Capítulo 23
(Sarah)
— O que aconteceu?! — Pergunto assustada assim que saio do quarto da minha irmã, com o celular no ouvido. — Você sabe que horas são, Amanda?!
"Eu sei. Duas da manhã. Mas eu também sei que você não estava dormindo." Minha melhor amiga fala tranquilamente.
Olho para o relógio branco que há em uma das paredes do corredor e constato que são exatamente duas e sete da manhã. E eu realmente nem preguei os olhos.
Ontem — na verdade, antes de ontem, já que já estamos em um novo dia —, depois que o Ícaro me contou o que houve com a Safira, eu voltei para a sala de espera e tive que aguentar os soluços da minha mãe a cada segundo que passava. Ficamos um curto período de tempo lá, mas não demorou muito até que ele, Ítalo, Samantha e o Leonardo voltassem para o acampamento.
Então voltamos a ficar sozinhos: eu, meu pai e minha mãe.
Papai ficou o tempo inteiro grudado nela, abraçando, fazendo carinho, beijando e consolando-a, e naquele momento eu desejei profundamente que o Ícaro estivesse ao meu lado. Não pra me consolar, claro, porque eu estava bem. Mas porque ele é o meu melhor amigo, e melhores amigos estão juntos nos piores momentos, não é?!
Como eu não tinha nada para fazer, fiquei indo ao refeitório de 5 em 5 minutos para comer alguma coisa.
— É, eu não estava dormindo mesmo, mas tenho motivos justos. E você, o que está fazendo acordada? — Pergunto a ela em voz baixa enquanto ando lentamente pelo corredor.
"Eu preciso te contar uma coisa." Sussurra.
— Vai pra varanda, assim não precisará ficar sussurrando o tempo inteiro. - Digo.
"Tá, estou indo! Sah, sei que não é o momento adequado para eu falar disso, mas não aguentaria esperar até o fim do acampamento pra te dizer!" Começa, atiçando imediatamente minha curiosidade.
— Pois então conta logo! — Pressiono-a.
"O Kaynon tentou me beijar ontem. Quer dizer, antes de ontem, levando em consideração que já está de madrugada." Fala de uma vez, me fazendo arregalar os olhos e deixar a boca aberta por longos segundos, até que me recupero e engulo em seco.
— É o quê?! — Pasmo. Eu gritaria se não estivesse caminhando pelos corredores de um hospital de madrugada, onde todos estão dormindo. — Como assim, Amanda?!
"Foi no dia que o Ítalo voltou daí com o pessoal. Umas horas antes de ele chegar, eu e o Kaynon estávamos conversando no playground, então ele começou a contar uma história que a mãe dele já tinha namorado com o meu pai e..."
— A Lia já namorou com o tio Samuel?! — Corto-a. — O quê?! Isso é mentira, Amanda! Não pode ser verdade. Que loucura!
"Pois é, eu também me assustei, mas é verdade. Ele disse que leu em um dos diários dela" Conta.
— Diários?! Quem, em pleno século XXI, escreve em diários?! Ou melhor, uma mulher casada, que tem filho, emprego e dezenas de coisas mais importantes pra fazer?! — Zombo. — Que história mal contada!
"Ah, para de ser implicante, Sarah! Eu gosto de diários, tá? E por que ele mentiria?" Pergunta.
— Ok. Você escreve em diários e eu estou planejando uma excursão a Mercúrio! — Ironizo e sorrio. — Mas vamos ao que interessa: e a parte do beijo?
"Não teve beijo. Eu disse que foi um quase-beijo. Quase." Enfatiza.
— Certo. E como foi esse quase beijo? — Pergunto.
"Nem eu sei explicar! Foi muito estranho, eu nunca tinha visto isso! Ele aproximou o meu balanço, colocou a mão no meu rosto e quando íamos nos beijar ele simplesmente falou que eu deveria dizer para ele não me beijar! Simplesmente! E depois saiu! Depois saiu! E não me disse mais nada! Não me procurou na hora do jantar ou depois do culto, nem ontem durante todo o dia! Ele nem me olhou, Sarah! Que tipo de garoto é ele?! Foi algum tipo de brincadeira?!" Conta, me deixando boquiaberta.
Respiro fundo e suspiro por alguns segundos enquanto penso no que falar, não conseguindo deixar de lembrar de um episódio que aconteceu no início do ano.
Balanço a cabeça e afasto essas lembranças ruins, voltando a focar na história que Amanda está me contando.
