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Clara... Vida nova


Clara

Um ano depois.

— Rápido filha, você vai se atrasar para escola.

— Tô indo mãe. — Mayara veio correndo com a sua mochila das princesas nas costas e fomos em direção ao nosso carro.

Carro... Bom, não era bem assim um carro perfeito. Ele mais dava tristezas que alegrias para falar a verdade. Meu Gol quadrado, que eu havia comprado com o dinheiro da minha aliança que vendi junto com algumas outras joias e coisas de valor que peguei quando deixei minha casa, era mais uma lata velha do que um carro propriamente dito, mas me levava onde eu queria e isso que vale. Na verdade, me leva quando não quebra.

Todos os dias vivo uma rotina, desde que vim morar com a minha amiga Laura. Acordo cedo, levo a May para a escola e em seguida vou para o meu trabalho que fica praticamente ao lado de onde ela estuda. Trabalho em um café, onde ganho pouco, trabalho muito e tenho uma colega de trabalho que faz de tudo para me detonar com o chefe. Desde que saí fugida da cidade onde eu morava, deixando para trás minha casa e o meu marido, tenho vivido feliz e não me arrependi nem por um minuto da escolha que fiz. Posso passar por dificuldades financeiras que não passava com o Jeferson, muito pelo contrario, com ele eu tinha uma vida farta em dinheiro, já que ele é herdeiro de uma fábrica de chocolate. Aqui não tenho dinheiro, mas também não apanho um dia sim e outro também.

Cheguei para trabalhar e assim que abri a porta do café, Shirley (a vaca da minha colega de trabalho) disse com um sorriso no rosto que o Roger nosso chefe estava me chamando no escritório, logo pensei: Se ela está sorrindo vem bomba.

Dei duas batidinhas na porta e coloquei a cabeça para dentro dizendo:

— Oi Roger, bom dia, quer falar comigo?

— Sim, sente-se. É o seguinte, como você sabe, estamos cortando gastos e estou de olho nos funcionários faz algum tempo. E vou ser direto Clara, sua obrigação todos os dias é limpar a maquina moedora de café e todos os dias eu chego pela manhã e está suja. Por esse motivo você está demitida.

— O que? Como assim? Eu limpo ela muito bem limpa todos os dias antes de ir embora. — Falei irritada.

— Mas quando eu chego ela está suja e isso só me faz crer que ela não foi limpa. Sinto muito Clara.

— Roger, não posso ser demitida. Tenho a Mayara pra cuidar.

— Como disse sinto muito, mas você foi a única que me deu motivo para demissão e ou eu te demito ou vamos acabar falindo.

Engoli em seco e pensei que isso só podia ser armação da Shirley, mas tudo bem, tenho minha dignidade e não vou me humilhar. Tenho certeza que Deus vai preparar algo melhor para mim.

Saí da sala dele e dei de cara com uma Shirley sorridente, simplesmente a ignorei, não valia a pena discutir, ela vai acabar se ferrando por si só. Quando saí do café com o papel para receber o que eu tinha direito, eu respirei com força e pensei: E agora o que vai ser de mim desempregada? Laura tinha conseguido esse emprego para mim assim que cheguei. Uma amiga dela estava saindo do cargo e eu peguei, mas e agora? Como vai ser?

Respirei fundo e pensei que eu iria dar um jeito.

Voltei para casa e encontrei a Laura terminando de se arrumar para ir ao curso de bargirl que começaria hoje. Joguei-me no sofá, cansada e já com mil e um pensamentos de como eu me viraria a partir desse ponto.

— Clarinha já voltou? — Ela falou assim que me viu.

— Fui demitida. — Falei tampando o rosto com as mãos.

— Eita mulher! Mas não se desespere, tudo vai dar certo.

— Olha Laura, nunca vi alguém mais positiva que você. — Falei levantando a cabeça e olhando para ela, que me lançava um enorme sorriso.

— Claro, do que vai adiantar você ficar aí desesperada? Pensa o quanto a sua vida está melhor que há um ano e o quanto a May está feliz.

— Sim, mas preciso te ajudar com as despesas da casa e tudo mais. E o pior de tudo é que foi armação para eu ser mandada embora, tenho certeza.

— Ah não se apega a isso, gente ruim se ferra sozinha. E quanto a me ajudar, enquanto você não arrumar um emprego você fica com a arrumação da casa. Afff detesto!

