Capítulo 1
Cyndi
Mais um dia em que me via sozinha no cômodo pequeno onde ficava o depósito da loja de roupas e fantasias em que eu trabalhava. Sempre gostei mais de ficar ali nos fundos do que na frente da loja, onde uma das minhas tias, que também trabalhava ali, gostava mais de ficar.
A Ana Constância.
Ela odiava seu nome e vivia brigando com minha avó por ter dado a ela, dizia com frequência que gostava do meu, que era curto e combinava com ela. Na verdade, sempre tive a impressão de que minhas tias, porque eram duas, em todas as oportunidades, queriam o que me pertencia, apesar de eu não ter quase nada que pudesse realmente chamar de meu, a não ser meus cachorros. Três pinschers que minhas tias e avó chamavam de ratos, mas Jack, Jaques e Jane eram meus melhores amigos.
Em resposta as suas provocações, especialmente para irritá-la, eu a chamava pelo nome composto na frente dos clientes da loja e de quem quer que fosse, o que a fazia bufar e querer me esganar, mas em público disfarçava sua irritação, mantinha seu personagem delicado e não admitia seu descontrole e a inveja que sentia de mim.
Ana Constância e eu tínhamos praticamente a mesma idade, vinte e sete, ela era apenas meses mais velha, já que minha avó e mãe ficaram grávidas juntas, enquanto minha outra tia, a Lisbela, era dois anos mais velha que nós.
Lisbela também detestava seu nome e eu tinha que concordar que a minha avó havia sido criativa na escolha deles. As duas eram bonitas, não lindas, mas bonitas.
Tentei durante toda a vida ser amiga delas, porém, ambas me odiavam e me acusavam de as ter tirado muitas coisas, principalmente a atenção da mãe depois que passamos a morar juntas.
Eu não conseguia ver assim, sempre me senti muito rejeitada por minha avó, tanto que com quinze anos, cansada de ser maltratada no quarto que dividia com minhas tias, decidi limpar o antigo estúdio de ensaio dos meus pais e passei a dormir nele, separada da casa, mas em paz.
Quando cheguei à vida adulta, percebi que por muitas vezes fui negligenciada por minha avó e notei que era como se ela visse em mim a lembrança de que sua filha não estava mais ali e por isso evitava me dar afeto, atenção e me deixava à mercê de Ana Constância e Lisbela que faziam-se tão mesquinhas a ponto de debocharem até mesmo da minha dor de ser órfã e implicavam com tudo relacionado a mim, com o pouco que eu tinha e pouco esse que eu era grata por ter.
Minha avó e suas duas filhas passaram a morar na minha casa depois que meus pais, que eram músicos, morreram em um acidente com o ônibus que viajavam, junto com toda a banda, depois disso, vovó pegou raiva de tudo ligado à música e à arte. Ela dizia ser coisa do diabo, porém, eu sabia que era a sua dor falando e por isso respeitava e por respeito sufocava o meu dom, já que assim como meus pais, eu amava cantar.
Esperava o dia que minha avó conseguisse conviver com a dor e permitisse sem brigar que eu soltasse a minha voz, no entanto, enquanto isso não acontecia, eu me mantinha em silêncio.
Tudo para não irritá-la, já que apesar de amar música, eu não podia abrir minha boca para cantar ou minha avó tinha uma síncope e me acusava de querer matá-la se eu fosse pelo mesmo caminho da minha mãe.
No estoque, ao mesmo tempo em que alarmava as peças novas da loja, com um dispositivo que soaria caso alguém pegasse algo sem pagar, cantava o trecho de uma das músicas preferidas da minha mãe.
— And girls, they wanna have fun. Oh, girls just wanna have fun...
Ao menos ali eu podia cantar.
Minha mãe amava não só aquela música, mas todas da Cyndi Lauper que era sua cantora favorita, inclusive foi daí que meu nome surgiu... Cyndi.
Mamãe era alegre, cheia de vida e amava cantar, dançar e se divertir, eu a via muito em mim, no meu interior encubado, e apesar de minha avó e tias dizerem isso como se fosse algo ruim, eu sentia como algo maravilhoso.
— But girls, they wanna have fun. Oh, girls just wanna have. That's all they really want, some fun... — estiquei a voz, aumentando um pouco o volume e cantando no ritmo da música.
— Hoje você começou cedo com a cantoria, Cyndi — falou a dona da loja, dona Fátima, que apareceu vinda da porta que ligava a loja ao estoque e, como sempre, tinha seu sorriso fofo no rosto.
