12 - Aquilo que Traz Esperança
- Allissa quer arrumar um emprego agora... - a voz de Fredrick soou alta demais através dos fones de ouvido que Alexander usava para conseguir conversar e fazer o jantar ao mesmo tempo.
- Espera... vou abaixar o volume do fone... - disse o fotógrafo ao secar as mãos e pegar o smartphone - Voltei! - avisou e voltou a cortar cebolas - Agora? - indagou - Ela nunca trabalhou?
- Nunca... - respondeu Fredrick. - Vida boa, não é?
- Melhor impossível. - riu Alexander, embora achasse um absurdo que uma jovem de vinte e um anos nunca tivesse tido uma experiência profissional - E como as coisas estão no trabalho? Tem falado com a dra. Louise? - enfatizou o nome da diretora do hospital.
- Só o básico... - respondeu o médico - Ela quer que eu seja co-autor em um projeto... - explicou - Vamos tentar iniciar isso quando chegarem as férias escolares.
- Legal... - Alexander comentou sem muito interesse - Ela vai para o jantar na casa daquele seu amigo? - se referiu ao dr. Leroux.
- Não sei, talvez vá... vários colegas de trabalho irão... - Freddy pensou um pouco - Quer ir?
- Não mesmo! - a resposta veio com o tom de quem diz: "que merda você tem na cabeça? - Que merda você tem na cabeça?
- Eita, calma! - Fredrick não segurou uma risada.
- Calma? - Alexander riu outra vez, embora estivesse realmente indignado - Imagina só o amigo "viado" do doutor Warren no meio de um monte de médicos homofóbicos...
- Ah, eles não são assim... - Freddy tentou defender os colegas.
- Você disse, esses dias, que o doutor Leroux era seu melhor amigo... - o fotógrafo insistia em sua posição - Se ele não é homofóbico, por que ainda não contou que pegou um cara numa balada?
- Não é tão simples assim... - Fredrick dava desculpas - Você contou para sua família logo quando compreendeu que era gay?
- Não. - a menção de família trouxe memórias ruins para Alexander - Não contei justamente porque sabia que eles não iriam me aceitar... - disfarçou um tom de voz embargado.
As palavras do fotógrafo deixaram o coração do médico pesado. Tinha que admitir que se achasse que seria aceito, já teria compartilhado a verdade com aquele que considerava ser seu melhor amigo.
- Quando contou... sua família... como ela reagiu?
Alexander não gostava de pensar em sua família. Gostava menos ainda de falar a respeito dela.
- Foram contra... - respondeu - Disseram todas aquelas merdas sobre Deus e sobre o Inferno e sobre quão indecente eu era por gostar de garotos. - resumiu severamente o próprio drama - Mas eu fui embora da casa deles não muito depois de "sair do armário". Nunca tive que realmente lidar com a reação deles...
Apesar do calmo tom de voz, o jeito acelerado com o qual Alexander falava fez com que Freddy compreendesse que aquele não era um tema confortável. Como seria? Estavam falando da possibilidade de ser rejeitado por aqueles que amavam. Como poderia algo assim soar confortável?
- Eu não contei... não apenas por achar que Lerry vai ser contra, eu... - o médico preferiu voltar a falar sobre si mesmo. Não queria que o fotógrafo se fechasse - Eu não sei porque decidi agir assim... quero dizer, não sei porque de repente me vi completamente a fim de... - passou uma mão no rosto enquanto rolava na cama de sua suíte.
- Fredrick... isso não pode ter acontecido do nada... - Alexander não perderia a oportunidade de tirar os holofotes daquela conversa de sobre si - Ninguém passa de hétero para gay ou bi em uma noite... deve ter havido um sinal, algo que indicasse sua orientação, mas que, por motivos diversos, pode ter siddo ignorado. - sugeriu, adicionando tiras de carne de frango ao tempero feito com cebola e alho.
- Ah, eu nunca fui realmente contra gays... - Freddy comentou, apanhando o controle da TV e a ligando - Sempre tive uma relação tranquila com esse tipo de gente...
- Meu tipo de gente... e seu tipo de gente, não esqueça disso. - Alexander brincou, por mais que falasse sério - Vai, conta a verdade, antes de mim, você já ficou com outro cara?
