Capítulo 1
O hall do prédio era o que Junmyeon esperava de um lar de milionários russos. Em uma placa sobre a escadaria dupla centralizada, letras cursivas grifadas de azul, pôde ler vagamente "Byélêy"; com certeza não seria capaz, não conhecesse o nome de antemão. Madeira ornada de forma medieval, ortodoxa, escura. Cruzes e estátuas de querubins dispunham-se como o altar de sacrifício de um cordeiro por trás do balcão de granito. Como mosteiros. No centro da sala, o teto era aberto, e podia-se observar toda a escadaria do extenso número de andares, até um topo curvado, coberto de teto de vidro, esbranquiçado pela neve lá fora. Pouca luz sequer conseguia entrar por ele. Uma vista interminável, fria, direta do vale da estranheza.
O bar do lado esquerdo do térreo esbanjava de cores como verde e amarelo, com pinturas barrocas e garrafas de vodka. Mamont. Moskovskaya. Beluga. Stolichnaya. Tipos intermináveis, todas vodka. Cada funcionário era como estrategicamente posicionado para sempre espreitar os convidados bem no canto do olho.
Minseok parecia em casa. Afinal, sempre agia como se fosse o dono do mundo. Talvez porque tinha boa parte dele em suas mãos. Caminhou em passos confiantes até o balcão, pôs duas maletas de couro no chão, cada uma ao seu lado, e ofereceu um sorriso gentil ao balconista. Estava animado para rever um velho amigo, não era frequente que pudesse. Junmyeon sabia pouco sobre a relação dos dois, apenas que se reencontraram depois de adultos, e Min pôde finalmente pagar metade dos favores que o devia. Desta vez, no entanto, acabaria por acumular mais um.
Jun obedeceu atentamente cada um dos gestos de mão suaves que ele o forneceu, para guiá-lo. Suas malas foram colocadas no carrinho de bagagem dourado e prontamente levadas ao elevador de serviço. Sabia cumprir com excelência o papel de sombra de Minseok. Segui-lo e escutar seus comandos. Agir de acordo. Para ele, existia orgulho nisso. Não fosse a postura passiva sobre suas compartilhadas circunstâncias, não estariam onde estavam.
Min apertou o botão do quarto andar no elevador sem reconhecer o ascensorista sentado em um banquinho próximo ao painel de números. Este era o nível de sua animação. Apesar de ter ouvido diversas histórias, era a primeira vez que Junmyeon ia conhecer pessoalmente o melhor amigo de seu irmão. Isso porque, sempre que se encontravam, era em viagens de negócios que acabavam por coincidência sendo próximas em destino. Seu amigo não dava-se o trabalho de viajar ao Japão, onde os irmãos moravam, no entanto.
Mesmo com este grande detalhe, diferente de qualquer um nesta situação, Jun não demonstrava interesse em conhecê-lo. Curiosidade não fazia parte de sua limitada lista de sentimentos. Min buscou a mão dele, encontrando-a fria escondida em parte pelo sobretudo marrom, unhas curtas bem feitas. Tentou segurá-la, e Jun encolheu, o repreendendo com um olhar. Ele riu. Era seu irmão, certo. O inexorável Kim Junmyeon. Príncipe do coração gelado.
Levou alguns minutos para que chegassem. O movimento do elevador era suave, quase imperceptível, como voar no céu. Jun lembrou de um dos lugares onde morou, e não pôde impedir uma comparação. Nos três anos que viveu lá, sendo criado por Minseok, o elevador jamais foi consertado. Apesar disso, a porta ainda abria e fechava sob comando do botão.
Quando estava irritado com seu irmão, ou queria brincar, se escondia no elevador e fechava a porta pelo lado de dentro. E aguardava. Minutos, horas. Min não tinha intenção de esquecê-lo, disso sabia. Ele só tinha muito para fazer. Cuidar de uma criança, trabalhar, estudar, rezar para ter um futuro melhor. Mas Jun sempre acabava esperando.
