turning saints into the sea
— Você ainda quer ir? — Kit perguntou, apenas para ter certeza.
— Nem mesmo você quer ir — Jamie comentou, frisando a indicação do irmão.
— E estou deixando isso claro — ele olhou para cima, quando uma das mulheres que o ajudava a se arrumar pediu que o fizesse. Ela então ajeitou a maquiagem no rosto do garoto, e acertou o que precisava ser acertado.
Uma outra garota, que cuidava do cabelo de Jamie, finalizou o penteado simples da mais nova, com os cabelos escuros caindo pelos ombros, e acenou positivamente deixando claro que ela parecia já pronta.
E aí tudo pareceu um pouco mais real. Com isso... Bem, Jamie não se sentia tão nervosa havia muito tempo.
Ainda que tentasse não transparecer, era nítido. Então qualquer um poderia perceber. Ela tinha um problema sério em se mostrar sociável em ambientes lotados. Muita gente em um só espaço a deixava em um estado constante de alerta.
Interações sociais a causavam uma ansiedade que beirava o irracional. Era apenas um medo excessivo em situações como a que estava prestes a se enfiar. O que era estranho, ela admitia. Fazendo o que fazia a expectativa era a de que fosse a garota mais desprendida do mundo. Especialmente porque seus papéis passavam isso. Eram sempre leves e engraçados, e mesmo os que exigiam muito dela, a colocavam em situações em que suas personagens se mostravam confiantes.
Crescendo, ela não tinha tantos amigos. Passava os dias na companhia do irmão mais velho. Então encontrou o teatro, e começou a o frequentar junto de Kit. Ele tinha a empurrado para isso. Dizia que ela precisava de algo que a tirasse do pequeno mundo em que tinha se enfiado, e Jamie odiou... Odiou até que não odiou mais tanto assim.
Os dois nasceram em Acton, Londres. Kit, ou Christopher, como ela o chamava - e ele odiava, todas as vezes, sem exceção - era o irmão do meio. John era o mais velho, e certamente agia como tal. Era sempre o mais responsável entre os três, mas também o que melhor se comunicava, o que chegava em qualquer ambiente e o iluminava por completo.
Eles eram filhos de uma ex-dramaturga, Deborah, então o teatro não foi surpresa alguma. David Richard Harington, o pai, um empresário, trabalhava na cidade de Londres, a área financeira de Londres, onde ficavam a Bolsa de Valores e o Banco da Inglaterra. John, o filho mais velho, cresceu para seguir os passos do pai.
Bem diferente dos irmãos.
Jamie e Kit tinham seis anos de diferença, entre a idade de um e do outro. John era oito anos mais velho que a irmã, e dois anos mais velho que o irmão. Os três estudaram na Southfield Primary School, até que se mudaram para Worcestershire, então passaram a frequentar a Chantry High School em Martley. Mas não ficaram por muito tempo no condado. Quando Kit finalizou seus estudos, a família voltou para Londres, para uma casa no norte da cidade. Por isso Jamie precisou terminar sua educação na City of London School.
E foi um tempo estranho, mas ela se lembrava com carinho.
Ela teve aulas de violão por um breve período e fez parte da banda da escola chamada "Anger Management", quando tinha treze anos. Mais tarde, se aventurou nos esportes e decidiu que iria jogar futebol e rúgbi na escola, mas isso foi um breve momento. Ela era péssima em ambos. Levou mais tombos do que marcou gols e tries, e um dia apenas decidiu deixar os times. Sua mãe deu graças a todos os deuses possíveis quando isso aconteceu - e ela nem acreditava neles.
Ainda criança, Jamie se interessou por teatro, mas se interessou por teatro quando Kit se interessou por teatro, porque eles faziam quase tudo juntos. E isso aconteceu para Kit depois de assistir a uma produção de Waiting for Godot, quando tinha quatorze anos. O garoto quis então frequentar o Worcester Sixth Form College, e arrastou a irmã consigo. Não foi de imediato, mas logo ela pegou o gosto. Lá estudaram Drama e Estudos Teatrais. No tempo que Jamie terminou o colegial, eles já tinham voltado para Londres e Kit estava em cartaz com sua primeira peça em West End, uma produção de Cavalo de Guerra. Ela se lembrava bem, tinha ido o assistir, e ficou tão orgulhosa que falou da estreia para todo mundo que conhecia por uma semana inteira.
