𝟬𝟵. PARAÍSO SOMBRIO.
CAPÍTULO 09 | PARAÍSO SOMBRIO
Edith encarou uma gota d'água cair da torneira e pousar sobre a pia antes de ser levada pelo ralo. Observou por longos segundos enquanto outras faziam o mesmo caminho, e com força em uma das mãos, girou o registro para tentar parar com aquilo de vez, soltando um suspiro em seguida. Fechou os olhos e deu as costas à pia, pegando o copo sobre a mesa e servindo uma dose de uísque no mesmo antes de virá-la rapidamente, sentindo o líquido descer queimando, e fez uma careta, antes de servir mais um pouco.
Ela talvez quisesse se esquecer do fato de que, naquele dia, sentia-se como as gotas d'água que eram levadas pelo ralo sem poderem lutar. As imagens dos corpos no Garrison ainda eram claras em sua mente, assim como as marcas de dedos em seus braços após os policiais agarrarem-nos com tanta força. Ela devia tudo aquilo a Thomas Shelby. Era tudo culpa dele, e ele nunca faria nada para evitar ou mudar aquilo; enquanto estivesse em Small Heath, ela estaria sujeita a ele e às suas ordens, e por mais que lutasse, sentia que as coisas sempre viravam-se a favor do homem que, curiosamente, parecia nunca estar a seu favor.
Thomas às vezes disfarçava seus atos. Trocou a fechadura de sua porta, mas manteve uma cópia da chave. Mandou embora seu pai após o mesmo a insultar, mas também lhe disse para segurar a língua. Ofereceu-se para lhe levar até em casa, mas antes que chegassem, entregou uma arma em suas mãos e pediu para que matasse em seu nome. A mesma mão que Thomas Shelby estendia para ajudar era a que usava para puxar o gatilho, e Edith estava se cansando de tudo aquilo.
O que mais a irritava era o fato de que o homem se recusava a enxergar o que estava bem à frente de seus olhos e, assim, colocava todos eles em risco. Ele mesmo, sua família e, principalmente, ela. Havia algo de errado com Grace; ela ainda não sabia exatamente o que era, mas a falsa inocência da garçonete já não passava de uma ridícula história para fazer crianças dormirem. Para seu azar, a história estava funcionando com Thomas Shelby.
Aquilo não deveria arrancar seu sono como estava fazendo, mas ela não podia evitar. Quase havia sido presa por empunhar aquela arma quando, na verdade, quem puxou o gatilho foi Grace.
A maldita Grace.
Ela virou mais uma dose de uísque e abandonou o copo sobre a mesa de novo, antes de caminhar em silêncio até a porta que levava ao ateliê e abri-la. Já que estava acordada, podia ao menos usar seu tempo para fazer algo útil, como costurar novas peças, e com esse pensamento, sentou-se em frente à uma das máquinas.
━ Eu preciso de um novo casaco ━ decidiu, murmurando para si mesma.
O tempo passou. Ela não sabia dizer quanto. Foi tirada de seus devaneios quando escutou batidas na porta, e imediatamente desligou a máquina de costura e franziu o cenho, estranhando o fato.
━ As máquinas não funcionam sozinhas, Edith ━ ela identificou a voz que menos queria ouvir do outro lado da porta, baixa e rouca como de costume, e o imaginou com um cigarro entre os dedos. ━ Eu sei que está aí.
Não havia escapatória. Ele entraria se quisesse, e por isso, ela caminhou até a porta e a destrancou.
━ Você não tem casa, porra?
━ Toda Small Heath é minha casa ━ ele respondeu, sério, e a mulher não se impressionou.
━ E por algum motivo, é para o lugar em que eu moro que você continua vindo durante a madrugada ━ falou, cruzando os braços. ━ Não há mais ninguém para você incomodar além de mim?
Ele a encarou com as sobrancelhas levemente erguidas, um brilho de diversão em seu olhar.
━ Cuidado, Edith, ou vou pensar que você quer que eu passe a noite ━ Thomas disse, subindo o degrau único e parando ao lado de Edith ao entrar no ateliê, olhando para ela por cima do ombro ao continuar com a voz ainda mais baixa: ━ É o que você quer?
Preston o encarou de volta, sem esboçar uma reação.
━ Parece algo que eu quero?
Thomas respirou fundo, dando mais um passo adentro do ateliê, e Edith permaneceu encostada contra a batente da porta, encarando a rua vazia e escura, molhada pela leve garoa que caía naquele momento. Ela estava mesmo com raiva naquela noite; diziam-na para se manter longe de problemas, mas continuavam a arrastá-la para eles, sem nunca a recompensar. Ao mesmo tempo em que era tratada como uma confidente da família, era tratada como a forasteira que fugiu para a cidade após cometer um crime.