— Você está zangada? — Pergunto, franzindo as sobrancelhas.
Acabo de chegar a uma parte do andar onde há apenas umas poltronas, um tapete, uns jarros com arbustos e uma grande parede de vidro, onde se pode ver praticamente toda a cidade, com seus prédios altos e pequenos pontos de luzes cintilantes, dando um ar meio mágico ao ambiente. A sala está um pouco escura, pois algumas luzes estão apagadas, então ao invés de sentar em uma poltrona, encosto-me ao vidro e fico admirando a vista enquanto tento entender os problemas da minha amiga.
"Não estou zangada, só estou confusa. E chateada. Triste. Sei lá!" Suspira.
Zangada. Chateada. Triste. As palavras martelam em minha cabeça, me levando de volta ao dia do meu aniversário de 15 anos, quando eu vi umas das cenas mais decepcionantes da minha vida.
Eu juro que tento esquecer essa história, mas até hoje é algo que me machuca, e talvez seja por esse motivo que eu me tranco tanto com todo mundo, porque tenho medo de ser trocada e abandonada pelas pessoas, assim como aconteceu com os meus melhores amigos. Ou pelo menos eu pensei que tinha acontecido.
Tentei mudar com eles, e de fato mudei por uns dois meses, mas percebi que só estava me machucando ainda mais. Estava sentindo falta deles, e talvez... Talvez eu estivesse fazendo uma tempestade em um copo d'água. Mas depois a dor passou. E nossa relação voltou ao normal.
Apenas uma coisa nunca mais voltou ao normal: eu.
— Você queria beijá-lo?! — Indago novamente, voltando para a realidade.
"Não! Quer dizer, sim! Ah, eu não sei!" Responde, e consigo perceber o tamanho da sua confusão, mesmo do outro lado da linha.
— Você sente alguma coisa por ele? — Pergunto, e espero uns segundos. — Fala a verdade!
"Não. Não sinto, mas a gen..."
— Então por que queria que ele te beijasse?! Por que o deixou se aproximar?! E por que está tão chateada pelo beijo não ter acontecido?! — Pergunto. No fundo, eu estou relembrando cada momento do que passamos. E revivendo a dor e a decepção, querendo trazer à tona, até de forma indireta, tudo o que eu senti naquele período. — Por acaso está me escondendo algo, Amanda Alves Dühem?!
Ela fica em silêncio por um período, provavelmente pensando no que vai responder.
"Eu não sei, amiga. Não sei. Talvez por isso esteja tão confusa assim! Eu não gosto dele, ou pelo menos não até ontem! Mas naquela hora, quando a gente estava conversando e ele me aproximou... Não sei, mas eu iria permitir aquele beijo. E eu sinceramente não sei por que ele fez aquilo!"
— Eu nunca percebi nada diferente da parte dele em relação a você... — Analiso, constatando que o que digo é verdade. — Então estou me perguntando por que ele iria te beijar. O Kaynon é um cara legal, a gente se conhece desde pequenos, eu não consigo imaginar nenhuma intenção ruim vinda da parte dele!
"Você não o conhece, Sarah. A gente se vê uma vez por ano!" Fala, determinada. "A gente realmente não o conhece. O Kaynon que nós conhecemos nunca teria brincado comigo dessa forma!" Diz, e percebo sua voz embargar.
— Ei, ei, ei! Espera aí! — Saio um pouco do controle e começo a andar de um lado para o outro, mexendo a mão esquerda. — Ele não brincou com você, Amanda! Se quisesse brincar com você, teria te dado aquele beijo, deixaria você toda apaixonadinha pelos cantos e no dia seguinte nem lembraria da sua existência! — Elevo o tom de voz. — Ele não brincou com você! Muito pelo contrário! Você reparou no que ele disse?! O que ele quis dizer é que, se você se desse o mínimo de respeito, não sairia por aí deixando todo mundo te beijar! Ele quis valorizar você, Amanda! Talvez porque ele considere um beijo como algo importante e especial! — Desabafo, remoendo aquela cena de 11 meses atrás.
Ouço seu soluço. "O que está querendo dizer, Sarah?! Você está mudando completamente o foco da história! Eu não saio por aí beijando todo mundo! E já te expliquei que aquele beijo com o Ícaro foi um acidente. Um acidente! Aliás, para de agir como se ele fosse seu namorado, porque ele não é, e não há nada que nos impediria de ficar juntos, se quiséssemos. Eu nunca disse, mas você foi egoísta ao sentir tanto ciúme daquela forma, e está sendo agora, de novo! O Ícaro pode até ser seu melhor amigo, mas não é você quem decide com quem ele vai ficar. Aliás, isso é caso do passado, já aconteceu, não dá pra mudar! Então para de tentar controlar agora o que vai acontecer entre mim e o Kaynon, porque você não tem nada a ver com isso! Não dessa vez. O caso com o Kaynon é totalmente diferente!"