Nessa época, Jamie se tornou membro do National Youth Theatre. Ficou por um ano ou menos, e saiu quando foi cursar o Bacharelado em Literatura Inglesa e Drama na Universidade de Bristol. Ela atuou em duas produções estudantis no Festival Fringe de Edimburgo, e se formou em 2012 na Universidade de Bristol. Depois se inscreveu em quatro escolas de teatro, mas foi rejeitada por todas, e esse foi um tempo ruim. Foi inevitável não se sentir péssima, ela pensou que talvez devesse deixar aquilo de lado, até que recebeu a carta de admissão da Royal Central School of Speech & Drama, uma das mais importantes escolas de drama da Inglaterra. Jamie concluiu um bacharelado em atuação no lugar, e durante o terceiro ano do curso, assinou contrato com um agente que a encontrou em uma vitrine de alunos.
Foi aleatório, e ele poderia ter escolhido qualquer um, mas escolheu ela.
Charlie Donovan. Era esse o nome de seu agente. Um cara alto, de cabelos escuros e olhos de mesma cor, na casa dos seus trinta anos. Tinha muita bagagem, mas procurava uma pessoa nova e promissora, e Jamie era isso.
Ela ainda era nova na indústria, estava com Charlie há quase dois anos e ele havia a conseguido bons papéis, alguns consideravelmente grandes em produções da BBC. Mas a emissora, apesar do tamanho, era local, e os filmes televisivos, além das séries, dificilmente saíam daquele eixo do Reino Unido. Tinham casos como Doctor Who, claro, mas Jamie não tinha sido sortuda o bastante para conseguir um papel na série - ainda que tivesse tentado.
O que não era o caso de "Uma Beleza Fantástica". Charlie a conseguiu um teste, e em um processo que durou quatro semanas, ela foi escalada no papel principal. Isso tinha acontecido no ano anterior, e o lançamento do filme se aproximava. O primeiro que ela participava que teria um lançamento mundial.
Então ali estava ela, prestes a ir em seu primeiro Met Gala. Não porque queria, mas porque segundo Charlie, Lizzie - sua publicista - e mesmo o estúdio pelo qual "Uma Beleza Fantástica" seria lançado, achava que seria um card bom para sua imagem.
Seu irmão havia sido convidado pela Burberry, com quem fez duas propagandas um ano antes, e estendeu o convite para a irmã. As coisas pareciam apenas terem se encaixado.
Ninguém sabia bem quem ela era, e a ideia do estúdio era que descobrissem.
Kit permaneceu no mesmo canto do quarto terminando de se arrumar. A mesma mulher de antes ainda ajeitava seu cabelo, mas outra se focava em finalizar os detalhes do terno em tom de azul escuro que o homem usava. Ele encarou o próprio reflexo no espelho de frente para si, mexeu em seus dedos, ajeitando os anéis de prata que carregava, então olhou para o lado, apenas para ter visão de sua irmã, agora sentada na cama, com todo o cuidado do mundo para não amassar a própria roupa.
— Você precisa se acalmar — ele comentou quando as duas mulheres que estavam o ajudando se afastaram — Obrigado — o homem agradeceu, e ajeitou sua gravata, apenas para se certificar.
— Eu estou bem calma se for ser honesta — Jamie falou, e de modo algum mentiu. Ela tinha tido momentos piores que aquele.
— Não me parece — ele sorriu sem mostrar os dentes — Estamos na mesma, você sabe.
— Oh, é — ela concordou — Porque somos os dois que odeiam espaços assim.
— E somos os dois que acabaram como atores — Kit lembrou — Alguma coisa deu errado nesse meio — ele brincou — John deveria estar aqui.
— Ele é nosso extrovertido — Jamie assumiu, no mesmo tom leve de brincadeira — Eu o odeio!
— Uma reunião, ele nos deu um bolo por uma reunião — Kit revirou os olhos — Ele tem tipo umas cinquenta dessas no ano.
— Nós deveríamos apenas tirar essas roupas e andar até um Nando's mais próximo.
— Estamos literalmente nos Estados Unidos, mate. Eles não tem Nando's.
— E é por isso que eu odeio esse país — Jamie falou — Agora eu me lembrei.
Kit riu de leve e tomou espaço, voltando a se olhar no espelho. Tudo parecia certo. Ele encarou o relógio que usava, então encarou a irmã.
— Então... Vamos? — o mais velho perguntou.
E em um tom incerto, Jamie respondeu.
— É, acho que vamos.
(...)
— Estamos descendo — Jamie ouviu Lizzie comentar com Howard, o publicista de Kit. Ela o olhou, vendo que ele falava com alguém pelo celular, enquanto dividia a atenção entre aquilo e sua breve conversa com Lizzie.
O olhar de Jamie caiu na direção do vidro do carro e ela reparou em como estavam parando já em frente ao Metropolitan, na entrada do que era o Red Carpet do baile. Com uma fila não tão pequena saindo do enorme estande montado.
Jamie olhou para o irmão e o viu ajeitar a própria roupa uma última vez. No tempo que o carro parou de vez, um dos seguranças dele abriu a porta para que os dois irmãos saíssem; ela foi a primeira a fazer isso.
Kit a seguiu de perto, deixou o carro e juntos eles caminharam até a fila que os levaria ao Red Carpet. Quando Jamie o atravessou foi incômodo do início ao fim. As luzes eram tão fortes que por um momento ela achou que não conseguiria aguentar mais do que um minuto daquilo. Tudo que sabiam gritar era o nome de Kit e de seu personagem de maior sucesso. Eles ouviram "Jon Snow" por todo o caminho, com repórteres em uma insistência ruim querendo entrevistas com os irmãos, ou com Kit. Era ele quem chamava atenção, era ele quem estava no horário mais cobiçado dos domingos da HBO, Jamie não iria mentir.
Eventualmente o tapete vermelho chegou ao fim, e não apenas Jamie agradeceu silenciosamente. Kit também o fez. Apenas felizes de que tinham passado pela primeira parte de uma noite que nem queriam estar tendo.
— Tudo certo com você? — o mais velho perguntou assim que ele e a irmã começaram a caminhar em direção a mesa reservada para os dois — Porque eu tenho a sensação de que meu rosto está mais vermelho que o normal.
— Eu estou melhor que você — Jamie disse, e riu de leve, Não era mentira. Ela realmente estava.
— E isso nem tem sentido — Kit revirou os olhos — Porque eles ficaram gritando para mim?
— Seis anos nisso e você ainda não sabe? — ela perguntou, e o encarou quando fez isso.
Então eles reviraram os olhos, juntos, e Kit disse, acompanhando a irmã, com a voz somada a dela.
— Porque eu sou o Jon Snow — ele se segurou para não revirar os olhos mais uma vez, cansado da atenção.
— Você realmente é — ela concordou, e logo reparou em como haviam alcançado a mesa em que ficariam, reservada pela Burberry, sem mais tempo para a conversa entre ela e Kit. O mais velho puxou a cadeira para a irmã se sentar e tomou o espaço ao lado dela.
Blake Lively e Jared Leto estavam ali, ocupando a mesma mesa, mas o restante das pessoas Jamie apenas não conhecia, pelo menos não de nome. A maioria tinha se acomodado havia pouco tempo e estavam se cumprimentando no momento que os irmãos se sentaram.
Ninguém parecia se conhecer além de notícias, dos filmes ou das propagandas que tinham feito, mas todos eram solícitos. Logo Kit estava mergulhando em uma conversa com Jared, e Jamie entrou em um assunto qualquer com Blake.
(...)
— Eu bebi demais — Kit comentou se apoiando na cadeira. Metade de um Martini permanecia intacto, porque ele tinha bebido uma parte, mas decidiu na metade que não conseguiria aguentar mais nada. E aí ele foi dançar, se enfiou no meio de gente que mal conhecia enquanto a voz da Rihanna em We Found Love tomava conta do lugar.
— Rose te ligou — Jamie avisou e estendeu para ele o celular que segurava.
— Eu preciso ir ao banheiro — ele disse— Vou aproveitar e ligar para ela. São quantas horas em Londres?
— Duas da manhã? — Jamie respondeu incerta — Ela provavelmente está acordada. Ela disse que queria falar com você antes de dormir.
— Ok, hm, você vai ficar bem? — ele perguntou apenas para ter certeza, como se Jamie não tivesse ficado bem sem a presença dele por alguns bons minutos.
— Eu estou ótima com meu Old Fashioned — ela levantou o copo que segurava, vendo o uísque já pela metade.
— Vejo você em alguns minutos — Kit disse, e Jamie o observou se afastar. Ela aproveitou o momento para se levantar e seguiu na direção do bar.
Por sorte não tinha tanta gente, então ela pediu o que queria sem demora. Outro Old Fashioned. O barman a alcançou o copo mediano com uísque dois dedos abaixo da boca, com bíter, açúcar triturado e uma rodela de laranja.
Jamie se virou para sair quando foi de encontro com alguém, e por muito pouco não derrubou a bebida que segurava. Ela deixou um "bloody hell" escapar e ouviu uma risadinha boba do outro lado. Foi quando levantou o rosto, apenas para ver a garota de cabelos platinados, cortados até um pouco acima dos ombros, em um dos vestidos mais chamativos que tinha visto naquela noite.
O vestido certamente era "muito"... mas muito fica bem nela, Jamie pensou.
— Eu sinto muito — a garota falou.
— Tudo bem — Jamie disse, como se não tivesse sido nada. Sua bebida ainda estava intacta, então tudo parecia certo.
— Seu sotaque... — ela falou, e foi impossível não reparar em seu tom arrastado de voz — É engraçado.
— Isso deveria ser um elogio? — Jamie sorriu gentilmente, sem chegar a mostrar os dentes.
— Acho que sim — ela riu — Você é de onde?