Chamava-a carinhosamente de dona Fadinha, o apelido surgiu do diminutivo do seu nome e também porque ela era tão doce que parecia uma fada. Tinha o cabelo um pouco grisalho, mas era toda moderna e duas covinhas surgiam nas suas bochechas quando ela sorria, o que a dava um toque ainda mais doce.
Foi trabalhando ali que paguei com dificuldade o curso de contabilidade e depois de não ter achado absolutamente nada na área, continuei trabalhando na loja. Dona Fadinha foi muito carinhosa comigo mesmo quando sabia que trabalhar ali não era o que eu queria.
Sentia-me como se fosse sua neta de coração e muitas vezes dona Fátima me tratou com mais carinho do que a minha avó de verdade.
Quanto ao curso, na realidade, contabilidade também não era com o que eu queria trabalhar, minha vontade mesmo era viver de música, cantar para multidões, mas contabilidade foi o que minha avó escolheu e praticamente me obrigou a fazer. Quando não encontrei um trabalho na profissão, ela disse que sempre fui péssima com números e que não me esforçava para ser boa.
Lembrava-me com tristeza do dia em que contei que queria estudar música, minha avó teve a síncope de sempre ao ouvir a palavra cantar, foi entusiasmada por minhas tias e com isso, logo desisti dos meus planos ou tive a impressão que ela morreria de desgosto.
Amava a minha avó, mas me irritava com o modo como ela tratava a música, que era algo importante para mim, porque lembrava os meus pais, e odiava como, às vezes, deixava minhas tias a manipular e me maltratar, apesar de as duas dizerem o contrário e me acusarem de ser privilegiada, mimada e que eu quem as provocava.
Já éramos três mulheres, mas ainda parecíamos as três meninas de oito e dez anos que foram morar juntas e se provocavam a todo momento, entretanto, eu queria ser a mulher que a minha idade exigia, só que as duas não amadureciam.
Vovó era muito retrógrada por conta da sua religião e dizia que quando eu não fazia algo da maneira como desejava, era porque faltava Deus em mim e mesmo eu não sendo nenhuma criança, ela não permitia que eu saísse ou tivesse amigos e dizia que conviver com outras pessoas só serviria para me influenciar a ter algo parecido com a péssima vida que a minha mãe levou.
Quando eu alegava que já tinha vinte e sete anos e precisava viver, ela começava a passar mal, me chamava de ingrata e eu me sentia culpada. Também me mandava embora dizendo que não queria uma pessoa de má índole em sua casa. Detalhe: a casa era minha, mas eu não queria dizer isso e correr o risco dela me dizer que estava a humilhando, também não queria sair e ir morar em outro lugar e deixar para trás todas as lembranças dos meus pais que aquela casa me trazia.
Muito do que a casa era na época dos meus pais, já tinha deixado de ser assim que minha avó e tias passaram a morar ali. Ela trocou toda a decoração da casa que minha mãe montou com tanto carinho e amontoou tudo que era sobre música na edícula onde mamãe fazia de estúdio de ensaio e que naquele momento era meu quarto.
A vida toda amei cantar, minhas primeiras lembranças eram todas sobre música e todas elas ligadas aos meus pais. Depois que os dois se foram, acreditei que a música era a forma de me conectar a eles novamente, só que a minha avó logo me podou.
Quando eles partiram eu tinha apenas oito anos. Muitas vezes quase me esquecia das suas fisionomias, mas incrivelmente lembrava-me perfeitamente das suas vozes.
Cantei mais uma estrofe da música, sorri para dona Fadinha e falei:
— Espero não estar incomodando.
— De maneira nenhuma, você sabe que amo te ouvir cantando. Continue, por favor — incentivou.
Prossegui, enquanto pensava que apesar de ser grata por cada coisa boa na minha vida, eu sonhava com o dia em que aconteceria algo que me traria a emoção que faltava. Sentia falta de suspirar, de perder o ar ou da sensação de ter o coração batendo mais forte.
Não pensava em amor, já que no início da adolescência a minha primeira experiência amorosa tinha sido frustrante. Estava apaixonadinha, fui traída e ele foi embora sem nem me dar tchau. Porém, no momento em que isso aconteceu, eu era tão nova que não sabia distinguir se realmente aconteceu ou era imaginação da cabeça de uma menina.
Dona Fátima ficou no estoque comigo mais um pouco, pediu para que eu cantasse mais, mas logo se despediu dizendo que receberia a visita dos netos e tinha que correr. Como sempre me incumbiu de fechar a loja, pois confiava muito em mim a ponto de me dar uma cópia da chave.