— Claro que é totalmente diferente! — Falo em tom alto, deixando algumas lágrimas escaparem e sentindo a raiva começar a agir em minhas veias. — Porque o Kaynon teve a mínima consideração de valorizar a você e a ele mesmo! Diferentemente de umas e outras pessoas! E se eu não tivesse nada a ver com isso, você nem teria me ligado duas horas da manhã pra contar! — Grito e desligo o telefone sem esperar sua resposta, já chorando alto e me virando para as poltronas, mas logo solto outro grito abafado ao ver que em todo esse tempo que estava gritando feito louca com a Amanda eu não estava sozinha. Deparo-me com a última pessoa que eu queria que me visse nesse estado.
Ele está sentado em uma das poltronas, com seu cabelo castanho e liso caindo sobre a testa morena e com as sobrancelhas franzidas, cheio de pena — ou susto. O encaro por uns segundos, tentando engolir o choro e não parecer tão frágil, mas seu olhar sobre mim acaba me desconcentrando um pouco.
— Desculpa pelo escândalo! — Falo em tom baixo e passo a mão sobre meu rosto molhado de lágrimas. — Licença. — Peço e logo dou passos rápidos, passando por sua poltrona e na intenção de ir ao banheiro, mas sua mão segura firme o meu pulso e sou obrigada a parar.
— Não precisa fingir que está tudo bem! Eu sei que não está. — Diz e lança um olhar calmo e compreensivo pra mim.
— Eu preciso...
— E eu sei que você está fingindo pra todo mundo que está bem, porque deve odiar ser vista como coitadinha. — Me corta. — Mas guardar a sua dor pra você mesma só vai te fazer piorar. Deixa eu te ajudar! — Fala com a voz doce e levanta, soltando meu braço.
Olho para baixo. — Eu realmente tenho que...
— Deixa... — Corta-me novamente. — Eu te ajudar. — Repete.
Eu e Levi nos conhecemos há um dia, quando eu percebi que ainda estava com o celular de Lorenna e procurei o quarto em que estava para devolvê-lo a ela. Ele estava lá, sentado em uma poltrona, lendo um artigo de revista que provavelmente era de política. Assim que entrei, ele me encarou por tanto tempo que até esqueceu a revista que segurava. De um modo que eu não sei explicar, fiquei tímida. Tímida! Dá pra imaginar Sarah Dühem tímida?!
Mas o que mais me assustou é que, apesar da timidez, eu não conseguia parar de encará-lo de volta.
Ele vestia uma calça jeans, um all star e um moletom branco. E estava estranhamente lindo! Sim, estava lindo e hipnotizante, mesmo sem um sorriso, mesmo sentado, mesmo apenas me olhando.
Depois que percebi o que estava fazendo, logo apressei a conversa com a Lorenna e o Matheus, sem nem ao menos perguntar quem era aquele garoto lindo com a revista ou como estava o seu irmão que havia sofrido um acidente.
Eu não parei de pensar nele e na sua imagem, fixada na minha cabeça, desde o momento em que saí daquele quarto.
Minutos depois, quando eu estava indo ao banheiro, esbarrei com ele. E ele sorriu. Ah, meu Deus, ele sorriu! E o seu sorriso causou em mim uma sensação mista de estar nas nuvens, vendo um anjo, e estar em um livro de fantasia, de frente com um príncipe. Mas como eu sabia perfeitamente que nada disso era possível, apenas mudei o olhar de direção e continuei meu percurso, me segurando para não olhar para trás e ver o seu sorriso só mais uma vez. Talvez porque, por um momento, quando o vi sorrindo, eu esqueci que minha irmã estava em coma, na UTI.
E mais à frente, quando eu desci para o jardim, próximo ao estacionamento traseiro do hospital, nós nos reencontramos. E, novamente, de uma forma que não sei explicar, eu não consegui fugir (como sempre faço). Ele disse "oi", e sua voz me soou tão firme que tive vontade de ouvi-lo falar mais. Então deixei. Deixei que ele falasse. E me deixei falar com ele.
