Anpanman
— Até que enfim!
Ela ouviu a voz antes mesmo de dobrar a pequena esquina que separava sua casa do resto do condomínio. Gostava de como sua porta ficava oculta das outras por conta de uma muralha de plantas feitas pelo morador anterior, lhe dando a falsa sensação de privacidade num bloco de condomínio onde cinco casas rodeavam uma pequena praça – que na verdade era um jardim com uma estátua mal feita dentro de uma pequena rotatória. Sua casa era a segunda contando do portão e seguindo pela direita da rotatória. Amava fazer esse caminho a pé, mas ao ouvir aquela voz, se arrependeu amargamente de não ter feito de carro e entrado pela garagem.
— Não é possível, eu filmei de perto a crucificação de Cristo. — praguejou baixinho enquanto procurava o spray de pimenta dentro da bolsa. Achava que tinha se livrado de Mike assim que deixou J-Hope e seu manager no hotel, mas pelo jeito estava errada. Quando finalmente passou pela barreira de plantas, deu de cara com o modelo-barra-ator-barra-dançarino esperando por ela.
— Até que enfim! — ele repetiu batendo as mãos nas roupas como se quisesse limpar a calça jeans por ter ficado sentado ali.
Tatiana fingiu não ver ou ouvir o rapaz. Passou por ele com tranquilidade e parou a frente da porta, pronta para digitar a senha da fechadura sem que ele pudesse ver. Infelizmente ele estava em cima demais para que pudesse esconder, então recolheu a mão e fechou os olhos, contando até cinquenta.
— Podemos conversar, Tati? — ouviu ele dizer baixinho. Sentiu a mão dele em sua cintura antes mesmo de abrir os olhos, assustando-se. Num movimento rápido ela deu dois passos para o lado e se afastou dele, abrindo os olhos finalmente.
— O que está fazendo aqui? Como passou pela portaria?
— Foi fácil, o porteiro me reconheceu de hoje cedo. — o sorriso no rosto dele fez com que ela voltasse a procurar o spray de pimenta na bolsa. — Falei para ele que eu era seu namorado. Funcionou. Ele até me deu parabéns.
— Yey! "Parabéns"! — ouviu-se dizer. Por que diabos tinha que ter usado uma bolsa tão grande? Podia simplesmente ter deixado tudo no estúdio. Voltaria para lá depois, mesmo!
— É sério, Tati. Vamos conversar. Só um pouco...
— Não tem nada para conversar, Mark.
— Mike.
— FODA-SE! — gritou finalmente encontrando o maldito spray. — Eu não tenho nada para falar com você. Você NÃO é meu namorado. Não sei nem de onde tirou essa ideia absurda se tudo o que a gente teve foram duas trepadas.
— Saímos por quinze dias...
— E nos vimos DUAS vezes nesses quinze dias. Em que planeta isso vira namoro, garoto?!
— Eu achei que...
— Olha... — ela suspirou. Fechou a mão no spray de pimenta e o segurou com força, sem realmente tirá-lo da bolsa. — Eu não vou usar dançarinos no MV. Nem nenhum tipo de cast. É por isso que foram dispensados. Deixe seu portfólio com meu assistente e se um dia eu fizer alguma coisa que precise de dançarinos, eu te chamo. — falou tentando passar uma imagem mais doce e suave, que não tinha realmente, mas que às vezes funcionava.
Quanto mais tempo passava ali com aquele rapaz, mais se sentia acuada. Será que não teria paz nem em casa? Será que ele não percebia que ter ido até ali depois de ter sido dispensado só o fazia parecer um assediador? Ela não era o tipo que se intimidava com facilidade, mas estava incomodada com aquela insistência, com a história de se fazer passar por namorado dela, por se enfiar em meio aos dançarinos sem realmente fazer parte deles. Viu ele abrir e fechar a boca várias vezes, calculando o que ia dizer e quase teve um infarto quando seu telefone começou a tocar. Nunca achou que ficaria feliz com uma ligação de Agustín, mas estava. Atendeu no segundo toque.
— Tatiana.
— Consegui uma intérprete!
— Ai Graças a Deus! Onde você está?
— Podemos vê-la amanhã...
