Capítulo Único
Capa by tearskookie
Com um bater de cílios ela abriu seus olhos e olhou ao redor, para a bagunça em que se encontrava. Estava em um ateliê.
Um ateliê bagunçado, com quadros espalhados, tudo tão cansado. Quadros em preto e branco, uma garota em meio a ele que havia perdido suas cores, e não sabia quando havia se perdido. Essa era ela. Lalisa Manoban.
Querida pintora, enfurnada em um ateliê pequeno aos fundo de sua casa. Sentindo saudade dos tempos em que seus quadros eram tão coloridos. Nem ao menos se lembra de quando decidiu viver por ali, quando seus quadros ficaram em preto e branco. Quando tudo começou.
Estava ali, cansada de tudo. Não sabia mais o que fazer. Sua mente pesava, seu peito hiperventilava, e seus olhos lacrimejavam.
Ela está perdendo suas cores.
Simples como a dita frase.
Ela está perdendo suas cores.
Chegou em um estágio onde sentar na janela e ler um livro pela manhã com uma caneca de café fumegante já não desperta mais sua criatividade e ânimo. Sentar frente à tela branca lhe da um misto de tristeza e descrença consigo mesma. Olhando o tom branco e a tela nua, vendo ali como está hoje em dia.
Ela tem de tudo, o papel, o cavalete, a tinta, pronta para seguir e ser um belo quadro, mas não tem nada ao mesmo tempo, pois a tela de sua vida atualmente continua em branco, metafórica e literalmente.
Ela não tem uma paixão por alguém para lhe inspirar. Já pintou sobre praticamente tudo que poderia pintar, personagens de livros que já leu, animais, casais da praça, pintou sobre seus sentimentos — excluindo os mais íntimos, aqueles profundos dos quais tem ciúmes de transpôr ao papel. Já usou de todas as suas cores.
Ela só não entende como não percebeu a chama de sua essência usada nas pinturas se esvaindo de si. Ela perdeu suas cores de pouco em pouco. Seus quadros se tornaram preto e branco, refletindo sua vida, seu psicológico, sua alma.
Pobre garota, confusa, cansada, ansiosa, nervosa com tudo. São tantas questões que faz à si mesma. Não sabe se deveria estar a procura de um amor, um par para toda a vida, sua metade da laranja. Não sabe como seguir. Ao menos sabe como se encontrar novamente.
Lalisa está presa em meio a uma exaustão incessante. Sentar e inspirar não diminui o cansaço. Dormir lhe deixa mais pesada. "O que fazer?" é a questão.
Olhando para seus quadros no ateliê, pôde notar sua evolução, sua transição. Sente um arrepio somente ao lembrar como se sentia feliz pintando em aquarela, analisando que há tantos quadros desse tipo de pintura, e mais tantos de tentativas suas com outros tipos, que ficaram boas, no entanto, não eram como aquarela, que lhe fazia inspirar calma e feliciade, não eram seu tipo ideal de pintura, a qual mais se identificou.
Mas o problema está mesmo nas trocas de estilo de pintura? Algo faz sentir que não.
Resolveu por fim que daria uma volta no pequeno bosque que cercava sua casa. Precisava de novos ares, precisava se conectar com algo vivo diferente de si e seus quadros sem cores.
Passando pelo seu corredor espelhado, mesmo que contra a própria vontade ela olhou, olhou com toda sua amargura, todo seu ressentimento, para aquilo que chamava de "seu reflexo". Mantendo seu olhar firme, mesmo que por dentro tudo em si desmoronasse, questionou:
"Quem é você afinal?"
Tão rápida a resposta lhe veio, no mais puro desprezo e sarcasmo.
"Quem achas que sou?"
Afinal, era disto que se tratava.
Ela ignorou aquilo que em sua mente passara. Em seu caminho até a pequena clareira próximo a sua casa, observou com afinco tudo a sua volta, esperando que com isso tivesse de volta as suas cores. O assobio do vento por entre as árvores volta e meia aparecia. O farfalhar das folhas parecia lhe chamar.
"Dançe conosco, apenas uma vez, conceda-nos nossa última dança"
Porém foi um suave cheiro, quase impercetível que chamou a atenção da artista. Logo ao centro da pequena clareira, uma querida senhora estava ao aguardo, a imensa e antiga árvore parecia cobrir a clareira, os raios de sol transpassavam por entre as verdes folhagens. Era lindo.
Lalisa sentiu um calor em seu peito, amarelo. Cores, cores, cores. A brisa lhe beijou a face. O embalo por entre o maravilhoso som da natureza. Um leve passo à frente, tímido, delicado. Era o começo.
Como se ouvisse o som de instrumentos, ali começou a dançar, seu coração retumbando como nunca, os cabelos ao vento, azul. Sentiu imensa força brotar em si, vermelho.
Ó, cores.
Seu vestido emaranhava-se por suas pernas não conseguindo acompanhar a dança. Os braços estirados para o alto, com a ponta dos dedos tentava tocar as nuves. Seu olhar agora carregado de pezar. Tudo a sua volta parecia crescer.
