Capítulo 2
Acordar com o barulho dos ovos fritando contra a frigideira não era algo que fazia parte da rotina de Junmyeon. Assim como as vozes já animadas pela manhã trocando despedidas antes da porta da frente bater em um deslizar apressado. Os breves assobios de Éden quando ela esquecia que ainda tinha alguém na casa enquanto espanava as cortinas, logo se policiando e voltando ao silêncio, também não. Ele perdeu as contas de quantas vezes havia acordado apenas com sons simples, só porque se acostumou com uma casa fria e silenciosa. E quando seu sono ficou tão leve?
Já era por volta das nove quando desistiu de tentar descansar mais, apesar de estar exausto. Nunca tinha viajado para tão longe. Arrumou sua cama diligentemente, sentindo a seda por baixo dos dedos, em análise da qualidade do lençol quase sem querer. Precisou de mais uma olhada ao redor para lembrar que estava em outro continente, num apartamento luxuoso, sob os cuidados de completos estranhos. E então reparou num espelho no canto do quarto.
Nada em sua aparência parecia adequada naquele momento. Raramente tinha olheiras por conta da rotina meticulosa, mas suas bochechas estavam vermelhas pelo clima rígido, apesar de muito mais agradável com o aquecedor interno. Estendeu suas mãos ao seu pijama amassado, fino. Cheirou suas axilas, e então suspirou. Se quisesse sobreviver na Rússia, precisaria de roupas novas, e longos banhos quentes.
A banheira de quartzos semi-brutos rosa-claros tinha uma textura arenosa, de pedra salina. Os dedos de Junmyeon escorregaram longamente pelas bordas, enquanto aguardava até que estivesse cheia de água. Luz acalorada refletia nas pedras preciosas e deixava os azulejos brancos com um tom pêssego. Era adorável. A suíte de Yixing também era assim? Ele escolheu a dedo, ou foi uma indicação de Éden? Tinham tantas perguntas que duravam meio segundos em sua mente. Não era curioso o suficiente para de fato querer a resposta delas, só parecia um bom jeito de ocupar seu dia.
Retirou suas roupas com calma quando a água alcançou a borda, escorregando pela pele enquanto analisava no espelho de corpo inteiro no canto do banheiro. E então entrou no banho quentinho, sentindo os músculos das costas finalmente relaxarem pela primeira vez desde que estava na Coréia. A água transbordou um pouco para fora, e por um tempo a única coisa a ser ouvida foi sons de gotas ecoando, amplificadas pelo teto alto. Logo, silêncio ocasionalmente cortado quando ajeitava sua postura.
Junmyeon podia respirar com calma pela primeira vez desde que chegou. Uma inquietude avassaladora não o deixava sequer fazer isso quando se via diante de uma vida nova. Desde receber a notícia da viagem do irmão, até arrumar suas coisas, não ter ninguém a quem se despedir além das belas árvores que costumava admirar perto do rio em frente à sua casa, pegar o avião e conhecer Éden e Yixing, uma semana foi o bastante para mudar a vida ao contrário. Pegou água com as mãos em formato de concha e umedeceu seus cabelos, os jogando para trás e suspirando de forma profunda, soltando assim um pouco de suas reservas para com o futuro.
Estava acostumado a certo ponto; já fazia muito tempo que sua vida era instável, repleta de mudanças e momentos de terror, onde não podia fazer nada além de manter-se impassível de forma perfeita, como um bonequinho de porcelana para Minseok. Porém, apesar de segurar seus sentimentos, queria ter ao que pelo menos se agarrar. Se perdesse seu irmão, a única coisa que tinha nesse mundo, então estaria completamente perdido também. De olhos fechados, com a água cobrindo seu corpo em um abraço caloroso — não sentia falta de abraços — flashes de memória acompanhavam um sentimento conhecido de vazio.
Já estava quase submerso na água quando ouviu batidas firmes do lado de fora. Junmyeon ajeitou a postura e cobriu o máximo possível do corpo, o essencial, com a espuma, resmungando uma confirmação em resposta ao estranho incômodo de seu silêncio.