Ri do revirar de olhos dela para as tarefas domésticas.

Laura não era casada, trabalhava na imobiliária do pai e era adepta da vida livre de responsabilidades e de buscar o que te faça feliz acima de tudo. Quando me casei, ela quis me bater, já que me casei cedo com o Jeferson, tínhamos apenas dezoito anos, foi assim que saímos da escola e logo engravidei. Laura em seguida se mudou e minha vida ficou resumida a ficar em casa cuidando da Mayara, sozinha e cada vez mais dependente. Agora estávamos com vinte e quatro anos e não me arrependo por ter minha filha, mas agora vejo que se eu tivesse esperado para ver quem o Jeferson realmente era, teria sido mais fácil. Ver o medo no rostinho da minha filha todas as vezes que o traste do pai dela chegava bêbado ainda me assombrava.

— Não, espera. — Minha amiga disse se virando abruptamente — Você esta desempregada certo? Sendo assim não vai fazer nada hoje certo? — Eu assenti e ela continuou — E sendo assim você está livre certo? E assim você pode fazer o curso de bargirl comigo certo? — Ela aplaudiu.

— Errado!

— Ahhhh... Qual a desculpa agora Clara?

— Dinheiro, esqueceu que se fui demitida? Não tenho dinheiro para pagar o curso? — Ela revirou os olhos.

— Eu pago.

— Nem pensar e eu já moro de favor com...

— Ah nem começa a falar isso. Você sabe que não mora de favor coisa nenhuma e é um prazer ter você e a Mayara aqui. Eeeeee... Eu pago a droga do seu curso se eu quiser! Bora amiga, vai ser legal jogar umas garrafas para cima para desestressar.

Pensei, e quer saber... Eu vou.

— Tudo bem, eu vou. — Falei levantando em um pulo. — Mas você sabe que sou desastrada e vou quebrar todas as garrafas.

— Vai dar certo, desde que você não derrube nenhuma delas na minha cabeça está tudo bem. — Ela aplaudiu e eu ri.

*

O curso durou uma semana e foi muito divertido, percebi que até levo jeito pra coisa. Acabei eu mesmo pagando com o dinheiro da rescisão, depois de muito brigar com a Laura que não queria receber, mas não era justo ela pagar.

Já faz um mês que estou desempregada, entreguei currículos e até fiz uma entrevista, mas emprego está difícil e não tive sucesso. E agora que estou aqui deitada na minha cama agarrada com a minha filha, estou pensando seriamente em colocar em prática a profissão de bargirl. Estou relutante em tentar essa área porque os horários de serviço seriam sempre à noite e não queria deixar a Mayara.

Dona Regina a mãe da Laura já se ofereceu para cuidar da Mayara, mas mesmo sabendo que ela trata a minha filha como neta, minha princesinha vai sentir minha falta.

— Você está triste mãe? — Minha Mayara me tirou dos meus pensamentos.

— Não meu amor, estou pensando na vida.

— Espera aí mãe. — Mayara levantou rápido e foi até o outro lado do quarto onde ficava a cama de solteiro que a Laura havia arrumado para ela e pegou o seu cofrinho. — Mãe eu sei que a senhora está triste porque não tem mais trabalho. Pode ficar com o meu dinheiro. Só não vamos voltar para o ele, por favor? — Ela me ofereceu o cofrinho e eu comecei a chorar e a abracei com força.

— Não filha, não vamos nunca mais voltar para ele. — A soltei, enxuguei as lágrimas e forcei um sorriso. — Está tudo certo filha, guarda o seu dinheiro para comprar seu presente de natal. Um presente bem lindo.

No mesmo instante que eu enxugava as lágrimas e dava um beijo na minha filha pensando como eu resolveria a questão sem dinheiro pra nada, a Laura entrou esbaforida no quarto segurando o notebook

— Amiga, olha pra isso. — Ela me virou o notebook que mostrava um e-mail que ela recebeu com um banner que estava escrito: Precisa-se de barmans. Indicava que era para trabalhar em uma das casas noturnas mais famosas da cidade.

— O que tem isso Laura? Aí pede barmans e é obvio que a Angels vai preferir dar prioridade a barmans com experiências.