— Não, Agustín. — enfatizou o nome dele, olhando de soslaio para o dançarino ainda parado a sua frente.
— Eu... está tudo bem? — o assistente hesitou.
— Não, Agustín. — ela respondeu, repetindo o nome dele. — Não se preocupe, estou a caminho. — desligou o telefone sem maiores explicações. — Você precisa ir. — falou para o dançarino.
— Mas ainda não resolvemos nosso assunto, Tati.
— Diretora Hamilton. — ela corrigiu. — Terminamos. Não tem anda entre nós, não temos um relacionamento, não somos parceiros de produção. Não tenho interesse. — falou. Fingiu tirar as chaves do carro de dentro da bolsa e voltou a passar por ele para sair novamente.
— Tatiana, por favor... — ele a segurou pelo braço e ela finalmente usou o spray.
— NÃO TOQUE EM MIM! SE CONTINUAR INSISTINDO EU VOU GRITAR! — apertou o dispositivo com tanta força que todo o seu conteúdo foi nos olhos do rapaz. Mal percebeu que já estava gritando.
— Dona Tatiana! — o porteiro apareceu esbaforido ao lado da cerca viva.
— JUAN! ELE NÃO É MEU NAMORADO, SE ELE ENTRAR DE NOVO EU VOU TER QUE TE REPORTAR PARA O SÍNDICO! — gritou e saiu sem olhar para trás. O coração batia acelerado e o braço ardia onde o garoto havia segurado. Não sabia por que tinha reagido daquele jeito, mas sentia que estava prestes a ter uma crise de ansiedade, por medo ou estresse, não sabia definir. Jogou a bolsa no banco do passageiro do carro e saiu disparada. — Use os exercícios de respiração. Inspira. Expira. Inspira. Expira — falou para si mesma, apertando o volante enquanto voltava para o estúdio.
* * *
— Cadê? — desceu do carro e por muito pouco não abraçou Agustín ali mesmo, por tê-la salvado. Duplamente. Uma do maluco se achando namorado e outra com a intérprete.
Olhou para o assistente e só então viu a garota ao lado dele. Não tinha mais do que treze anos, mas ainda assim era mais alta que Agustín. E magra, bem magra. Podia ser modelo se quisesse. Usava os cabelos crespos presos no alto, num coque que fazia com que os cachos caíssem longe dos olhos, protegidos por uma armação redonda idêntica à que Tatiana usava quando trabalhava. A garota não desviou o olhar, ou sorriu, mas parecia tão curiosa quanto a diretora. Só então ela percebeu a camiseta do BTS que a menina usava.
— Hoje é dia de trazer um parente para o trabalho? — perguntou irônica. A garota não tinha nada a ver com Agustín, ela era negra, ele latino, mesmo assim perguntou. As famílias atualmente tem todo tipo de indivíduo e ela não se surpreenderia se descobrisse que os dois eram irmãos.
— Parente? — ele perguntou confuso. — Ah! Você diz ela? — apontou para a garota — Essa é Anna, nossa intérprete.
— Como assim intérprete? — ela olhou de novo para a garota. — Quantos anos você tem, menina?
— Quatorze — ela respondeu levantando o queixo orgulhosamente.
— Uma criança, Afonso?
— O que aconteceu com o "Agustín"? — ele perguntou confuso. — Achei que finalmente tinha aprendido meu nome. O que aconteceu, Tatiana?
— Aconteceu que você me prometeu uma intérprete e me deu uma adolescente. — falou desviando o assunto. Não queria sequer pensar na possibilidade do tal Mark ainda estar na porta do condomínio esperando por ela.
— Eu tô aqui, sabe? — Anna finalmente abriu a boca e falou. — A "adolescente" é fluente em coreano — respondeu se empertigando.
— E daí? Vai te dar mais sete anos? Não vai. — respondeu e voltou a encarar o assistente. — De onde saiu essa brilhante ideia?
— Do sufoco que passamos mais cedo, Tatiana! Não podemos mais nos dar ao luxo de escolher. Ela é filha da prima da vizinha da Lupe — falou.
— Nossa... O que?
— E é fluente em coreano — a menina falou. — E fã do BTS. — completou— Posso ajudar de graça, se quiserem.