Éden adentrou com um grande sorriso no rosto, não característico para uma manhã de segunda-feira, e um cesto cheio até a metade de calças de alfaiataria e camisas sociais. As roupas de trabalho de Yixing. Seu vestido preto até os pés de mangas longas não parecia ter um traço de poeira; era mesmo meticulosa. Nenhuma parte de sua pele, com exceção de cabeça e mãos, visível. Os cabelos presos em um rabo de cavalo alto enrolavam-se até abaixo do ombro como ondas no céu alaranjado.
"Bom dia. Espero que tenha tido uma boa primeira noite, senhor Kim Junmyeon."
"Certamente, obrigado pelos preparativos. E sinta-se livre para me chamar apenas de Jun. Sei que cuida muito bem do meu irmão quando ele está aqui."
"Bom. Então, não farei cerimônias, Jun." Mais uma vez, um grande sorriso reconfortante. "Cogitei que pudesse precisar de ajuda para esfregar suas costas."
Ele a analisou. Buscou o sarcasmo em seus olhos, esperando um risinho, porém a viu séria demais. Não estava acostumado a ter uma mordomo disponível a todos os instantes de seu dia, e parecia desagradável perder a privacidade de tal forma. Éden sequer se importou com seu semblante julgador. Ela era quase alheia a qualquer tipo de objeção quanto a sua personalidade peculiar.
"É correto supor que ajuda o senhor Volk em seus banhos?"
A mulher deixou o cesto ao lado da porta, e aproximou-se com cuidado, o suficiente para manter uma distância segura aonde não pudesse ver o corpo dentro da banheira. Riu do comentário, deixando Jun aliviado. Não queria que ela interpretasse sua falta de filtros, ao ficar confortável, erroneamente. Era tão confiante de si, que mesmo se ele decidisse de fato xingá-la, não faria mais do que rir e prosseguir com sua graciosidade. Semelhante a Junmyeon, que apesar de igualmente divino, era frio e meticuloso.
"Estou feliz que esteja interessado por Viktor, mesmo sobre assuntos tão frívolos. Consegue adivinhar?"
E lá estava Éden, com uma resposta ainda mais ousada que as suas — uma mulher incrível. Tinha nascido assim, ou moldada pela importância de ser a funcionária mais íntima de um homem poderoso? Jun deu um riso sincero, uma ocasião rara, entretendo-a ainda mais. As gargalhadas suaves que saíam dele eram doces e baixas, e seus lábios rosados cativantes. Não podia deixar de estranhar como ela falava de Viktor, não senhor Volk ou Zhang, tão casualmente.
"Eu sequer gostaria da resposta? Não mesmo. Na verdade, retiro minha pergunta. Deixo este assunto apenas para você e seu patrão." Uma troca de sorrisos singelos, que faria Minseok se morder de inveja. "Se me permite uma leve indagação sem propósito específico, e por obséquio não se sinta pressionada pela espontaneidade dela, por que meu interesse lhe deixa feliz?"
Éden piscou, e então voltou a se afastar, pegando o cesto de volta. Cada movimento seu foi seguido pelos olhos atentos de Jun, como um computador fazendo um perfil baseado em seus trejeitos. Não estava nem um pouco incomodada com isso. Afinal, conviver com homens perspicazes e perigosos era seu trabalho, e há muito já não a surpreendia.
"Meu patrão é um homem de muitas qualidades, sem dúvida. Muitos defeitos, inesgotáveis, também. Mas a verdade é que ele tem somente a mim para vê-los." Suspirou. "É mesmo solitário por aqui."
"Fui levado a pensar que ele e meu irmão eram melhores amigos."
"O conceito de amigos no ramo dos dois é muito diferente do nosso, Jun. Tenho certeza que, em sua perspicácia perceptível, pode compreender isso. Mesmo se estivesse certo, Viktor não recebe seu irmão com frequência." Pegou os pijamas no canto do banheiro com o pé, pondo na cesta e abrindo a porta atrás de si.
Jun pensou sobre o comentário em sua "perspicácia", tentando adivinhar a natureza sarcástica ou genuína de tal. Concordou, de forma silenciosa. Existiam muitas facetas de Minseok que ainda esperava por descobrir. As partes que o mostrava eram de fato íntimas, que ninguém poderia sonhar em conhecer, mas estava longe de sua essência verdadeira. Minseok era tão secretivo quanto Yixing, até mesmo para seu próprio irmão. Mas não podia culpá-lo, pois fazia exatamente igual. E julgavam um ao outro sobre o defeito que partilhavam. Como gêmeos.