Descobri que ele é irmão gêmeo da Lorenna, e depois de muitos assuntos, ele me contou que o irmão mais velho deles sofreu um acidente de moto e precisará fazer várias cirurgias. Eles estão no mesmo andar do prédio que nós, então ontem passamos o dia inteiro juntos, desde a hora em que acordamos até a hora em que meus pais me chamaram para ir dormir.
Por causa da situação em que estamos, meus pais não me prenderam muito, disseram que eu poderia ficar onde quisesse, desde que tomasse cuidado. Eles estão preocupados demais com a Safira e, além disso, toda hora chega algum familiar ou amigo para visitá-la, fora as inúmeras ligações! Então preferi ficar distante daquele clima de melancolia e tristeza que rondava a todos.
Nós rodamos o hospital inteiro conversando sobre tudo: caminhamos por cada um dos cinco andares, pelo jardim, estacionamento, refeitório, salas de espera, recepção, varandas, enfim... Provavelmente já conhecemos todo o hospital, e por conversar em cada minuto das 15 horas que passamos grudados um no outro, tivemos chance de nos conhecer bastante. Pelo menos na minha cabeça, já somos amigos há anos!
Seu nome completo é Levi Monteiro Benacci; tem 19 anos; faz CFO(1) para bombeiro; sua cor favorita é preto; comida preferida é frango ao molho branco; tem uma irmã gêmea chamada Lorenna e um irmão mais velho chamado Rafael, de 23 anos; ama jogar futebol; tem uma Dobermann que se chama Pluma, de 4 anos; teve câncer de pele com metástases em estágio 2 há 3 anos e foi, milagrosamente, curado, que foi quando se tornou cristão; já teve duas namoradas; morou um tempo na Suécia quando tinha 3 anos; gosta muito de abacaxis; e quando casar sonha em morar na Suécia de novo.
Isso fora o fato de que ele é muito gentil, educado, romântico, brincalhão, conta péssimas piadas e prefere o frio ao calor (disse que calor lembra a fogo, e fogo lembra a incêndio, e incêndio lembra a perigo, e ele vive trabalhando exatamente para evitar o perigo).
Eu não entendo, e nem sei se preciso entender, mas de alguma forma ele chamou a minha atenção, desde o momento em que o vi segurar aquela revista de política e paralisar ao olhar para mim como um bobo. Eu também não sei por que o deixei se aproximar, entretanto eu sei muito bem que agora ele quer se mostrar compreensivo e me ajudar, e se eu deixar, ele vai mesmo me ajudar, e se ele me ajudar, vou me apegar a ele, e depois que me apegar a ele, vamos nos desencontrar e nunca mais nos ver.
Isso é típico e clichê, por isso me controlo e tento fugir, dizendo a mim mesma que todo o apego que ganhamos nesse um dia juntos vai passar assim como passam as minhas dores de cabeça, mesmo quando não tomo remédio.
Respiro fundo e sorrio ironicamente. — A gente se conheceu ontem, Levi. E você se acha o super herói só porque me viu chorando e acha que me entende, mas não entende! — Franzo as sobrancelhas e prendo com toda a força as lágrimas que ousam descer. — Não é o seu irmão que vai precisar passar um mês em coma porque o cérebro tá doente! Não é você que vai estar lá quando ela acordar e ter que ouvi-la perguntar quem é a própria irmã, porque ela esqueceu! Não foi você quem viu o seu melhor amigo beijar sua melhor amiga na própria festa de aniversário! Não é você, então você não me entende. Não me entende, então para de ficar se achando o sábio e experiente, que esquece as próprias dores pra cuidar dos outros, e vai lá visitar o seu irmão, porque ele precisa mais de você do que eu! — Falo com a voz arrastada entre os dentes e fico encarando-o.
Ele então respira fundo e passa os dedos no cabelo. — Você é apenas uma garota traumatizada, Sarah! — Morde os lábios. — Eu sou, sim, sábio, experiente e esqueço as minhas próprias dores para cuidar dos outros. Então eu não vou sair daqui e te deixar chorando sozinha em algum canto escuro desse hospital, porque você está sentindo dor, e a dor acaba com as pessoas, a dor muda as pessoas, por isso eu não vou permitir que a dor que está passando esconda quem você é de verdade. Já te disse que posso ser seu amigo, e eu não vou te deixar passar por isso sozinha, Sarah, nem que tenha que entrar na sua vida pra sempre! — Fala, me deixando totalmente perplexa e sem reação.