A pergunta do fotógrafo enviou o médico de volta no tempo. Ele se lembrou de sua época no colégio, quando era apaixonado por uma menina chamada Catarina Mansel. Naquele tempo, Fredrick era apenas um garoto gordinho que escondia o excesso de peso com sua avantajada altura. Sendo muito mais inteligente do que a média e incapaz de se dar bem nos esportes, era considerado um dos nerds da turma, contudo, a facilidade de se entrosar impedia que seu amor pelos estudos o isolasse dos demais.
Freddy se lembrava de que, quando era adolescente, tinha se apaixonado por umas duas ou três garotas. A tal Catarina era a única da qual ele se recordava bem. Isso acontecia porque a paixão por ela tinha sido tão grande que até chegaram a pensar em casamento, após namorarem por apenas seis meses. O médico ria de si mesmo agora. Ficou mal por meses após o término, que ocorreu sabe-se lá porquê. Seus pais disseram que "não era para ser", assim, como se o destino das pessoas estivesse escrito nas estrelas.
Foi na época do término que Freddy ficou muito próximo do rapaz que, por muitos anos, chamou de "melhor amigo". Qual era mesmo o nome dele? Romeo... Romeo... Romeo do quê? Ele era de família italiana. Castell... Castello... Isso, Castello Bianco! Romeo Castello Bianco! Por onde será que andava (se é que ainda andava) o tal Romeo?
Romeo era um dos poucos latinos que haviam na escola caríssima em que Freddy estudou. Tinha cabelos pretos e pele parda, olhos castanhos e, quando todos os outros garotos estavam desenvolvendo músculos levemente definidos e ficando barbudos, ele permanecia liso, completamente livre de pelos e fino como uma vara. Por ser péssimo nos esportes e bom em matemática, ficou amigo de Freddy, que sempre dava um jeito de escapar das aulas de educação física. No começo, a amizade dos dois era estranha, pois não tinham quase nada em comum e, como se não bastasse, espalhavam rumores de que ele era filho de mafiosos italianos. Vê se pode um negócio desses.
Esse rumor, inclusive, teve uma função engraçada na vida de Romeo, pois a ideia era que fosse algo pejorativo, que lhe tirasse a paz. Contudo, quando um novo rumor surgiu, a possibilidade de se tornar inimigo do "filho do Poderoso Chefão" impedia que os "bullies" o incomodassem demais.
O tal rumor dizia que, por suas características físicas e jeito "não másculo", o tal Romeo Castello Bianco era gay.
Um rumor bastante ignorante em uma miríade de aspectos, para dizer o mínimo.
Freddy nunca se importou com isso, claro. Romeo sempre foi um bom amigo e isso era tudo o que importava. Claro que, parte do grande "foda-se" que Fredrick tacava para o que seus colegas cochichavam pelos cantos se devia ao fato de que ele não acreditava que o rumor fosse verdadeiro.
Um terceiro amigo dos dois (um do qual Fredrick realmente não lembrava o nome), sabendo que Freddy estava triste por conta do término com Catarina, decidiu chamá-los para dormir em sua casa. Foi uma noite divertida, jogaram videogames, leram HQs, falaram mal da ex de Freddy, afinal, não há nada melhor para um ego ferido do que falar mal de outra pessoa.
Por fim, lá pelas três ou quatro da madrugada, quando os três estavam bêbados (embora não tivessem permissão para beber) e com sono, o amigo que era dono da casa decidiu que queria tomar banho, deixando Freddy e Romeo sozinhos no quarto. Uma conversa psicodélica sobre garotas, amor, amizade e injustiça terminou com os dois garotos colados um no outro pelos lábios. Ninguém sabia exatamente quem tinha começado com aquilo, mas o álcool (ou talvez fossem a curiosidade e o desejo) os fez continuar até que a língua de um entrou na boca do outro e um braço envolveu uma cintura.
Separaram-se num pulo, assustados, olhos arregalados, silêncio mortal e constrangedor. O que tinham feito? Romeo era mesmo gay? Ou era Freddy bi?
Um pedido de desculpas desajeitado e envergonhado foi feito por ambos, depois mal puderam se encarar. Quando o amigo dono da casa voltou para o quarto, ninguém contou qual era a razão do clima estranho que dominava o ambiente.
Oh droga! O que diabos tinha acontecido ali? A parte triste de tudo isso foi que a vergonha que Freddy e Romeo sentiam era tão grande que superou a amizade. Se falavam cada vez menos, até perderem totalmente o contato um do outro. Uma pena, não apenas pela relação que se perdia, mas pela descoberta que seria adiada. Fredrick não sabia sobre Romeo, mas se sentia curioso sobre aquela experiência, não tinha certeza se tinha gostado daquilo. Porém, não podia deixar de notar que aquele beijo tinha despertado algo em si.
- Você gostava desse garoto? - Alexander indagou.
- Ele era meu amigo... quando esse... beijo aconteceu, confesso que comecei a vislumbrar a possibilidade de sermos... algo mais... - Freddy respondeu, pensando em como estaria Romeo agora. - Tipo... ficava imaginando em como achariam estranhos juntos... Não era um pensamento de todo o mal, para ser sincero. Entretanto, fomos nos afastando e, depois de um tempo, acho que só esqueci do assunto... - uma risada do outro lado da linha surpreendeu o médico - Do que está rindo? - ficou sem graça e sentiu a face esquentar.
- Desculpe, é que... - Alexander despejou o frango grelhado ao lado de uma porção de creme de milho - É legal que você não tenha começado a odiar o garoto e nem tenha exposto ele...
- Eu não faria isso...
- Obrigado... - o fotógrafo apanhou uma porção de comida com um garfo quando percebeu que acabara de conhecer mais uma razão para gostar de Fredrick Warren.
Ele era gentil.
Mesmo não entendendo muito sobre questões de sexualidade, mesmo não sabendo exatamente o que fazer, quando pôde agir, agiu com respeito e com o coração aberto para o novo. Por isso, o fotógrafo agradeceu.
Pois Romeo poderia ter sido Alexander, poderia ter sido qualquer um, contudo, se Fredrick não fosse gentil, aquela história toda poderia ter sido muito pior, por mais que não tivesse, necessariamente, acabado bem.
- E teve mais alguém? Depois do tal Romeo?
- Um cara quis ficar comigo uma vez, mas eu já estava junto com a mãe da Allie... - Freddy respondeu prontamente, se lembrando do professor Henry Jensen. Por onde será que ele andava agora?
- E você ficou com ele? - Alexander indagou, decidindo ignorar completamente o fato de Fredrick ter dito estar comprometido na época.
- Mas é lógico que não, né? - respondeu Freddy, se perguntando que tipo de bosta seu deus estava pensando - Não sou de trair...
- Ninguém tá falando de traição... - o fotógrafo se justificou - Às vezes, vocês tinham um acordo, sei lá...
- Não sou de fazer acordos... - a voz veio brincalhona, porém taxativa.
- Você também não era de ficar com homens... - o deus provocou.
- É diferente... - Freddy se defendeu.
- Eu sei... - respondeu após tomar um gole de um suco de laranja que achou horrível - Eu tô brincando contigo... - quis deixar claro antes que houvesse algum mal-entendido - Puta merda, Fredrick... eu comprei um suco com gosto de esgoto! - compartilhou seu desgosto com o "amigo colorido".
- Já tomou água de esgoto? - o médico brincou com o comentário de Alexander.
- Você tá sendo idiota igual ao meu colega de apartamento, sabia disso? - o deus revirou os olhos e depois enfiou uma porção grande de comida na boca. A ideia era apagar o gosto ruim do suco com o gosto bom dos alimentos. Não deu certo.
- O seu namorado? - foi a vez de Freddy provocar.
- Eu vou desligar, sério... - o fotógrafo ameaçou em tom de brincadeira. Seus lábios estavam esticados, formando um sorriso que insistia em surgir, por mais que ele estivesse tentando ficar bravo.
- Tá bom, eu paro. E tô triste por você e pelo suco ruim, me lembre de não te beijar por um tempo... - Fredrick fez questão de dizer, só para ouvir outra reclamação da parte de seu deus. Por algum motivo, achava divertido escutar Alexander xingar e reclamar de coisas bobas. Talvez, o motivo fosse o fato de sentir que, quando ele fazia isso, era um sinal de que estava tudo bem.
Rabugento incorrigível.
- Enfim... o cara que queria ficar com você... me conta, você só deu um fora nele e pronto? - o fotógrafo decidiu retomar o assunto.
- Ah... - Freddy voltou a pensar - A gente nunca tinha tido tempo para conversar, então ele se aproximou em uma das festas da universidade em que eu trabalhava, na época... - se lembrou do sorriso tímido do rapaz - Estávamos lado a lado, ele puxou papo, a gente fumou juntos... Jensen parecia gostar de tocar minhas mãos, porque todas as vezes em que passávamos o beck um para o outro, nossos dedos acabavam enroscados. Era engraçado. - riu - Quando a gente estava alto e rindo de tudo, ele perguntou se eu tinha compromisso... Foi bem sutil. Eu que tive que interpretar que ele tava meio que me chamando para sair. Imagino que a discrição era para que ele pudesse avaliar se eu era daquele tipo de homem que se ofende com investidas masculinas.
- É... típico... - Disse Alexander.
- Como assim? - Freddy ficou confuso.
- A maior parte de vocês... quando quer chegar numa mulher, simplesmente vai até a moça e pergunta se ela está a fim... - o fotógrafo começou uma explicação - E, se é a mulher que chega, vocês não se ofendem... mas quando se trata de gente como eu... - se referiu aos não heterossexuais - A gente tem que tomar cuidado, pois, aparentemente, nossa existência é uma ofensa e chegar num cara para ver se ele está a fim é uma afronta à masculinidade de vocês... a gente tem que ser discreto, tem que sondar, ver se o alvo não é um babaca...
- "Vocês"... Eu não sou assim... - a voz de Fredrick soou séria - Não deveria me incluir nesse grupo.
Alexander demorou para responder.
- Desculpe... você, na verdade, foi bem doce.
E o médico se surpreendeu ao lembrar que tinha passado por essa situação com o fotógrafo, afinal, foi o deus encarnado que deu o primeiro passo. Ficou feliz por saber que ele o havia considerado "doce". Se sentiu orgulhoso até.
- Bem, para resumir, só expliquei ao cara que já estava comprometido... não entrei em detalhes sobre gostar ou não de homens. - continuou Fredrick a contar - Ele entendeu, pediu desculpas e se afastou... confesso que fiquei meio decepcionado, não queria que ele achasse que eu não queria ser amigo dele...
- Faz parte... eu acho. - comentou o fotógrafo - Mas você pensou no assunto, tipo... você aproveitaria a chance, caso estivesse solteiro?
O médico começou a pensar. Já não se lembrava tão bem da aparência do rapaz, sabia que ele era negro e tinha a cabeça raspada, era alto, sim, bem maior do que o próprio Freddy, mas não parecia ser muito forte, não, ele provavelmente era do tipo magro.
- Não lembro muito da cara dele, para ser sincero. - comentou, rolando na cama - Mas ele tinha um estilo parecido com o seu. Se vestia bem, estava com um cachecol comprido no pescoço, disso eu me lembro bem. - completou - Confesso que não sei se teria ficado com ele, caso estivesse solteiro. Admito, porém, que a aproximação dele inflou o meu ego... eu fiquei me sentindo foda pra caralho, tipo...
- Entendo. - Alexander riu ao colocar o prato na pia - Em primeiro lugar, começo a reconhecer um padrão no tipo de cara que curte. Em segundo, essas duas experiências que teve já são suficientes para que saiba que, querido doutor Warren, você é bissexual. - completou.
- Ok, mas isso não seria suficiente para dizer que eu sou apenas "curioso"? - indagou Freddy, ponderando nas palavras do "amigo colorido".
- Você estava curioso quando acabou beijando seu colega de escola? - Alexander questionou e Freddy rapidamente compreendeu o argumento do fotógrafo - Fredrick, a gente não vira homo ou bi... - iniciou uma explicação - A gente nasce assim e somos quem somos, gostamos de quem gostamos. - disse, caminhando para o quarto e apanhando o próprio notebook - Se você fosse hétero e tivesse ficado comigo só por curiosidade, não acho que você iria querer... - buscou as palavras certas para dizer - Não acho que iria querer continuar com isso...
O médico permaneceu em silêncio, considerando as palavras que lhe foram ditas. É, o argumento do fotógrafo fazia sentido. Como não faria? Fredrick suspirou, admitindo para si mesmo que, na verdade, estava apenas evitando encarar o fato de que sabia ser bissexual. Sempre soube. Por mais que nunca tivesse pensado muito no assunto.
Para Freddy, assim como para a maior parte das pessoas, a heterossexualidade era algo compulsório, uma condição imposta junto a uma série de características que visavam definir o conceito de homem e mulher. Seus pais, modelos de macho e fêmea bem sucedidos na sociedade, o criaram da melhor forma que conseguiram, ensinando-o a respeitar a todos, a ser tolerante, inclusive, porém, tolerar era diferente de ser e, por isso, disseram a ele que ser qualquer coisa distinta do que ditava o conceito de homem, era errado.
E por homem, se entendia macho. Por mulher, se entendia fêmea.