Em uma coisa, entretanto, Éden estava equivocada. Jun não tinha conceito algum de amizade. Ele voltou a lavar seus cabelos, pondo seu rosto duro como chumbo padrão, e que estava disposto a oferecer a todos. Era difícil para que os outros se acostumassem com o jeito que cortava as conversas abruptamente, desinteressado em oferecer uma resposta, mas ainda cortês o suficiente para manter-se apenas em silêncio, e não proferir seu descontentamento com diálogos prolongados.
Mesmo Éden foi vítima de sua beleza estonteante. Cada gota deslizando pela pele branca escorria em um caminho lento banhado pela água. Os tons avivados de rosa da banheira deram uma cor calorosa aos olhos castanho-esverdeados. E o olhar impiedoso lembrava a astúcia de um falcão. Ela sorriu. Pôde perceber que Yixing era mesmo um incrível colecionador de arte, e havia tomado por empréstimo mais uma interessante obra-viva.
"Há algo mais, Jun." Chamou a atenção dele, quase para verificar se era de verdade, e não uma estátua imóvel. O outro fechou os olhos, deitando um pouco na água quente, relaxando seus ombros. "Sugeri a Viktor que pudesse querer conhecer o país. Um segurança está na recepção para acompanhá-lo."
"Agradeço muito, Éden."
Abriu de leve uma fresta de sua visão, a olhando virar de costas, e caminhar até a saída do cômodo.
"Tenha cuidado para não se ferir. Nos quartzos, é claro." Sorriu uma última vez por cima de seus ombros, antes de fechar a porta e partir com o cesto de roupas em mãos.
O conhecimento sobre a natureza obscura do Byélêy mudou completamente a forma de Junmyeon enxergar os funcionários e atributos do hotel. Não mais via um bar barroco, de luz quente e de madeira escura, mas uma estação de reconhecimento e condicionamento para os convidados mostrarem suas verdadeiras faces e se tornarem mais manipuláveis por Yixing, usando do atributo do álcool que todos eram educados (ou beberrões) demais para dispensar.
Ao invés de enxergar a recepcionista educada, habilmente de olho nas câmeras dos corredores através de monitores tampados pelo vidro de segurança refletivo da recepção, via uma guerreira tal qual Éden, dedicada ao seu trabalho de proteger um chefe poderoso e muito perseguido. Cada detalhe, às cores cinzentas e monótonas do ambiente, cortadas por quadros e estátuas devoradas de colorido e beleza, luzes altas brancas e pequenos lustres de cristais amarelos, tudo tinha o toque perfeito de Viktor Volk. Até mesmo cheirava como ele: citronela, sabão, uma mistura embriagante de chateâu e iordanov. Perigo. Emoção. Jun não os via da mesma forma que ele. Pareciam trocados em sua mente.
Mesmo que tivesse empilhado todos os seus moletons no corpo, com o sobretudo acolchoado do dia anterior, ainda sentia arrepios direto em seus ossos de vez em quando. A neve caía cristalina e em flocos perfeitos contra suas luvas pretas. Iluminando o dia, tornando difícil de enxergar contra o céu nublado. Distante o suficiente para não ser um empecilho, um segurança acompanhava Junmyeon em passos lentos, espreitando ao redor diligentemente. O fazia lembrar de seu irmão olhando por cima de seu ombro, e além do horizonte, para qualquer perigo que pudesse alcançá-lo, acima de seu próprio bem-estar. Estava muito bem acostumado para se importar.
Andar pelas ruas de Moscou era genuinamente agradável, mesmo que o fizesse sentir altivo como um estrangeiro. Apesar da língua russa ser difícil, já se via animado para começar a aprender, e poder também participar das conversas acaloradas dos padeiros e vendedores ambulantes. Estar confinado em casa nunca fez parte de seus planos, e ficou feliz com a insistência de Éden para que pudesse tomar ar fresco. Os pequenos momentos em que sentia que podia tomar as escolhas para sua própria vida eram muito importantes para Jun. Na realidade, sabia que bastava uma palavra de Yixing ou Minseok, e iria aonde fosse ordenado, sem sequer contestar. Humilhante para um homem adulto, mas suas condições não eram comuns.
