Capítulo 22
O dia amanheceu e eu passei a noite acordada pensando no que faria da minha vida. Ia doer, mas era o necessário, precisava reencontrar com Félix mais algumas vezes pra resolver tudo e então me afastar dele de uma vez por todas. Para sempre.
Aquele não era meu mundo.
Decidi sair do quarto e seguir para a cozinha, estava sem fome e não queria comer nada, parecia que uma bola havia se formado na minha garganta e nada passaria por ela, mas precisava tomar uma água ou um café para ter forças para aquele dia.
Assim que entrei na cozinha vários olhos me fitaram. Cecília, Viviane, Clóvis e Madalena me encaravam com pena e vergonha.
— Todos vocês sabiam? — perguntei e seus olhares culpados os entregavam, então antes mesmo que me respondessem, falei: — Está explicado o modo como me tratavam. E eu achando que tinha ganhado novos amigos. — Enxuguei uma lágrima.
— Todo o meu carinho por você foi real, Bela — Madalena falou parecendo culpada.
— O meu também — Cecília disse.
— O meu também — Viviane disse.
Clóvis se manteve olhando para as mãos e eu o encarei esperando que ele dissesse algo, mas ele não me olhou, entretanto, quando desisti e achei que ele não fosse dizer nada, levantou seus olhos e me encarou, com eles cheios de lágrimas:
— Todos aqui gostamos de você verdadeiramente, inclusive o menino. Ele está sofrendo tanto.
Fechei meus olhos e dei um riso cansado.
— Não quero ouvir sobre ele.
— Então apenas acredite que gostamos de você. Não queremos que acredite que nosso carinho era uma farsa.
Os encarei e seus olhos chorosos me comoveram, por mais que eu pudesse ser uma boba se fosse mentira, eu acreditava que a amizade deles era verdadeira.
— Acredito.
Parecendo aliviados me abraçaram e eu chorei por viver aquele momento. Pediram-me desculpas por não contar e disseram que não podiam trair o Félix e eu os entendi.
— Hoje só preciso de força para conversar... Acertar... negociar com ele. — Respirei fundo para controlar minhas lágrimas.
— Tudo vai se acertar, querida. — Madalena me consolou.
— Toma um café antes, Bela. Você está com os olhos inchados e parece precisar de um respiro — Cecília colocou uma xícara na minha frente e ia me servir, mas a parei.
— Não precisa. Obrigada. Hoje nem o café vai me descer. — Olhei para Clóvis e perguntei: — Onde ele está?
— Não sei ao certo, provavelmente no escritório dele.
—Vou procurá-lo. — Saí da cozinha sendo fitada com pena por todos.
Subi pela escada e fui o procurando pelos cômodos da casa onde suspeitei que o que encontraria, até que o encontrei no escritório. Usava as mesmas roupas do dia anterior e olhava janela afora.
Engoli em seco, respirei fundo, criando coragem para começar uma conversa e falei:
— Podemos conversar?
Assim que ouviu minha voz ele virou-se para a porta e seu rosto estava péssimo. Claramente assim como o meu também devia estar e ele também provavelmente tenha passado a noite toda em claro.
— Arabela... — Sua voz rouca tocou direto no meu coração e tive que engolir o choro, no entanto fui logo falando:
— Tenho uma proposta para você.
O vi franzir a testa em desentendimento.
— Proposta?
— Passei a noite pensando e cheguei a uma conclusão... uma saída para os nossos problemas.
— Saída?
— Eu quero ir embora... preciso. Você precisa se casar, então eu me caso com você, mas em troca, quero que me demita e perdoe a multa que eu teria que pagar com a quebra do contrato por sair antes de um ano. Não tenho condições de pagar um valor tão alto de multa — falei tudo de uma vez.
Ficou em silêncio por alguns segundos, até que falou:
— Você não vai me dar a chance de me explicar?
— Acho que você pede chances demais.
— Não é como você está pensando... Bela, quando digo que te amo, é a maior verdade que já disse na minha vida. Eu amo você.
Minha respiração estava acelerada e eu estava lutando com as lágrimas, não queria chorar na frente dele.
— Me diga se aceita minha proposta. Só quero... ir embora.
Félix me encarou e mordia o lábio. Tirei meus olhos dos dele e olhei para o outro lado, mordendo o canto da boca para conter o choro.
— Você tem certeza?
Balancei a cabeça em positivo.
— Aceito sua proposta. Até a tarde deixo tudo certo para você.
— Obrigada.
Virei-me para sair da sala e quando não estava mais próxima dele, comecei a chorar desesperadamente, soluços rompiam meu peito e doía demais, mesmo sabendo que ele havia sido um mentiroso.
Doía demais ficar perto dele, doía pensar em ficar longe e nunca mais vê-lo.
Tranquei-me no meu quarto e faltei no trabalho naquele dia. Era difícil para eu ter que deixar o profissional de lado, mas até que tudo se resolvesse teria que ser assim.
Minhas lágrimas secaram de tanto que chorei, estava com uma dor de cabeça tão grande que mesmo tomando remédio ela não passou.