O estabelecimento da dona Fátima não era muito grande, mas era bem confortável. A fachada era lilás e estava escrito: Fátima modas e fantasias. Embaixo dela uma vitrine de vidro fechava toda a frente da loja, indo de ponta a ponta e a porta de entrada ficava no centro. Tinham dois balcões de madeira em tom marrom claro e de ambos os lados atrás de cada balcão, prateleiras para colocar as mercadorias ficavam dispostas.
Vendíamos roupas em geral, calçados e fantasias e meu trabalho era atender os clientes, alarmar as mercadorias, organizar o estoque e fazer algum reparo nas fantasias, caso fosse preciso.
Eu gostava muito de trabalhar ali, apesar de ter que lidar com Ana Constância em casa e no trabalho também, mas como tínhamos organizado de ela ficar na frente da loja e eu nos fundos, quase não precisávamos interagir e isso era bom.
Uma porta ligava a frente da loja aos fundos, onde ficava o estoque, uma cozinha e um banheiro. Também não muito grande, mas confortável.
O dia passou voando e ao final do expediente mais uma vez eu estava sozinha, fechei tudo e depois de lutar com a fechadura que todos os dias me dava trabalho, fui andando para a casa, que não ficava muito longe da loja.
Graças a Deus naquele dia Ana Constância tinha ido mais cedo, na verdade, ela ia embora mais cedo quase todos os dias e me proibia de contar para dona Fátima para que ela não perdesse o emprego e eu, mesmo tendo que trabalhar mais, não contava.
Sentia-me péssima por esconder algo da dona Fadinha, mas para não precisar andar ao lado da Ana e ouvindo durante todo o percurso para casa o quanto ela era linda com seus cabelos ruivos e cacheados, com seu corpo curvilíneo e o quanto eu era apagada, branca demais, alta demais e sem graça demais, eu preferia lidar com tudo sozinha e não contar nada.
No caminho, fui trocando mensagens com minha melhor amiga Arabela, que naquele momento estava distante de mim, tinha ido trabalhar e morar em outro estado. Eu sentia sua falta, pois crescemos na mesma rua, vivíamos juntas e ela era a única amiga que vovó não implicava só porque ela e a mãe da Arabela frequentavam a mesma igreja.
Sentia falta da minha amiga, no entanto, eu entendia que tinha ido para longe buscar algo melhor para sua vida, o que eu queria ter coragem de fazer também, mas nunca fui capaz.
Seja corajosa e bondosa.
Lembrei-me do que minha mãe muitas vezes me dizia quando eu era criança e sorri pensando que bondosa podia até ser que eu fosse, mas corajosa... Puff! Não chegava nem perto. Eu era uma verdadeira covarde.
Tive que tirar o olhar da conversa no celular, para desviar de um poste bem no meio da calçada, porém, assim que encarei a pilastra de concreto cravada ali, percebi um pôster pregado nela que chamou a minha atenção.
Com letras neons em um fundo preto, o convite praticamente se materializou em minha frente, era o anúncio de um festival de música, com diversas bandas e em destaque anunciava o show de uma que estava estourada na internet. A banda famosa cantaria suas músicas, mas também participariam do tema do festival daquele ano, que era um tributo a Cyndi Lauper.
Meus olhos brilharam mesmo sabendo que não iria, mas involuntariamente procurei pela data e percebi que aconteceria no próximo final de semana.
Já tinha ouvido falar vagamente daquela banda, uma vez ouvi de um cliente da loja que o vocalista tinha morado na cidade quando pequeno e ao pensar na loja, cogitei que provavelmente era para ir naquele show que tantas pessoas estavam indo comprar roupas e fantasias que lembravam as roupas da Cyndi e modelitos dos anos 80.
Foi inevitável não abrir um sorriso e me imaginar naquele evento, então com o meu celular instintivamente fotografei o pôster.
Por um instante, pensei que poderia conseguir enrolar a minha avó e ir sozinha ao show, mas no segundo seguinte caí em mim e decidi que não valia o estresse que ela causaria ao saber que eu estava indo para algo relacionado à música.
Eu sou uma medrosa e tão obediente que deixo minha avó mandar em mim como se ainda tivesse quinze anos.
Bufei.
Segui meu caminho, mas a cada passo que dava me lembrava do bendito show e cheguei até em pensar com que roupa eu iria, fiz mentalmente um look incrível com coisas que tinham na loja. Imaginei que minha mãe, se fosse viva, com certeza iria. Isso se não fosse ao palco cantar junto com a banda e ainda arrastaria meu pai para a bateria.
Sorri sozinha com a lembrança.
Logo cheguei na rua da minha casa, cercada de casas geminadas e a única casa mais vintage era a minha. Encarei a construção antiga, que exibia um telhado com duas caídas de água, pintada de verde claro tão desbotado que estava quase branco e completando o pacote, um portão de metal pintado de branco, mas um pouco descascado e enferrujado, baixo e que rangia ao passarmos por ele. Minha casa precisava de um retoque.
Antes de chegar à porta da frente, enfim uma parte da casa que era bem cuidada, um jardim que eu quem mantinha limpo. Apesar de a minha avó dizer que juntava bicho, ele ainda existia de ambos os lados do caminho de pedras grandes que dava na porta da sala, porque me lembrava que minha mãe o amava.
Sorri, já que mesmo com todos os problemas, ali era o meu lar, repleto de lembranças boas dos meus pais e era o que fazia com que eu me prendesse aquele lugar.
Soprei minha frustração em um suspiro cansado, pensando no caminho que eu teria que percorrer para chegar na minha edícula. Tinha de passar pela sala, seguir pelo corredor que levava para a cozinha e sair pela porta dos fundos e assim andar por um caminho descoberto até chegar onde ficava meu quarto. A frustração era por isso, por não conseguir chegar despercebida, a não ser que pulasse o muro indo pelo terreno do lado, o que muitas vezes pensei em fazer para não ter que encontrar com minha família.
Entendo que pular o muro pela milésima vez não era uma solução, então abri a porta da sala e encarei o cômodo com móveis antigos, sofás cobertos com colchas de fuxicos. A única coisa moderna ali era uma TV grande, que comprei em várias parcelas e a pedido da minha avó. Nada daqueles móveis me lembrava minha mãe.
Eu mal tinha colocado os dois pés para dentro e logo ouvi minha tia Ana Constância falando mal de mim para a vovó.
— Cyndi não faz nada nessa casa, mãe.
Fechei a porta nas minhas costas, batendo-a mais forte do que deveria, enfim ambas me olharam e antes de me cumprimentarem minha avó me acusou:
— Cyndi, você anda muito preguiçosa.
— Boa noite, vó.
Dona Elvira, minha avó, era alta, com corpo robusto, tinha os cabelos grisalhos e naquele momento tinha os olhos cheios de ira, na verdade, desde que a minha mãe morreu que eu quase não a via sorrir já que antes ela sorria tanto.
— Não venha com boa noite, Cyndi, Aninha está me dizendo que era a sua vez de lavar o banheiro e você não fez, assim como não lavou o quintal.
— Eu lavei sim.
— Não parece e seria ótimo se fizesse agora. Moramos em quatro mulheres nesta casa e ela tem que ficar limpa.
Pensei que eu não era a única que tinha que mantê-la limpa, mas preferi não dizer, fiquei em silêncio e só assenti, deixando minha avó continuar a falar:
— Será que você pode fazer isso por mim?
— Posso, vó.
— Mas antes ela tem que fazer a macarronada que nos prometeu que faria, mãe. Hoje a janta era dela. — Lisbela apareceu, como em um passe de mágica para palpitar.
— Eu vou lavar o banheiro ou fazer a macarronada?
— Não faça corpo mole, você consegue fazer os dois — Ana Constância disse com um olhar que transmitia muita maldade.
Engoli a raiva e pensei que apesar de estar cansada após o dia de trabalho, eu faria o que fosse necessário para que elas me deixassem em paz.
— Vou trocar de roupa e volto logo para fazer tudo — falei o "tudo" com rancor demasiado na voz e saí da sala.
Segui para o meu quarto e assim que abri a porta do cômodo nos fundos do quintal, encontrei meus três cachorrinhos que se levantaram de onde estavam deitados e me encheram de amor.
— Oi, meus amores. — Vi seus rabinhos abanarem de alegria em me ver. — Obrigada por vocês existirem. — Brinquei com eles que me cercavam com euforia. — Devem estar ansiosos para passear lá fora. — Não notei muito entusiasmo.
