Capítulo 2
Lipe
— Vamos passar o som mais uma vez — falei alto, em cima do palco para que todos os integrantes da banda me ouvissem.
Eu era vocalista da banda Prince desde o início da sua formação, éramos em quatro membros e fui o idealista dela desde quando começamos na escola de música em que estudávamos.
Naquele momento estávamos estourados na internet, com milhares de visualizações no YouTube e downloads nas plataformas digitais, já tínhamos participado de alguns programas de TV e podíamos nos considerar um sucesso. Por esse motivo fiz questão de aproveitar o momento bom para voltar para a cidade em que tudo começou para mim e com a ajuda do meu prestígio reencontrar alguém.
Há alguns anos, no início da adolescência, eu havia sofrido uma desilusão amorosa e magoado a garota mais doce e bonita da escola, só que na semana seguinte a isso, meus pais tiverem que se mudar de maneira repentina, por conta da empresa em que meu pai trabalhava tê-lo transferido após uma explosão na fábrica. Foi uma correria só e com isso saí da escola sem poder me explicar para a garota que eu havia magoado e contar a ela que eu era inocente sobre o que tinha acontecido.
Na cidade nova, para que eu esquecesse a tristeza de ter deixado meus amigos e a escola para trás, meus pais me colocaram em uma escola de música, onde aprendi a tocar vários instrumentos e a cantar.
Mesmo sem saber da minha desilusão, com essa atitude acabaram me direcionando para o lugar certo, porque não há nada melhor para descarregar uma tristeza amorosa do que a música, com isso, usei a dor exagerada de um garoto sofrendo por amor e aprendi, além de tocar e cantar, a compor. Não consegui provar para a menina que eu gostava que eu era inocente e talvez por isso nunca a esqueci e a eternizei nas composições românticas que escrevi.
As letras apaixonadas que faziam sucesso com a minha banda naquele momento na minha vida adulta, com certeza eu devia ao passado e a minha dor de amor malcurada. Talvez por isso eu fiz tanta questão de voltar para a minha antiga cidade no auge do sucesso mesmo já sendo um homem e depois de tantas experiências com mulheres... nunca esqueci a do passado, do meu primeiro beijo no início da adolescência e era como se ao voltar para aquela cidade, eu concluísse algo que ficou inacabado e levava comigo a esperança de conseguir reencontrá-la.
— Você ficou para sempre em mim... — cantei a última estrofe de uma das minhas músicas autorais. Eu amava cantar e demonstrava isso no olhar.
Deixava as mulheres loucas nos shows, as encarava e fazia com que pensassem que cada palavra das letras de amor que eu cantava era para elas. Ouvia gritos enquanto cantava e sorria convencido, piscava sedutor e muitas vezes esses gestos me rendiam noites quentes de sexo com uma fã ou duas, mas sempre deixando claro para cada uma delas que era apenas aquela vez e não teria depois.
Assim me divertia e desfrutava cada noite com uma mulher diferente, em uma cidade diferente, sem nunca me envolver de verdade com ninguém.
O sonho da minha mãe era que me casasse e a desse netos, amava que eu fosse um pop star, mas odiava a minha vida leviana, dizia que até John Lennon se apaixonou e teve a sua Yoko, enquanto eu apenas desfrutava das mulheres como se fossem um banquete, mas em minha defesa, respondia que eu não enganava nenhuma e, na realidade, quem me usava eram elas.
Cantei a última estrofe e encerrei a canção ouvindo o último acorde da guitarra. Sorri e encerrei o ensaio:
— Show, pessoal! Amanhã vamos arrebentar nesse palco. — Meus três amigos e companheiros de banda aplaudiram e encerramos o ensaio no local onde faríamos o show no dia seguinte.
Caio, Cleber e Christian eram irmãos e me tratavam como se eu fosse também. Os conheci desde o primeiro dia que entrei na escola de música. Ficamos amigos de imediato e assim como eu, os três eram o terror da mulherada, porém, modéstia à parte, eu era o que mais me saia bem no quesito pegar mulher.
— Vamos tomar alguma coisa hoje? — Cleber perguntou.
— Ah, eu não vou, vou ficar cansado para amanhã — Caio, como sempre o certinho, logo desviou.
— Deixa de ser cuzão, Caio! — Christian brigou com o irmão.
— Sério mesmo, eu não vou. Vão vocês.
Cleber bufou para a fala do irmão e me perguntou:
— Você vai, Lipão?
Dei de ombros como se minha resposta fosse óbvia e respondi:
— Opa! Vambora!
— Não sei como vocês conseguem esse pique. Vou ficar lendo — Caio resmungou, enquanto ajudava a guardar os instrumentos.
— A gente volta cedo, Caio. Vamos? — convidei, insistindo por sua presença já que eu curtia quando saíamos todos juntos. Eu era filho único e estar com eles fazia com que eu realmente me sentisse irmão também.
— Eu vou, se vocês demorarem eu volto sozinho.
Nós três rimos, porque ele sempre era o que não queria ir e depois o que não queria voltar.
Depois de guardar tudo deixamos o clube onde seria o show e fomos para o hotel, que ficava no centro da cidade, não muito longe dali. Ficaríamos hospedados no melhor hotel da cidade por algum tempo, já que nosso produtor aproveitou nossa ida para agendar shows em diversas casas noturnas e eventos na região.
Como a cidade era um polo industrial entre diversas outras cidades grandes, decidimos nos hospedar nela e também porque eu insisti para ficarmos ali justamente pensando na minha busca.
Avisamos ao Jorge, o nosso produtor, que íamos sair para aproveitar a noite da cidade e ele quis nos frear, disse que seríamos reconhecidos, porém quando viu que não ficaríamos dormindo, insistiu para levarmos o segurança junto, além de ter feito milhares de recomendações sobre não bebermos muito por conta do show e não nos metermos em confusão para manter a boa imagem da banda que era de rock romântico, também disse para não chamarmos atenção para evitar aglomerações e multidão de fãs.
Por fim, mesmo com toda a ladainha de Jorge, decidimos por ir e aceitamos levar o segurança, eu ainda não tinha me acostumado com a fama e nunca achava que seríamos reconhecidos por onde andávamos e talvez pela naturalidade com que eu lidava até conseguia mesmo passar despercebido em diversos locais.
Quando foi por volta das seis da noite, fomos cedo para voltarmos cedo, seguimos para o bar que se localizava em um bairro mais afastado do centro, mas que foi muito bem recomendado por um funcionário do hotel. Jackson, nosso segurança, dirigia um carro que foi alugado na cidade para nós, eu ao seu lado e os três no banco de trás.
Caio mesmo contrariado, nos acompanhou. Ele era o bom moço da turma adorava tocar, mas no fundo era um nerd encubado.
— Para falar a verdade eu adoraria ser reconhecido. Eu gosto da fama — Christian falou.
— Eu gosto, mas, às vezes, não — falei.
— Eu gosto da parte de pegar mulher — Cleber disse.
Rimos.
— É a melhor parte — Caio concordou.
Não demorou até que chegamos ao bar e por ser uma sexta-feira já estava cheio de pessoas felizes, comemorando o final do expediente e da semana de trabalho. A animação era feita por uma banda local e os caras eram bons, tocavam um pop rock de respeito e a galera cantava com eles.
O espaço era descolado, exibia paredes pintadas de preto e tambores de ferro faziam papéis de mesas, já os acentos eram bancos de madeiras que ficavam dispostos em volta dos tambores e também nos cantos do bar.
Nós quatro éramos grandes e chamávamos atenção, então sabíamos que logo seríamos notados, mas disfarçamos e nos acomodamos do lado de fora, no espaço ao ar livre que dava acesso à rua e ficava de frente para algumas lojas que ainda estavam abertas, entre outras que já haviam encerrado o expediente. Ficamos ali, pois seria mais fácil de ir embora caso as pessoas começassem a nos cercar e Jackson se manteve do lado de fora do bar e de olho em tudo.
— O que vocês vão beber? — Cleber perguntou.
— Vamos de chope? — Christian sugeriu.
— Chope! — concordamos.
Entre risos e provocações costumeiras, meus amigos e eu começamos a curtir a banda, cantar as músicas e não demorou até que nossas bebidas chegassem para animar a noite.
Debatemos sobre a logística dos próximos shows e mesmo quando não estávamos trabalhando, falávamos sobre a nossa banda, porque era muito mais que só trabalho, era nossa vida, nosso lazer e a coisa que mais amávamos.
Muitos chopes depois, estávamos rindo de algo sem noção que o Cleber disse, até que minha atenção foi tomada por uma mulher loira, fechando a porta de metal de uma loja do outro lado da rua. Ela tinha os cabelos loiros e cacheados, era alta e magra, usava calça jeans com camiseta branca, provavelmente uniforme da loja, e carregava uma bolsa e uma jaqueta jogada no braço.
Fiquei a observando e notei que demonstrava uma certa dificuldade para fechar a porta e até mesmo parecia irritada.
— Ei, Lipe, vai do quê?
— O quê? — respondi ao Caio com outra pergunta, tirando meus olhos da loira do outro lado da rua.
— Quer comer alguma coisa também?
— Ah, sim. O que pedirem para vocês peçam para mim também.
Vi que todos me encararam com desconfiança, mas seus olhares desconfiados não ficaram por muito tempo em mim e logo voltaram a falar sobre outra coisa. Também não dei atenção a eles e voltei a olhar para a loira, que naquele momento havia colocado a bolsa no chão, a jaqueta sobre ela e pisava na fechadura da porta, claramente sem paciência, provavelmente tentando encaixar o trinco.
Semicerrei os olhos observando seu esforço e até então, parecia que apenas eu a notava, já que quando olhei em volta, as pessoas ao meu redor curtiam a banda e estavam se divertindo demais para notar o perrengue da moça, inclusive meus amigos, que comentavam algo sobre a música que tocava, riam e se divertiam, que também não notaram a minha falta de interesse na conversa.
Sem dizê-los nada, dei a volta na mesa e sentindo-me obrigado a ajudá-la, saí do bar.
Atravessei a rua de paralelepípedo a observando de costas para mim e a cada passo que eu dava em sua direção, mesmo não tendo realmente a intenção de olhá-la dessa forma, era inevitável não admirar cada parte do seu corpo e a primeira coisa que me chamou atenção foi sua bunda redonda e bem desenhada, embrulhada pela calça jeans e se mexendo quando pisava firme na fechadura da porta de metal.
Xinguei-me mentalmente, porque não fui até ela com esse pensamento e sim para ajudá-la.
— Porcaria de fechadura! — a ouvi xingando. Segurei o riso e até fiquei com dó do seu esforço. — Droga! Droga! Droga! — esbravejou ao mesmo tempo que pisava firme.
— Precisa de ajuda?
— Ai! — falou, deu um pequeno pulinho, talvez assustada por não esperar alguém tão perto e eu ri.
— Desculpa, não queria te assustar.
Fechou os olhos e soltou o ar.
— Eu que peço desculpa pelo destempero, é que... essa maldita porta me tira do eixo.
— Se continuar pisando nela com tanta raiva quem vai tirá-la do eixo é você.
Sorriu sem jeito e era linda. Sorri de volta, encarei seus olhos azuis em meio ao seu rosto delicado e tive a impressão de já conhecê-la.
A música do bar dava para ser ouvida dali, mas eu nem sequer olhei na direção dele, para saber se alguém nos observava.
— Olha, não costumo dar trabalho para estranhos, mas nesse caso preciso de ajuda sim. A fechadura não quer encaixar para que eu coloque o trinco. Ela sempre me dá problema.
— Me deixa tentar.
Por mais incrível que pudesse parecer, para a surpresa da loira, com um único pisão leve que dei a fechadura encaixou, facilitando assim que ela conseguisse trancar.
— Acho que ela não dá tanto trabalho assim.
A loira ergueu as sobrancelhas parecendo envergonhada.
— Eu juro que ela não estava fechando.
Ri.
— Eu sei, estou brincando. Vi você lutar com ela lá do bar.
— Ai, que vergonha! — Passou a mão na testa.
— Não fique, creio que fui o único que percebeu.
Sorriu.
— Bom, muito obrigada pela ajuda. Amanhã vou ter que pedir para a dona mandar arrumar isso sem falta.
— Por nada. — Ficamos em silêncio, até que eu a convidei: — Já que resolvemos o problema da porta, não quer ir comemorar comigo e meus amigos no bar?
Pareceu estranhar o convite e até parou de sorrir, logo colocou sua jaqueta e pendurou a bolsa transversal ao corpo, nitidamente pronta para partir.
— Não posso.
— Ah, claro! Desculpa, deve ser comprometida.
— Não sou, mas... não posso — disse olhando para as mãos como se não quisesse me contar o motivo pelo qual não podia estender a noite comigo, entretanto, parecia querer, mas também demonstrava... medo? — Amanhã tenho que acordar cedo.
— Só um chopinho rápido.
A loira olhou em volta e para o bar, nesse momento começou a tocar uma música da Cyndi Lauper e a vi franzir a testa. Depois de um suspiro como se tivesse criado coragem, concordou:
— Tudo bem, mas não posso ficar muito.
Abri um sorriso largo que nunca imaginei que soltaria apenas por uma mulher aceitar tomar um chope inocente comigo.