— Mas não custa tentar. E nós treinamos muito nesses dias. Somos boas nisso. — Ela estava eufórica.

— Tenta mamãe, você é boa nisso de jogar garrafas. — May sorriu para mim.

Pensei na minha filha me entregando suas moedinhas e suspirei.

— Ok, não custa tentar. — Laura e Mayara aplaudiram. — Mas se não der certo não quero que vocês fiquem desanimadas, principalmente você Laura. — apontei para minha amiga que sorria feito uma criança.

— Tudo bem. O teste é amanhã à noite. Precisamos de uma performance.

Performance?

— Sim performance. Aqui no anúncio pede que os candidatos apresentem algo diferente.

— Ah amiga então lascou, até amanhã não vamos conseguir montar nada. — Fiquei meio triste, até que estava começando a gostar da ideia.

— Já pense em tudo, escuta. — Ela apertou o play de um vídeo no notebook e Rihanna, If it's lovin' that you want começou a tocar e eu explodi em risada.

— Nunca, nem pensar! Não vou fazer essa coreografia nunca mais.

— Ah amigaaaa, arrasamos na escola, no ultimo ano quando dançamos essa música, os meninos ficaram doidos com sua bunda enorme remexendo pra lá e pra cá. — Tampei os olhos com as mãos e comecei a rir freneticamente. A lembrança de nós duas dançando na escola no festival de talentos, tomou conta de mim e lembro até hoje o quanto fizemos sucesso com os meninos. Laura e eu tínhamos mais ou menos a mesma altura, mas eu era loira de cabelo encaracolados no meio das costas e olhos verdes, enquanto ela era morena de cabelo também encaracolado só que castanho e olhos castanhos.

Laura me puxou pela mãos para me levantar da cama e começou a fazer a coreografia. Eu olhava rindo e em seguida olhei para Mayara que estava com um sorriso enorme no rosto

— Vai mamãe, dança também. — Minha filha me encorajava.

Balancei a cabeça em negativa e rindo comecei a fazer os passos. Era incrível que mesmo depois de anos ainda lembrávamos perfeitamente cada um deles. A dança era muito sensual e mexíamos o corpo todo. A música terminou e a Mayara aplaudiu.

— Bom amiga, agora é só colocarmos umas garrafas voando e uns drinks no meio da coreografia e esta tudo certo.

— Simples assim?

— Sim. Simples assim! Desencana Clara, a vida é fácil, deixa a vida te levar que vai dar tudo certo.

Ri.

— Tá, vamos dizer que eu tope essa loucura... Laura temos só até amanhã — Peguei o notebook da mesa para ver o horário da entrevista. — Ás onze horas para nos prepararmos.

— Vai dar certo. Vaiiii diz que topa?

— Vai mamãe, vai dar certo! — Olhei para o sorriso no rosto da minha filha e com ela falando assim tudo vai dar certo.

— Tudo bem. Faça a nossa inscrição. E já vou rezar até amanhã pra isso dar certo e pra eu não deixar nenhuma garrafa cair na cabeça do velho dono da casa noturna.

— Velho? — Laura me perguntou com uma sobrancelha arqueada.

— Sim, velho. Esses empresários, ricos, donos de casas noturnas são sempre aqueles velhos barrigudos de bigode e cabeça grisalha ou careca. Só espero que ele não seja um tarado ou vou ser obrigada a dar uma boa resposta a ele.

— Eles. — Ela me corrigiu sorrindo.

Afff... Sério que é mais de um velho, que vou ter que encarar.

— Sim, os Angels são quatro.

— Ah e você os conhece? ­— Falei cruzando os braços.

— Sim, todo mundo que frequenta baladas os conhecem. Os Angels — Ela falou sorrindo como se eles fossem algo bom. — Mas eles não me conhecem, o que é uma pena ou já teríamos o emprego ganho. E vamos ensaiar ou não teremos nem chance amanhã. — Ela riu.

— Olha, ainda não sei se realmente quero isso, mas não estou em condições de escolher muita coisa, então se é para entrar nisso, bora entrar pra ganhar.

Laura e Mayara aplaudiram como se eu tivesse dito a coisa mais empolgante do mundo e ver a minha filha feliz assim, me trazia força de onde não tinha e ânimo para enfrentar o que fosse.

https://youtu.be/hD5MRBzY1uM

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