— Você vai passar um mês aqui?! — Continua. — Eu passei um ano aqui! Eu tenho amigos aqui, e agora tenho um irmão todo quebrado que provavelmente vai passar um mês aqui também. Então se você pensa que se aproximar de mim vai te fazer sofrer, só porque amanhã eu não estarei aqui, está muito enganada! Porque todos os dias que você passar aqui pela sua irmã, eu também vou, pelo meu irmão, e se você se tornar alguém importante pra mim, Sarah... — Ele encara profundamente os meus olhos e balança a cabeça positivamente. — Eu juro que nunca vou me distanciar! — Morde os lábios. — Nem beijar a sua melhor amiga! — Fala depois de um tempo, ao sorrir.
Fico extasiada com suas palavras, por um momento, mas logo me recupero. — Você é irreal, ilusão da minha mente! — Falo ao balançar a cabeça em negação. Ninguém pode ser tão perfeito e compreensível assim, além de lindo! — Preciso dormir, boa noite! — Abro os olhos, assinto com a cabeça e lhe dou as costas, sentindo o sono e o cansaço chegarem.
— Sarah! — Levi chama, me fazendo suspirar e voltar a olhar para ele, que está no mesmo lugar e na mesma posição de antes. — Se precisar de qualquer coisa... — Ele franze a testa e dá um passo para frente. — Você sabe que estarei aqui. E tem o meu número. — Assente. — Boa noite! — Se despede. Então me viro novamente e volto minha jornada de pouco mais de 15 metros até o quarto da minha irmã, pensando em cada palavra do que ele disse.
Assim que entro vejo meus pais dormindo juntos em uma maca que foi colocada para eles e outro colchão no chão, para mim.
Pego um copo com água no frigobar, me encosto na parede e enquanto bebo, pego meu celular e abro o contato de Levi, me perdendo no tempo enquanto encaro sua foto magnífica em um lugar verde, com farda de bombeiro, encostado em uma pequena mureta de tijolos; sua mão esquerda segura a boina vermelha do fardamento enquanto a outra repousa calmamente na sua cabeça, levantando algumas mechas do seu cabelo marrom; está olhando para um ponto além da câmera, e um sorriso um tanto espontâneo está congelado em seus lábios, mostrando seus dentes perfeitamente alinhados.
Mas que droga eu estou fazendo?!
Fecho os olhos, suspiro e bloqueio o celular.
Coloco o copo de vidro sobre uma bandeja de metal encima do frigobar e me direciono à maca da Safira, fitando-a por alguns minutos.
— Você precisa acordar, Safira! — Sussurro enquanto seguro sua mão. — Precisa dar um jeito nessa sua cabeça! Precisa levantar daí e me ajudar! — Franzo as sobrancelhas e desisto de segurar as lágrimas, então deito ao seu lado, me espremendo no estreito espaço que resta entre seu corpo e a grade de proteção. — Você precisa abrir os olhos e se lembrar de mim, e de todos nós, e de tudo o que passamos! Eu não posso perder você, Sah... Não posso! Você é a pessoa mais importante do mundo pra mim! — Começo a chorar dolorosamente talvez pela primeira vez. Talvez porque ninguém está me olhando.
— Eu sempre digo que é o Ícaro ou a Amanda. — Continuo. — Mas não são eles, nem a mamãe ou o papai! É você! — Soluço. — Você é a pessoa mais importante! É minha melhor amiga e eu não posso ficar sem você, irmã! Sei que vivemos brigando, mas eu te amo! Você não pode me deixar! — Passo o dedo pelas minhas lágrimas. — Não pode morrer, nem esquecer quem eu sou. Precisa viver, precisa lembrar, Safi! Eu queria te contar do Levi. E do Ítalo, que está ficando louco sem você! E da mamãe, que não para de chorar, e de como o papai está atordoado com tudo isso! E de como a Sama tá sendo tão forte, de como algumas coisas estão estranhas, como a relação entre o Kaynon e a Dinha. Ou de como o acampamento está parado e desanimado, todo mundo preocupado com você! Ou então de como... — Soluço enquanto passo a mão sobre o seu rosto. — De como eu estou sofrendo sem você, e sem querer mostrar pras pessoas ou pra mim mesma como estou sofrendo! Foram só três dias sem você, e já está doendo tanto! Imagina se você se for...
Fecho os olhos. — Não vai, Safira! Por favor, não vai! — E continuo repetindo essas palavras até que meus olhos fiquem pesados demais para que eu consiga me manter acordada.
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(1) Curso de Formação de Oficiais
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