Sentado no chão gelado de concreto, contra as paredes daquela engenhoca inútil, sem propósito. Tanto espaço gasto para algo que sequer funcionava, e ninguém que se importasse para consertar. Não tinha mais ninguém para procurá-lo. Até que, eventualmente, Minseok corria como louco, e ao encontrá-lo no elevador, chorava. Junmyeon sempre pensou que ele era muito dramático.
A viagem terminou em segundos, e a porta se partiu ao meio para revelar um corredor extenso. Chão de mármore preto, papel de parede de alto relevo branco-acinzentado com belos desenhos. Grande demais para uma única porta de madeira escura no fim, com cerca de dois metros de altura, um painel de biometria e campainha. Não tinha nenhum tipo de maçaneta do lado de fora. Minseok não conteve sua animação e acelerou os passos, empurrando de leve as costas de Junmyeon com a palma, e o fazendo tomar um leve impulso para frente. Este era seu jeito de ser delicado; qualquer outro, e não teria medido a própria força.
O elevador fechou instantaneamente depois de saírem. Jun controlou a vontade de olhar para trás, em busca de saídas, mas foi interrompido pelo craquelado do piso contra os sapatos pesados trotando em conjunto. Não estava com medo, nem intrigado. Sequer nervoso. Apenas fatigado da viagem e buscando conforto, e aquele ambiente não o confortava. Porém, confiaria no julgamento de seu irmão.
Eles nem precisaram bater: ouviram bipes do painel sendo operado por dentro, e a porta abriu em um deslize vertical, revelando uma mulher ruiva com cerca de um metro e setenta, pouco mais baixa que os dois. Ela usava calças Oxford e blusa social abotoada até o meio pretas, revelando apenas uma pequena parte de seu decote. Sapatos confortáveis bem lustrados adornavam a escuridão que compunha seu traje. Aparentava ser a funcionária de alto escalão que erguia-se firme, como própria dona da mansão.
Os olhos de Junmyeon corriam rapidamente de cima a baixo para analisar seu novo lar pelos próximos três meses. Apenas observando sobre os ombros da mulher, era possível notar que aquele apartamento em específico ocupava dois andares inteiros. Espaçoso, com pouca ou nenhuma divisão de paredes para os cômodos comuns. Quase inteiramente preto e branco, por exceção de quadros de pintura diversos e uma cesta de frutas enorme no balcão ornamentada de laços de fita, preparadas para alguém. O segundo andar era um loft com uma outra área de lazer e apenas um cômodo visível, presumidamente a suíte principal.
"Sejam bem-vindos, senhores Kim." Sua língua enrolou no japonês, revelando um sotaque russo mais do que adorável. Ouvindo um chamar pelo seu nome de trás da casa, mexeu a cabeça rapidamente, formando ondas de fios vermelhos voluptuosos.
"Éden! Eu disse que os atenderia!"
Uma voz encorpada, porém ainda gentil, soou por detrás da parede onde os irmãos não conseguiam enxergar. Apesar disso, o sorriso estampado no rosto de Minseok deixou óbvio que se tratava do anfitrião. Junmyeon ajeitou seu sobretudo acolchoado, e coçou a garganta.
"É um prazer revê-la, senhorita Éden." Min gracejou, segurando a mão dela e a dando um leve selar. Éden riu com seus olhos azuis claros, confiante. Jun jamais havia visto interações entre seu irmão e uma mulher que parecessem tão íntimas. Era surpreendente que existisse um lado dele que não conhecia. "Espero que Yixing não esteja dando muito trabalho. Ele pode ser bem excêntrico."
"Sabe que não posso ser honesta quanto a isso." Disse rapidamente, aproveitando enquanto ainda não era enxotada pelo seu patrão.
Um barulho de porta abrindo foi ouvido da esquerda, então Éden afastou-se, abrindo espaço para um homem com uma figura musculosa e mais alta. Ele usava de trajes leves, uma camisa de seda e calças pretas, mas ainda bem vestido. O ar quente que emanava de dentro da casa era muito reconfortante para Junmyeon, depois de ter experienciado o frio intenso lá fora. Mesmo seus pés descalços eram brancos e corados de frio, assim como o resto do corpo grandioso. Jun encarou seus olhos, esperando as apresentações.
Escuros, e mesmo assim, fáceis de ler. Um brilho forte no formato do rosto dos dois em sua frente os contornava perfeitamente. Felicidade, alegria, disposição e jovialidade eram perceptíveis apesar de seus cabelos castanhos claros com grisalho despontando na raiz. Íris como buracos negro, com uma luz bem no fundo. Consumiam tudo ao redor. Não conseguiu manter o contato visual por muito tempo.
Junmyeon nunca achou Minseok tão útil do que quando quebrou perfeitamente a atenção da troca intensa de encaradas antes que se tornasse desconfortável.
"Já faz tanto tempo que achei que tinha sido substituído por uma inteligência artificial ótima em responder e-mails." Estendeu a mão para ele, e assim que as apertaram, o puxou em um abraço apertado. O linho desleixou-se ainda mais contra seus músculos.
"Você não é tão sortudo." Mostrou um sorriso largo, perfeitamente branco, em harmonia com sua pele. O canto de seus olhos alcançaram um Junmyeon encolhido. "Por que não entram?"
Assim fizeram. Min segurou o antebraço de seu irmão, o guiando com o que achava ser leveza. Todos os móveis pareciam grandes demais. Voltando-se para a parede da cozinha que foram incapaz de ver anteriormente, puderam enfim avistar no que Yixing estava trabalhando. De forma desleixada, bandeirinhas coloridas com a frase "Bem-Vindo À Sua Nova Casa" em japonês — um caractere fora do lugar — estavam coladas com fitas nas colunas de tijolo preto, acima da cesta de frutas.
Era possível ver que tinham sido colocada às pressas, porque um dos cantos estava prestes a descolar, e o outro completamente torto. Minseok não conseguiu controlar seu gargalhar alto, que quase ecoou na mansão xadrez.
"Ah, Yixing. Você não muda. Não, não muda mesmo. Quando irá amadurecer, seu desgraçado genial." Passou o braço ao redor do pescoço dele, o puxando para perto. As tatuagens agressivas nubladas por pelos de Minseok faziam um belo contraste contra pele delicada. "Finalmente, apresentarei meu irmão de forma adequada. Vamos lá, Junmy. Não o deixe esperando. O tempo dele é dinheiro, você sabia?"
Junmyeon percebeu que era finalmente sua deixa para tornar sua presença notável. Ajeitou a postura, e deu um passo adiante, estendendo a mão para Yixing com o braço em um ângulo perfeitamente reto. Rosto belo feito o de um príncipe, e roupas impecáveis. Parecia um ator recém saído da filmagem. Magnífico de olhar, surrealisticamente distante. Até mesmo os traços esverdeados em seus olhos castanhos brilhavam feito jades raras o suficiente para serem possuídas por qualquer quantia de dinheiro.
Com apenas um olhar, Junmyeon havia tornado Yixing louco por sua beleza estonteante.
"Me chamo Junmyeon Kim. Tenho vinte e cinco anos, e sou o irmão mais novo de Minseok. Ouvi muito sobre o senhor, senhor Zhang." O alvo de seu pequeno discurso sorriu de canto. Enfim pôde ouvir a voz dele. Era tão bonita quanto sua aparência. Leve e baixa, nunca corrida ou lenta demais. Nunca imperfeita. "A mansão é magnífica, se me permite dizer."
"Permissão concedida." Se desvencilhou de Minseok depressa assim que recebeu a oportunidade de tocá-lo. E sutilmente o fez, tomando sua mão pelas unhas primeiro, com delicadeza. Era como encostar em uma exposição no museu: proibido, incontrolável.
Junmyeon encolheu sua mão quando o percebeu admirá-lo por tempo demais. Lá estava o olhar penetrante mais uma vez. Seus pensamentos eram tão claros que pareciam gritar. Um olhar que ele estava mais do que acostumado, e aprendeu a ignorar.
"Minseok, eu disse para não me apresentar sob meu nome real. Bem, acho que não tem jeito, afinal você é família." O jeito que tentava demais parecer gentil, o jeito que seu sorriso erguia-se para cima, e o jeito que seus olhos fascinados eram as únicas coisas que não conseguia disfarçar, tudo isso fez Junmyeon arrepiar e olhar de canto para seu irmão, claramente alheio, preso em sua felicidade. "Sou Viktor Volk, quarenta anos. Espero que não se importe em estar sob meus cuidados pelos próximos três meses."
"Mesmo que de fato esta seja a situação, por favor, não confie muito nele. Na verdade, não confie sequer um pouco." Minseok interviu, e trocou risos com Éden, já dirigindo-se ao balcão para pegar uma garrafa pela metade de vodka. A funcionária o seguiu, a fim de buscar copos no armário para servi-lo. "Ah, Yixing, você começou antes de chegarmos?"
Junmyeon não demonstrou nenhuma expressão, como sempre, mas suas palavras foram o suficiente para constatar a dúvida.
"Perdoe-me se estou enganado, e provavelmente estou, porém se o senhor Volk" corrigiu sua fala anterior "de fato for de pouca confiança, então por que é o escolhido para minha tutoria?"
Os três outros se entreolharam com um segredo compartilhado dançando em seus semblantes. Yixing soltou um riso condescendente, e Éden retornou à sala, dando copos a cada e servindo da bebida até a metade. O azul de seus olhos lembravam o céu cristalino refletindo a neve que avistaram assim que pousaram na Rússia. Por um instante de silêncio, escolheram quem seria aquele a contar a verdade.
"Não percebeu, querido?" Yixing o contornou por trás, dirigindo todos para a sala de convivência logo à direita, além do balcão da cozinha estilo americano. Sua voz soou em apenas um ouvido de Junmyeon. "Por fora, o Byélêy parece apenas um complexo de apartamentos, certo? Você não diria, um disfarce muito bem posto? Escapamos de olhos atentos, mesmos os seus."
Vendo que Jun prosseguiu em silêncio, Minseok sentou-se na maior poltrona, e cruzou as pernas, virando a vodka. Não era capaz de ler Junmyeon, tanto quanto qualquer um, mas captou a ausência de compreensão naquele calar.
"De fato, você fez um bom trabalho, Yixing. Junmy não é tolo. Nunca tive problemas para criá-lo, por ser tão inteligente." Éden o serviu mais vodka, com a qual brincou, girando no fundo do copo. Antes de prosseguir, apoiou os braços nos descansos da poltrona. "Tenho certeza que irá descobrir mais com o passar do tempo, no entanto, este prédio inteiro é uma fortaleza pessoal vigiada vinte e quatro horas por dia, projetada por meu caro amigo. Os funcionários, da governanta ao mero recepcionista, todos possuem o mais recente treinamento militar da agência secreta russa."
Junmyeon se permitiu apenas um leve levantar de sobrancelha e uma olhada ao redor. Seus olhos caíram em cima da ruiva. Ela também possuía um treinamento tão severo? Sua estatura corporal não parecia um grande indicativo aos olhos. Quanto ao resto do prédio, era presumível que algumas coisas parecessem fora do lugar, porém apenas do ponto de vista de alguém que estava intencionalmente lá em função de sua desconfiança. Em uma situação de visita cotidiana, Byélêy não passava de um hotel. Luxuoso fora do limite do bom senso, mas comum.
Mesmo a escolha de vizinhança, um bairro rico próximo ao leste de Moscou, encaixava perfeitamente no disfarce, por mais que comprometesse em partes a segurança. Mas de novo, sem qualquer desconfiança prévia, não era esperado que Yixing tivesse problemas.
Um detalhe, porém, ainda o intrigava.
"Impressionante, senhor Volk, e estou honrado pela humilde hospitalidade. Ainda assim, tal arranjo é mesmo necessário?" Conseguiu, com sucesso, captar a atenção dos outros três, por mais que Éden tentasse fingir não prestar atenção na conversa, como cortesia. "Em outras situações como estas, quando Minseok viajou a negócios, fiquei apenas em hotéis comuns, com alguma porção de guardas. As circunstâncias são diferentes agora?"
Yixing sentou-se no sofá mais distante, e fez um gesto para que Jun pudesse acomodar-se na poltrona próxima a Minseok. Sua funcionária o seguiu, em prontidão, ao seu lado direito. Com apenas gestos corporais, deixava claro que aquele assunto já estava fora de sua jurisdição, e era uma questão entre irmãos. Min inclinou-se em direção a Junmyeon, e suspirou, fechando seus olhos por alguns segundos.
Os do outro, no entanto, permaneciam abertos e bem atentos. Sua postura era tão ereta e perfeita que parecia um boneco de porcelana. Yixing aproveitava da distância para poder observar sua figura esguia por inteiro, e toda a complexidade que vinha com ela. Pele tão branca e macia quanto neve, olhos redondos no centro e puxados nos cantos, nariz apontando para o céu. Virou sua vodka, tampando a metade de seu rosto com o copo, e logo estendeu-o em direção à Éden, em um pedido silencioso por mais. Podia admitir, estava obcecado em entender de onde vinha esta atitude quase robótica e fria, gélida. Nada o abalava.
Yixing era acostumado a persuadir pessoas, e fazia isso como sua profissão principal. Convencer, enganar e entregar sorrisos falsos para manipular aqueles abaixo dele e abrir seu caminho até o topo da cadeia alimentar. Seu talento especial em subir a hierarquia da máfia rapidamente o permitiu chegar onde chegou e ter tudo que sempre quis. Porém, antes de se conquistar algo, é necessário reconhecer seu desejo por tal coisa. Viktor Volk nunca falhava em reconhecer e conquistar.
E lá, na poltrona do outro lado da sala, tinha alguém que foi reconhecido, e valia a pena ser conquistado.
Minseok finalmente recompôs seu jeito ríspido e quase militar de conduta.
"Esta viagem não é como as outras, Junmy. Os negócios não seguem bem na filial sueca, e o Pai está com problemas."
O mais novo calculou em sua mente as informações como um computador bem programado. "Pai", ou o patrão de Minseok, um bilionário japonês que se mudou para a Suécia em busca de fuga dos impostos sobre sua fortuna. Dono de companhias de extração ilegal de minérios, e, secretamente, um dos grandes financiadores da Yakuza, cargo alto. Nenhum laço sanguíneo real, apenas costumes tradicionais dessa linha de trabalho. A indubitável mente e memória de Jun foi uma peça fundamental para as operações do irmão, no começo.
"O governo sueco abriu uma investigação em algumas de suas companhias, mas ainda podemos salvar outras. Como advogado chefe do Pai, preciso lidar com a situação pessoalmente."
"E, apesar de estar na corda bamba, o orgulho de seu irmãozão impede que eu possa ajudá-lo com suas... pendências." Yixing interviu, dava para ver como estava claramente incomodado com os problemas de seu melhor amigo, pelo jeito que sua voz era nublada dentro do copo vazio.
Mas Minseok não irritou-se como esperado com a provocação. Qualquer outro momento, e já estariam brigando com retruques rapidamente elaborados; Yixing com sua voz cordial e gentil, Minseok com elevações inconscientes de voz e expressões raivosas. Por outro lado, levantou, e seguiu até Yixing, surpreendendo-o. Então, estendeu a mão humildemente.
"Meu amigo, está protegendo a única coisa que importa para mim, enquanto não posso fazê-lo. Não sei como reagiria se usassem de Junmy para tirar informações, ou vingança." Ao apertar a mão dele, virou a cabeça para seu irmão, e sorriu, envergonhado. "Pessoas como nós não possuem o luxo de ter famílias. Você sabe disto, Yixing, pois segue a risca. Quanto a mim, fui egoísta o bastante para escolher este jogo, e o forçá-lo a jogar comigo. Agora, só o que posso fazer é confiar em você."
Junmyeon sabia o que isso significava. Seu irmão podia voltar gravemente ferido. Ou simplesmente não voltar. Estava entregando a própria vida ao patrão, e a vida dele para Yixing. Era tão difícil compreender o que estava sentindo. Naturalmente, já tinha dificuldade com emoções, então escolhia apenas privar-se delas. Mas agora, sentiu seu peito esmagado.
Mesmo assim, não fez mais do que concordar com a cabeça, e beber um gole da vodka, apertando com força a mandíbula até os dentes doerem. Confiaria em seu irmão, por tudo o que fez, por tê-lo criado, por ter entrado na máfia como último recurso de proporciona-lo uma vida onde não precisassem dormir de barriga vazia, ou escolher quem faria a única refeição daquele dia. Seu maior agradecimento era permanecer vivo.