E eles estavam em todo lugar. Eles estavam sempre por perto e nunca a deixavam em paz. Nas ruas, no cinema, no bar, no ateliê, em sua própria casa. Talvez ela tivesse um imã para os Shelby; todos eles pareciam ter fortes sentimentos por ela. John teve algo parecido com amor. Polly teve o ódio. Arthur tinha o medo. E Thomas Shelby era Thomas Shelby, e era incapaz de sentir alguma coisa muito diferente da indiferença.
━ Diga logo o que quer aqui ━ ela insistiu, paciente, virando-se para encará-lo. ━ Esse dia já não rendeu o suficiente?
Pela primeira vez em todos os meses desde que Edith havia se mudado para Small Heath, ela viu Thomas desviar o olhar, após encará-la por alguns segundos. Sua atenção prendeu-se ao chão, e com a voz baixa, ele disse:
━ Me desculpe.
As sobrancelhas de Edith se uniram em descrença e ela fechou a porta atrás de si, dando alguns passos em direção ao homem. Ela cruzou os braços.
━ O que disse?
Mas Thomas sabia que ela havia escutado, porque era Edith, e ela nunca deixaria aquilo passar. Ela ouviu cada sílaba de suas palavras, mas o pedido de desculpas não era o suficiente, e ela estava indo em busca da humilhação. A mulher queria vê-lo se arrastar no chão, implorando por seu perdão, e era algo que o homem nunca faria. Ainda assim, ela não deixaria de tentar.
━ Eu pedi desculpas, Edith ━ ele voltou a dizer, agora encarando-a com um olhar firme. Ela semicerrou as orbes, endireitando a postura, e por alguns segundos, sentiu-se no topo do mundo. Sentiu-se maior do que Thomas Shelby. Melhor do que ele. ━ Por tudo que a fiz passar hoje.
Ela voltou a insistir:
━ Hoje? Não desde que cheguei aqui?
━ Hoje ━ ele afirmou, lentamente, como se falasse com uma criança. Edith soltou uma risada breve e seca.
━ Não é o bastante para mim.
Foi a vez de Tommy dar um passo em sua direção, tirando a boina dos cabelos e apoiando-a sobre o balcão de madeira, tendo os olhos de Edith fixos em seu rosto.
━ É tudo que posso oferecer.
Preston estudou cada traço de seu rosto, dividindo o olhar entre seus olhos, profundos e azuis, que naquele momento pareciam bem mais escuros do que o comum, e seus lábios, sérios e rosados, rachados pelo frio. Manteve a atenção em seu olhar, e disse:
━ É menos do que eu mereço.
Ele balançou a cabeça em concordância, agora retirando as luvas que cobriam suas mãos, que logo abandonou ao lado da boina.
━ E ainda assim, você irá aceitar.
Ela já não sabia se ele se referia ao pedido de desculpas ou algo a mais; as palavras de Thomas Shelby costumavam ter mais de um significado. As suas também. A atmosfera do ateliê naquela madrugada estava diferente; era como se a raiva de Edith pudesse contaminar todo o local, e quando Thomas chegou, seus próprios sentimentos — a fúria, o medo, o arrependimento — se unissem à névoa de irritação que os envolvia. Mas havia algo mais; algo que os dois percebiam e, disfarçadamente, tentavam ignorar.
Edith costumava ver o fantasma de Albert por todos os lados quando ficava sozinha. Naquela noite, ele não estava ali.
Mas Thomas estava.
Thomas, e toda a repulsa que acendia em Edith por simplesmente ser quem era. A fúria por sempre entrar em seu caminho e estragar seus planos. A impaciência, por mudar as regras do jogo sempre que ela estava prestes a vencer. Ela fazia de tudo para repeli-lo.
E, por algum motivo, ele ainda a atraía.
━ Você não sabe o que diz ━ ela sibilou, com seus rostos próximos, praticamente despercebida dos passos que dava para trás conforme Thomas continuava avançando lentamente em sua direção. Quando sentiu seu corpo bater contra a madeira do balcão, mordeu o interior das bochechas, segurando as extremidades do móvel com as mãos. ━ Você não sabe de nada, Tommy.
━ Eu sei o suficiente ━ ele retrucou, observando seus lábios, e agora seus corpos não eram separados por mais do que um polegar de distância. Suas respirações misturavam-se, e ele não fez mais nenhum movimento; se Edith desejasse sair, poderia facilmente. Mas não saiu. ━ Sei que você se dispôs a matar por mim.
