Capítulo 17
Cyndi
Dormimos agarrados e era a primeira vez que me permitia dormir fora de casa, sem medo e para a minha surpresa também não me sentia como uma adolescente que fazia algo errado. Sentia-me uma mulher com a idade que tinha, em paz, feliz e... amada.
Eu sabia que naquele momento, talvez, Lipe não me amasse ainda, mas fazia com que eu me sentisse especial e eu pensava que se não amava era certo que gostava de mim.
Passava das duas da manhã quando acordei com sede e uma vontade gigante de ir ao banheiro. Ao meu lado Lipe dormia pesado como uma pedra e imaginei que fosse o cansaço da viagem misturado com o relaxamento de uma noite de sexo e alguns orgasmos.
Com cuidado para não acordá-lo, me sentindo exausta e satisfeita, levantei da cama para ir ao banheiro e só então percebi o luxo do quarto em que ele estava hospedado. Era perfeito e não duvidava que fosse quase do tamanho da minha casa ou até maior.
Segui para o banheiro que assim como o quarto era espaçoso e se integrava a um closet, com armários gigantes do chão ao teto que eu não via utilidade, já que era um hotel e provavelmente ninguém levaria roupas suficientes para enchê-los. Havia uma banheira de frente para uma grande janela de vidro que dava para ver toda a cidade com suas luzes acesas na madrugada.
Analisei a banheira por um tempo e percebi que caberia facilmente duas pessoas nela, então com um sorriso no rosto fiz planos para quando Lipe acordasse.
Sem sono e depois de explorar todo o quarto maravilhosamente grande, fui pegar água e me servi de uma garrafa no frigobar que ficava do outro lado do quarto, que mais parecia um apartamento. Tudo ficava longe da cama, desse jeito, eu podia fazer um pouco de barulho sem que Lipe acordasse.
Na volta para a cama como estava sem sono, resolvi pegar o celular e saber se tinha alguma mensagem importante, já que era a minha primeira noite fora de casa e apesar de tentar ligar o foda-se, ainda me preocupava com a minha avó.
Andei até a minha bolsa que estava jogada no chão e peguei o aparelho, assim que o desbloqueei a primeira coisa que vi foi uma mensagem da Ana Constância e achei estranho, porém, como estava preocupada com a vó e pensei que pudesse ter acontecido alguma coisa importante, abri a mensagem.
Foi aí que para acabar com a minha noite, recebi um golpe que me doeu mais do que se tivesse levado um soco.
Uma foto da minha tia com a boca colada à de Lipe apareceu na tela. Ele olhava para a câmera e ela encostava a boca a dela. A imagem era exibida para mim como se esfregasse na minha casa o quanto fui burra.
Embaixo da foto tinha outra imagem, mas essa era minha com o Lipe no bar em um dos nossos encontros e tinha sido tirada escondido provavelmente por algum dos frequentadores do bar. A seguir estava escrito:
"Não quis acreditar em mim, né? Então aqui vai... De duas uma: ou ele usou a mesma roupa para ver nós duas em dias diferentes ou se encontrou com você no bar e no hotel comigo no mesmo dia"
Meu coração batia descompassado e eu encarava com raiva o homem dormindo na minha frente. Pensei em acordá-lo com tapas e gritos, mas ao mesmo tempo só queria sumir dali sem trocar nem uma palavra com ele. Simplesmente sumir.
Como eu pude me enganar tanto com alguém?
Claro, como sempre me deixo enganar, tudo para receber um pouco de carinho.
Lágrimas começaram a brotar e me senti a mais burra do mundo. Fechei os olhos e respirei fundo tentando ponderar a situação.
Pensei que podia ser uma armação novamente... mas pela terceira vez? Será que ele era mesmo inocente? Será que não estava na hora de aceitar que os dois realmente tinham algo e adoravam me fazer de besta?
Encarei novamente o homem a quem eu estava começando a amar, parado e dormindo calmamente e me perguntei se seria possível que fizesse tamanho mau-caratismo comigo e ficasse tão em paz daquela maneira.
Você espera muito da humanidade, Cyndi.
Precisava sair dali.
Comecei a procurar minhas roupas pelo quarto e a juntá-las no meu colo, mas talvez por meus movimentos estabanados, Lipe se mexeu ainda meio sonolento e eu paralisei. Não queria lidar com ele, ter que ouvi-lo e mais uma vez o meu sentimento me fazer acreditar que tudo foi uma armação.
Juntei minhas coisas e para não acordá-lo fui me vestir no banheiro, no entanto, alguns minutos depois eu o ouvi me chamando e por impulso decidi me esconder dentro do enorme guarda-roupa.
Parecia loucura, mas em minha mente confusa cogitei que ele fosse atrás de mim e aí com a sua saída eu conseguisse pegar o outro elevador e fugir sem ter que ouvir explicações que andava exausta de escutar.
Tinha traçado um plano.
— Cyndi... — Ouvi Lipe me chamar e enxuguei uma lágrima que escorreu pelo meu rosto ao mesmo tempo em que estava escondida feito um rato.
Notei seus passos pesados passar perto de mim, depois a porta do sanitário sendo aberta e por fim se afastar. Logo meu celular começou a tocar na minha mão e uma foto dele que eu havia baixado da internet, em que cantava com olhos fechados próximos ao microfone, apareceu na tela.
Fechei a minha boca para reprimir um choro doído e logo o celular parou de tocar, mas a seguir uma mensagem dele apareceu na tela:
"Cyndi, cadê você? Estou preocupado."
Eu o conhecia, sabia que iria atrás de mim e para confirmar não demorou e quando abri uma pequena fresta na porta do guarda-roupa o vi colocando suas roupas e a seguir se dirigir à porta.
No momento em que ouvi o barulho da porta se fechando saí do meu esconderijo, terminei de colocar minhas roupas e meus sapatos e rumei para fora dali.
Antes de sair dei mais uma olhada no quarto, fechei meus olhos deixando a tristeza tomar conta de mim, depois enxuguei o rosto coberto pelas lágrimas que o molhava e decidi partir de uma vez.
Segui para o elevador e já de frente para as portas apertei o botão freneticamente como se com esse gesto conseguisse que ele chegasse mais rápido.
Queria sair dali sem falar com o Felipe ou a cachoeira de emoções ia abrir e eu choraria descompassadamente na frente dele de novo.
Para a minha sorte começou a contagem digital que indicava que o elevador estava subindo para o andar que eu me encontrava e fiquei mais tranquila. Logo parou no andar, mas quando as portas se abriram, encostado no fundo do elevador, de cabeça baixa e parecendo preocupado estava ele.
Lipe
— Como não viram? Uma mulher sai do hotel de madrugada e ninguém vê? — gritei com o recepcionista do hotel e imediatamente me arrependi. Ele não tinha culpa da minha vida sentimental de merda.
— Senhor, vamos olhar as câmeras e ligamos para o seu quarto.
Sem responder e bufando subi para o meu quarto, pensando no que tinha acontecido para que mais uma vez ela fugisse de mim.
Seria isso? Eu passaria a vida à procura da Cyndi?
O que eu sentia era um misto de raiva com preocupação de que pudesse acontecer algo com ela andando sozinha de madrugada, mas também raiva por Cyndi não conversar comigo.
Pensei que talvez não tivesse me perdoado pela armação da sua tia mais cedo, mas no segundo seguinte me lembrava de nós dois na cama e chegava à conclusão que sim, ela tinha sim me perdoado. Mas o que aconteceu afinal?
De dentro do elevador eu tentava ligar para ela enquanto cogitava a ideia de pegar a chave do carro e sair pelas ruas à sua procura, porém, quando as portas do elevador se abriram no andar do meu quarto, do lado de fora, parada e com o olhar cheio de dor, estava Cyndi.
Encaramo-nos e eu esperava que me dissesse alguma coisa, mas em vez disso entrou e apertou o botão do térreo.
Fiquei encarando-a e nada... nem uma palavra.
— Você não vai me dizer nada?
Vi-a enxugar o rosto, mas se manteve em silêncio, de costas para mim e de frente para as portas.
— O que está acontecendo, Cyndi? — insisti.
Riu sem vontade.
— Você não se sente nem um pouco culpado por mentir para mim? — enfim disse com um fio de voz sem me olhar.
— Mentir? Eu não minto para você.
Vi-a soltar mais um riso de nervoso e outra vez enxugou o rosto, até que eu cansado de meias palavras a virei para mim.
— Me conta o que está acontecendo?
Engoliu em seco.
— Eu vi a foto... Você a beijava... — Fechou os olhos como se doesse fisicamente dizer.
— Foto? Que foto?
Balançou a cabeça em negativo.
— Não consigo.
Movido pelo enfurecimento a prensei com o meu corpo contra a parede do elevador e as portas se abriram no térreo, mas apertei o botão para que subisse novamente e elas se fecharam. Com o indicador levemente ergui seu rosto para que me encarasse e ela disse:
— Me deixa ir...
— Não! — falei com o maxilar serrado segurando minhas emoções.
— Você não pode me manter presa aqui.
— Posso e vou. Até que me conte o que aconteceu.
Cyndi se desvencilhou de mim e foi para o outro lado. Quando chegou no andar do meu quarto as portas do elevador se abriram e as travei com a mão, depois perguntei:
— Vamos descer, conversar e você me contar o que aconteceu.
— Não vou voltar.
— Para com isso e me conta o que está acontecendo.