Éden tinha os olhos marejados, relembrando ainda mais um mar, agora agitado por trovões empáticos. Já Yixing fechou os olhos, com um sorriso sereno. Parecia tão pacífico, como se estivesse recebido uma boa notícia, mas sua falsidade era tão clara quanto uma máscara de água. E então finalmente os abriu, concordando com um resmungo para as palavras sentimentais de seu amigo.
Estendeu o copo, esperando por um brinde.
"Hm. E ainda diz que não confia em mim, não é mesmo?"
Minseok já tinha ido embora para comparecer em seu vôo, depois de algumas horas de colocar a conversa em dia e bebericar vodka na sala de estar. Yixing mostrava a casa ao seu novo hóspede, enquanto explicava para que usava cada cômodo. Junmyeon sentia-se cansado, porém revigorado em ver tanta arquitetura bela e de bom gosto. O apartamento era artístico, mas ainda discreto, com seu quê de elegância único. Lustres de cristais brilhavam como pequenos diamantes no céu, imitando as estrelas, e cheiro doce de citronela incrementava a ambientação. Muito semelhante ao próprio cheiro de Yixing, que usava de um perfume característico suave, como um segredo que só podia ser descoberto ao chegar mais perto.
Todos os pisos, exceto os do banheiro, eram porcelanato preto, e diversas plantas de baixa luz espalhavam-se por prateleiras e vasos de argila. Por toda a falta de cor dos móveis, paisagens aquarela de campos e arte barroca legítima compensavam a ausência de vida. Emolduradas, protegidas por vidros grossos e lustrados, algumas até mesmo com descrições informando o nome do autor: Yixing era um verdadeiro colecionador.
No loft, segundo andar, grandes janelas de vidro revelavam a noite de céu escuro e rua branca de Moscou, iluminada por luzes amarelas, vagalumes em meio a neve. Jun apoiou sua mão no vidro e olhou para fora. Podia ser tarde da noite, quase madrugada. Yi estava atrás dele no reflexo, com as mãos no bolso e parte do peitoral exposto pelos botões soltos. Tão vidrado quanto na vista fenomenal. Não parecia acostumado.
Ao chegarem em uma larga porta de madeira, Yixing a deslizou e abriu espaço para que Jun fosse o primeiro a entrar, revelando o quarto principal. Cabideiros de ternos nos cantos, e uma enorme cama branca no meio, parcialmente tampada por cortinas de cetim pretas. Atrás de portas abertas, um closet, banheiro e varanda combinavam com a delicadeza estonteante da decoração e limpeza. Até mesmo os lençóis, meticulosamente passados. Éden com certeza fazia um bom trabalho.
Ao lado de um espelho, emoldurado com detalhes de ouro, o quadro de um garoto adolescente aguardando na janela com uma expressão solitária segurava-se alto o bastante para Jun precisar erguer seu pescoço ao vislumbrar. Yixing sorriu de canto. O jovem era tão silencioso e sem expressões, mas por isso, tornava-se fácil perceber quando gostava de algo, justamente por deixar escapar pequenos momentos de apreciação.
Seus olhos brilhavam com as cores quentes da tinta antiga. Diferente dos outros, este quadro era o único do quarto, era especial. Era o que Yixing desejava ver assim que se levantava pela manhã, antes de qualquer outra coisa. Junmyeon engoliu a saliva, e considerou por alguns segundos, até finalmente falar. Se de fato resolvesse morar com ele, então poderia comunicar de forma livre, também.
"Parece especial. Pode me falar sobre, senhor Volk?" Cruzou seus braços, em uma tentativa de protegê-lo de interações. "Deve estar solitário aqui, afastado dos outros quadros."
Ele riu em resposta. Seu gargalhar era doce, gentil. Poderia até perdoá-lo por zombar de sua tentativa em contar piadas. O que pensava era, então Junmyeon tinha um lado adorável consigo.