Fredrick Warren cresceu pensando que, por ter nascido homem, era obrigado a se apaixonar somente por quem nasceu mulher. Ou seja, por ser macho, era obrigado a amar uma fêmea. Contudo, aos poucos, foi se tornando mais e mais capaz de enxergar que ser homem ou ser mulher transcendia o fato biológico, ultrapassava os limites do sexo e não se resumia ao que chamavam de "coisas de menino" ou "coisa de menina".
Azul, rosa, carrinhos, bonecas, gostar de esportes, ser responsável pelos afazeres domésticos, ser sensível, ser bruto, cuidar dos filhos, fazer fofocas, usar vestido, ter cabelos curtos, amar um homem, amar uma mulher. Nada daquilo jamais poderia resumir uma pessoa, o ser humano não era binário, não pensava em alto contraste. Não. Existiam nuances.
Como disse Shakespeare: "Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia."
- Eu ainda não tinha pensado nisso dessa forma... - Freddy admitiu - Obrigado por me dar esse insight... - agradeceu, desligando a televisão, se levantando e indo até a janela para observar a noite, que dessa vez não estava chuvosa.
Alexander apenas riu em seu lado da linha. Uma risada não muito animada, por mais que soubesse ter feito um bem ao médico.
- Está tarde... acho que vou desligar agora, tenho que corrigir os trabalhos dos meus alunos e ainda preciso editar umas fotos que tirei em um evento. - comentou - Espero ter sido útil. - falou em tom de brincadeira.
- Você foi...- a voz de Fredrick soou - E mesmo que não tivesse sido, gosto de conversar com você... - a fala do médico fez o fotógrafo se sentir estranho.
Riu outra vez, pois não sabia se era prudente dizer que também gostava de conversar com Freddy.
- Boa noite, Fredrick... a gente se fala depois, ok? - iniciou a despedida.
- Ok, bom trabalho aí e... boa noite. - Freddy desejou e a ligação foi encerrada, gerando uma solidão imediata no peito de ambos os homens.
Alexander abriu uma pasta de imagens e acendeu um cigarro, olhou as fotos e começou o trabalho de edição. Por ser um fotógrafo experiente, sequer precisava pensar para descobrir quais eram as alterações a serem feitas.
Corrigia os pequenos defeitos no automático, pois, para ele, todos os casamentos eram iguais. O álbum de fotos era um registro do passado, mas, em verdade, se tratava de uma promessa. Cada imagem era um desejo, uma esperança. A esposa sorridente, o marido carinhoso. O casal deveria olhar para aquilo e ser capaz acreditar que seu amor poderia, até mesmo, superar a morte.
"Adicione contraste, saturação, afine a cintura, não fotografe contra a luz do sol."
Um passo a passo para criar uma foto espontânea. Que ironia.
Uma imagem editada para representar o amor verdadeiro. Um desejo.
O deus encarnado de Fredrick Warren estremecia ao ouvir a voz de seu humilde adorador. Sentia o próprio coração pular uma batida quando o médico dava a entender que apreciava sua companhia. Desejava que fosse verdade. Desejava, assim como o casal que desejava encontrar num álbum de fotos a força para não desistir do amor. Mas tinha medo.
Medo de quê?
Alexander Lucius Cavanagh descobriu que era homossexual aos treze anos. O rótulo era grande e assustador, simbolizava algo ruim.
Sodomita.
Coitado, ele sequer sabia o que era sexo naquela época, sendo apenas um menino sensível o suficiente para entender que o que sentia pelo "aluno novo" era mais do que amizade. Nunca teve a coragem de dizer ao rapaz o que sentia.
Com quinze anos, teve sua primeira relação sexual. Foi com um rapaz que frequentava a igreja que Alexander ia com os pais. Ele era bonito e tocava guitarra, pena que era revoltado contra Deus e usava cocaína para desafiar a família.
Com dezessete anos, o "amigo", com quem decidiu se abrir na escola, contou para todo mundo que Sacha, como Alexander era apelidado pelos pais, era "viado" e, assim, o inferno começou.
Não era mais bem-vindo na casa de seus amigos, não tinha mais com quem realizar as tarefas escolares, foi humilhado por sua família e até tentaram exorcizá-lo na igreja. As fotos eram seu refúgio e foram elas que o guiaram aos braços daquele que um dia chamou de amor.
Sua história acabou (ou teria começado) quando conheceu Lucas, seu amigo viciado em heroína. E com suas constantes recaídas, era o único na vida do fotógrafo que tinha uma justificativa para o decepcionar de novo e de novo. Ele era uma pessoa doente. Pelo menos, tentava melhorar.
