43 - Também Mata
— Obrigado por nos trazer, Freddy. — Alexander disse após dar um selinho no médico e abrir a porta do carro. — Até mais tarde. — Se despediu e desceu do veículo.
Enquanto esperava Allissa se organizar e sair da SUV do pai, Alex checava as mensagens em suas duas linhas telefônicas. Na comercial, clientes em potencial perguntavam sobre os valores de ensaios, e empresários diziam ter interesse em montar parcerias com a Freeman's. Na pessoal, haviam mensagens novas de Lucas, da avó dele, de Sinclair e de Oliver.
— Preciso falar com você urgentemente. — dizia o CEO. — Voltarei ao país no fim do mês e... cara, o assunto é sério. Desculpa só te mandar essa mensagem e não dizer do que se trata, mas não é legal falar sem ser pessoalmente e eu tô morrendo de medo. Não tava me aguentando e precisava te deixar ciente, nem que fosse do fato de que a gente precisa conversar. Desculpa...
— Valeu, Ollie. Agora vou morrer de ansiedade. — A mensagem de Alexander foi acompanhada por um emoji entediado. — Vê se adianta esse retorno ou vamos fazer uma videochamada...
— Não dá. Minhas irmãs estão comigo e não quero falar do assunto na frente delas. Além do mais, não tenho motivo para antecipar a viagem de volta, se eu fizer isso, elas irão achar que tem algo errado. — Oliver respondeu.
— E tem algo errado? — Alex indagou.
— Mano, quando eu voltar a gente conversa. Sério... — A resposta do CEO não respondeu coisa alguma.
— Que escolha eu tenho? — O fotógrafo não perderia a oportunidade de demonstrar sua insatisfação. — Vou trabalhar, beijos. — Se despediu e vendo que Allissa se aproximava, guardou o celular no bolso. — Vamos? — Sorriu para a garota e destrancou a porta do estúdio.
Janeiro havia chegado. O novo ano começou. Aos poucos, a metrópole substituía a atmosfera natalina por aquele ar de constante pressa que preenchia os grandes centros urbanos. O inverno ainda era rigoroso, e empregava milhares de pessoas que eram encarregadas de impedir que a neve se acumulasse nas ruas e calçadas, atrapalhando o trajeto dos carros e dos pedestres.
Alexander e Allissa, naquela manhã gelada, deveriam ter sido uns dos inúmeros transeuntes que andavam apressados e com as mãos enterradas nos bolsos, já que, nessa época do ano, o fotógrafo optava por deixar a moto guardada, evitando assim o aumento do risco de acidentes causados por, dentre outras coisas, a baixa aderência dos pneus as ruas escorregadias. Preferia caminhar, ao invés disso, na Chicago Pedway, uma rede de passagens subterrâneas que se uniam aos túneis dos metrôs, criando verdadeiras avenidas que, possuindo meios artificiais de regular a própria temperatura, protegiam os cidadãos dos males do frio extremo e ofereciam a eles, debaixo da terra, tudo o que poderiam encontrar, sobre ela, nos tempos de calor.
No entanto, Fredrick decidiu oferecer uma carona ao namorado e à filha que, agradecidos, aceitaram ir para o estúdio fotográfico no conforto de um veículo grande e quentinho.
— Ué, cadê o Jean? — Alex indagou ao fechar a porta atrás de Allissa. — Ele não entra às nove?
— Cê é o dono do estúdio e não sabe? — Allie questionou rindo. — Mancada isso aí. — Brincou. — Quando eu chegava atrasada, você me esculachava.
— Quando você era minha assistente, eu vinha para cá todos os dias, então podia monitorar seus horários. — Alex caminhou até um armário e o abriu. — Aí te xingava mesmo. Onde já se viu, uma mina que vivia de pernas para o ar chegar quarenta minutos atrasada no trabalho?
— Ah, você e sua pontualidade de inglês. Quando eu chegava aqui, não tinha nada pra fazer do mesmo jeito. — Allissa retrucou, removendo a touca e o cachecol.
— Se continuar tentando se justificar, vou te xingar de novo. — Alex ameaçou e sorriu. — Mas então, eu quase não venho aqui por causa do trampo de diretor... É o Jean que, basicamente, toma conta de tudo. É estranho ele se atrasar assim...
— Será que aconteceu alguma coisa? — Allie abriu as persianas do estúdio e regulou o termostato. — Vou mandar uma mensagem pra ele... — Assim que pegou o smartphone, escutou batidas na porta.
— Nós nem abrimos ainda, será que é o Jean? — Alex indagou e foi até a entrada. Abrindo a porta, se surpreendeu ao encontrar a mãe de Jean-Claude. — Senhora Handal, bom dia! Entra, entra, sai desse frio. — Convidou a mulher que usava protetores de orelha sobre os cabelos cacheados. — Tá tudo bem?
— Bom dia, senhor Cavanagh. — disse a senhora Handal em um tom excessivamente formal. Olhando para o lado, sorriu para uma Allissa que se encontrava de pé, observando tudo. — Está tudo bem sim, não precisa se preocupar. O meu filho pediu para vir aqui explicar a razão pela qual ele não pôde vir trabalhar. — Puxou a bolsa que carregava nos ombros para a frente do corpo e começou a procurar algo no interior dela. — Ontem à noite, Jean-Claude foi passear com os amigos, uns vizinhos da gente, sabe? Na volta, eles foram abordados por policiais e, como ele tinha levado uma das suas câmeras para casa... ele disse que precisava treinar umas técnicas dessa área de vocês... ela acabou caindo e quebrando, e eu vim aqui para pagar. — Esticou um maço de notas de dólar na direção de Alexander. — Jean-Claude falou que o senhor é cuidadoso com suas coisas. Eu não quero que pense que meu filho quebrou seus aparelhos por desleixo, então...
— Pera, pera, pera, senhora Handal, calma... Vamos sentar ali pra senhora poder me explicar direito o que houve, tá bom? — Alexander interrompeu o monólogo da mulher e, passando um braço sobre os ombros dela, guiou-a até a cadeira a frente de uma escrivaninha, sentando-se do outro lado, em seguida. — Como assim o Jean foi abordado pela polícia? O que houve? — Viu Allissa se sentar ao lado da mulher mais velha.
— O Jean tá bem? — A jovem indagou e viu a senhora fazer uma careta para segurar a vontade de chorar. Suas escleras avermelhadas denunciavam seu pequeno momento de fragilidade.
— Eles não estavam fazendo nada de errado. — Senhora Handal falou em tom defensivo. — Pode acreditar em mim, senhor Cavanagh, não demite meu filho não...
— Calma! — Alexander se alarmou com o pedido da mulher. — Ninguém vai demitir o Jean, fica tranquila. Eu só quero saber o que houve, se ele tá bem.
— Jean-Claude e uns vizinhos nossos, amigos dele da escola, foram passear não sei aonde. Acho que numa pracinha do bairro. — A mulher negra falou, removendo os protetores de orelha e guardando-os na bolsa. — Na volta, a polícia parou eles... — Hesitou antes de continuar. — Cêis sabem como é a polícia... eles revistaram as coisas do Jean-Claude e dos outros meninos, aí sua câmera caiu e quebrou, agora tô trazendo o dinheiro. Meu filho disse que era uma câmera cara, então tô trazendo metade agora e a outra eu pago mês que vem, quando fechar as contas do mercado.
— Se foi só isso que aconteceu, dona Handal, por que o Jean não veio me dizer? — Alexander questionou, não convencido de que a história acabava ali.
O silêncio se fez presente no recinto.
— Porque, pelo visto, sua câmera não foi a única coisa que caiu, Alex. — Allie concluiu e informou. — Eles bateram no Jean, não é, senhora Handal? — Pôs uma mão em um dos ombros da mulher que começou a chorar.
Alexander demorou a entender a questão toda, mas quando o fez, seu semblante caiu e as palavras sumiram de sua boca. Poucas vezes na vida havia sido abordado por policiais, no entanto, quando foi, nunca deixaram de tratá-lo com o devido respeito. Mesmo quando saía das casas noturnas quase caindo de bêbado ou completamente chapado, jamais danificaram qualquer um de seus pertences ou o agrediram, afinal, estar na rua sob influência de entorpecentes não era crime em Chicago.
Jean-Claude também não era um criminoso. Pelo contrário, era um rapaz esforçado, que ajudava a mãe no mercado e trabalhava como assistente de fotógrafo para ajudar com as despesas domésticas.
Um jovem adulto honesto que decidia sair com os amigos em uma noite de inverno não deveria ser um problema para a polícia, mas era... porque neste caso, o jovem adulto era negro.
— Eles iam matar meu filho. — A mulher negra estava inconsolável. — Se eu não tivesse aparecido na hora e começado a gritar para chamar a atenção do povo, eles teriam tirado o meu filho de mim... ele não tava fazendo nada errado. Só tinha tomado umas cervejas. Não tava armado, não tava usando drogas... Eles bateram nos meninos, bateram com o cassetete no rosto do Jean-Claude... Ele tá com a carinha toda inchada.
— Será que alguém denunciou eles, achando que eram bandidos? — Allie indagou, tentando compreender a razão da violência que o amigo sofreu.
— Se tivessem denunciado, então, essa brutalidade estaria justificada? — Alex condenou o questionamento de Allissa. — Como o Jean está, dona Handal? Tem algo que possamos fazer para ajudar?
— Eu vou ligar para o meu pai, ele é médico... Acho que dá para ele examinar o Jean em casa, para dar um pouco de conforto pra ele... — Allissa apanhou o celular e começou a procurar o contato de Freddy.
— Jean-Claude é um menino bom, senhor Cavanagh, prometo que amanhã ele estará aqui para trabal...
— Não se preocupa com isso! — Alexander se levantou e, sentando sobre a escrivaninha, se inclinou em direção a mulher chorosa. — O que aconteceu não é culpa do Jean. Pode guardar seu dinheiro. Depois eu arrumo outra câmera... Allie, pegue uma água pra dona Handal, por favor. Fica na paz, mãe, deixe seu filho descansar até ficar bem de novo, quando isso acontecer, pode acreditar que vou enchê-lo de trabalho. Antes disso, a prioridade é o bem-estar de vocês, ok?
Limpando os olhos marejados, a mãe de Jean-Claude tentava sorrir e retomar a compostura. — Engraçado, meu filho sempre fala que o senhor é muito bravo, muito exigente... — Recebeu o copo d'água oferecido por Allissa. — Confesso que já fiquei muito chateada contigo, sem te conhecer. Não gostava de ver Jean-Claude acordado de madrugada refazendo tarefa porque você achou que não tava boa o suficiente. Ficava com raiva, porque Jean-Claude me dizia que o senhor tinha feito faculdade, mestrado e mais um monte de cursos. Meu filho só fez o ensino médio. Ele não tem a mesma bagagem que o senhor. Sempre achei que cobrasse demais dele. Aí, quando ele ia ter que parar de fazer o curso de fotografia, porque eu não podia mais pagar, o senhor criou um jeito de Jean-Claude poder continuar. Eu tinha raiva, seu Cavanagh, porque quando branco cobra resultado de preto, é só pra humilhar, pra dizer que a gente não merece estar nos mesmos lugares, que somos inferiores, é pra mostrar que a gente não é capaz... Ao dar essa oportunidade para o meu filho, deixar ele trabalhar aqui... o senhor não tinha obrigação de ajudar o Jean-Claude. Mas ajudou e agora tá ajudando de novo, dizendo que meu filho pode ficar despreocupado... Eu te julguei mal, senhor Cavanagh. Uma vez, Jean-Claude me mostrou uma foto sua, e eu olhei para sua aparência: cara de metido, parecendo modelo de revista. Pensei: esse aí namora com o pai da Allissa? Aquele homem tão legal? Rico é besta mesmo. — A mulher riu e Alexander sorriu com ela. — Eu tava esperando encontrar agora uma pessoa totalmente diferente... como os patrões que tive. Uma gente que não tava nem aí pra ninguém... Daqui por diante, quando Jean-Claude reclamar do senhor, darei um tapa nas orelhas dele. — Se levantou e apoiou o copo na escrivaninha. — Muito obrigada, seu Cavanagh. Agora, vou pra minha casa, pois ainda tenho que cuidar do mercado. Tenha um bom dia.
— Allissa, você não quer acompanhar a senhora Handal até a casa dela? — Alexander se sentiu deslocado após escutar as palavras da mãe de seu assistente.
— Você não quer vir também? — Allie indagou um pouco confusa.
— Jean precisa de uma amiga mais do que de um professor. — respondeu o fotógrafo enquanto caminhava para abrir a porta.
— Está certo, então. — A jovem não concordava, mas preferiu não discutir. Imaginou que Alexander tivesse seus motivos para não querer se envolver. Quem sabe falasse sobre isso em outro momento. — Até mais.
— Me mantenha informado, por favor. — Alex pediu e com o menear da cabeça de Allissa em concordância, a viu partir ao lado da mãe de Jean-Claude, ouvindo, em seguida, o som do motor do carro da mulher.
Quando se viu só, Alexander voltou a se sentar na cadeira atrás da escrivaninha, girando-a para ficar de frente a janela que estava diretamente atrás de si. Enquanto observava a rua além do vidro, se perguntava do que adiantava lutar tanto para criar boas oportunidades acadêmicas e profissionais para jovens que, mesmo sendo honestos, seriam massacrados por um Estado racista, que transformaria tais oportunidades em nada.
O fotógrafo se sentiu impotente. A notícia sobre o mal que acometera Jean-Claude tirou seu chão.
Tentou então focar sua mente na arrumação do estúdio. Alexander considerava que, apesar de responsável, Jean tinha problemas com o conceito de organização. Abrindo armários, encontrou lentes destampadas, acessórios fora de suas caixas e câmeras guardadas com as baterias dentro. Arrumou tudo e foi atrás de um pano para tirar o pó dos móveis. Ao terminar, notou que suas mãos estavam escuras e grudentas, devido a sujeira. Não tardou em decidir lavá-las na pia do pequeno banheiro que havia ali.
— Como eu queria fumar um cigarro. — disse para si mesmo e caminhou em direção a uma das gavetas da escrivaninha. Nela, apanhou um maço fechado de cigarros e o isqueiro que guardava. Havia se esquecido completamente de seu esforço para não voltar a fumar, talvez, por estar distraído com a questão de Jean ou por estar voltando ao estúdio após muito tempo e não ter se lembrado de que restavam vestígios de seus vícios ali.
A primeira tragada foi prazerosa, enchendo o corpo de Alexander com uma sensação de nostalgia. Nostalgia? Sim. Droga! — Caralho! — O fotógrafo vociferou ainda com o rolinho de veneno entre os dedos. — Que merda, não era para eu ter fumado! — Se irritou e esticou o braço até o pequeno cinzeiro sobre a escrivaninha, pensando em apagar o cigarro. Interrompeu o movimento no meio, contudo.
Seu corpo queria mais daquilo.
Alexander vacilou diante das próprias resoluções. Perdido em pensamentos e se deixando distrair com atividades triviais, se esqueceu dos objetivos que tinha traçado para si. Estava dividido entre apagar o cigarro de uma vez e tentar esquecer o próprio vacilo, ou terminar de fumar, já que tinha começado, aproveitando o bem-estar momentâneo que o ato proporcionava.
Sofrendo para recusar suas próprias desculpas para permanecer sob o jugo do vício, Alexander ainda deu mais duas tragadas antes de esmagar o cigarro no cinzeiro com uma força desproporcional. No fim, aquilo que serviria para aliviar sua ansiedade só conseguira deixá-lo ainda mais irritado. Agora, não apenas com as injustiças da vida, mas também consigo mesmo.
Procurando se livrar do odor do cigarro, Alexander voltou ao banheiro, lavando as mãos e também o rosto. Ao sair, decidiu voltar à tarefa de arrumação e, entrando no cômodo em que realizava os ensaios, sentiu seus olhos serem atraídos pela própria imagem refletida no espelho que cobria uma das paredes.
— "Esse aí namora com o pai da Allissa? Aquele homem tão legal? Rico é besta mesmo." — Alexander se lembrou das palavras da mãe de Jean-Claude, e ao fazê-lo, sentiu uma pontada de raiva queimar em seu peito. Quem aquela mulher pensava que era para desdenhar de sua aparência, falando como se ele não fosse digno de se relacionar com Fredrick?
Olhando para o espelho, Alexander encarava a si mesmo e se recordava do passado. A expressão séria que ostentava agora contrastava com a suavidade que seu rosto transmitia quando mais jovem. Antes, quem o olhasse diria que estava sempre prestes a sorrir. Hoje em dia, seu olhar pesado e os lábios levemente curvados para baixo, faziam com que o fotógrafo parecesse não ser capaz de dizer sequer uma coisa boa.
Estava magro e isso lhe envelhecia, dando-lhe uma aparência de homem cansado da vida. Talvez, fosse justamente esta a questão, já que, no passado, era um rapaz esperançoso e cheio de sonhos, e agora admitia para si mesmo que não sabia bem o que estava fazendo.
— "Tire essas porcarias de anéis! Vão achar que você é bicha!" — Alexander se lembrou das palavras de seu pai. — "E troque essas roupas também."
— "Não vou pagar curso de fotografia! Você tem que ter uma profissão de verdade!" — Lucília Cavanagh dizia enquanto costurava roupas em uma antiga máquina. — "Não sei o que você vê de tão interessante nessas fotos bobas. Ninguém decente vai te pagar por fotos como as que você tira... "
— "Desculpa, Alex, não é nada pessoal, mas não podemos fazer a atividade que o professor pediu com você. Nossos pais não querem que a gente ande com bicha..." — Uma colega de escola disse aos risos.
— "Senhor e senhora Cavanagh, temos notado que as notas de Alexander vêm caindo, vejam, isso é incomum, pois ele sempre foi um rapaz muito inteligente." — O professor falava em tom amigável, esboçando um sorriso tímido quando direcionava seu olhar ao garoto sentado ao lado dos pais. — "Recentemente, também encontramos a razão do problema." — Desdobrou um pedaço de papel que segurava e o entregou a mãe de Alex, cuja face branca se avermelhou completamente. — "Um colega de sala entregou vários bilhetes como este que estão vendo agora, dizendo que o filho de vocês... bem, que o Alexander se interessa por meninos. Infelizmente, as palavras que ele usou não foram tão gentis como as que estou usando neste momento." — O professor olhava para as faces transtornadas dos pais e então para o adolescente sentado e de cabeça baixa. A respiração de Alex deixava claro o fato de que chorava. — "Peço para que sejam pacientes e conversem com o filho de vocês. É possível que isso nem seja mesmo verdade e... bem, se for, por sorte, temos psicólogos capazes de ajudá-lo a tratar esse desvio. Não precisa ser o fim do mundo..."
— "Um colégio cristão pode ser uma boa coisa pra ele, sim, essa é uma ótima ideia." — dizia Lucilia ao telefone. — "Um pouco de disciplina vai fazer bem à ele. Sim, nós estamos cansados e temos orado muito para que Deus nos dê forças. Sei que não deveria pensar assim, mas... sinceramente, se era para ter um filho como ele, preferia não..." — A frase da mulher foi interrompida pela voz da amiga que dizia exasperadamente para que ela virasse a boca para lá.
— "Bem, filho... você já tem dezoito... diferentemente de mim e da sua mãe, sei que sua praia não é igreja. E está tudo bem, mesmo. Tanto que, se você tivesse idade, eu te levaria para tomar uma cerveja. Engraçado que esse país proíbe álcool para menores de vinte e um, mas não proíbe que um jovem visite casas de striptease. Se você tivesse uma namorada, eu deixaria você a levar de carro para jantar em um lugar legal, depois para um motel..." — O homem de cabelos grisalhos riu sacana. — "Aliás, filho... você precisa dar um jeito de vencer a timidez e arranjar uma menina pra ti. As pessoas disseram que você... que você era um... uma dessas bichas, mas eu... eu não acredito nisso, entendeu? Meu filho não é uma bicha, não. A gente te criou direito. Não tem problema você ser mais, como se diz... sensível... só que você fica muito estranho com essas roupas, cruzando as pernas... Homem, filho... homem de verdade não usa essas blusas... enfim, mas eu sei que nada disso faz com que você, meu filho seja... gay. E você vai provar para o pai isso hoje. Não conta pra sua mãe, porque, sabe como é, isso é coisa de homem... meu pai fez isso comigo e você fará isso quando tiver o seu moleque. A gente vai no clube, você vai escolher uma dançarina pra si e... não me olha assim, filho, depois você vai me agradecer. Às vezes, a gente só precisa de um empurrão pra dar aquela despertada..."
Enquanto se olhava no espelho, Alexander se recordava de que tinha tentado se matar na mesma noite em que seu pai o havia convencido a fazer sexo com uma garota de programa. Ele e o pai haviam parado em um restaurante para comer, pois Alex estava pálido como um cadáver e tão silencioso quanto um. Não aguentando mais ouvir o pai o parabenizar por ter mostrado que era homem, escondeu uma faca na manga da blusa e foi ao banheiro. O encontraram a ponto de desmaiar, sangrando pelos pulsos em uma das cabines sanitárias. Por sorte, os cortes foram superficiais e sequer deixaram cicatrizes.
