Capítulo 13
Cyndi
Na sexta-feira quando o despertador do celular tocou me indicando que estava na hora de trabalhar, meu corpo gritou para que eu ficasse na cama e para a minha sorte, tinha uma mensagem carinhosa da dona Fátima, dizendo que notou meu cansaço e que naquele dia eu não precisava ir e podia tirar a minha folga costumeira. Antes quando Ana trabalhava comigo, cada uma de nós tinha direito a uma folga por semana.
Agradeci e aquela mensagem foi um alívio, já que meu corpo e meu emocional estavam mesmo exaustos.
No espelho do banheiro encarei meus olhos inchados de chorar pela noite anterior, mas não sabia se chorava pela minha realidade solitária ou se pela vergonha que passei ao ter um destempero na frente do Lipe.
Sentada no vaso e olhando fixamente a parede a minha frente, lembrei-me da cena da mulher pendurada nos lábios dele e não foi uma cena que gostei de ver. Repensei diversas vezes, ficando entre acreditar e duvidar do que ele disse e a conclusão que cheguei foi de que fui uma boba em pensar que Lipe era um amigo ou alguém que podia consolar a minha solidão e que correr para ele não tinha sido uma boa ideia. Talvez eu tivesse colocado expectativa em uma relação que existia apenas para mim.
Podia ser mesmo que o que ele disse em relação ao beijo tivesse sido a verdade, mas a dúvida havia sido plantada.
Quando saí da arena do show na noite anterior, voltei para casa com um carro de aplicativo e gastei uma pequena fortuna. O motorista pareceu perceber que eu não me sentia bem e o percebi olhando pelo retrovisor diversas vezes, talvez por notar o meu choro sentido enquanto dirigia.
Não podia ficar naquela rampa e esperar Lipe voltar, como ia contar a ele que fui até lá para não me sentir sozinha na vida? Quando minha própria família disse que eu não tinha ninguém. Como?
Não podia forçá-lo ao papel de minha companhia, principalmente depois de ter um deslumbre do que era a sua vida de cantor ao ver a moça o beijando.
Mais uma vez repensei e por fim, acreditei que foi pego de surpresa pelo beijo, relembrei seu olhar e percebi que dizia a verdade, no entanto, daquela vez tinha sido apenas a moça que o agarrou, mas e nas próximas apareceria alguém melhor que eu e seria real.
Ri debochando de mim que pensava em próximas vezes como se tivéssemos algo só porque transamos. Que carente! Nossa noite de sexo teve uma grande importância para mim, no entanto, não podia acreditar que foi o mesmo para ele e em meu pensamento cogitei que para Lipe foi apenas isso: uma noite de sexo.
Existia uma amizade e tesão também, mas não um sentimento maior.
Depois de minutos sentada e pensando na minha vida, enfim levantei-me da privada, escovei os dentes e voltei para a cama. Não queria ir até a casa, para ter que encarar ninguém, sendo assim, passei o dia deitada.
Comi algumas bolachas recheadas que eu sempre deixava no meu quarto junto com algumas guloseimas e não almocei. Só saí do quarto rapidamente para ir até o portão por duas vezes, para entregar e buscar meus cachorros quando o pet shop foi buscá-los para o banho e depois devolvê-los limpinhos. Na segunda vez vi um carro preto sair em disparada de uma vaga e seguir para longe da minha rua.
Não vi ninguém pela casa, talvez tivessem saído ou estavam dormindo. Minha avó estava chegando cada vez mais tarde da igreja.
Segui o dia vendo série, também li um livro que Arabela me indicou, chamado Prix, da escritora Mari Sales, mas para a minha surpresa só serviu para acabar com o meu psicológico, já que contava a história de um cantor lindo. Foi inevitável não imaginar Lipe e eu nas cenas.
Deixei meu celular desligado, não queria ver mensagens dele caso enviasse. Sentia-me com vergonha pelo chororô da noite anterior e também porque correria o risco de responder e virar uma cadelinha de cantor, uma Maria microfone, além de acabar dizendo para ele que tinha ido até lá, atrás de conforto para a minha solidão. Ai que vergonha.
Muita vergonha era o que eu sentia naquele momento.
No sábado fui trabalhar revigorada, não tive contato com as minhas tias e avó e o telefone permanecia desligado. Já que era para ser sozinha eu seria.
Mais uma vez não vi ninguém na casa e as três deviam estar dormindo. Eu estranhei as saídas da Ana Constância e Lisbela nos últimos tempos, antes elas saíam mais nos finais de semana, já naquele momento estavam perdendo o medo da vó também e estavam saindo até no meio da semana. Talvez devesse ao fato de que Ana não trabalhava mais e pudesse dormir até tarde no dia seguinte.