Ela levantou o queixo, empinando o nariz em uma expressão de superioridade ao olhar para ele.
━ Na maior parte dos momentos, eu preferiria matar você.
Thomas riu baixa e perigosamente, balançando a cabeça em concordância. Então, com ambas as mãos, retirou duas armas do interior do sobretudo, e entregou-as nas mãos de Edith.
━ Então me mate, senhorita Preston.
Ela encarou as armas nas mãos. O brilho prateado a fez sentir uma corrente elétrica por todo seu corpo, e ao subir os olhos para Thomas, a corrente se intensificou. Edith sempre soube, desde o início, que os dois travavam sua própria guerra. Sua pequena batalha particular por poder. Não poder sobre Small Heath e seus habitantes, mas poder sobre o outro. Ela poderia acabar com aquilo agora. Poderia vencer, mas não iria. E Thomas sabia daquilo tão bem como ela.
Edith abandonou as armas gélidas contra o balcão, empurrando a boina e as luvas que estavam ali ao chão. Thomas levantou as sobrancelhas, e ela o agarrou pelo colarinho, agora colando seus corpos. Havia fúria em seu olhar, dançando livremente como chamas em uma fogueira. Ele comprimiu os lábios em uma linha fina, observando o craquelar do fogo de seus olhos. Sentiu-se aquecido. Envolvido pelas chamas. Mas sabia que poderia se queimar a qualquer momento.
━ Já estou farta de mortes.
Ela puxou seu colarinho mais uma vez, obrigando os lábios de Thomas a chocarem-se contra os seus ao mesmo tempo em que ele agarrou seus quadris e a fez sentar-se sobre o balcão. O beijo iniciou-se voraz, como se duas pessoas famintas finalmente pudessem matar a fome após meses de espera; seus lábios dançaram ao ritmo de uma canção que apenas os dois conheciam, e Edith soltou um gemido baixo ao enlaçar as pernas ao redor do corpo de Thomas, como se nem toda a proximidade do mundo pudesse ser suficiente.
Thomas sentiu seu sobretudo ser empurrado por seus ombros ao mesmo tempo em que apertou a cintura da mulher à sua frente. Ele a soltou por meros segundos, apenas o bastante para livrar-se dos suspensórios, e quebrou o beijo para fazer aquilo, recobrando a respiração e admirando os lábios vermelhos e inchados de Edith. Riu baixo, e tentadoramente, voltou a se aproximar, encarando seus olhos escuros ao levar uma mão à sua cintura e a outra ao seu rosto, acariciando a pele com cuidado, descendo seu toque leve como uma pena pela lateral de seu pescoço, ombro e então seu braço, antes de subir novamente. Dessa vez, com menos gentileza na mão, envolveu seu pescoço e a viu morder o lábio inferior, soltando um suspiro baixo enquanto suas pupilas dilataram-se.
Aplicou um pouco de pressão, e a mulher abriu um sorriso sujo ao deixar escapar um gemido leve. Ele sentiu seu coração palpitar. Inferno de mulher. Ela o puxou para si novamente, desabotoando sua camisa com a destreza que apenas ela poderia ter, e obrigou as mãos de Thomas a se afastarem dela para despi-lo da camisa. O homem sabia o que ela estava fazendo, era claro que sabia; ele já havia perdido as armas e algumas camadas de roupa, enquanto ela ainda estava completamente vestida. Edith dominava a situação. Seus comandos eram ordens que ele não desejava ignorar.
Ela estava vencendo.
━ Você está com pressa ━ ele observou, voltando a apoiar uma mão em seu rosto, e pressionou os lábios entreabertos de Edith com o polegar. ━ Nós temos a noite inteira.
Edith balançou a cabeça negativamente, correndo as unhas levemente pelo peitoral de Thomas.
━ Você não sabe se ainda vou querer você quando o sol nascer, senhor Shelby ━ ela sussurrou, e suas mãos alcançaram o botão das calças do homem, desabotoando-a com cuidado. ━ Não me decepcione enquanto ainda o desejo.
Não era um pedido. Não era uma pergunta. Era uma ordem.
Agora menos clemente, ele voltou a beijá-la. Virou o jogo. Dominou a situação. Ganhou controle. Usou seu próprio corpo para fazer Edith afastar ainda mais as pernas uma da outra, sentindo-a forçar os quadris contra os seus ao arquear as costas. Desesperada. Ela arranhou seus ombros com as unhas, jogou a cabeça para trás ao sentir os beijos descendo para seu pescoço, gemeu novamente quando ele chupou e marcou sua pele, agora levando os dedos ásperos e calejados à barra de sua camisola, segurando a seda e subindo-a por suas coxas. Quando seus dedos encontraram o ponto que Edith mais desejava, ainda coberto pelo tecido de sua calcinha, ele a sentiu molhada e soltou um murmúrio de aprovação.
Subiu seu toque até a frente do corpo da mulher e terminou de desfazer o laço já frouxo de seu robe, livrando-a dele. Tomou um segundo para observá-la e gravar a imagem em sua mente. O segundo durou ainda menos do que ele planejava; Thomas se deu conta de que queria senti-la mais do que queria a admirar, e enquanto uma de suas mãos viajou para sentir cada parte do corpo da mulher que antes estava coberto pelo robe, a outra envolveu sua calcinha, puxando-a para baixo até que estivesse presa à dobra de seus joelhos.
Thomas nunca foi um homem para brincadeiras. Nunca foi muito paciente ou gostou de ladainhas. Mordeu o próprio lábio inferior ao se perder no olhar inebriado de prazer da mulher quando dois de seus dedos a adentraram, e puxou-a para si quando ela arqueou as costas, apertando seus dedos em sua entrada. Seu polegar fez movimentos circulares em seu clitóris e ele a viu arregalar os olhos ao soltar mais um gemido, dessa vez mais alto, e voltou a beijá-la, abafando os sons que eram música para seus ouvidos e que ele não desejava compartilhar com mais ninguém.
Os pés de Edith empurraram suas calças para baixo de forma apressada e desajeitada enquanto ela gemia contra seus lábios, sentindo o corpo tremer diante dos movimentos de seus dedos. Ele aumentou a velocidade ao senti-la agarrando seus ombros, fincando as unhas em sua pele, observando o fio de saliva que o ligava a ela quando separaram-se do beijo.
━ Aqui? ━ ele indagou?
━ Agora ━ ela demandou.
Seus olhos agora estavam completamente pretos, tomados pelas pupilas dilatadas. Sua mão livre acariciou uma coxa da mulher, enquanto a velocidade de seus dedos em seu interior diminuiu, assim como a urgência dos movimentos de seu polegar. Ela arfou, e como se estivesse divertindo-se em uma brincadeira experimental, ele pressionou o polegar com um pouco de força, vendo-a jogar a cabeça para trás mais uma vez e morder os lábios. Thomas sorriu de forma quase sombria, curvando-se para beijar e mordiscar sua clavícula enquanto a mulher deitou-se completamente sobre o balcão, obrigando-o a afastar os lábios de seu corpo ao mesmo tempo em que retirava seus dedos de sua entrada.
Ele a admirou, dessa vez. Seu cabelo levemente bagunçado, seu corpo delineado pela seda rosa da camisola. A calcinha embolada em suas pernas. Thomas a retirou por completo, abandonado a peça em um canto qualquer do chão, e puxou Edith pela cintura para se sentar mais uma vez. Agora, dedilhou seu corpo até a barra da camisola, que já estava embolada em seu quadril, e puxou-a para cima lentamente, obrigando Edith a levantar os braços para que ele a retirasse. Ele estava em vantagem dessa vez; a mulher estava nua por completo, mas ele ainda tinha uma peça de roupa.
O frio atingiu o corpo de Edith em sua totalidade, mas ela sentia-se quente demais para perceber. Sua respiração estava ofegante, e ela fechou os olhos ao sentir os lábios de Thomas envolvendo um de seus seios, espalhando beijos por sua pele enquanto voltava a deitá-la sobre a madeira.
━ Tommy ━ ela gemeu seu nome, baixa e deliciosamente, e ele lambeu os lábios.
Não tinha mais pressa. Edith poderia dizer o que quisesse, ele sabia que ainda tinham o resto da noite. Observou seu peito subir e descer com a respiração pesada, e viu suas bochechas já coradas ficando ainda mais vermelhas quando ela mordeu os lábios ao vê-lo livrar-se da cueca que o cobria. Ao movimentar o corpo em uma leve agitação, ela sentiu um de seus ombros roçar no metal frio de uma arma, e Thomas a viu se encolher ligeiramente. Ele alcançou uma por vez, e verificou que estavam travadas antes de jogá-las sobre a poça de roupas que se acumulava próxima dali.
Não precisava de armas. Não naquela noite.
Tudo o que precisava era da mulher que estava à sua frente.
Posicionou-se em sua entrada e segurou firme em ambos os lados de seu quadril, sentindo-a cruzar as pernas ao redor de seu corpo mais uma vez. Ele empurrou o próprio corpo contra o de Edith, e ambos soltaram gemidos de satisfação quando encontraram-se no perfeito encaixe. Thomas começou a se movimentar, ganhando velocidade e adquirindo um ritmo prazeroso, que ele soube que agradava a mulher; seus gemidos ficavam mais altos a cada estocada, e ela o apertava dentro de si enquanto seu corpo balançava de acordo com os movimentos do homem.
Mesmo com o frio, ambos suavam.
Não sabiam dizer por quanto tempo continuaram naquela dança, com seus corpos tão próximos que pareciam um só. Thomas e Edith eram um só. Ela chegou ao ápice primeiro, sentindo-se ir ao céu e voltando à terra quando liberou seu orgasmo. Os sons que emitiu foram incentivo o bastante para que Thomas desejasse lhe dar prazer por dias e dias, noites e noites; aos seus ouvidos, pareciam angelicais, mas o que faziam era profano. Ele aumentou a velocidade e continuou por algum tempo, até atingir o auge de seu próprio prazer e liberar-se ainda dentro de Edith, e foi quando ela teve seu segundo orgasmo.
As pernas de Edith ainda tremiam quando Thomas deu as últimas estocadas, agora lentas, antes de retirar-se por completo de seu interior pulsante. Ele ofegava, e ela também. Ela se arrependeria da bagunça feita no ateliê quando a manhã chegasse, mas sabia que ele não estaria ali para ver. Não se importou. Sua mente logo abandonou aqueles pensamentos quando ele a puxou para cima mais uma vez, colando seus lábios em um beijo lento, antes de levantar seu corpo e carregá-la para a cama. Ele já havia estado ali vezes o suficiente para saber onde ficava.
Deitou-a com cuidado no colchão, antes de se deitar ao seu lado. Fechou os olhos quando o cansaço o atingiu, mas logo os abriu para ver a mulher deitada em um de seus braços. Edith era bonita quando estava com seu batom vermelho, suas roupas bem feitas e seu cabelo perfeitamente cacheado, mas naquele momento, era a visão do paraíso.
Um paraíso sombrio, formado por eles dois.
Thomas foi embora pela manhã. Edith não protestou. Não sabia exatamente como se sentia; a noite passada havia, definitivamente, sido um erro — um grande erro —, mas ela aproveitou cada segundo que aquele erro havia durado.
Envolver-se com Thomas Shelby não poderia resultar em nada bom. Ele era complicado demais para que ela achasse que aquilo iria a proteger; com John, o casamento era uma garantia, e com Tommy, ela não tinha nada. Ainda assim, a noite que tiveram juntos foi mais verdadeira do que qualquer momento de seu breve noivado com o irmão caçula do homem.
Não esconderam nada. A urgência estava ali, assim como a raiva, o ciúmes, o desejo. Era uma mistura de sentimentos que apenas pessoas tão danificadas pela vida poderiam ser capazes de compreender; Thomas e Edith eram dois lados de uma mesma moeda, e talvez por isso tivessem sempre sentimentos tão intensos um pelo outro. Por isso odiavam-se sem conseguir se odiar de verdade. Por isso se desprezavam enquanto zelavam um pelo outro. Por isso se ofendiam de formas que ninguém mais ousaria ou seria permitido a fazer.
Mas Thomas era um homem perigoso, e ela não precisava daquela complicação em sua vida. Não precisava que sua história com Albert continuasse com outro homem. Não queria enfrentar as mesmas batalhas novamente. Pior do que tudo aquilo, era a confusão que lhe afligia, porque Thomas era um mistério; aquilo havia significado algo, ou era apenas uma noite em sua vida? Ela disse que não iria desejá-lo quando o sol nascesse, e era capaz de manter sua palavra, mas precisava saber como seriam as coisas dali para a frente.
Ao mesmo tempo, não desejava descobrir.
━ Você teve uma noite e tanto ━ Jackie disse, assim que a viu sair na rua durante a tarde, após ter passado toda a manhã organizando e limpando a bagunça feita no ateliê. Edith comprimiu os lábios em uma linha fina, surpresa pelo confronto, e a vizinha continuou, com o fantasma de um sorriso nos lábios: ━ A rua inteira pôde ouvir, Edith. Não se faça de santa.
A modista a encarou por alguns segundos, antes de balançar a cabeça.
━ Eu não ia negar, Jackie ━ retrucou, sem desejar estender aquele assunto, e viu a mulher levantar uma das sobrancelhas.
━ E então?
━ E então o quê?
━ Quem é que estava aí com você na noite passada?
Se Edith perguntasse a Jackie como aquilo era de sua conta, ela não saberia explicar. Suas interações com a modista nunca se aprofundaram o bastante para que ela conhecesse quem Edith verdadeiramente era, mas ela estava disposta a mostrar-lhe agora sua verdadeira face. Aquela indiscrição não seria adequada em nenhuma situação, quanto mais em uma relação de pouca intimidade como a que as duas tinham, e a modista já estava com os nervos à flor da pele.
━ Pergunte ao seu marido onde ele passou a noite. Meu tempo está curto.
E saiu sem olhar para trás, ainda que satisfeita pelo silêncio da mulher que a perturbava segundos antes. Desejando espairecer, ela se colocou a caminhar até o cinema, torcendo silenciosamente para que Arthur Shelby estivesse fazendo qualquer coisa que não envolvesse aquele local.
Shelby. Aquele sobrenome continuava a atormentando. Ela duvidava que um dia fosse parar.
Não era fácil para ela; desde Albert, Edith não havia se envolvido com homem nenhum, o que era de se esperar, dado o fim trágico de seu primeiro casamento. Ela imaginava que nunca era fácil para viúvas, e muito menos para viúvas como ela. Enquanto pensava naquilo, ajeitou o cabelo para cobrir as marcas no pescoço, como se alguém pudesse identificar a arcada dentária de Thomas através das manchas em seu corpo e concluir que era com ele que ela havia passado a noite. Ótimo, já estava paranoica novamente.
Abraçou o próprio corpo, sentindo-o queimar por dentro ao se lembrar da forma com que Thomas a tocou. Ela não sabia dizer como acabaram daquela forma, mas também sabia que era a única forma que poderiam acabar no última noite. Foi uma ocasião única; por algumas horas, não havia a polícia, não havia Albert, não havia Grace. Eram os dois, e apenas eles, unidos por um magnetismo inexplicavelmente poderoso.
Mas agora precisava encarar a realidade, e a realidade não era, nem de longe, tão prazerosa quanto os eventos da noite.
━ A polícia está procurando por Thomas Shelby ━ ela ouviu um dos homens dizer a um colega na rua. ━ Avise-o se o encontrar.
Ela trincou a mandíbula. Pelo tom da conversa, não parecia que a busca da polícia por Tommy tinha a ver com o acordo que ambos aparentemente possuíam; dessa vez, ele parecia um foragido, e não um aliado na luta travada entre as autoridades e o Exército Republicano Irlandês.
Decidiu desviar o caminho, entrando no Garrison ao invés de continuar nas ruas. Sabia que se os policiais a reconhecessem do último dia, quando Thomas a entregou uma arma e pediu para interferir caso algo desse errado com os irlandeses, ela estaria em apuros. Ela desviou de alguns corpos no interior do pub, e quando se deu conta, Thomas apareceu em seu campo de visão. Ela segurou o ímpeto de revirar os olhos, caminhando até ele, e ele abriu a porta para sua sala privada, permitindo que ela entrasse primeiro.
Ela o encarou.
━ Sabe que a polícia está atrás de você?
Ele assentiu, comprimindo os lábios em uma linha fina. Edith voltou a perguntar:
━ Por que?
━ As armas de ontem ━ ele explicou, vendo-a levantar uma sobrancelha. ━ A polícia também estava em busca delas, e enquanto estavam escondidas, tudo estava bem. Mas agora as encontraram. Eu perdi o meu poder de barganha.
Ela cruzou os braços, balançando a cabeça em concordância.
━ O que vai fazer?
Thomas deu de ombros, olhando para os lados.
━ Sumir por um tempo ━ contou, voltando a olhar para ela. ━ Quando eu voltar, quero falar com você.
Semicerrando os olhos, ela trocou o peso de uma perna para a outra, desconfortável.
━ O que tiver que dizer, me diga agora ━ retrucou, com a voz tão baixa quanto a dele. ━ Você não sabe se eu ainda estarei aqui quando você voltar ━ continuou, agora olhando para seus olhos. Não conseguiu prever as próprias palavras que vieram a seguir, e quando notou o que disse, era tarde demais para se segurar: ━ Me leve com você.
Thomas balançou a cabeça negativamente, segurando-a pelos dois lados do rosto. Encarou seus olhos raivosos, e por um momento, quis rir; ele não entendia Edith. Não entendia como ela podia odiá-lo tanto e, ao mesmo tempo, pedir para que ele a levasse em sua fuga. Simultaneamente, ele compreendia exatamente como ela se sentia, porque era como ele agia em relação a ela durante a maior parte do tempo.