Vento soprava forte, motivando o frio congelante e o aproximando ainda mais de seu empilhado de roupas ao subir por elas, porém ainda era refrescante se entreabrisse a boca e deixasse o ar quente sair em forma de neblina efêmera. Os transeuntes passeavam apressados, se entrecortando e meramente murmurando pedidos de desculpa ao esbarrarem nele, porém não poderia retribuir o gesto mesmo se quisesse. Prestava atenção em seus rostos, trejeitos e sons, mimicando-os por sobrevivência.
A calçada aos poucos engarrafou-se em frente a um antigo museu de colunas altas e brancas, camuflando-se no céu nublado, dividida entre pessoas querendo subir as grandes escadarias e outras continuar sua passeata em linha reta. Junmyeon saiu do transe de novidades ao ver-se perdido entre o cruzamento, tendo que levantar seus pés para buscar pelo guarda a distância e uma forma de sair da bagunça. Somente conseguia ver luzes de holofote girando brancas na entrada do museu, indicando algum evento de grande importância, e cabeças sem fim de todas as direções.
Palavras russas intensas reverberavam em seu ouvido, enquanto os olhos corriam para todos os lados, fazendo força contra a multidão como quem forçava-se contra uma onda do mar. A bagunça de tecidos pesados o deixava sem fôlego, e quase incapaz de resistir ao pisoteio. Enquanto isso, seu guarda usava da grande estatura para empurrar para longe o máximo de pessoas que era capaz, gritando ferozes palavras de insultos e pressa. Mesmo ele não conseguia se aproximar rápido o suficiente. Jun respirava fundo, tentando manter sua calma, que em momentos comuns seria quase natural.
Uma mão o puxou para fora com destreza pelo colarinho do sobretudo, o forçando para fora e agarrando-o na nuca, fazendo seu rosto esbarrar em segundos com um peitoral másculo. Sua presença dividiu a multidão perfeitamente, afastando-o sem sequer uma palavra, apenas pela imponência. O homem fez sinal para que o guarda de Junmyeon chegasse perto, o tomando pela mão, e voltando para a parte calma da rua. Pôde finalmente respirar, e quando entendeu o que aconteceu, reparou naquele que o salvou, com a mão em seu ombro, para garantir que estava bem.
"Perdão... e obrigado..." Jun murmurou, tentando parecer convincente com seu russo.
Ao invés de uma reação esperada, o rapaz soltou ar pelo nariz, seguido de uma risada alegre. Jun o olhou nos olhos pela primeira vez, confuso, deparando-se com um rosto muito mais belo do que estava aguardando. Não conseguiu conter sua expressão surpresa por alguns segundos, retomando a consciência assim que seu segurança chegou mais para perto, o fazendo perguntas para ter certeza que estava bem.
Ouvindo os dois conversarem em japonês, o desconhecido ajeitou o casaco de Jun brevemente, e o deu um sorriso charmoso, com os cantos da boca levantados.
"Não há de quê." O surpreendeu na mesma língua, provocando um suspiro de surpresa no outro, outra vez. Ele riu audível, com o punho na boca. Só então revelou seus olhos puxados escondidos pelos cabelos escorridos, pretos como noite. "Está bem?"
Junmyeon o observou em silêncio por alguns segundos, até lembrar que devia responder.
"Estou. Agradeço novamente." O estendeu a mão, e recebeu um aperto firme em troca. "Como pôde perceber, sou novo no país."
"Tive algumas pistas, sim." O olhava tão intensamente, devorando sua beleza, seu rosto perfeito.
Com bochechas um pouco vermelhas, pelo frio e timidez, o homem era extremamente expressivo. Tudo que se passava em sua mente refletia de forma direta em seu semblante. Jun via isso como uma fraqueza terrível, que não podia se permitir ter. O que, de forma irônica, o lembrou de se recompor, e pôr novamente seu disfarce de frieza encantadora, só o suficiente para não ofender.