No final do dia fui chamada ao escritório do Félix e quando Madalena bateu na porta do meu quarto para me avisar que ele me esperava lá, com os olhos cheios de lágrimas, me aconselhou:
— Repense, minha querida. Nós gostamos tanto de você. Dê uma nova chance a ele.
— Preciso ir e colocar minhas ideias no lugar. Me distanciar de tudo para que o tempo e a distância deixem tudo mais claro.
— Entendo perfeitamente. Tenho certeza que vai deixar, mas leve com você o meu carinho e o do Zipe, que sempre foi verdadeiro.
Suspirei.
— Obrigada. — Madalena me puxou para um abraço.
Separei-me do abraço de Madalena e segui para o escritório de Félix e antes de entrar na sua sala, respirei fundo e controlei o meu coração traidor que começava a saltar no meu peito.
Assim que apareci na porta que estava aberta, o avistei de lado olhando ao longe, janela afora, pensativo e parecia verdadeiramente triste.
Por um minuto pensei que se tudo que vivemos era mentira, por que ele parecia tão triste? Mas logo me lembrei de que algumas pessoas sabiam mentir muito bem quando o assunto envolvia dinheiro.
Bati na porta para chamar sua atenção e quando ele me olhou, era realmente a cara da tristeza.
— Entre.
— E então, como faremos para resolver? — perguntei, tentando começar um assunto.
— Está resolvido. — Empurrou uma pasta em minha direção.
Dei alguns passos para me aproximar mais da sua mesa e a peguei para analisar o que tinha ali. Provavelmente os papéis do casamento.
Li e quando percebi do que se tratava, ergui meu olhar para ele, que com a voz calma e triste me respondeu:
— Eu te demiti, você está isenta da multa e... livre para ir. Adicionei também o valor da multa que eu tenho que pagar por te demitir antes do fim do contrato.
— Pode tirar o valor, porque...
— Faço questão — me interrompeu.
O encarei e ele me confundia de tal forma que estava difícil raciocinar.
— E quanto ao casamento?
— Não terá casamento.
— Você vai perder a sua fortuna.
— Nunca foi por dinheiro.
Se ele queria me embromar com aquilo, estava conseguindo.
— Eu prefiro que seja uma troca, você me libera da multa contratual e eu me caso com você.
— Não haverá casamento, Arabela. — O olhei sem saber o que dizer.
Logo, parecendo ter muita dificuldade para falar, ele começou a me contar outro segredo.
— Tem outra coisa que preciso te dizer, provavelmente pensará que sou um monstro ainda pior. Eu até podia me defender, contar o que senti e como aconteceu, mas acho que nada do que eu disser vai fazer com que você entenda que não foi por mal. — Engoliu, como se fosse vergonhoso para ele me contar. — Há alguns dias abri acidentalmente o seu e-mail e quando li o conteúdo dele, por medo de te perder... fui idiota e isso não tem desculpa. — Respirou fundo e soltou o ar. — Bom, apaguei o e-mail que era uma proposta de trabalho para você na Fontana Empreendimentos. Como eu disse, isso não tem desculpas, fui um imbecil. Ia te contar tudo ontem e hoje contaria toda a história da carta... Enfim, não vem ao caso. — Me empurrou um papel com nome e telefone de uma mulher. — Entrei em contato com a CEO da empresa que queria te contratar e ela disse que o cargo é seu. — Ele estava tão sério e parecia sentir dor ao falar. Seus olhos tinham olheiras e estava tão abatido quanto eu.
Lembrei-me que enviei meu currículo para diversas empresas antes de viajar para a mansão, para caso não desse certo, mas não esperava que me contratassem e muito menos que a minha história ali desse tão errado.
Não sabia o que pensar sobre o que Félix me contou, meu coração pedia para acreditar que todas as suas ações eram verdadeiras assim como tudo o que ele dizia, mas a minha cabeça relembrava milhares de histórias de homens abusivos, mentirosos e falsos, que estava tão difícil viver aquilo e acreditar que ele pudesse ser bom. Ao final a ideia de se afastar era o que restava.
Notando minha dúvida e minha cara de incredulidade, Félix disse como se quisesse facilitar as coisas para mim:
— Você pode ir embora quando quiser.
— Quanto ao meu trabalho? Deixei coisas inacabadas.
— Não se preocupe.
O encarei sem palavras.
— Obrigada — foi o que consegui responder.
— Eu que agradeço. — Estava com as mãos nos bolsos, mesmo triste continuava lindo e eu tive que me controlar para não ser uma boba, chorar e me descabelar para que aquilo tudo fosse mentira.
Engoli em seco pensando no que mais falaríamos um para o outro, mas quando vi que havíamos encerrado, virei-me de costas e saí da sua sala.
.
.
Félix
Estava acabado.
Arabela saiu da minha sala e só me sobrou o vazio da sua ausência. Sentei-me na cadeira e fechei meus olhos apoiando os cotovelos na mesa.
Por que tudo na minha vida tinha que ser tão difícil e dolorido?
Passei a mão na mesa e joguei tudo no chão.
Eu precisava quebrar algo para não me quebrar... não quebrar mais, porque meu coração estava em pedaços e doía demais.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro