Prólogo
ANOS ANTES
Já fazia algum tempo que o doutor Fredrick Warren estava de pé, próximo a uma parede, segurando uma taça de champanhe enquanto jogava conversa fora com o professor Henry Jensen, seu colega. Nunca tinham tido a oportunidade de passar tempo juntos, contudo, como um não tinha nada contra o outro, não viram problemas em conversar sobre qualquer besteira até que aquela festa chata acabasse.
Festa chata por diversos motivos. Para Henry, por exemplo, a questão era filosófica. Estava cansado de dar sorrisos amarelos diante das piadas homofóbicas que os anfitriões daquela comemoração reservada aos funcionários do hospital-escola faziam de tempos em tempos. Estas só não eram piores do que as brincadeiras racistas que era obrigado a suportar.
Negro e gay, Jensen preferia se manter nas sombras, sem chamar atenção. Mesmo trabalhando ali há dois anos, não possuía amigos, apenas colegas, e pouco revelava sobre sua vida pessoal. Tinha aceitado comparecer na festa apenas por educação, afinal, não queria ser considerado um completo antissocial, mas preferia gastar seu tempo livre em lugares nos quais pudesse ser ele mesmo: extrovertido e risonho.
Fredrick, por sua vez, achava a festa chata porque, antes de dirigir até ela, tinha brigado com a própria esposa. Elenice sofria de baixa autoestima e descontava a insegurança que sentia em relação ao marido que, por considerar muito bonito e carismático, temia que fosse trocá-la por alguma mulher mais interessante.
Freddy ficava irritado porque achava os temores da esposa infundados. Fazia de tudo para mostrar que a amava e que a desejava. Nunca havia dado a ela motivos para temer uma traição, então por quê? Por quê?
Desta vez, o problema era o fato de ela não poder comparecer à festa por estar em época de provas na faculdade de arquitetura que fazia. Elenice queria que o marido deixasse de ir; como ele não concordou, ela se irritou e o acusou de querer viver uma vida de solteiro, quando, na verdade, tinha esposa e filha.
Só faltou acusá-lo de ser um marido e pai ausente. No entanto, mesmo brava, Elenice tinha noção o suficiente para não contar tamanha mentira. Fredrick Warren sempre se esforçou para ser o melhor marido e o melhor pai.
No fundo, Elen sabia disso. Só tinha muito medo de que Fredrick um dia acordasse e percebesse que existiam muitas mulheres melhores do que ela.
Bobinha.
Para Freddy, só havia ela. Elenice Oliveira Alves, uma preta linda, dos cabelos platinados e corpo rechonchudo, brasileira, trabalhadora, inteligente e mãe de uma menininha linda cuja fofura o "príncipe estrangeiro" não pôde resistir. Se encantou por ambas e fez delas suas rainha e princesa, respectivamente, dando às duas seu sobrenome — Warren — para que ninguém duvidasse da relação que possuíam.
Não havia o que temer. E o fato de Elenice não conseguir compreender isso era o que mais irritava o marido americano. A tal festa até tinha perdido a graça. Contudo, Fredrick não deixaria de ir. Não, não mesmo. Sua esposa teria que aprender a lidar com a própria insegurança sem, para tal, limitar o companheiro.
Precisava aprender a lidar com o conceito de liberdade.
Assim, foi interessante quando Fredrick Warren e Henry Jensen encontraram companhia um no outro. Conversando sobre besteiras, perceberam que perdiam muito por não terem feito amizade há mais tempo.
A verdade é que Jensen tinha algum preconceito contra o Warren. Ouvia dizer que ele trabalhava só porque queria, não por necessidade. Logo, imaginava que Fredrick era daquele tipo de gente que não valoriza nada e anda de nariz em pé. Percebeu, no entanto, que era exatamente o contrário: doutor Warren parecia bastante humilde, apesar de sofisticado e exigente, além de não ficar preso em questões pertinentes apenas aqueles que de tão ricos que eram, viviam em outro planeta.
— Você fuma, doutor? — indagou Jensen, mantendo o olhar fixo nas pessoas que andavam para lá e pra cá no salão de festa.
— Me chame de Freddy... ou de Fritz, como meus pais me chamam, às vezes. — Warren pediu sorrindo.
— Fritz? Você é alemão? — Jensen questionou curioso.
— Não sou alemão. Meus avós eram e meus pais gostam de relembrar as origens. Meus avós não só eram alemães, como eram nazistas também. — comentou, rindo e bebendo um gole de champanhe.
— Nazis? — Jensen gargalhou. — Que ironia! E o neto ariano deles conversando amigavelmente com um negro.
— Pra você ver... o mundo gira... — Fredrick concluiu. — Ainda bem que gira... odiaria ter nascido na época da Primeira ou Segunda Guerra Mundial... detestaria ser obrigado a odiar gente que nem conheço...
— Ainda bem que o mundo gira. — Jensen ergueu sutilmente a própria taça. — Um brinde ao giro do mundo!
E brindaram.
— Então... você fuma? — Jensen repetiu a pergunta.
— Fumo sim, tô até com vontade de tragar um... — Fredrick consumiu todo o conteúdo da taça que segurava.
— Somos dois então. Já fumou no terraço? Dá para ver boa parte da cidade a partir de lá. — o homem negro comentou, entregando sua taça para o garçom que passava, tendo seu gesto imitado pelo loiro ao seu lado.
— Vamos lá... — Fredrick se virou e começou a caminhar rumo aos elevadores do edifício em que ocorria a festa. Sentiu um calor esquisito quando capturou o olhar do professor Jensen sobre si, mas considerou que aquele era apenas o álcool agindo.
No terraço, a temperatura estava bastante fria. Era inverno, afinal. O doutor Warren se sentou, encostando-se no parapeito, ficando de costas para a vista que Jensen queria mostrar. Remexeu-se então e apanhou um maço de cigarros. Pretendia acender um deles quando o colega lhe chamou a atenção:
— Tava pensando em um outro tipo de cigarro. — comentou e riu. — A não ser que tenha alguma objeção.
Fredrick encarou o cigarro de maconha nas mãos de Henry e sorriu. — Faz anos que não fumo um desses... se me lembro bem, a última vez foi na faculdade...
— Um desses sempre me ajuda a ficar tranquilo em festas como esta. — Henry explicou e se sentou ao lado de Fredrick. — Por que não divide este aqui comigo? Vai voltar a ser moleque rapidinho...
Warren achou graça da possibilidade de "voltar a ser moleque". Não tinha qualquer saudosismo de sua juventude. Foi feliz naquela época e, agora, com seus trinta e poucos, ainda se considerava assim. Apanhou o beck das mãos de Jensen para relaxar, contudo. A intenção era aliviar a culpa que sentia, pois, mesmo sabendo que sua esposa não tinha motivos para ficar tão irritada, não conseguia parar de pensar que Elenice sofria porque, no fundo, ele não era tão bom marido assim.
No momento em que deu a primeira tragada no cigarro de maconha, sentiu a temperatura esquentar. E, lá estava de novo o olhar fixo de Jensen, avaliando suas reações. Tossiu um pouco, não estava acostumado com o sabor e a fumaça que invadiam sua boca, então sorriu, sendo seguido por Henry, que inclinou a cabeça para trás, apanhou delicadamente o beck e deu outra tragada.
Os dedos dos dois se enroscaram. O cigarro quase caiu. Lá pela terceira tragada, as mãos se emaranharam outra vez e ambos riram, nitidamente influenciados pela droga.
— Tem compromisso mais tarde? — Henry Jensen tomou coragem e perguntou. Também sentia a temperatura subir entre eles e tinha o desejo de tocar mais do que só as mãos de Fredrick.
— Tenho compromisso para a vida. — Fredrick Warren respondeu, sentindo a face enrubescer e o coração acelerar de um jeito incomum. — Me desculpe... sou casado e tenho uma filha. Elas são minhas prioridades... sempre... — foi sincero.
— Ah... eu que devo pedir desculpas. — o negro se afastou do loiro. — Como ela é? Sua esposa, digo. É a loira baixinha, a indiana ou a doutora Viking? — indagou Jensen, pensando no grupo de doutoras que viu no salão de festa.
— Ela não está aqui... ficou em casa estudando para as provas na faculdade... — Warren contou. — A gente brigou antes de eu vir para cá... por isso o beck pareceu uma boa ideia.
Henry sorriu e se levantou — Elas, sua esposa e sua filha, têm sorte por terem você. — deu tapinhas nas próprias roupas e enfiou as mãos nos bolsos — Já vi muitos caras traírem por menos... traírem por nada, na verdade — olhou para o céu noturno e suspirou. — Foi bom passar um tempo contigo, Fritz. Até outro dia — acenou e voltou para o salão de festa.
Fredrick sorriu em resposta ao cumprimento de Henry e o assistiu partir. Logo depois percebeu que tinha ficado com o cigarro de maconha dele. O efeito entorpecente da erva deixava seus pensamentos um tanto nublados, por isso, não sabia exatamente o que achava daquela interação.
Ficou no terraço por mais alguns minutos. Ali se perguntou se o aumento da temperatura que sentiu no salão de festa tinha mesmo sido decorrente do álcool. Riu. Riu e então concluiu que estava mesmo bem para chamar a atenção de um homem daqueles. O professor Henry Jensen era bonito e a conversa entre eles fluiu muito bem. Será que sua resposta a investida do colega teria sido distinta se fosse solteiro?
Fredrick estremeceu, mas não de frio.
Se levantando, tratou de espantar aqueles pensamentos juntamente com a fumaça do beck que dissipou com o abanar das mãos. Era casado. Pronto. Não valia a pena perder tempo conjecturando "e se". Não havia "e se", e ficar pensando nisso apenas poderia levá-lo a desejar coisas proibidas. Não tinha motivo para se perder assim...
Era heterossexual, afinal...
Notas Finais: Obrigada por ler! Espero que tenha gostado. Não se esqueça de votar e comentar, se estiver gostando!
Abraços!
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