Balançou a cabeça em negativo, deu um riso cheio de desdém e me olhou de novo deixando sua mágoa falar por si:
— Do que vai adiantar? Minha vida nunca foi feliz... sempre me vi... sozinha, preterida e fadada a aguentar o que me era proposto. Sempre a vida dá um jeito de me tirar o sorriso. Nunca consegui dizer com todas as letras o que eu realmente queria. Não aguento mais viver deixando a minha felicidade na mão de outras pessoas e ficar sempre emocionalmente presa a alguém.
— Cyndi, eu te entendo, mas precisamos conversar para que eu saiba o que está acontecendo e o que você quer. Fugir não adianta.
— Lutar também não. Não quando algo que está fadado a dar errado.
— Me conta o que aconteceu ou o que você quer que a gente consegue.
Mais uma vez riu.
— O que eu quero? Acho que o que eu quero você não pode dar.
— E o que é? — A irritação estava começando a tomar conta de mim.
— Quero alguém só para mim, sem barreiras, sem amarras, sem um "mas" ou "porém". Quero alguém entregue a mim sem que a cada dia apareça algo que nos separe... Eu quero ser amada!
— E eu te amo! — falei alto e ela me olhou espantada. — Eu amo você, Cyndi.
Encaramo-nos.
— Não é o que parece, não é o que a vida insiste em me mostrar.
— Vida? Que vida? Dane-se o que te mostram, eu estou dizendo que te amo e você está me deixando louco. Me conta o que aconteceu.
Ela puxou o ar, respirou fundo e pediu:
— Solta a porta e me deixa ir. Não consigo conversar agora ou vou desmoronar.
Encarei-a e falei calmamente:
— Quer saber? Também estou cansado de me sentir culpado, de correr atrás de você a todo tempo e de ter que sempre provar que não fiz nada de errado. Se é assim que você quer...
Soltei as portas do elevador que se fecharam lentamente acabando com a minha expectativa de me resolver com ela. Olhamo-nos até que a fresta se fechasse de vez e só a dor entre nós ficasse visível.
Vê-la partindo me doía e a constatação de que a amava aumentava a minha dor. Não sabia nem sequer o motivo por que eu a estava perdendo de novo, mas eu a perdi.
Entrei novamente no meu quarto e quando deitei sentindo o meu peito queimando de raiva e frustração, ouvi o barulho indicando que uma mensagem havia chegado no meu celular, o peguei e quando olhei no visor do aparelho, lá estava a foto em que a doida de uma fã tirou me beijando de surpresa no bar do hotel.
Como uma chave sendo virada, naquele momento liguei as duas mulheres e me lembrei de onde conhecia a tal fã que me beijou aquele dia. A mulher na foto era a Ana Constância, a tia da Cyndi.
Era ela! Como não lembrei? Como não a liguei quando a vi na piscina?
Novamente uma armadilha para mim.
Que porra! O que essa mulher quer comigo?
Ela não quer nada comigo, quer com a Cyndi, quer infernizá-la e sempre consegue.
Logo chegou outra foto de nós dois no bar e uma mensagem encaminhada em que a tia dizia que eu vi a Cyndi e ela no mesmo dia.
Filha da mãe!
Tentei novamente ligar para a Cyndi, mas ela não me atendeu. Certamente me achava um monstro mentiroso, devia estar ligando tudo e imaginando que menti e estava saindo com ela e com a tia ao mesmo tempo.
Enviei uma mensagem:
"Deixa-me explicar?"
Ela respondeu:
"Você estava com a mesma roupa, foi no mesmo dia... Por que não me contou que estava com ela? Por que mentiu? Felipe, não consegui dizer pessoalmente, por medo de desabar e não conseguir, mas só quero ficar em paz. Acabou."
Joguei o celular sobre a cama e andei de um lado para o outro no quarto. Não queria falar por mensagem, precisava falar pessoalmente.
Fiquei pensando que não acabou. Não podia acabar assim de uma hora para outra, por mais que estivesse me sentindo injustiçado, para mim não tinha acabado. Eu a amava e não conseguiria seguir em frente mesmo estando com a razão.
Amava a Cyndi e voltar para ela me deu a certeza. Doía saber que ela sofria e por minha culpa... Minha porra nenhuma! Culpa daquelas vadias.
Andei de um lado para o outro e decidi que diferente da outra vez eu não ia deixar Cindy pensar que eu era um traidor. Minha autopreservação dizia para me afastar e deixar de ser injustiçado, mas meu coração dizia que eu era dela e precisava lutar.
Ela tinha muita coisa para lidar além de nós dois. Sentia dificuldade em confiar, além de ser dependente afetiva. Precisava de mim e eu provaria que era inocente quantas vezes fossem necessárias para que pudéssemos ficar juntos.
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