Fora o colega de apartamento, todos aqueles que Alexander conheceu o feriram no final, com seus pensamentos e com suas ações, cada relação... cada nova esperança... cada foto de amigos, representando um desejo, tudo acabou no lixo após a mudança para uma nova cidade. E a ideia agora era não sofrer tudo aquilo outra vez.
Fredrick Warren assim surgia na vida de seu deus como uma nova esperança. Ao mesmo tempo, era uma ameaça de decepção. Pois todos os erros se pareciam com acertos no início. Se fosse de outra forma, ninguém erraria.
Alexander havia seguido o próprio coração, se deixado levar pelo amor, pela amizade e pela confiança. A palavra (ou palavrão) que ele usava para descrever o estado em que se encontrava, graças a isso, era "fodido". Contudo, seu coração insistia em bater forte pelo médico que tinha conhecido em um lugar tão inóspito para o amor. Uma balada.
Chegava a ser engraçado.
Agora, falava com ele todos os dias e se sentia ansioso pela próxima conversa, tanto que as mensagens deixaram de ser suficientes e as ligações passaram a durar horas. Eram "amigos coloridos".
Porra! Quem Alexander queria enganar? O mundo? A si mesmo?
Queria dizer que seu laço com Fredrick era apenas sexual? Que poderia deixá-lo? Que poderia simplesmente se desvincular, assim, quando bem entendesse? Idiota! Filho da puta idiota! Estava se apaixonando pelo pai viúvo de uma filha adotiva que calhava de ser bissexual. E daí que ele ainda não tinha saído do armário? E daí que não havia qualquer garantia de que ele um dia assumiria a verdade? Quem poderia garantir que ele não iria escolher a reputação? Os amigos homofóbicos, a heterossexualidade imposta, mas que era tão mais conveniente.
Lá estava Alexander Lucius Cavanagh se apaixonando de novo quando sua mente, já tão massacrada, dizia:
- Para! Seu idiota! Você só vai se foder de novo!
Abraçou o próprio corpo, por um instante, tinha que se lembrar do que o tinha levado até ali. Fechou os olhos e se lembrou da dor de ter seus ossos quebrados. Isso foi o que conseguiu! Seu idiota fodido!
- Pára de ser tão negativo. - Lucas costumava dizer, quando compartilhavam o apartamento, entre as internações. - Não é porque aconteceu algo ruim uma vez, que vai acontecer sempre. Você é muito paranóico!
Ok, talvez o amigo viciado tivesse alguma razão. Não havia mesmo mal em dar outra chance para si mesmo, certo? Certo?
Agora, era professor da filha do cara por quem estava se apaixonando... Para que caralho tinha ido a ideia de não se envolver? Para a puta que pariu, essa era a resposta.
Ah, que se foda!
Alexander continuou a editar as fotografias, continuou a embelezar uma realidade não tão bonita quanto o que se queria. Depois, corrigiu os trabalhos dos alunos e desejou que as fotografias deles os levassem por caminhos melhores dos que aqueles que trilhou. Por fim, desligou o notebook e foi dormir.
A paralisia do sono veio junto com a manhã.
Aquela figura apertava seu pescoço e não o deixava fugir ou gritar por socorro. Até que o smartphone vibrou, se movendo sobre a mesinha ao lado da cama. Alexander moveu os olhos e pode deduzir o nome de Fredrick na tela acesa. Seu primeiro pensamento foi pegar o aparelho e pedir ajuda, então se esforçou para mover os membros inertes. Era como se estivesse preso em um corpo que não era seu.
Aos poucos, foi conseguindo se virar e se aproximar, lutando para esticar um dos braços, até que seu cérebro finalmente "religou" suas capacidades motoras. Quando alcançou o telefone, percebeu que chorava. O terror que as paralisias lhe causavam era uma das piores coisas que já havia sentido. No entanto, tal sensação ruim se atenuava conforme digitava um "bom dia" para responder a mensagem enviada por Freddy.
Era por isso que insistia naquilo.
Sozinho, tinha apenas o terror. Mas Fredrick Warren lhe trazia esperança.
Notas Finais: Oie! Muito obrigada por estar acompanhando esta obra! Espero que esteja gostando (até pq, se não estiver, vou achar que você é masoquista kkkk). Clica ali na estrelinha, comente, se estiver curtindo e bora para o próximo capítulo!
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