Bum, Bum, Bum.
A melodia banhada num tom crescente, cada vez mais agitada. Passos rápidos.
Libere seu coração, exploda essas cores presas em você.
Dance.
Olhava para todas as direções, por entre as piruetas, o balançar de braços de um lado para o outro, abraçando seu próprio corpo.
Dance!
De movimentos sincronizados e em padrão, para uma bagunça referente ao seu "eu". De passos suaves, para fortes pisadas contra o chão. O balançar do quadril, o sutil toque dos dedos contra o chão. As mãos passendo pelo rosto e pescoço, emaranhando os cabelos.
"Quem é você?" O bosque lhe questionava.
"Me diga você, quem sou eu?" Lalisa respondia.
Uma coragem amarela florescia em seu peito, estava a ponto de tossir suas pétalas, sentia os espinhos pela garganta. Uma alegria lhe brilhava pelos olhos, via estrelas e lantejoulas por todos os lados. Uma calma azul lhe atingia a mente refrescando. Um calor vermelho lhe tingia as bochechas e dedos, a fazendo ferver.
Dance, dance, DANCE! Antes que o tempo lhe acabe! RÁPIDO!
E ela explodiu em cores, fazendo caras e bocas, experimentou de um carinho diferente. Que belo reencontro, sendo coberta de emoções, de cores e sabores, alguém lhe abraçava e sabia bem quem era. Sim, ela conseguiu. Mas tão logo sua alegria lhe veio, ela teve de findar.
"Corra!" A grande árvore lhe gritou.
"Mas por que eu deveria? Acabei de me reencontrar! Para onde mais eu iria?" Lalisa questinou.
"Seus quadros!" Lhe respondeu.
Confusa Lalisa resolveu obedecer. Levantou-se e calmamente rumou em direção de volta para casa. Saboreando as memórias frescas.
Corra.
Algo lhe pinicou os sentidos. Algo estava errado. O que há?
Corra!
Ela apressou o passo, ainda não correndo tão depressa quanto deveria.
Corra, corra!
O ápice estava de volta. Como em uma grande peça teatral, onde a mocinha enfrentava grande risco. Instrumentos retumbando. Bum, bum, bum.
Corra, Lalisa! CORRA!
E ela enfim correu, o medo lhe espreitando o peito, roxo. Ela não estava acostumada com essas tantas cores. A agonia lhe apunhalando as costas, laranja. O pessimismo lhe corroendo a barriga, verde. Cinza lhe banhava a vista, uma grande nuvem de chuva cobria os céus.
Bateu de frente com a porta da casa, parando alguns segundos para respirar. Ao que abriu a porta teve seu olhar capturado por seu reflexo, sabia quem era agora. Teve vislumbres de um relfexo distorcido, e mesmo confusa se recordou do motivo de sua correria, e seguiu por entre os espelhos do corredor.
Chegou estabanada em seu ateliê, respingava por todos os lados. Agora observando que o que respingava também eram seus quadros pretos e brancos.
Sua cabeça doía. Se sentia cansada. Precisava dormir. Ao passo em que se sentou na poltrona e fechou brevemente os olhos para descansar, ouviu uma voz ao fundo dizer:
"Ó não, vai começar novamente" Era o bosque lamentando.
Ao abrir seus olhos mais uma vez já não estava em seu ateliê, não havia tinta, nem cores.
"Onde estou?" Questionou para o nada. Até assustar-se com o som da porta se abrindo.
"Certo, é hora do seu remédio, mocinha" a mulher vestida de branco comentou, misturando algo em um copo com água enquanto outra mulher adentrava o lugar preparando uma seringa com algum outro remédio.
"Não vai doer nada, querida" tentou acalmar a garota como sempre fazia, ajeitando a camisa de força para aplicar a dose, logo após de Lalisa ingerir os remédios via oral. "Muito boa garota, agora continue aí e comporte-se, sim?" Afagou-lhe o topo da cabeça.
Sem ao menos se pronunciar, Lalisa continuou ali, observando a redoma em que se encontrava. Era tudo tão branco. Desenhos enfeitavam as paredes, alguns jogados pelo chão e grafite espalhado para todo lado. Desenhos de uma menina se olhando no espelho, desenhos de uma menina em um ateliê sentada na janela e tomando algo de uma caneca fumegante enquanto lê um livro, desenhos de uma menina correndo de uma chuva, e os únicos coloridos ali era o de uma menina dançando em uma clareira com uma grande árvore e o de uma menina sentada em uma poltrona num ateliê.
O que quer que estivesse acontecendo ali, estava claramente assustando Lalisa.
Com um bater de cílios ela abriu seus olhos e olhou ao redor, para a bagunça em que se encontrava. Estava em um ateliê.
Um ateliê bagunçado, com quadros espalhados, tudo tão cansado. Quadros em preto e branco, uma garota em meio a ele que havia perdido suas cores, e não sabia quando havia se perdido. Essa era ela.
Lalisa Manoban.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro