Idiota! Eu era um bobo e um romântico incurável.
Ela pode estar casada, com filhos e você aí querendo reviver um namoro de adolescência. Deve ter tido outros caras e rido da sua cara ao contar a história para os amigos.
Balancei a cabeça em negativo e fui tirado de meus pensamentos deprimentes, quando batidas soaram da porta do quarto em que eu estava hospedado.
— Está na hora de arrebentar — falou meu produtor quando abri a porta e tinha um sorriso largo no rosto de quem estava ganhando bem pra caralho para estar ali conosco.
— Vão descendo que já encontro com vocês na recepção.
— Beleza! Não demora que já estamos quase atrasados.
Assenti, fechei a porta quando ele se foi, depois me olhei no espelho mais uma vez e fiz minha oração de sempre para que tudo desse certo. Depois parti.
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