— Acho que meu sotaque entrega isso.
— Inglaterra, é claro — ela revirou os olhos mas manteve o sorriso no rosto — Algum lugar legal como... Liverpool? Beatles e todas aquelas coisas.
— Não, eu sou uma pessoa chata — Jamie brincou, então deu de ombros e continuou — Londres.
— É uma cidade incrível — ela se animou.
— É o que dizem — Jamie falou e a conversa que parecia estranhamente animada caiu em um silêncio, e isso deu espaço o suficiente para que ela reparasse em como parte dos olhares das pessoas no bar, nas mesas, na pista da dança estavam por sobre a garota na sua frente.
Estava escuro o bastante para o que aquele momento do met gala pedia, com mais da metade das pessoas na pista da dança, e ainda assim a impressão era a de que tinha um sinal enorme junto da garota.
Todos olhavam pra elas, e a loira parecia mal se importar. Talvez porque tinha se acostumado com aquilo, ou talvez porque estivesse alta demais para sequer reparar.
— Me desculpe, de novo... — ela disse então apontou para o copo de Jamie — Por quase ter derrubado sua bebida. Eu provavelmente deveria olhar melhor por onde ando.
— Eu ia te dar esse conselho agora mesmo — Jamie disse mantendo o sorriso gentil no rosto.
— Bem... — ela gesticulou, nervosa o suficiente — Eu preciso de pelo menos mais duas taças de vinho branco e acho que tomei sua atenção tempo o bastante.
Ela acenou, desviou o caminho e seguiu para o outro lado do bar. Jamie voltou para a mesa, se sentando exatamente onde estava, com a vista clara da pista de dança.
Ela apoiou os cotovelos na mesa e tomou um gole do Old Fashioned. Varreu o espaço por completo, seu olhar chegou a se perder um pouco nas próprias mãos e ela suspirou levemente antes de levantar a cabeça e focar na pista de dança. 'Crazy In Love' da Beyoncé tocava e a batida final da música embalava uma rodinha de dança no meio da pista. O olhar dela correu por todos ali mas se focou na garota do bar que dançava com o ator inglês que Jamie conhecia bem, envolta de algumas garotas que pareciam ser amigas.
Ela carregava um sorriso no rosto mas ele não era verdadeiro o suficiente para chegar até seus olhos, era quase uma expressão apagada, e isso era perturbador, porque seus olhos eram bonitos e vibrantes, e foi a primeira coisa que chamou a atenção de Jamie, mas também eram, igualmente, tristes.
Ela a olhou.
Por alguns segundos, ela a olhou porque não conseguia não fazer isso. Viu ela dançando com Tom, e se sentiu estranha.
— Tá tudo bem? — Kit perguntou assustando a irmã. Ele arrastou a cadeira ao lado dela e sentou-se.
— Sim, porque não estaria? — ela deu de ombros.
— Porque seu olhar parecia perdido — ele deu de ombros — Eu cheguei e você estava meio... Sei lá, voando.
— Eu só- — Jamie se interrompeu, sem saber ao certo o que dizer. Eu estava encarando uma garota que acabei de conhecer, isso soaria estranho o suficiente — Não sei... fiquei encarando o nada, absolutamente nada em específico.
— Oh, eu tenho esses momentos o tempo todo — Kit falou alheio — Bem, eu disse que ligaria para Rose quando chegasse no Hotel, para conversarmos melhor, então acho que já vou. A noite acaba aqui para mim.
— Hm... — ela bebeu sua bebida, a finalizando por completo — A noite acaba aqui para mim também. Eu interagi o suficiente por uma noite.
— Pronta para repetir isso no próximo ano? — Kit brincou.
— Você sabe que é a última vez que me vê aqui, né? — ela devolveu, e riu de leve quando fez isso.
Jamie e Kit deixaram o lugar sem tanta pressa. Foram embora por uma saída diferente, seguiram por todo o museu até a rua que o contornava. Kit queria evitar fotógrafos, ligou apressado para Jamie e disse onde estavam. Então o tempo passou, cinco ou seis minutos, e dois carros chegaram juntos.
A saída pela qual tinham passado se abriu, a porta bateu forte o suficiente para chamar atenção e Jamie desviou o olhar... Apenas para ver Taylor.
— Você de novo — a loira disse.
— Eu de novo — Jamie sorriu gentilmente.
— Taylor! — uma outra voz tomou o espaço, e o carro que havia chegado junto do que Kit e Jamie pegariam abaixou um dos vidros. Uma mulher de cabelos avermelhados acenou para loira que carregava os próprios saltos na mão — Nós temos que ir.
— Certo — ela disse, olhou para Jamie por um momento e sorriu com calma — Boa noite, e desculpa mais uma vez pelo drink que eu quase derrubei.
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