Ele a detestava. Mas não agora, que sabia que teria que ir embora, porque pensar em ir para longe dela o destruía por dentro. Ele não havia sido capaz de prever aquilo. Pensou, por algum tempo, que estivesse recuperando a capacidade de sentir por Grace; demorou para que percebesse que, na verdade, tratava-se de Edith. O ódio e o amor andavam lado a lado, e ele não soube discernir os dois por um longo período.
Ainda tinha dificuldades, se fosse sincero. Porque sabia que não amava Edith; como poderia amar? Ele não sabia mais o que era isso, e a relação dos dois era tempestuosa demais para afirmar algo assim. Mas também não odiava. Estava muito longe daquilo, mais do que nunca. Era raro, quase inédito, mas Thomas havia encontrado alguém a quem respeitava.
━ Você sabe que não posso fazer isso ━ ele disse, vendo-a fuzilá-lo com os olhos. ━ Agora, somos só eu e aquele policial. Não vou colocar você nisso e chamar atenção para você e o seu passado.
Ela assentiu em concordância, ainda um pouco contrariada. Edith odiava coisas mal resolvidas, o que era curioso, tendo em vista que sua vida inteira era uma sequência de eventos resolvidos de forma fajuta. Mas saber que Thomas poderia sumir para sempre e se tornar mais um deles a irritou profundamente.
━ Quem sabia sobre as armas?
━ Meus irmãos.
Edith franziu o cenho.
━ Grace?
━ Sei que você me tem por um idiota, Edith, e ainda me condena por ter culpado você por matar o irlandês ━ ele falou, levantando as sobrancelhas, e continuou: ━ Mas eu não entregaria a localização de tudo o que eu tinha de mais poderoso para uma mulher que conheci em um bar.
━ Você pode não ter sido o idiota que fez isso ━ ela retrucou. ━ Mas os seus irmãos também não são grandes exemplos de inteligência.
━ Você quase se casou com um deles.
━ E nessa noite, você me fodeu no balcão do meu ateliê de costura. Eu não exigi um teste de QI, exigi?
Pela primeira vez naquele dia, ele se permitiu soltar uma risada breve, balançando a cabeça negativamente, e soltou o rosto de Edith.
━ Eu não sei quem foi, Edith. Não sei mesmo. Mas ainda preciso desaparecer.
━ Então suma logo, antes que te encontrem aqui. Você está estendendo esse momento ternurinha por tempo demais ━ ela sorriu levemente, sempre mordaz, e ele assentiu. ━ Mude essa porra de corte de cabelo ridículo quando sair de Birmingham. É reconhecível demais.
Os dois se encararam por mais alguns segundos. Não se tocaram ou disseram mais nada; o sentimentalismo não era do feitio de nenhum dos dois. Quando Thomas saiu pela porta, ela o seguiu, e não viu para onde ele foi quando decidiu sair do bar, separando de vez seus caminhos.
Ela não sabia para onde Thomas iria, mas decidiu que, quando voltasse, ela não estaria mais lá.
✒️
Thomas observou Edith sair do bar em silêncio, aproximando-se com um copo para que Grace lhe servisse mais um pouco de uísque. O álcool o ajudaria a esquecer os fatos; ajudava-o a se acostumar com a ideia de que, mais uma vez, estaria longe de casa.
━ Venha comigo ━ Grace murmurou, enquanto o servia, antes de sair disfarçadamente pela porta dos fundos do Garrison.
Ele não precisou pensar muito antes de seguí-la, ainda que, no fundo de sua mente, escutasse a voz de Edith apontando que aquilo era um erro, e que confiar em Grace Burgess era a coisa mais estúpida que ele poderia fazer. Edith podia ser muitas coisas, mas não era sua mãe, e muito provavelmente não sabia do que falava; suas acusações à Grace todas se baseavam na raiva que sentia de Thomas por tê-la acusado no lugar da outra moça, quando uma testemunha afirmou ter visto uma mulher jovem atirar no irlandês com quem ele conversava pouco antes de sua morte.
Já a conhecia há meses o bastante para saber que todos os sentimentos de Edith eram fortes demais, da desconfiança ao ódio, e do medo à lealdade. Ela nunca parou de desconfiar dele, e mesmo quando o desejava e gritava seu nome, o odiava. Seu medo da polícia nunca se esvaiu por completo, e nem sua lealdade a John, que foi seu noivo por dois minutos no passado. E sua desconfiança sobre Grace não seria diferente; infundada ou não, ela duraria por mais tempo do que ele poderia calcular.