— "Esse aí namora com o pai da Allissa? Aquele homem tão legal? Rico é besta mesmo." — As palavras da senhora Handal retornaram a mente do fotógrafo. O que Freddy tinha visto mesmo em Alexander? O que havia de tão interessante naquele corpo magrelo? Era bonito? Era, mas também era maculado pelas agressões causadas por si mesmo e por outros. O suicídio, o assassinato, o ódio e os vícios.
Fodido. Em todos os aspectos.
Sua mãe estava certa. Nada de bom seria tirado da vida que ele queria ter. Homem amar outro homem? Amor não era coisa para bicha. Amor era um conceito divino, não existiria em relações tão torpes.
Mentira.
As fotos? A realidade estava ali para provar que nenhuma pessoa decente pagaria pelas fotos que Alexander tirava. Hoje em dia, ele trabalhava com o quê? Não ganhava a vida como diretor de projetos de uma grande empresa, justamente porque a profissão de fotógrafo não o havia levado a nada?
Engano.
Na verdade, até levou. Levou para Luigi, o monstro que quase o matou. Sua mãe estava certa. E Alexander queria fazer algo para ajudar alguém? Ele realmente achava que seus projetinhos na Freeman's salvariam alguma pessoa? Que Jean-Claude teria uma vida melhor se recebesse o incentivo acadêmico e profissional que precisava? Não. De modo algum.
Mentira.
Jean-Claude, mais cedo ou mais tarde, entraria para as estatísticas macabras dos Estados Unidos da América. Seria mais um jovem negro morto pelo país que deveria protegê-lo. Dane-se se era um menino honesto, se era trabalhador, se tinha sonhos.
Como disse Childish Gambino, em sua música: "This is America".
Não!
Alexander não passava de um viadinho tentando provar que seu modo de vida podia ser tolerado. Não podia. Não seria. Não importava o quanto lutasse ou quantos sonhos abandonasse para tentar melhorar as vidas dos outros. Já que a dele tinha sido uma grande merda. Mas não importava. O sonho de Oliver não passava de uma piada.
Mente doente e mentirosa!
Preto?
Gay?
A não ser que seja rico e, até mesmo se for rico...
Vai morrer... vão morrer... vão matar...
E não há nada que possa ser feito.
É mentira!
Uma gota de veneno... às vezes, era tudo o que a depressão precisava para atacar. Uma amizade interpretada como possivelmente tóxica. Uma concepção maldosa e reconhecidamente equivocada em meio a um sincero agradecimento.
Por que Freddy o queria tanto? A resposta estava ali, mas Alexander não via.
Pois se sentia fraco, impotente, velho, feio, fracassado... sentia que não merecia ser o alvo daquele amor que o médico dizia nutrir por ele. Homenzinho tolo... Enganado pelas mentiras da própria mente que ainda carregava em si um mar de raiva e culpa.
E no dia anterior ele estava tão bem... sorria e brincava e nem parecia ter aquela doença escondida dentro do peito. É, ninguém nunca parece.
Alexander fechou a porta do estúdio e a trancou. Inventou uma desculpa qualquer para não retornar ao apartamento de Fredrick. Queria ficar sozinho. Má ideia. Mas o fotógrafo não estava pensando direito. Em sua vida inteira, raramente esteve.
— Alexander! — Um homem o chamou. O tom de voz raspado e de ar mais velho era bem conhecido. O fotógrafo congelou, mas o frio invernal não foi a causa disso. — Alexander, sou eu... queria conversar com você. — Pediu o indivíduo com gentileza. — Por favor... não precisa ter medo de mim...
Respirando fundo e se esforçando para não ter um ataque na frente das pessoas que passavam na rua, Alexander se virou em direção da voz que o chamava. Seus lábios tremeram e seu coração começou a acelerar. — O que quer de mim?
Notas Finais: O título deste capítulo se une com o título do capítulo anterior para formar a frase "Veneno em doses homeopáticas também mata". A ideia de ambos é abordar o fato de que, para uma pessoa mentalmente instável, como o Alex, basta, às vezes, uma palavra mal colocada, ou um acontecimento ruim para desencadear uma série de pensamentos e atitudes perigosas. Vamos tomar cuidado para não ferir as pessoas por aí com nossos comentários e "boas intenções"? Bem, obrigada por ler. Espero que esteja curtindo. Vote e comente para me ajudar e corra para ler o próximo capítulo! Abraços
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