Capítulo 21
Capítulo vinte e um
Meu dia estava cheio de trabalho e além da mansão para administrar, ainda tinha a parte da agenda do Félix que era eu quem organizava. O computador novo era muito melhor que o antigo e com um sistema mais moderno eu conseguia me situar melhor, além de ter me dado mais espaço na mesa para organizar a minha bagunça.
Sempre que eu olhava para o aparelho novo, me lembrava do motivo pelo qual foi preciso adquiri-lo e um sorriso faceiro surgia em meus lábios.
Além de todo trabalho que me ocupava, ainda estava pensando no pedido lindo de casamento que Félix me fez na noite anterior, que me deixou avoada e rindo sozinha como uma boba.
No momento em que sonhava acordada, fui tirada dos meus pensamentos por meu celular, que vibrou com a chegada de uma mensagem de um número desconhecido. Imediatamente estranhei, mas ao abrir a mensagem, li:
"Estou indo te ver. Gaspar."
Franzi a testa para aquela mensagem sem sentido, porque ele nem sequer tinha meu número, quem dirá a intimidade para me mandar um texto assim. No mesmo momento lembrei-me que como advogado do Félix ele devia ter acesso a vários documentos, inclusive dos funcionários e assim deve ter conseguido o meu número.
Decidi deixar o celular de lado e pensei que se caso Gaspar aparecesse mesmo, eu chamaria o Félix para atendê-lo comigo ou se tivesse que ficar a sós com ele, deixaria claro que eu estava noiva.
Noiva... Olhei para a minha mão e admirei aquele anel que devia valer uma pequena fortuna, pousado no meu dedo. Era lindo! Tão repentino e lindo.
Ainda estava divagando sobre a mensagem do Gaspar, quando o computador apitou com a chegada de um e-mail.
Arrumei-me na cadeira, o abri e logo li que o remetente era desconhecido para mim e no assunto estava escrito: "A verdade". Já no corpo do e-mail estava escrito:
Sinto muito, mas você precisa saber. Leia abaixo.
Querido filho,
Se está lendo essa carta é porque não estamos mais com você e é certo que já deve estar próximo de completar seus trinta anos.
Você sabe, né? Seu pai e eu viajamos muito e podemos estar viajando nesse momento ou no céu, pois desde que ele começou com essa ideia de fazer esportes radicais, deve ser crise dos cinquenta, temos nos aventurado muito. Com isso em mente, penso que sempre pode acontecer o pior e assim o meu medo de te deixar sem meus conselhos de mãe, me assombram. Porque mãe e pai sempre têm que palpitar na vida do filho. Ainda mais sendo filho único.
Seu pai e eu sempre fomos muito preocupados com essa sua mania de levar tudo na brincadeira, boêmio e sem responsabilidade. Sempre foi o menino mimado, muito apegado a nós e paparicado pelos funcionários, sendo assim, pensamos que se um dia faltássemos, você teria apenas o nosso dinheiro, ao Clóvis, nosso fiel escudeiro, e a Madalena. Porém, dinheiro não é o que importa, não é mesmo? E o Clóvis apesar de ser de nossa inteira confiança, não é responsável por você, além de Madalena já ter a filha dela para tomar conta.
Com isso, pensamos que você teria que construir sua própria família e confiamos no bom olho do Clóvis para nora e no seu para mulher e assim, encontre uma companheira para se casar antes dos trinta ou toda a sua herança ficará congelada até que faça cinquenta anos e tenha responsabilidade (Apesar de seu pai estar com quase cinquenta e não ter um pingo) para usá-la, sem gastar tudo em sexo, drogas e bebidas. Nós te conhecemos como ninguém.
A presidência da empresa também será tirada de você caso não se case até os trinta. Não fique com raiva, apenas temos medo que acabe com a empresa da família e na velhice seja um senhor pobre e sozinho. Sabemos também que sem um empurrão você não encontrará alguém.
Não nos odeie, encontre seu par e seja feliz no casamento como nós fomos.
O casamento é uma benção.
Te amamos. Te amamos muito e se estiver triste agora, trate de rir, pois pregamos uma peça em você, se estiver casado mande um grande beijo para a minha nora e se não estiver, corra procurar uma (Eu sei que não está casado. Mãe sabe de tudo).
É tudo pelo seu bem.
Beijos.
Papai e mamãe. (seu pai concorda com tudo)
Terminei de ler a carta com a testa franzida e imediatamente pensei: que loucura é essa?
Fiquei olhando para a tela do computador e para aquela carta, que havia sido escaneada e tinha uma letra bonita nela, mas eu não conseguia acreditar no que via.
Ri. Só podia ser uma brincadeira sem graça de alguém.
Constatando isso, fechei o e-mail e voltei a analisar a planilha de gastos que eu havia imprimido e ela precisava de toda a minha atenção.