"Você abriu meus olhos, abriu mesmo. Estou sendo um dono cruel, eu suponho. Mas você não acha que mereça isso, Junmyeon?" Recebeu um olhar confuso. "Esta pintura aqui não está nem perto do nível profissional das outras. Ficaria envergonhada de ver suas formosíssimas amigas, e que tipo de vida miserável estaria a condenando?"
Jun deu à obra outro olhar crítico. Não era nada feia. As pinceladas pareciam ágeis e rápidas, mas cuidadosas, calculadas. E cada detalhe, da camisa branca com fios mal aparados, às manchas de sujeira nas paredes, tudo culminava-se em um cenário profundo e precioso. A expressão meio iluminada pelo sol da tarde do garoto pensativo parecia perfeitamente como a de Junmyeon. Vazia, sem dor e sem felicidade. Sem tristeza, sem ânimo. Como um véu.
"Eu, por vez, discordo. Ela é..." engoliu o bolo que formou em sua garganta "linda." Recompôs a postura e desviou seus olhos. "Mesmo que não fosse, se ela não atende seus conceitos estéticos, já a condenou. Por que obtê-la, e destiná-la a uma vida onde jamais será verdadeiramente apreciada?"
Yixing levantou uma sobrancelha. Quando comunicava-se, Jun era um homem de opiniões fortes.
"Está correto. Eu também a acho linda, mas entenda. Qual o mais importante de uma obra de arte? Pode me dizer o que é, querido?" Trocando olhares com Junmyeon, sua voz ficou ainda mais doce, no momento que sentiu os dele finalmente alcançarem os seus. "Independente de quão bem seja a técnica, ou a composição de elementos, o que pode sentir ao olhar para esta pintura?"
Ambos a encararam mais uma vez. O mais novo avidamente percorria o perímetro da imagem, em busca da sensação dentro de seu peito, no fundo só querendo fazer justiça por um mero objeto inanimado, que sequer poderia agradecer. Mas, depois de um minuto, sentiu-se vencido. Não tinha a resposta para a pergunta, porque só o que podia olhar era um garoto, e uma janela velha. Virou-se para Yixing, em busca de respostas, o permitindo adentrar sua mente.
"Veja. Esta é a resposta correta, querido. Esta pintura é linda, certamente, mas não passa disso. O sentimento não está aí. Uma casca bela para um conteúdo oco."
"Então por que mantê-la em seu quarto? Em um local de tanto prestígio?"
Junmyeon apenas pensou sobre o quanto Yixing queria torturar o quadro. Espremer até toda a tinta pingar para a fora, forçar a arte inanimada a sentir dor, para então finalmente adquirir vida. Em sua existência indulgente e artificial de tinta, estaria completa, ao mesmo tempo que sem boca para gritar. Era miserável, e cruel.
Por outro lado, ele tinha uma visão diferente.
"Porque arte pode ser simples. Viu quão rapidamente chegamos a um acordo?" Preparou-se para deixar o cômodo, e continuar o tour, abrindo a porta mais uma vez. "Apenas de olhá-la, pudemos sentir o mesmo por alguns segundos, não importa se este 'mesmo' seja a ausência de alguma coisa, e o desapontamento. É medíocre, e é maravilhoso. Como a vida."
Jun sentiu-se culpado por ter um julgamento precoce tão negativo, pela primeira vez. Na simplicidade da pintura, Yixing não buscou por críticas, mas a tentativa de salvar sua genuinidade. Parece que ele era bem mais surpreendente do que aparentava. Estava, apenas um pouquinho, curioso para descobrir mais sobre sua vida. Quem sabe no processo, entendesse todo o amor de seu irmão.
Apesar, toda a tentativa de um comportamento dissimuladamente interessante oferecida por Yi não passava batido de sua acidez condescendente, e um pouco provocativa. Adorava ver pessoas confiante como ele embolarem-se em suas convicções forjadas. Ainda mais porque o rosto inocente e frio de Jun não expunha nem parte do que formulava sua mente rápida. Era honesto, e sincero, quando dispunha-se a abrir a boca.
"Com todo respeito... o que me parece é que ela lhe rende bastante tópico para conversas com visitantes íntimos, senhor Volk."
Yixing engasgou por um segundo. E então, explodiu em risadas, com olhos arregalados.
