Capítulo 9
Graças a Deus o médico disse que Félix estava bem, que seus machucados eram todos superficiais e só receitou remédios para dor, pomadas para acelerar a cicatrização e para diminuir os roxos pelo rosto e corpo.
Soube de tudo pelo Clóvis, porque naquele dia Félix se manteve no quarto, se recuperando, e apesar da nossa promessa de nos vermos mais tarde, preferi deixá-lo descansar e não o incomodar. Se ele não desceu, eu também não iria subir.
No dia seguinte fui trabalhar cedo e pulei o café da manhã, apenas passei na cozinha para falar bom dia para as meninas e ao Clóvis, depois segui para o escritório.
Era dia de fechar folha de pagamento dos funcionários e o trabalho era muito, então eu não podia enrolar.
Foquei no meu trabalho, mas quando foi por volta do horário do almoço, vi através da janela uma movimentação de carros do lado de fora da mansão.
Levantei-me para observar melhor, vi que o carro do Félix e mais dois carros de polícia que estacionaram logo atrás. Fiquei preocupada, mas mesmo de longe vi que ele estava conversando calmamente e parecia tranquilo.
Acalmei-me pensando que podia ser coisa do Félix e talvez não tivesse nada a ver com os monstros da outra noite, sendo assim, voltei para a minha mesa e continuei a fazer o meu trabalho.
Até que não demorou nada e Félix apareceu no escritório, chamou a minha atenção dando duas batidinhas leves na porta e cumprimentou:
— Bom dia.
Ergui meu olhar dos papéis e o respondi com um sorriso tímido:
— Bom dia.
Como estávamos simpáticos um com o outro, nem parecia a gente, e eu estranhei o sentimento bom que meu corpo exibiu ao vê-lo.
Ainda não o tinha visto depois de toda a intensidade do final de semana e me senti com vergonha de tudo que aconteceu, entretanto, vê-lo bem me dava certo acalanto.
Félix entrou no escritório e junto com ele três policiais e um homem vestido de maneira diferente, que se posicionou ao lado do Félix e meu patrão se apressou em apresentá-lo:
— Este é o delegado da cidade, Valter, ele já foi da divisão antissequestro antes de se tornar delegado. Foi amigo dos meus pais e vai nos ajudar a prender os três monstros que te atacaram ontem.
— Ah, sim — foi o que consegui responder. — Como vai? — cumprimentei.
— Bem e espero que você também esteja depois do que passou.
— Estou sim.
Félix se acomodou ao meu lado e falou de maneira gentil:
— Se você estiver bem para dar o seu depoimento...
— Claro. Eu estou.
— Achei que seria menos traumático para você se não precisasse ir até a delegacia.
Sorri para ele.
— Tudo bem.
Comecei o meu depoimento e contei tudo o que tinha acontecido desde a hora que cheguei ao bar, até o momento em que os três saíram correndo, deixando o Félix machucado.
Por muitas vezes tive que respirar para não chorar e percebi que reviver o momento, por mais que eu tivesse achado que estava bem, não era bom e trazia de volta todas as sensações e o desespero que vivi.
Quando eu pausava as minhas falas ao contar detalhadamente o que aconteceu ou após alguma pergunta dos policiais, Félix perguntava se eu precisava de um tempo, de água ou queria deixar para outro dia, mas eu o certificava de que estava bem.
Depois de pouco mais de meia hora os policiais foram embora, prometeram fazer justiça e Félix os acompanhou até a saída, mas não demorou até que retornou ao escritório e me pegou olhando ao longe com os olhos parados de preocupação.
— Como você está?
Olhei em direção à porta e o respondi:
— Bem e você?
— Estou todo dolorido e com o rosto parecendo um arco-íris, mas me sinto muito mais leve do que nunca estive em dez anos.
Sorri, me sentindo tímida.
— Estou vendo. Acho que desde que cheguei que nunca te vi sorrindo.
Encarou-me e mudou de assunto quando disse:
— Achei que ontem tivéssemos dito um até mais tarde e não um até amanhã.
— Preferi deixar você descansar e se recuperar. Não queria te atrapalhar.
— Não ia, na verdade, eu ia gostar da visita, porque ontem ficamos só eu, a dor e o quarto enorme. Ah, e Clóvis e Madalena que entraram muitas vezes para saber como eu estava me sentindo.
Sorri, o encarei e foi minha vez de mudar de assunto:
— E você como foi na delegacia?
— Já estão procurando os três. Meu advogado conseguiu o vídeo das câmeras, juntou o laudo que o médico fez ontem após me examinar e é questão de horas. Como não foram pegos em flagrante pode ser que respondam em liberdade, mas, eu vou cuidar para que não.
— Entendi.
— Pedi para Clóvis marcar com a minha psicóloga, caso você precise.
— Estou bem, de verdade.
— Que bom, mas se precisar e mudar de ideia, ela está à sua disposição.
Assenti e ficamos em silêncio.
— E a nossa praia? — perguntou, com um sorriso tímido.
— Acho melhor você estar bem para correr, porque o Zipe vai exigir isso e ele não é fácil.
— Tem razão. — Pensou. — Então qual programa vamos fazer agora?
Ergui uma sobrancelha em desdém para ele.
— Agora? Nenhum. Porque estou trabalhando.
— Eu te dou folga.
— Bom, Clóvis me disse que você pensa que manda aqui, mas, na verdade, quem manda é ele.
Félix riu.
— E Clóvis tem razão.
— Mas me diga, por que tanto interesse em fazer algo comigo?
— Ué, ontem você me disse até mais tarde e eu sou um menino mimado quando me prometem algo. Se prometeu tem que cumprir.