"Chamo-me Junmyeon. É um grande prazer."
"Meu nome de batismo é Jongdae. Sinta-se livre para usá-lo." Tirou um cartão do bolso do casaco de neve, o entregando.
Jun leu rapidamente antes de guardá-lo em sua bolsa de couro. Keyes Jongdae Vassiliev, curador de arte contemporânea para colecionadores de alta classe. Controlou uma careta; detestava a nova arte e todos os seus conceitos abstratos e desprovidos de uma beleza lógica. Mas "Keyes" o salvou, então não poderia ser prepotente o bastante para não ser grato. Só de pensar em tal possibilidade, ouvia as broncas de Minseok em sua mente, o ensinando a ser intransponível como uma pedra.
"Não quero tomar muito seu tempo. Imagino que esteja a caminho do museu. Você sabe, para a exposição. Mas só deixe-me dizer, o artista desta semana é promissor. Pude tomar uma taça de vinho ou duas com ele outro dia. Um talento e visão encantadores, difíceis de encontrar." Jongdae se agitou, acenando para uma secretária que segurava alguns papéis em mãos, controlando a multidão disposta a fazer tudo para trocar uma palavra com ele com a ajuda dos guardas do museu.
Ela o entregou um panfleto, que depois deu a Junmyeon, onde contava todas as informações da exposição, fotos das obras e suas localizações. O papel era ríspido, grosso, esperado de uma equipe de marketing bem paga.
"Na verdade, estava apenas de passagem. Não sou grande fã de artes plásticas." Folheou levemente, apenas para demonstrar o mínimo interesse. Como julgou, apenas artes abstratas e visualmente simples. Estendeu o panfleto de volta à Jongdae, provocando um risinho desafiador, de canto.
"É a primeira vez que conheço um novo morador que não parece sequer curioso para conhecer o grande museu. Me sinto quase ofendido como um dos curadores principais. Não gosta de artes plásticas, certo, eu posso pensar em perdoar isso. Apenas, porém, se existir outro tipo de arte que o agrade. Caso contrário, terei de duvidar de seu caráter!"
Junmyeon estalou a língua no céu da boca, em silêncio por algum tempo. Calculando, como o computador que era. Não costumava tocar em assuntos pessoais com desconhecidos, mas não esperava ver Jongdae novamente. Além do mais, do jeito que aquele desconhecido gostava de falar, com certeza não responder geraria ainda mais debate fútil, para se dizer o mínimo.
"Toquei piano por muitos anos quando criança. Posso dizer que sou um grande apreciador de música clássica. Ainda sou digno de meu caráter?"
"Tocou?" Jongdae sorria fácil. Ele não se importava de mostrar todas as suas expressões mais vulneráveis para um mero desconhecido. Tentava parecer confiável e genuíno, e conseguia.
Junmyeon não se importou com seu exagero, a forma que falava por cima dele quando tinha algo para dizer, como se tudo fosse urgente demais para não ser educado e esperar sua vez. Era natural, não fingido, como todo mundo ao seu redor normalmente agia. Talvez seu rosto bonito e jovem ajudasse a fazer ele difícil de detestar. Ou a cortesia e cavalheirismo que transmitia em cada gesto suave e maneirismo da fala. Jun sentia, não gostava de pessoas que calculavam suas falas, porque era familiar demais. Porque fazia exatamente isso.
"Sim. Há muito já não toco." Sabendo que Jongdae esperava por uma explicação, decidiu por trocar de assunto. "Na verdade, estou em busca de algumas roupas novas. Acredito que subestimei o frio russo. A neve ainda é pouca, e já estou congelando."
"Neste caso, o certo é tomar uma dose de vodka" Jongdae riu alto, chamando um pouco de atenção, mais do que sua beleza e seu cargo importante já atraíam. Adorável, como se estivesse em seu próprio mundo. Deu um leve toque nas costas de Jun. Não era tão incômodo quanto ele pensou. "Conheço algumas lojas ótimas pela cidade. Se importa de ter um pouco de companhia?"