"Por Deus! Então você tem um senso de humor! E mais, um idêntico ao de Minseok! Dizem que penas de um mesmo pássaro, de fato, possuem apenas diferentes arranjos de idênticas colorações. Já ouviu isso antes, querido?"
Ele não esperou por uma resposta. Fez um gesto para que Jun deixasse o quarto, o que seguiu imediatamente, a fim de continuarem o tour pela propriedade magnífica.
Visitaram pouquíssimos lugares após isso. A sala de televisão, que contava com um bar embutido extenso de madeira, e iluminado por luzes led. Quarto de Éden, onde apenas admiraram a porta, para não invadir a privacidade de uma senhorita que já estava há muito na cama. O sussurrar da voz cortês de Yixing ao chegar naquela parte da casa arrepiou a nuca de Junmyeon, mas ele escolheu ignorar. Voltando para o outro lado da casa, passaram por alguns cômodos inexplorados no caminho, porém o anfitrião apenas o levou para uma porta um pouco afastada, logo abaixo do dormitório dele, e destrancou a porta com uma chave que tirou do bolso da calça.
O quarto de hóspedes brilhava de tão limpo, com uma cama queen size azul escura e cortinas de seda brancas. Um grande armário de madeira de cerejeira estava vazio, pronto para receber visitas. Bem no meio do quarto, sobre uma poltrona para leitura, um lustre de cristal tilintava pequeno com um som relaxante. Aventurando-se pelo cômodo, Jun olhou de perto o banheiro com diversas toalhas a sua disposição, e uma banheira adornado com quartzos rosa legítimos. Em silêncio este tempo todo, apenas admirou seu novo lar.
"Parece ter gostado, querido. Solicitei que Éden arrumasse este quarto de forma digna para um homem jovem de alta classe. Não sou qualificado para julgar estilos atuais." Yixing encostou-se no batente da porta, o dando o respeito de não entrar em seu quarto, assim como fez mais cedo com a funcionária. "Se algo não for de seu agrado, apenas me diga. Irei pedir para que façam as modificações de acordo."
Junmyeon virou seu rosto para ele. Tinha as mãos nos bolsos, e os músculos levemente torneados por sustentar o peso com o ombro. Radiante, mesmo com sono. O mais novo concordou com a cabeça, tímido por tanto carinho que ele havia investido em fazê-lo sentir cuidado.
"É muito além do que estou acostumado, senhor Volk. Obrigado."
"Estou ciente de suas condições de nascença. Mas como um novo rico, por favor, aceite todas as regalias de uma vida luxuosa."
Isso levantou algumas questões contundentes na mente de ambos.
"O quanto já sabe sobre mim?"
Yixing apenas piscou para ele. Junmyeon reconsiderou se sua pergunta foi direta demais, ou se não usou o tom certo para parecer educado. Mas ele não parecia ofendido.
"Hm. Sobre sua história, talvez um pouco. Sobre você, querido, eu não sei absolutamente nada." Soou sincero, e seus olhos sorriram. "Então espero que seja gentil o suficiente para me contar. Quando quiser."
Jun assentiu com um resmungo. Voltou-se ao chão, e às paredes, ao teto, fugindo dos olhos penetrantes de Yixing. Suas encaradas intensas faziam a pele queimar em nervosismo. Ele o olhava de cima a baixo, curioso, esperando a fração de segundos onde a postura perfeita iria ruir e revelar uma fraqueza. Era ameaçador, e muito perigoso. Um contraste intenso com seu cavalheirismo exemplar.
"Tenha uma boa noite, senhor Volk." Jun sussurrou, e coçou a garganta, por não ter soado confiante o bastante. Finalmente levou seu olhar a Yixing, que tinha um sorriso satisfeito. Nunca foi tão difícil manter a expressão fria que criou. Por que sentia-se assim?
Yi deu um passo à frente, ameaçando ir de encontro com ele, mas logo recuou ao considerar mais uma vez. Coçou a nuca, e deixou o quarto, olhando por uma última vez sobre seus ombros.
"Boa noite, querido."
E sumiu na escuridão do resto da casa, o deixando sozinho.
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