Mais ou menos uma hora depois, vi pela janela do meu escritório um carro chegando e reconheci como o carro do Gaspar. Revirei os olhos e decidi não sair para encontrá-lo, se era para me ver mesmo que ele estava ali, podia pedir para alguém me chamar.
Como era advogado do Félix, podia muito bem ter ido até ali para vê-lo ou a pedido dele.
Alguns minutos haviam se passado e Clóvis não apareceu para me chamar, sendo assim, me sentindo curiosa, decidi andar despretensiosamente pela casa e descobrir o que Gaspar queria ali.
Caminhei pelo corredor que levava até a frente da mansão, até que me aproximei da sala de visitas, onde logo comecei a ouvir vozes de Gaspar, Clóvis e Félix muito alteradas.
Mais perto da porta de entrada da sala, parei de andar abruptamente quando ouvi Clóvis dizer meu nome, me via a poucos passos deles, mas antes que pudesse dar mais um me mantive paralisada quando ouvi:
— Você não pode enganar a Arabela dessa maneira — Gaspar falou e logo senti meu corpo todo esquentar.
— Fala baixo, eu não a estou enganando.
— Você está! A pediu em casamento apenas para manter a sua fortuna.
Levei a mão à boca relembrando a carta que recebi no e-mail e ligando os pontos.
— Acalmem-se, senhores, e falem baixo, os dois — Clóvis tentava acalmar os ânimos.
— Não foi por isso que a pedi em casamento.
— A mim você não engana, Félix. Te conheço há muito tempo. — Ouvi uma confusão começar dentro da sala e Clóvis parecia separá-los.
Parei de prestar atenção no que acontecia entre eles e comecei a relembrar tudo. Puxando na memória tudo que já havia ouvido e visto, liguei os pontos: a raiva que Félix dizia sentir dos seus pais, a pressa com que me pediu em casamento, frases que ouvi sobre eu ser a solução dos seus problemas e mais tantas outras coisas.
O que um homem milionário como ele queria com uma mulher simples como eu?
Está aí sua resposta, Arabela! Manter a fortuna dele.
Eu senti meu peito subir e descer, meu corpo todo tremia e me sentia uma idiota. Fechei meus olhos e me encostei à parede, eu queria sair dali, mas simplesmente não conseguia me mexer.
Quando ergui meu olhar e encarei o espelho do outro lado do hall, minha imagem se refletia nele e Gaspar me olhava de dentro da sala atrás de mim, enquanto Félix tentava pegá-lo e Clóvis os separava. Rapidamente me aprumei e apareci na porta da sala.
Com respiração entrecortada encarei o Félix e o Clóvis que me observaram com olhares assustados.
— Pronto, chegou a maior interessada — Gaspar falou com ironia.
— Cala a sua boca, Gaspar! — Félix rosnou, cuspindo raiva.
— É isso, Arabela. Você estava sendo usada em um plano para que Félix não perdesse a herança dele.
— Seu filho da puta! — Félix tentava ir até o Gaspar, mas Clóvis mesmo com pouco tamanho perto dele, o segurava, enquanto Gaspar continuava a falar:
— Parece coisa de filme, ou de livro como você gosta, mas é a verdade. Seu príncipe encantado é um mentiroso — Gaspar cuspiu tudo em cima de mim e assim que parou de falar foi atingido por um soco de Félix, que havia conseguido se livrar da barreira de Clóvis.
Eu me sentia tão nada, tão usada e tão suja. Descartável e miserável. Minhas pernas tremiam com a constatação de que meu sonho era uma mentira. Um plano sujo das pessoas que eu pensei gostar de mim.
À minha frente Félix pegava Gaspar pelo colarinho e o arremessava para fora da sua casa ao mesmo tempo em que eu continuava plantada onde estava, revivendo todos os momentos que pensei ser verdade, mas que eram uma grande mentira, um grande plano sujo e mau.
— Bela... Bela... — Ouvi falarem meu nome como se tudo estivesse em câmera lenta e quando olhei para frente, Clóvis tentava ter a minha atenção e ao seu lado Félix se acomodou vindo da porta, me trazendo de volta para o momento quando pegou minha mão e disse:
— Bela, não é nada disso, por favor, me dê uma chance de me explicar. — Tirei a minha mão da dele com um safanão.
— Você me enganou. Mentiu para mim, Félix. — Comecei a chorar com os olhos parados e incrédulos. — Se tivesse me contado, se tivesse me pedido, eu teria feito o que me pedisse, porque eu te amava e faria de tudo para te ajudar. Você me usou... Por que mentiu e fez isso comigo? Por quê?
Ele parecia desesperado, ao mesmo tempo em que eu sentia dor, uma dor que até parecia física, meu peito estava apertado e doía por ter sido usada, me sentia péssima.
— Arabela, presta atenção, eu não menti sobre o que sinto, só omiti algo...
— Foi tudo mentira, cada palavra... tudo não passou de um jogo sujo para me seduzir, foi isso? — gritei.