Quando cheguei para abrir a loja era pouco antes das nove da manhã, porém a poucos passos antes de chegar à porta avistei encostado a ela um moreno alto, usando óculos de sol e com um franzido na testa que indicava seu semblante sério. Lindo como sempre Lipe me esperava e não parecia feliz.
Meu primeiro gesto foi uma pequena pausa no caminhar assim que o reconheci, mas continuei andando e o cumprimentei quando me aproximei:
— Bom dia.
— Bom dia? — Seu tom de voz era irritado.
— Sim, bom dia.
Tirou os óculos de sol, o colocou na gola da camisa e me encarou. Estava mesmo sério.
— Estou desde a noite de quinta-feira preocupado com você. — O encarei e não disse nada. — Eu pedi que me esperasse que voltaria logo, mas simplesmente sumiu. Soube por Jackson que ele que tinha te levado até o show, fiquei pensando em como você voltou para casa e depois de algumas mensagens sem resposta sua, comecei a pensar se tinha chegado a ela. — Abaixei-me para destrancar a porta de ferro da loja e ele continuou: — Fui até o portão da sua casa ontem e fiquei do carro espiando a movimentação. — Encarei-o com preocupação e ele me tranquilizou: — Não falei com ninguém, mas quando te vi sorridente falando com o motorista do carro de pet shop, imaginei que nada de ruim aconteceu com você ou não estaria animada daquela forma. Cheguei à conclusão de que só não queria falar comigo mesmo. — Era ele no carro preto.
— Primeiro, eu não estava animada e segundo, se eu tivesse morrido, ninguém se importaria. — Dei de ombros ao me levantar novamente e erguer a porta de ferro, ia abrir a porta de vidro, mas Lipe me segurou, disse com muita seriedade e sem muita paciência.
— Eu me importaria. Prova disso é que me preocupei se você estava bem.
Encarei-o, mas desviei o olhar para a fechadura da porta de vidro e abri a loja entrando nela a seguir. Andei até o interruptor das luzes, acendi-as e fui para os fundos guardar as minhas coisas no estoque, fingindo que Lipe não estava ali me observando, embora meu corpo formigando e meu coração descompassado por saber que se preocupou comigo entregasse o quanto eu era carente e ficava feliz com um pingo de interesse de alguém.
Voltei para a frente da loja e ele ainda continuava lá.
— Você pode conversar comigo?
— Estou em horário de trabalho.
Encaminhei-me para trás do balcão, ele me seguiu e ficou do outro lado.
— Então faz de conta que sou um cliente.
Olhei-o e soltei o ar que segurava, não queria me envolver e me machucar, por isso me isolei por um dia inteiro, mas lá estava ele fazendo com que eu sentisse de novo.
Vendo que ele não sairia da minha frente, perguntei:
— Tudo bem, cliente, o que você quer?
— Quero você. — Revirei os olhos e de imediato ele completou: — Olha, eu sei que deve me achar um mulherengo, mas com você é diferente. Pode achar que estou indo rápido demais, mas tem algo... Precisamos conversar para que eu te conte tudo.
Saí de perto dele, ia dar a volta no balcão para me afastar, mas Lipe entrou na minha frente, impedindo a minha passagem e eu o encarei. Com um sorriso disse:
— Sou cliente e gostaria de ver... — Olhou em volta procurando por um produto e seus olhos se fixaram em algo, depois franziu o cenho ao ver uma peruca rosa na prateleira atrás de mim, já eu gelei. — Vocês vendem perucas?
— Fantasias.
— Aquela é muito parecida com a que a cantora usou no festival.
— Provavelmente deve ter comprado uma igual, aqui. Naquele dia vendemos muitas — menti sentindo meu coração palpitar.
— Vocês não têm câmeras de segurança?
— Semana passada estavam em manutenção.
Pareceu desapontado.
— Se as câmeras estivessem funcionando podíamos achar logo a cantora e acabar com a busca.
Novamente sentindo ciúmes de mim mesma perguntei:
— Só para acabar com a busca ou você tem outro interesse nessa procura?
Ele sorriu.
— Está com ciúmes, Cyndi?
— Não seja ridículo.
— Você é ciumenta. — Sorriu.
— Não sou. Até porque não tenho ninguém para ter ciúmes, só meus cachorros.
Lipe me encarou com intensidade e eu desviei o olhar. Ele me deixava sem reação.
— Sei que está com ciúmes da louca que me beijou no show, mas você não tem motivo nenhum. — Segurou meu queixo, forçando-me a olhar para ele. — Cyndi, vamos voltar ao normal, não quero que fique chateada por um beijo que fui forçado a dar.