Assenti.
— Então o que sugere?
Ele deu de ombros parecendo envergonhado e pensei em algo que minha amiga Cindy e eu sempre pensamos em fazer, mas a correria do dia a dia não deixava.
— Tenho uma ideia de algo que não requer esforço físico.
— Diga. — Se interessou.
— Podemos escolher um livro que já tem em filme, fazer uma maratona de leitura e depois assistir ao filme, para ver o que mudaram na adaptação. — Depois que falei me senti sem graça, porque era algo que Cindy e eu queríamos fazer, mas não pensei se seria algo que atraía a um homem. — Mas podemos fazer outra coisa também. Isso é loucura da minha amiga.
— Gostei! Com qual livro vamos fazer isso?
Sorri.
— Não sei, qual sugere?
— Não faço ideia.
— De que gênero de livro ou filme você gosta?
— De tudo. Para ser sincero, faz tempo que não paro para ler ou assistir.
— Vou pensar em algo então e depois que eu sair do trabalho a gente conversa.
Félix me olhou com a sobrancelha arqueada.
— Está me expulsando?
Sorri.
— Sim, você está atrapalhando meu trabalho.
Levantou-se e fez uma expressão contida de dor.
— Tudo bem, nos vemos mais tarde. — Assenti com um sorriso preocupado no rosto. — E não vou aceitar outro bolo.
— Não vai ter bolo, vamos começar a nossa leitura hoje, senhor Orsini.
Deu um largo sorriso.
— Ótimo. Mas me chame de Félix, sua teimosa.
— Gosto de senhor Orsini.
— Você é muito rebelde.
— Sou e sei que você gosta disso.
Riu, virou-se para sair do escritório, mas antes de ir de vez, parou na porta, me olhou mais uma vez e sorriu, por fim se foi.
Fiquei olhando por onde passou e relembrei todos os nossos encontros antes do ataque daqueles três homens horrendos. Félix nem parecia a mesma pessoa.
Como dizia a minha mãe, há males que vêm para o bem e fiquei feliz que por ter me salvado, suas dores do passado pararam de atormentá-lo.
.
.
Félix
Sorri ao sair do escritório da Arabela e me perguntei: como era possível? Eu sorrindo? Não sorria assim há tanto tempo.
Estava me sentindo vivo, útil e sentia que com o que eu havia feito, consegui uma amiga, não pelo o que eu tinha, mas por quem eu era. Uma amiga de verdade. Que pelo o que pude notar me mandaria à merda com facilidade caso precisasse e sem dizer uma só palavra, usando só o olhar.
Sorri com o pensamento.
Na noite do acontecido, enquanto ela me ajudava a ir para o carro, depois com o banho e tudo mais, eu realmente estava precisando da sua ajuda, mas deixei com que ela me ajudasse, pois notei que Arabela precisava daquilo, como se me auxiliar fosse uma espécie de remissão para a sua culpa.
E foi acolhedor ser cuidado por ela, até que eu a cuidei e a vi adormecer ao meu lado, ao mesmo tempo em que eu admirava seu rosto lindo e seus lábios... que tive que me controlar para não beijar. Arabela não precisava daquilo naquele momento e, além do mais, apesar do momento que dividimos, ela ainda era minha funcionária.
Já depois que o médico saiu, o meu dia foi uma porcaria. Fiquei o tempo todo esperando a Arabela voltar, a noite caiu e ela não apareceu. Durante a noite rolei na cama e além de acordar por causa da dor, eu acordava revivendo o momento em que encontrei Arabela nas mãos daqueles desgraçados. E se eu não tivesse ido atrás dela...
Obrigado, Deus. E também o uísque, por ele ter me feito ir até lá.
Se eu tivesse no meu estado perfeito, tinha matado os três.
Depois do seu depoimento, em que pude ver que ela ainda estava abalada, fui para o meu escritório e mesmo depois de decidir que não iria trabalhar naquele dia, fiquei respondendo alguns e-mails para passar o tempo mais rápido e chegar a hora de interagir com ela de novo.
Não que eu estivesse ansioso... bem, eu estava, mas era porque fazia tempo que eu não permitia que alguém que não fosse do trabalho ou empregado da mansão, se aproximasse.
Eu estava olhando para o nada no momento em que meu celular começou a tocar e quando o peguei, olhei no visor e vi que era o meu advogado pessoal. Imediatamente a leveza que sentia, sumiu, pois eu sabia sobre qual assunto ele queria falar.
Fechei meus olhos e a escuridão quis tomar conta de mim e do meu novo momento, esfregando na minha cara as dores, a tristeza pela morte dos meus pais e a raiva que estava sentindo deles, além da culpa por sentir raiva.
O passado sombrio queria me puxar de volta para ele e eu sentia meu humor mudando. Que inferno!
Eu não queria voltar para o estresse e para o saco de mau humor que era antes de saber que ainda servia de alguma coisa para este mundo.
Rapidamente recusei a ligação sem atender e falei:
— Foda-se! Eu não vou voltar.
Empurrei para debaixo do tapete o que me puxava para a escuridão e foquei em me manter no meu novo momento. Ao menos, se nada sobrar, me sobrará a leveza.
Foquei no pouco trabalho que eu tinha para fazer e já estava quase na hora de uma reunião por chamada de vídeo que eu tinha agendado na semana anterior.
Respirei fundo para assumir o grande CEO da Orsini Enterprises, no entanto, não abri a minha câmera na reunião ou era capaz que todos ficassem espantados com a minha aparência monstruosa por conta dos hematomas.
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