4
Dylan
A vez em que eu tirei 8,5
Você só pode fracassar se estiver tentando.
Essa frase jamais estamparia uma caneca, mas tinha se tornado o meu grande lema de sobrevivência no Ensino Médio.
O único jeito que eu sabia lidar com as expectativas frustradas era parando de criá-las. Escola nunca foi o meu ponto forte. Enquanto os outros alunos acumulavam medalhas por bom desempenho, tudo que eu acumulava eram advertências e notas baixas.
Eu me sentia burro.
Eu me sentia burro quando tentava aprender alguma coisa, me esforçava de verdade, mas as palavras do professor se tornavam o zumbido de uma abelha distante e indistinguível. Nunca conseguia tirar mais que a média 6, então parei de tentar. Foi assim que quase repeti o penúltimo ano.
Ao contrário de mim, Mackenzie Muller era a pessoa mais inteligente da turma, e todo mundo dizia que ela tinha passagem garantida para a universidade federal que quisesse. Mesmo assim, naquela manhã, ela estava chorando do lado oposto da sala depois de pegar o seu boletim.
— Espero que esse choro seja de felicidade — Guta, que estava na carteira ao lado da minha, comentou. O cabelo lilás fazia contraste com a parede amarelada da escola. — O boletim dela estava em cima do meu. Eu vi as notas. A menor tinha sido 8,5.
As provas valiam 10 pontos, e todo mundo sabia que Mackenzie nunca tirava menos que 9. Os mesmos 8,5 eram a maior nota que eu tinha tirado naquele semestre, em Química, graças a ela. De longe, eu observei quando Agnes disse alguma coisa. Kenzie levantou da cadeira, secando os olhos esverdeados.
— Posso ir ao banheiro, professor?
Saiu da sala em passos apertados só depois que ele autorizou.
Theo e Guta estavam comemorando as notas mais altas da turma em química juntos. Quase todo mundo precisava de nota naquela matéria, então Levi estava usando a prova deles como gabarito para ter certeza de que o professor não tinha cometido algum erro, já que ele só tinha tirado 5.
Esperei alguns minutos, olhando vez ou outra para a porta. Kenzie não voltou. Quando pedi para ir tomar água, o professor não criou nenhum empecilho, porque era o último dia antes do recesso e a turma estava muito agitada de qualquer jeito.
Não que eu fosse ter o recesso. Apesar de ter passado em química, ainda devia nota em matemática, física e biologia. As que eu passei tinham sido com cola ou por sorte, raspando. Devia aproveitar a oportunidade para conferir a prova dos outros e aprender com meus erros, mas, ao invés disso, estava procurando por Mackenzie pelos corredores largos.
Acabei a encontrando chorando sozinha, sentada à sombra do Ipê, cujas folhas secas se espalhavam pelo chão e eram levadas pelo vento, anunciando a chegada iminente do inverno.
— E aí, Big Mac? — Me sentei ao seu lado.
Nossos ombros se tocaram, causando um tipo de eletricidade. Acho que ela sentiu também, porque se afastou um pouco rápido.
— Ah! Oi Dylan. — Ela fungou, secando as lágrimas e apertou os lábios em um sorriso forçado.
Seria mentira se eu dissesse que Kenzie ficava menos bonita com os olhos inchados. Tinha uma certa beleza melancólica nas lágrimas acumuladas em suas piscinas naturais, que me davam vontade de chorar junto com ela, mas eu odiava chorar. Não chorava desde que era só um garoto, não chorei ao me despedir de Yuri, não choraria na frente dela. Sendo sincero, odiava ver as pessoas chorarem.
— Aquela prova de química estava muito difícil — confessei. — Por um momento eu me perdi na sopa de letrinhas... pensei que fosse uma prova de grego. Você não?
Ela riu brevemente. Definitivamente ficava mais bonita sorrindo do que chorando. Ela tinha um sorriso infantil meio fofo, que mostrava um pedacinho das suas gengivas e não disfarçava os caninos pouco tortos. As pequenas imperfeições compunham sua beleza como uma obra de arte. Ela fez que não com a cabeça.
— Eu pensei que tinha ido bem — confessou.
— Você foi — rebati. — 8,5 é um notão. Você devia estar comemorando!
Eu não comemoraria, claro. Esse era o problema de não tentar. Os 8,5 não eram um mérito meu. Não era sinônimo de sucesso. Era só um fracasso premeditado. A nota estava ali, mas não o aprendizado. Àquela altura, eu achava que jamais seria bom em nada, e estava satisfeito em aceitar esse fardo.
— 8,5 não te coloca numa federal de medicina. A Agnes tirou 10. O Theo tirou 10. A Guta tirou 10. Parece que todo mundo tirou 10, menos eu! — Fungou, furiosa. — Eu me sinto uma burra. Por que eu fui tão mal?
A raiva carregada em sua voz não parecia ser deles (Agnes, Theo ou Guta). Mackenzie parecia furiosa sim, mas consigo mesma. É que a sensação de fracasso era proporcional ao nível das expectativas, e as dela eram como um edifício de vinte andares: altas demais.
Agora Kenzie Muller era um prédio desmoronado.
— Você não foi mal. A Agnes colou do Theo, e o Theo colou da Guta, que... — Fiz uma pausa. Não sabia o estrago que Kenzie podia fazer com a informação. Um garoto chamado Elias denunciou cola no primeiro ano, e a turma toda teve de refazer a prova outra vez. Aquele era um risco, mas devia a ela, então precisei confessar: — Que colou de você.