Olhei para o relógio e já passava muito das sete da noite, levantei-me do chão e para terminar o mais rápido possível meus afazeres, deixei os cachorros de lado, troquei de roupa e limpei o tapetinho higiênico onde eles faziam suas necessidades durante o dia, já que ficavam presos para não incomodar a minha avó e a noite quando eu estava ali, os deixava soltos no quintal, mas eram tão preguiçosos que mesmo quando eram liberados para sair, preferiam ficar no quarto comigo.
Adotei os três quando os encontrei em uma caixa de papelão jogada na beirada da rua, ouvi um choro baixo e eram os três ainda filhotinhos. Imediatamente os acolhi e os trouxe para casa comigo, depois os escondi no meu quarto e eram tão bonzinhos que demorou até que a minha avó e tias os notassem. Após um tempo quando isso aconteceu, foi um Deus nos acuda e minha avó queria de todo jeito que eu sumisse com eles, no entanto, não aceitei e foi a única vez que lutei por algo na minha vida, eu as enfrentei e, com isso, minha avó deixou que ficassem, desde que ela não os visse. E foi assim que Jaques, Jack e Jane já estavam comigo há três anos.
Meu quarto era um cômodo bem grande, onde antigamente eu ouvia minha mãe soltar a voz no seu local de ensaio e meu pai a acompanhando, se acabando na bateria. Parecia um galpão com o telhado alto e um banheiro, tinha uma cama, um guarda-roupas, uma TV e um sofá. Em uma das paredes coloquei vários pôsteres que antes eram da minha mãe e um aparelho de som antigo que era do meu pai.
Acomodado perto da minha cama deixei o violão, os discos de vinil e CDs da minha mãe, já mais distante a bateria do meu pai também ainda estava ali, apesar de vovó ter tentado vendê-la tantas vezes e eu chorado tantas outras para que ela não fizesse isso.
Na parede acima da cabeceira da minha cama, coloquei uma luminária de bolinhas e muitas fotos coladas na parede, nelas minha mãe e meu pai estavam juntos e sorrindo, cantando em shows, ela grávida e muitas de nós três nos poucos anos que vivemos juntos.
Em diversos momentos fiquei encarando aquela parede com um sorriso nos lábios e em outros com lágrimas nos olhos. A saudade nunca deu trégua.
Prendi meu cabelo loiro em um rabo de cavalo e saí do meu quarto com minhas roupas velhas de fazer faxina, enquanto atravessava a pequena distância entre a edícula e a casa, meus cachorros pulavam a minha volta, abanando o rabinho e estavam felizes em me ter ali. Sorri para eles e notando que estavam perto de onde não podiam ir, voltaram para o meu quarto.
Jaques, Jack e Jane eram mais inteligentes que minhas tias.
Um tempo depois já havia terminado de lavar os dois banheiros da casa, ao mesmo tempo em que as três assistiam à novela na sala e como desculpa por só eu trabalhar e elas se divertirem, diziam que eu nem gostava da novela que passava.
Depois dos banheiros limpos, fiz a bendita macarronada e quando terminei, mesmo com fome, fui tomar banho antes de comer para tirar de mim o cheiro de produto de limpeza.
Já era mais de dez horas da noite quando entrei na cozinha para jantar, mas para a minha surpresa, a cozinha estava uma bagunça, cheio de pratos na pia e a travessa de macarrão vazia sobre a mesa.
Elas comeram tudo e não deixaram para mim?
Elas comeram tudo e não deixaram para mim!
Respirei fundo e soltei o ar em frustração, coloquei água para esquentar e com raiva rapidamente fiz um miojo para matar minha fome. Quando ficou pronto coloquei em um prato e segui para a edícula com ele e um copo de suco nas mãos, já que o medo de uma delas aparecer e me mandar limpar a bagunça da cozinha, me assombrou. Achei melhor fugir o quanto antes.
Enquanto comia, liguei o som em volume baixo e a música Mentiras da Adriana Calcanhoto começou a tocar. Lembrava-me da minha mãe e do meu pai dançando na sala e sorri com a lembrança. De imediato o questionamento de se algum dia eu teria com alguém o que os dois tiveram me atingiu em cheio.
Bom, Cyndi, se continuar com a vida que leva, apenas do trabalho para a casa e vice-versa, com certeza não terá. Um príncipe encantado não vai aparecer do nada na sua vida. Imaginei o que provavelmente Arabela me diria e sorri.
O Show invadiu minha mente e pensei que talvez pudesse fugir e ir me divertir um pouco, mas para isso precisava pesar se valia a pena o estresse caso a minha avó descobrisse a minha fuga.
E não, não valia. Melhor deixar minha vontade de lado como eu sempre fazia.
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