Aquilo calou a boca dos dois.
— É sério. Se isso significa ver o Hobi de perto, eu faço de graça com um sorriso no rosto. — ela explicou.
— Hobi? De quem ela está falando, Aluísio?
— Você nem mesmo sabe os apelidos dele? — Anna desdenhou. — Não é à toa que não conseguiu ninguém...
— Como é que é? Garota, você sabe com quem você vai trabalhar?
— Sei! J-Hope do BTS. Jung Hoseok. Hobi. Your hope, my hope — ela falava com tanto orgulho e com tanta segurança que por um segundo Tatiana realmente considerou a possibilidade.
Lendo o pensamento dela e entendendo perfeitamente como ela estava calculando todas as possibilidades, Agustín saiu do lado da garota e parou ao lado de Tatiana, os braços cruzados atrás do corpo, balançando-se no mesmo lugar enquanto a deixava raciocinar. Se fizesse força, achava que seria capaz de ouvir as engrenagens girando e se encaixando.
— Isso é...
— Completamente possível se a Lupe assumir a responsabilidade...
— Como assim?
— Ela só precisa assinar alguns papéis, dizer que a menina está com ela em casa e...
— Espera, a Lupe mora na MINHA casa durante a semana, isso quer dizer que ela vai ter que morar comigo? — apontou para a menina.
— Ei! Eu estou ouvindo tudo! — os dois a ignoraram.
— É só essa semana, Tati. — o tom que Agustín usava era suave, quase sedutor. Como se pudesse realmente convencer a chefe a aceitar aquela ideia maluca.
— Mas ela só tem oito anos, Agustín!
— Quatorze! — ele e a menina corrigiram ao mesmo tempo.
— Não posso fazer isso, é... é... sei lá, exploração infantil! — tentou argumentar.
— Não se ela for paga. — contra argumentou o assistente. — Eu já fiz todas essas perguntas, Tati. É nossa única saída. Vai ser como trabalhar com uma cantora mirim.
Os dois voltaram a encarar a menina. A camiseta que ela usava tinha o logotipo do BTS, roxo contra preto e mesmo assim a postura era a de uma modelo apesar da peça simples.
— E ela vai ter que morar comigo?
— Só essa semana...
Tatiana pensou no rapaz parado em frente à sua porta mais cedo. Colocar uma adolescente lá aumentava mais o risco das duas. Mas também garantia que alguém chamaria a polícia assim que ela gritasse.
— E o termo de...
— Ela já assinou. — interrompeu Agustín, prevendo que ela ia mencionar o termo de responsabilidade e confidencialidade. Realmente tinha feito todo o trabalho difícil dessa vez. Tinha falado com advogados, empresários e a família da garota. Até mesmo Guadalupe já estava ciente de tudo. Bastava Tatiana aceitar.
— Há quanto tempo é fã do BTS, Aline? — Tati perguntou.
— Desde que debutaram. — respondeu com orgulho. — E é Anna. — corrigiu.
— Certo. — Tatiana ignorou a segunda parte. — Há quanto tempo fala coreano? O quão fluente você é?
— Posso te mostrar. — ela tirou o celular do bolso e abriu um vídeo no YouTube. Era a mesma música que J-Hope havia dançado mais cedo, Boy Meets Evil, mas ao invés do videoclipe, havia uma foto e uma legenda. — Fui eu que legendei esse vídeo.
— Qualquer um pode fazer isso usando um tradutor, garota. Isso não prova nada.
— Mas...
— Amanhã vamos fazer o teste. Se for melhor que meu aplicativo, você fica. — respondeu. — O celular fica comigo.
— Mas...
— Questão de segurança. Se for boazinha, eu deixo você tirar uma foto com o "Hobi". — respondeu jogando o aparelho da menina dentro da própria bolsa. Agustín sorria de orelha a orelha quando o encarou. — Se der errado é o seu emprego que entra na linha. — o sorriso desapareceu na hora. — Obrigada, Agustín. - sussurrou baixinho com um sorriso.
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Nota da autora: quase que não sai esse capítulo a tempo. Mas a vitória veio e junto com ele um capítulo novo na aventura da Tati e do Agustín.
Espero que gostem.
bjs
<3
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