— Não! Eu te amo...
Eu não queria e não precisava ouvir mais mentiras que só me faziam sentir mais dor.
— Não! Você não ama — gritei.
— Eu amo! — gritou mais alto, enquanto Clóvis a nossa volta não sabia como reagir.
Não queria mais ouvir, virei-me para sair dali, sem rumo e me sentindo anestesiada.
— Arabela. — Félix entrou na minha frente para que eu parasse de andar para longe dele. — Me escuta. Tudo que fiz, nada tem a ver com dinheiro. — Pegou meu rosto entre as mãos. — Por favor, me deixa explicar... — Encarei seus olhos e estavam vermelhos e marejados. — Eu amo você, minha princesa. — Engoliu tentando controlar a emoção. — Vamos conversar, tenho certeza que vai me entender e perdoar.
O encarei, engoli toda a minha dor e a única coisa que consegui dizer foi:
— Sai da minha frente, por favor... Sei que estou em sua casa, mas só me deixa sozinha. — Juntei os lábios para conter um soluço. — Por favor, me deixa ficar sozinha... Eu não consigo mais, eu não quero ouvir... por favor... — Fechei meus olhos e quando voltei a abri-los, Félix parecia preocupado comigo e saiu da minha frente.
Fui para o meu quarto a passos largos, encontrei com Madalena no caminho e eu queria distância de todos eles. Provavelmente sabiam de tudo e me tratavam bem para que não fosse embora, Félix perdesse tudo e eles seus empregos.
Fechei a porta do meu quarto e me joguei na cama, chorando, sentindo o peito em brasa e com o coração destruído.
Eu era uma idiota fácil de enganar, uma boba encantada com um teatro que criaram para me tornarem a princesa de um conto de fadas que nunca existiu, na verdade, existiu apenas para mim.
Estava tão cega que não notei como era claro que aquilo tudo não podia ser verdade.
— Arabela — Ouvi Félix batendo na porta do meu quarto. — Eu preciso de você.
Ouvir sua voz que claramente indicava que ele estava chorando acabava comigo.
— Menino Orsini, dê tempo a ela, vocês vão se acertar, mas Bela precisa de tempo.
— Ela precisa me ouvir, Clóvis.
— Não hoje, senhor. Não hoje.
A conversa de Clóvis e Félix do lado de fora destroçou meu coração e me confundiu. Coloquei o travesseiro sobre a cabeça para não os ouvir e dei graças a Deus que se afastaram me deixando sozinha de novo.
Eu só queria ir embora dali e me sentia arrependida de ter saído do meu lugar e ter conhecido aquele homem, que o que tinha de beleza, tinha de fingimento e facilidade para enganar.
As lágrimas escorriam por meu rosto e eu só queria minha casa, minha cama e o colo dos meus pais. Precisava ir embora.
Imediatamente enxuguei as lágrimas, me levantei e procurei no meu celular a cópia do contrato de trabalho que eu tinha no meu e-mail. Mesmo com a visão embaçada pelas lágrimas, consegui ler tudo, até que cheguei à parte em que citava a multa caso eu não concluísse o tempo de um ano no cargo, e era muito dinheiro.
Joguei o celular na cama com raiva de tudo envolver dinheiro e pessoas usarem pessoas por causa do maldito dinheiro.
"E não é isso a vida? Dinheiro e mais dinheiro, uma busca incessante. Compra, venda e troca até mesmo de amor por interesses financeiros?"
Lembrei-me do que Félix me disse em uma de nossas conversas e a dor me atingiu ao pensar que desde o começo da nossa interação que ele sabia da carta, podia ter me contado, mas preferiu fazer com que eu me apaixonasse por ele, o amasse e quebrasse meu coração.
Droga! Eu só quero ir embora.
Chorando eu andava de um lado para o outro no quarto, apertava meus dedos pelo nervoso e pensava em uma forma de me livrar daquela situação.
Foi então que eu pensei que podia me usar como troca, eu o daria o que ele queria e em troca ele me deixaria livre para ir para longe dele e de tudo que vivi ali.
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.
Félix
Eu andava de um lado para o outro no meu bar, já tinha quebrado algumas garrafas e bebido outra.
— O senhor precisa ficar calmo. Tudo vai se resolver.
— Como que essa merda vai se resolver, Clóvis? E ela nem sabe de tudo. — Esfreguei meu rosto. — E ela nem sabe de tudo. — Fechei meus olhos e respirei fundo. — Eu fodi com tudo... Fodi com tudo... Fodi com a única coisa boa que aconteceu comigo em todo esse tempo.
— Senhor...
— Clóvis sai daqui!
— Senhor.
— Sai, Clóvis! — gritei e mesmo contrariado meu mordomo saiu.
Eu já tinha decidido contar tudo para ela. Só precisava de mais um dia... Por que fui confiar no Gaspar?
— Burro! — falei sozinho.
Ela não me perdoaria e eu sabia disso.
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