Retorno
Capítulo nove
Cheguei no meu quarto ainda com muita raiva e pensando que naquele momento e eu só queria distância do Vinícius. Não parava de pensar em sua fala e na irritação em sua voz ao falá-la. Ele sempre foi tão gentil, que eu nunca imaginei que ele agiria daquela forma.
Já era mais de três horas da tarde e eu não sentia fome nenhuma, sendo assim decidi pular o almoço e ficar no quarto. As horas passaram rápido que eu nem vi escurecer, de tanto que fiquei pensando no que havia acontecido com meu fim de semana. Primeiro o beijo no Vinícius, depois o sentimento intenso quando o vi com outra e por último e pior de tudo: Vinícius diminuindo o meu trabalho.
Desgramado!
Pensei em tudo e repensei e me perguntei como eu pude por em cheque uma das poucas coisas estáveis da minha vida. Meu trabalho era algo de que eu mais me orgulhava e me dedicava, mas naquele momento eu estava me sentindo... Burra.
Porém, aquele seu pequeno comentário em relação ao meu trabalho, me serviu para acordar e perceber o que eu estava fazendo e serviu também para que eu desse um basta e um ponto final no que nem havia começado, já que estava claro que não daria certo.
Fui tirada dos meus pensamentos, quando o meu telefone tocou, o peguei para ver quem era e era o Vinícius. Claro que não atendi. Eu já tinha feito o meu trabalho e não tinha mais nada para falar com ele, se Vinícius pensava que ia me tratar como um nada e eu o trataria normalmente? Nem pensar! Eu era independente, tinha estudado muito, me dedicado em horas de trabalho para aprender tudo que sabia. Homem nenhum ia me desmerecer! Nem homem nem ninguém.
Vinícius me ligou de novo e mais uma vez não atendi, então não demorou muito e ele veio bater no meu quarto.
— Oi? — perguntei rispidamente, quando abri a porta.
Ele ficou me olhando e não disse nada, eu o olhei de volta e arquei uma sobrancelha, dando a entender que o perguntava o que queria. Vinícius parecia procurar as palavras.
— Quer sair para jantar? — enfim ele falou.
— Não. Vou ficar por aqui mesmo.
Um instante de silêncio.
— Podemos jantar no quarto se você quiser — ele sugeriu e tinha um toque de arrependimento e cautela no olhar. Era como se ele testasse cada palavra que dizia.
— Estou sem fome, só quero dormir para que chegue logo amanhã e eu possa voltar para a minha vida e a minha realidade.
Ele assentiu, engoliu em seco e ia dizer algo mais, mas eu o interrompi:
— Que horas mesmo é o nosso voo amanhã?
— Ás oito.
— Então te encontro amanhã de manhã no saguão. Obrigada pelo convite para a janta.
Ele colocou as mãos no bolso, assentiu e falou parecendo triste:
— Tudo bem, até amanhã.
Fechei a porta tentando conter as batidas aceleradas do meu coração e me sentindo triste, pois mesmo horas depois, o que ele tinha dito ainda doía.
Pedi um lanche no quarto, comi e não saí de lá o resto da noite. Fiquei arrumando as minhas coisas na mala e deixei tudo acertado para o dia seguinte.
Acordei pela manhã, tomei café no quarto e me arrumei para ir embora, mas o voo estava me assombrando como sempre. O medo de encarar a decolagem e o pouso estava me angustiando, porém ou era o voo ou eu voltaria de ônibus e perderia um dia inteiro de viagem.
Desci para a recepção e para a minha surpresa quando saí do elevador, Vinícius já estava me esperando. Como sempre lindo e mesmo eu estando com raiva dele, era inevitável não reparar naquele homem lindo que me esperava usando um óculos de sol preto.
— Bom dia! — cumprimentei, também escondida atrás dos meus óculos escuros.
— Bom dia — respondeu com uma voz rouca.
— Já acertou tudo na recepção?
— Sim. Podemos ir?
Assenti e ele se virou para sair. Entramos no carro em silêncio e seguimos o caminho até o aeroporto, ambos quietos, mexendo nos celulares e evitando um ao outro. Fizemos o check in e ficamos esperando nosso voo, ainda sem trocarmos mais que uma ou duas palavras que não fossem cordialidades, até por que, Vinícius ainda não tinha largado o celular e pensei que ele o estava usando como objeto de fuga.
Algumas vezes no caminho o senti me olhando, mas fingi não ver para não ser obrigada a conversar e xingá-lo por ter me diminuído daquela forma, afinal, se eu começasse a brigar, era capaz de eu o falar tanto que a única solução era ele me demitir, o que não podia acontecer, porque eu precisava do meu emprego.
Anunciaram nosso voo e enfim ele desligou aquele bendito celular, entramos no avião, guardamos nossas bagagens de mão e nos sentamos no nosso lugar.
Um ao lado do outro, roçando um braço no outro e estávamos bem perto.
Suspirei.
Mais uma vez o silêncio.
Não demorou nada e todo o procedimento de decolagem foi feito, o avião começou a taxiar pela pista e o desespero recorrente começou a tomar conta de mim como sempre.