Junmyeon olhou ao redor. As portas do museu agora estavam abertas, e aos poucos a multidão migrava sua aglomeração para dentro. Alguns flocos de neves caíam em seus cílios, o fazendo piscar rápido para afastá-los. Com certeza teria mais sucesso se apenas aceitasse a oferta de Jongdae. E quem sabe quais outras dificuldades poderia encontrar em passear sozinho pela cidade lotada, sem conhecer local nenhum. Além disso, quanto mais cedo terminasse suas compras, mais cedo estaria aquecido, em seu novo quarto, e em paz. Livre para poder ligar para o irmão, e descobrir seu paradeiro. Em compensação, sacrificaria sua paz por algumas horas. Neste cenário, os prós pareciam maiores que os contras.
"Não. Pelo contrário, eu adoraria. Irei acompanhá-lo, se não for incômodo."
Recebeu um grande sorriso de resposta, e Jongdae dirigiu um gesto ao seu motorista, agregando um passageiro ao carro esportivo.
O som de gelo rodando dentro de um copo curto e redondo de vidro, gerando um assobio. Vozes de um casal na televisão de tela plana discutindo em uma cena de um filme caseiro em russo, ecoando pelas caixas de som fixas nas pilastras de tijolo preto brutalista da sala. Calor que rodava a atmosfera do apartamento juntava-se ao ar e empurrava o peito desnudo de Yixing para cima e para baixo com leveza, em paz. O apreciador de filmes sentava preguiçoso, sobre os pés, em seu sofá e encarava o aparelho de CD, ao invés da tela. A solidão já não o incomodava desde que se acostumou a aproveitar da impunidade que vinha com ela. Ser vulnerável era custoso na linha de trabalho que escolheu há muitos anos atrás, então talvez fosse um hábito antigo manter-se em alerta, mesmo que até Éden tivesse saído de casa para resolver problemas pessoais. Agora, porém, não fazia nada além de relaxar, bebericar seu copo de whisky, e ouvir o áudio de baixa qualidade do filme.
Alguém jamais entenderia se tentasse explicar, mas Yixing odiava perder tempo com reflexões íntimas. Pensamentos, filosofias e convicções, não se permitia tê-los mais que o mínimo para considerar-se humano. E, acaso pudesse, mesmo esse mínimo seria apagado. Apesar de suas palavras sempre parecerem magnificamente ensaiadas, a fim de mostrar um lado perfeito do homem de negócios confiável e nunca trêmulo em suas opiniões, quando se tratava de dizer, por exato, quem era e o que tinha vivido ao longo de todos esses anos, diria não lembrar ou saber, porque não pensava nisso. Prosseguiria explicando que memórias não criam espaço em cérebros já ocupados com assuntos mais importantes, e que o único Yixing, ou Viktor, que realmente existia era o de cada dia. Mesmo o de ontem já não o representava mais; o oposto de alguém convicto de suas obstinações.
Até que ponto todas as suas palavras soltas eram mentiras forjadas para convencer outros, já não sabia. Este limite foi borrado no momento que ele mesmo passou a acreditar nelas. Seu passado não era mais que uma chama, frívola e relutante para que não desaparecesse, no canto da mente, como um espírito que já perdeu a forma corpórea. E em dias silenciosos como estes, ao invés de escutar seus pensamentos e sofrer as reclamações do exílio sombrio que submeteu sua própria existência, ocupava o ambiente com filmes. Isto lhe rendeu uma estante somente deles, em diversas línguas, de diversas qualidades, em maioria caseiros, que raramente era atualizada, já que não importava o conteúdo, apenas que estivessem ali. Seus olhos eram atentos e julgadores, no entanto. Pela experiência de consumir tantos filmes, havia adquirido um involuntário olhar crítico.
A bebida servia somente para afastar o gosto soturno de seus lábios. Era um homem simples, afinal. Mesmo que toda a sua vida gritasse fortuna e luxúria.
Seus pensamentos foram cortados no momento em que ouviu o padrão de acesso da porta principal ser manuseado pelo lado de fora. Logo, os olhos de Yixing encontrariam os olhos frios de Junmyeon, e assim ficaram por alguns segundos, expressando suas curiosidades intensas um pelo outro. Yi sorriu e acenou, o chamando para sentar ao seu lado.
"Por que não conversamos um pouco, Junmy?"
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