Atravessamos a rua enquanto ela me contava que sempre via aquele bar do outro lado, mas só o frequentou uma vez, tinha até um brilho diferente no olhar ao dizer isso, como se estivesse fazendo a maior aventura da sua vida indo até lá novamente e eu estava encantado com o seu jeito tímido e... misterioso.
Coloquei a mão na sua cintura para encaminhá-la para o lado que ficava a mesa que meus amigos e eu estávamos acomodados e pelo movimento rápido acabei colocando por baixo da jaqueta e por cima do tecido fino da camiseta.
Ela me encarou com um sorriso tímido e com a boca perto do meu ouvido, falou por sobre a música alta da banda:
— Eu amo Cyndi Lauper.
— E quem não? — falei e ela riu feliz com minha resposta.
Continuamos andando e não demorou até que chegamos à mesa, entretanto, para a minha surpresa, ela estava vazia, procurei por meus amigos e não os vi.
— Cadê seus amigos?
— Não faço ideia. — Olhei para frente e os avistei perto da banda. — Ali.
Claro que estavam lá.
De longe mesmo apresentei um por um para ela, que assentiu sorrindo quando eu apontava para cada um deles. Quando terminei a apresentação, olhou para a banda e se mexeu discretamente ao ritmo da música ao mesmo tempo em que cantava, mas eu não ouvi sua voz, apenas notei seus lábios rosados se mexendo.
— Tenho a impressão de que te conheço — falei alto e ela me encarou com os olhos semicerrados.
— Sabe que tenho a mesma impressão.
— Aliás, qual o seu nome? — perguntei olhando para os seus lábios rosados, mas no momento em que ia me responder fomos interrompidos por meus amigos que chegaram eufóricos, falando todos ao mesmo tempo e me arrastando com eles.
— O que está acontecendo? — perguntei.
— Fomos reconhecidos e a banda está fazendo questão que nos apresentemos com eles — Cleber falou convencido e eu sorri.
— Bora, cara! — Caio disse.
Vendo que eu não ganharia aquela batalha e também porque eu estava muito a fim de tocar, olhei para a minha acompanhante e pedi:
— Me dá um minuto? — Assentiu em resposta, no entanto, antes ir, falei aos meus amigos: — Vocês estão muito mal-educados, nem cumprimentam minha nova amiga.
Christian lançou uma piscada para a loira e disse achando que ela fosse mais uma das minhas conquistas:
— O Dom Juan já volta, tá, gata?
Sorri envergonhado, dei de ombros e antes que pudesse dizer mais alguma coisa, fui puxado por meus amigos e a ouvi dizendo um "Vai lá".
— Me espera que é rápido — pedi e ela assentiu com um sorriso largo.
A banda parou de tocar, nos cumprimentou nitidamente demonstrando serem nossos fãs e depois de um acordo rápido decidimos que íamos tocar Time after Time da Cyndi Lauper, que eu pedi como forma de agradar minha nova amiga. Fui criado ouvindo as músicas da Cyndi, que a minha mãe era apaixonada, por isso sabia todas as letras e fiz os caras aprenderem também, o que foi muito bom quando o tema do festival surgiu para nós.
O vocalista nos apresentou para a casa dizendo:
— Atenção, pessoal, muito barulho para receber os Prince. — O bar foi à loucura, quando muitos que ainda estavam inocentes a nossa presença ali, nos reconheceram e aplaudiram.
Jackson naquele momento já estava bem próximo de nós e a postos caso precisássemos dele.
Assumi o microfone, agradeci o carinho e disse que a música era para a minha nova amiga, que novamente percebi não saber seu nome e deixei apenas dedicado à minha nova amiga mesmo e a loira de longe me lançou um sorriso tímido.
Logo, comecei a cantar junto com o vocalista da banda, enquanto os caras assumiam os instrumentos cedidos para nós com prazer pelos outros integrantes.
Olhei para a mesa distante, do lado de fora do bar, e comecei a canção, jogando todo o meu charme costumeiro ao mesmo tempo em que cantava para a moça que havia acabado de conhecer, entretanto, as pessoas se amontoaram a nossa volta na tentativa de conseguirem ficar cada vez mais perto dos Prince e com isso perdi o contato visual com a minha nova amiga.
Continuei cantando e ao final da música, após sermos ovacionados pelos frequentadores do bar e entregarmos o microfone para a banda oficial e também depois de milhares de fotos, olhei para a mesa e a loira não estava mais lá, apenas um banco vazio com um grande nada ocupando seu lugar.
Que caralho!
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