— Estou normal. E não fui embora por causa do beijo.
— Eu sei que não. Percebi que tinha algo te incomodando e por isso fiquei preocupado.
— Está tudo bem.
— Então nosso combinado continua de pé e posso te pegar hoje à noite?
Encarei-o e tive vontade de responder que ele podia me pegar de noite, de dia e quando quisesse, mas eu estava tentando me manter distante.
— Acho melhor não. — Respirei fundo. — Acho que... eu estou me envolvendo e não quero isso.
Pegou a minha mão.
— Eu também estou envolvido e quando eu te contar tudo, você vai entender.
Suspirei.
— Contar tudo? — Assentiu, pensei em aceitar e a curiosidade fez com que eu dissesse: — Tá, que horas você passa?
Um sorriso enorme apareceu em seu rosto e mesmo lutando para não rir, eu ri. Lipe tinha um efeito sobre mim que era difícil resisti-lo.
— A hora que você quiser.
— Estarei livre depois das oito da noite, lá na minha casa.
— Combinado. — Passou o dedo no meu rosto. — Espero que fique tudo bem.
— Está tudo bem.
— Não sei se vai ficar depois do que eu tenho para te contar.
Juntei as sobrancelhas em desentendimento e nesse momento um cliente entrou na loja.
— Só um minuto que já atendo o senhor, mas pode ficar à vontade — falei ao cliente que me deu um sorriso e um meneio de cabeça, depois virei-me novamente para Lipe. — Preciso trabalhar.
— Tudo bem, te pego na sua casa.
Pensei um pouco, olhei para o cliente que estava envolto nas fantasias e conversando com a moça que entrou logo atrás dele, então voltei-me para Lipe e com frio na barriga decidi ser ousada quando sussurrei:
— Lá não dá — Engoli a vergonha. —, mas se quiser pode me pegar no carro. Tenho fantasias sobre. — Sorri envergonhada e notei que ele perdeu a fala antes de enfim falar:
— Suponho que o babaca também não tenha feito isso? — Balancei a cabeça em negativo. — Anotado. Deixa comigo. — Engoliu e vi que seus olhos estavam em chamas. — Agora vou te deixar trabalhar. — Pegando-me de surpresa, puxou meu queixo e me deu um beijo casto. — E não foge mais de mim, que você me deixa louco.
Deu-me uma piscada e se dirigiu para a porta, mas vi que antes de se afastar em definitivo, deu mais uma olhada na peruca rosa e eu respirei fundo, me sentindo mal por tê-lo enganado, no entanto, logo a visão das suas costas largas se afastando de mim me fez suspirar pelo homem lindo que eu tinha conquistado, que até esqueci a Cyndi cantora.
Sorrindo fui atender ao cliente e pensei: eu tinha quem se preocupasse e se importasse comigo, tinha um amigo e daquela vez eu via viva a esperança de algo mais.
Após a passagem do Lipe logo no início da manhã, trabalhei o dia rindo como uma boba, mas nos meus pensamentos uma pergunta martelava:
O que ele tem para me contar?
Lipe
Pronto! Consegui trazê-la de volta para mim.
Havia passado uma noite dos infernos, pensando onde diabos aquela mulher tinha se enfiado, depois passei o dia pensando nela e só sosseguei quando fui até sua casa e a vi.
Meus sentimentos em relação à Cyndi estavam uma bagunça, mas depois do medo dela ter pensado que era eu quem estava beijando a louca, por vê-la chorando de maneira tão doída e também pelo desespero de não encontrá-la por um dia inteiro, ficou claro para mim que estava apaixonado por aquela fujona.
Não podia negar, tinha o sentimento do passado que voltou ainda mais forte e mais intenso, mas naquele momento tinha o fogo da paixão. A Cyndi adulta era uma mulher doce e quente, o sexo com ela tinha sido incrível, assim como os papos sobre assuntos aleatórios.
Porém, antes de dizer isso a ela, precisava contar a verdade sobre nós dois, explicar quem eu era de verdade e aí se ainda me quisesse, podíamos seguir um relacionamento.
Também não queria assustá-la e iria devagar, um passo de cada vez, para que os dois pudéssemos ver se caminhar juntos era o que queríamos.
Pensei no concurso e ri, a Cinderela que eu procurava, na verdade, não era a do show, naquele momento eu sentia que a minha Cinderela era a Cyndi, por ser sempre a mulher que eu vivia procurando.
Minha musa inspiradora a Cyndi da minha vida... Minha Cyndi.
Pensar nela como minha era bom.
Fiquei contando os minutos para que a noite chegasse logo e quando o relógio marcou dezoito horas, eu me encontrava atrás de uma bancada, conversando com os caras da banda que estavam sentados a minha volta e esperávamos todas as candidatas a ser minha Cyndi encherem o salão de convenções do hotel.
Eu não parava de olhar no relógio, ansioso para que o horário de buscá-la chegasse e aí eu enfim pudesse contar tudo sobre eu ser o Luiz Felipe do passado e nem um segredo ficasse entre nós.
Mais cedo quando voltei da loja, meus amigos perguntaram por onde andei e o motivo de eu ter levantado tão cedo, aí tive que contar tudo a eles. Claro que fui zoado de todos os jeitos, principalmente depois que testemunharam o meu desespero e raiva por ela ter ido embora e a seguir por eu não conseguir encontrá-la. Inclusive, Caio foi comigo até a casa dela atrás de notícias.
Nosso produtor ficava puto e sempre chamava a nossa atenção sobre sair sem um segurança, mas dizíamos tomar cuidado e ficávamos sempre de olho, a qualquer sinal de aglomeração de fãs sairíamos antes que virasse um caos.
O concurso seria todo organizado e realizado pela produção da banda, estávamos ali no primeiro dia apenas por ser o primeiro. Como já tínhamos uma agenda de shows, talvez não calhasse de estarmos presentes e de olho em tudo e por isso que ficaríamos a par, mas não presentes na realização de cada fase.
Avisei que teria que sair rapidamente no meio da audição e como desculpa para a minha escapada, menti dando uma aumentada que buscaria alguém com competência, que conhecia muitas pessoas na cidade e nos ajudaria no processo de busca.
— Já pensou como vai contar para ela sobre vocês já se conhecerem? — Caio perguntou.
— Não, mas acho que vou dizer sem rodeios. Não vou colocar drama em cima e sim vou contar como algo simples. O que na verdade é, porque foi uma armação.
— Verdade. Acho que esse é o melhor caminho — concordou.
— Fico tentando achar o meu amigo pegador atrás desse bundão apaixonado — Cleber disse, sentado uma cadeira depois de Caio.
— E eu fico tentando achar o seu cérebro sempre que você fala — brinquei.
— Deve ter gastado todo o cérebro tentando aprender a tocar bateria, já que é a única coisa que faz bem — Christian, que estava sentado do meu outro lado, provocou.
— Vou levar toda essa sua fala como um elogio. Vou pegar uma água. — Cleber levantou e saiu.
— Hoje você vai nos apresentar ela direito? — perguntou Caio.
— Sim, vocês vão ver o quanto ela é show. E se comportem.
No salão tocava uma música da banda Malta, que éramos fãs, e o nome era Cinderela. Nosso som se assemelhava muito ao deles e quando começamos na internet fizemos muito covers das suas músicas.
— Me comporto, claro, mas olha, sempre tenho o dom de me tornar amigo de mulher.
— Sai para lá com essa amizade com a Cyndi.
Ele riu.
— Acha que ao final do concurso vamos achar a verdadeira Cyndi cantora? — Caio perguntou, dei de ombros e ele continuou: — Ao menos se não encontrar vai valer o marketing. Os seguidores da banda subiram muito desde que foi anunciado o concurso e o engajamento também.
— Isso é verdade — concordei.
— Olhem lá. — Christian apontou para Cleber que estava conversando com uma das candidatas. — Ele não tem jeito.
— Vai dizer que você não sente vontade de conversar com esse monte de mina bonita? — Caio me perguntou e ajeitou seus óculos.
— Antes sim, agora não mais. Só estou curioso para saber quem é a cantora misteriosa.
Flashes da noite com a Cyndi de cabelo rosa invadiram meus pensamentos e por mais que eu tivesse a certeza de que estava apaixonado pela Cyndi da infância, tinha que confessar que a cada mulher que via entrar no salão, eu tentava encontrar o pouco que me lembrava do rosto da tal cantora, mas era difícil. No dia, além dela estar fantasiada, ainda estava escuro. Se não fossem os vídeos ainda pensava que não passou de uma alucinação.
A audição musical começou e a música All through the night da Cyndi Lauper era cantada por cada moça que se apresentava e algumas delas enchiam a música de firulas desnecessárias, tentando impressionar os organizadores do concurso.
Umas usavam perucas rosa parecidas com a que a Cyndi do show usou, mas para mim nenhuma das que tinham se apresentado até aquele momento, se parecia com o pouco que me lembrava.
O horário que eu havia marcado de buscar a Cyndi da infância chegou, avisei que logo voltaria e não demorou até que eu estivesse estacionado próximo à casa dela.
Sentia-me nervoso e estalava os dedos com frequência. Naquela noite eu contaria tudo para ela e eu desejava que a sua reação não fizesse com que nos separássemos de novo.
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