Seus olhos foram de chorosos para arregalados em uma fração de segundo.
— Quê?!
— Ela estava sentada atrás de você — lembrei. — Ela respondeu as que sabia, e as que não sabia copiou de você. Por isso tirou a maior nota. Se formos honestos, a nota mais alta da turma é a sua. Sempre é a sua.
Kenzie sorriu discretamente. Algo inflou dentro de mim por arrancar um sorriso do meio da tristeza dela.
— Deve ser legal ser tão inteligente que 8,5 pareça uma nota ruim.
— Eu não sou tão inteligente — ela protestou. — Não sei fazer nada muito especial. Eu só... me esforço o tempo todo. Se eu falhar nisso, então vou ser boa em quê?
— Me faço essa pergunta o tempo todo. — Apertei os lábios.
Foi quando a sirene do intervalo tocou e os corredores começaram a ecoar um misto de vozes extasiadas. Kenzie olhou para as próprias mãos, e eu notei que estava um pouco corada. Suas amigas apareceriam a qualquer momento, assim como os meus, então tratei de me levantar. Não queria dar motivo para nenhuma fofoca pelos corredores.
— Te vejo por aí, Big Mac.
Dei uma piscadinha, e ela respondeu qualquer som parecido com "Até mais".
No corredor, Agnes me fitou intrigada ao ver que eu vinha da direção do jardim onde sua melhor amiga estava. Deu uma cotovelada em Rebecka, que andava ao seu lado, com os olhos vidrados no celular. Kiara foi a próxima vítima. Agora eram três pares de olhos em minha direção.
Levantei a minha mão em um aceno, que somente Kiara correspondeu com um sorriso gentil, depois despendeu a sua atenção para a amiga que fofocava sobre mim ou qualquer outra coisa. Eu me perguntava se as amigas de Kenzie gostavam de mim ou se odiavam. Pensava se isso interferia no julgamento dela.
— Eu não entendo como Agnes Fofoqueira tinha as respostas — Guta estava reclamando com Theo quando eu os encontrei na fila quilométrica e desorganizada da cantina.
Com um braço ao redor do ombro dela, Theo me encarou. Foi um levantar discreto de sobrancelhas que dizia algo como "cala a boca", e eu calei, porque era isso que amigos deveriam fazer.
Não contaria nada, claro. Não era o fofoqueiro, mas todo mundo sabia que Agnes era. Qualquer coisa que Agnes Han soubesse, o colégio inteiro saberia em cinco, quatro, três, dois...
— Pô, mano, é verdade que você deu as respostas de química pra Ness? — Koda deu um soco no ombro enorme de Theo, chegando logo depois de mim. Guta olhou para ele, chocada.
— As minhas respostas? — Aquilo soava à discussão de casal.
— As respostas da Mackenzie — Theo corrigiu.
Esfreguei o rosto, torcendo para que meu amigo não houvesse sido burro o suficiente de dizer aquilo em voz alta. Mas foi.
Eu nunca tinha namorado, só sabia 'ficar'. Não era um perito em relacionamentos, mas conhecia Guta o suficiente para saber que aquela discussão não era sobre respostas. Era sobre Agnes Fofoqueira. Augusta odiava Agnes desde o primeiro ano — quando espalhou pelo colégio que Guta tinha deixado um menino chamado Tulio apertar as tetas dela durante uma ficada.
O tal Tulio se formou no ano seguinte e foi embora da cidade, mas os boatos ainda voltavam para assombrá-la de tempos em tempos, ganhando novas versões de vez em quando. Naquele outono, por exemplo, estavam dizendo que Augusta pagou um pro Theo atrás da quadra de futebol. O que era mais ou menos verdade, pelo relato dele, mas ainda assim injusto já que ninguém falava mal dele pelo mesmo motivo.
— Foram só duas! Só duas respostas eu copiei da Mackenzie — disse. — O resto das respostas eram minhas, e eu passei pra você, não pra Agnes Fofoqueira!
— Poxa... Alguém podia ter me avisado desse esquema de cola — Koda resmungou. Ele era grande (para todos os lados) e estava inchando as bochechas mais que o normal. — Eu tirei quatro. Vou ter que fazer a prova toda de novo.
— Está com ciúminho, é? — Theo provocou Augusta, ignorando o comentário do nosso amigo.
Guta o fuzilou com seus olhos castanhos, rosnando de raiva.
— Deu merda... — Murmurei para Koda, puxando-o para dar o fora dali antes que a situação toda ficasse pior.
Theo e Guta eram como cão e gato.
Ele, implicante, sempre testando os limites da paciência. Ela, naturalmente pouco paciente. Não fazia ideia de como tinham conseguido engatar um romance, mas só paravam de brigar quando estavam ocupados enfiando a língua dentro da boca um do outro.
Foi o que Theo fez em seguida. Calou a boca dela com um beijo de língua para a escola inteira assistir. No segundo período, ninguém falava de outra coisa que não fosse o fato de que aquele beijo era o atestado de culpa assinado por Guta. A confirmação de todas as acusações e rumores que a rodeavam.
O tribunal do Ensino Médio não precisava de júri, já que não perdoava. Foi naquele dia que Agnes Han decidiu que "Guta" rimava com "Puta". O apelido que a seguiu até a viagem de formatura, quando tudo que sabíamos sobre o mundo e nós mesmos começou a mudar.
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