— Celina — Vinícius me chamou e eu olhei para o lado, em sua direção. — Não aguento mais e preciso falar com você sobre ontem... — Vinícius começou a falar, mas eu o interrompi:
— Agora não, Vinícius.
Voltei a olhar para frente, em seguida fechei meus olhos, já sentindo meu coração acelerar com o medo.
— Sobre ontem — ele insistiu e entrelaçou nossos dedos —, eu gostaria de te pedir desculpas. — Abri meus olhos e o encarei com a sobrancelha arqueada e com raiva.
— Desculpas? Vinícius, você me diminuiu, diminuiu meu trabalho duro de meses.
— Eu sei. Fui um idiota! Mas eu não sou assim, só que...
O avião se ajeitou na pista e estava pronto para alçar voo, aí fechei meus olhos de novo, fazendo com que ele parasse de falar. Forcei-os fechados, apertei a mão do Vinícius entre as minhas e prendi a respiração quando o avião começou a acelerar na pista, já imaginando que daquela vez eu morreria.
— Olha para mim, Celina. — Eu estava respirando rapidamente e começando a suar frio e não olhei. — Ei, olha para mim. — Dessa vez olhei e não sei o que ele tinha na voz que conseguiu me tirar do meu transe de medo e me fez prestar atenção no que dizia. — Me desculpa? Eu sempre meto os pés pelas mãos quando estou... Com ciúme.
— Não precisa ter ciúme do meu trabalho, eu não sou melhor que você, sou apenas a Analista de Marketing.
— Para de repetir isso. — Ele fechou os olhos, envergonhado.
O avião estava subindo e eu sentia que ele estava em diagonal, o que me causava pânico, então voltei a fechar os olhos e respirei fundo algumas vezes para controlar a respiração.
— Olha para mim.
Eu não olhei, pois estava focada de mais no meu medo.
— Por favor, olha para mim. — Ele puxou o meu rosto levemente com o indicador e eu virei-me para olhá-lo, com o pânico estampado nele. — Me desculpa? — perguntou me olhando nos olhos e mandando o meu medo de voar para longe, assim que olhei em seus olhos.
— Nunca imaginei que você me trataria assim — consegui falar.
— Se você soubesse o quanto estou me sentindo culpado e arrependido. Por favor, me desculpa?
Engoli em seco, pois estávamos muito perto e assenti como sinal de que eu o desculpava, mas falei para que ficasse claro:
— Você me deixou tão magoada.
Seu olhar realmente transmitia arrependimento.
— A última coisa que eu queria no mundo, era te magoar.
Suspirei.
— Vini, eu te desculpo, mas espero que entenda que quando eu estava respondendo as perguntas do Lucas, eu não estava tentando fazer seu trabalho ou tomando o seu lugar na empresa, eu apenas estava tentando fazer com que o cliente aprovasse o projeto final. Não precisava ficar com ciúmes do seu cargo e me tratar daquela maneira.
Ele deu um sorriso sem graça e disse:
— Não era do meu cargo na empresa ou do meu trabalho que eu estava com ciúmes, Celina.
Vinícius virou-se para frente, me deixando pensando sobre o que falou.
Será que era de mim o ciúme?
Não, nada a ver!
O aviso luminoso que dizia que já podíamos soltar os cintos se acendeu, indicando que a decolagem havia acabado. Soprei aliviada, mas não soltei meu sinto, enquanto Vinícius se virou para mim e perguntou mais uma vez:
— E então, você me desculpou mesmo? — Fiquei olhando encantada para aquele rosto lindo, com aqueles olhos intensos e lábios chamativos. — Fui um idiota e você não é "apenas", você é a melhor analista de Marketing do ramo e o Kotler, nosso gênio do Marketing, ficaria orgulhoso de você. — Não consegui segurar o riso.
— Ficaria, é?
— Sim, ficaria, isso é, se não ficasse encantado por você antes, como o engomadinho do Lucas ficou. — Ele fez uma careta.
Eu ri e ele riu comigo.
— Não ficou encantado coisa nenhuma, só estava querendo saber mais sobre a campanha.
— Celina, ele babava para tudo que você falava, se você dissesse que a propaganda dele seria feita por palhaços infantis gritando na frente da loja, ele ainda sim teria fechado. Te admirou tanto enquanto você falava, que só faltou falar que te daria uma agência, só para te ver falando para sempre.
Ri.
— Claro que não, isso é imaginação sua e mesmo que ele me oferecesse, eu não sairia da MW Publicidade. — Pisquei para ele.
— Ah, que alívio! Pensei que perderia a minha melhor funcionária.
Ah! Entendi. Era só medo de me perder como funcionária.
— Hummm... Então era ciúme da funcionária que você estava sentindo? Não vou trabalhar para a marca de sapatos. Fica tranquilo! — falei um pouco decepcionada demais.
— Celina... Celina... Você é tão inteligente para umas coisas e tão devagar para outras.
Fiquei olhando para ele, mas Vinícius apenas ria da minha cara de perdida e não me disse mais nada sobre aquele assunto.
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