Mas Thomas ainda não via o que Edith enxergava. Grace o havia ajudado diversas vezes, afinal, e era algo que ele não poderia ignorar. Porém, manteria-se atento. Alguém revelou a verdade à polícia, e ele ainda não sabia quem havia sido.
Há alguns meses, ele jamais diria algo assim, mas o passar do tempo o ensinou que as mulheres eram, afinal, perigosas. Inclusive as boas.
━ Aonde vamos?
━ A um lugar em que sei que não vão procurar por você ━ ela retrucou, guiando o caminho conhecido até sua casa.
Thomas a seguiu em silêncio, olhando para os lados furtivamente para se assegurar de que não era seguido. Grace fazia o mesmo, e ele percebeu suas mãos trêmulas quando tirou as chaves da bolsa para abrir a porta. Ela entrou, e sinalizou para que ele fizesse o mesmo, antes de trancá-los ali dentro, proibindo que o vento frio das ruas de Small Heath penetrasse no interior de sua moradia.
Ela estava o ajudando novamente. Estava o acolhendo em sua casa quando ele não podia ir para sua própria residência. A ideia o fez querer sorrir, mas aquele desejo logo morreu quando novos pensamentos cruzaram sua mente. Por que não pensariam em procurá-lo ali? Grace estava com ele na última tarde, quando dois homens morreram no bar. Deveria ser um dos primeiros locais em que o procurariam, especialmente se notasse que ela também estava sumida.
Quando Grace caminhou devagar até a cozinha, começando a preparar um pouco de café, ele avaliou a casa, sem encontrar nada demais. Paredes pintadas de cores claras, móveis modestos. Nenhuma fotografia ou pintura. Nada que pudesse servir de recordação da família que deixou na Irlanda.
Irlanda. Era curioso o fato de uma garçonete irlandesa ter aparecido em Small Heath ao mesmo tempo que o inspetor.
O pior cego era o que podia ver, mas não desejava enxergar.
━ Por que a polícia não me procuraria aqui, Grace?
Ela o olhou por cima dos ombros.
━ Ninguém pensaria que estaria escondido na casa de uma garçonete, indefeso.
Ele assentiu devagar, observando-a atentamente. Em sua cabeça, tentava reunir fatos e incoerências, e tentava enxergar tudo que sempre decidiu ignorar.
━ Mas você não é indefesa. Você matou dois homens.
Dessa vez, Grace não respondeu. Fingiu não ouvir, e continuou dando atenção a seus afazeres na cozinha, tentando distrair a si mesma. Mas agora, Thomas não conseguia se distrair, porque algo parecia errado.
Pareceu por muito tempo, e ele se recusou a ver.
Coisas estranhas vinham acontecendo. A prisão de Freddie Thorne, pela qual ele levava a culpa. Suas armas, escondidas em um cemitério em um falso túmulo, sendo encontradas. Grace estava sempre por perto; perto de Arthur, perto de Ada, perto de si mesmo. Perto da sala privada no Garrison. Quantas conversas poderia ter ouvido durante seu trabalho?
Ela sabia atirar. Sua mira era tão boa quanto a dele.
O perigo havia estado ao deu lado desde o começo, e mesmo agora que as coisas se tornavam claras, ele não conseguia encontrar em si mesmo forças para aceitar.
━ Você está com ele ━ concluiu Thomas, com a voz baixa e rouca, após sua linha de pensamentos chegar a um abrupto fim. Grace o olhou como um animal assustado, com os olhos esbugalhados, mas o homem não ousou se exaltar. ━ Com o inspetor Campbell. Está com a polícia, não está?
━ O quê? Não, eu…
━ Não minta para mim ━ ele interrompeu, pausadamente, e embora não tivesse elevado um oitavo de sua voz, soou ameaçador. ━ Você está com a polícia.
Finalmente, Grace abandonou a água fervente no fogão, passando as mãos pelo tecido das roupas para disfarçar o nervosismo. Parou em frente a Thomas, e ajeitou a postura, tentando apresentar-se confiante e honesta.
━ Eu pedi demissão nesta manhã.
━ Depois de entregar a localização das armas.
Ela engoliu em seco.
━ Enquanto eu estava com o distintivo, era meu dever ━ respondeu. ━ Mas não podia continuar, Tommy. Porque me apaixonei por você, e não poderia continuar te caçando.
Apesar de todas as mentiras, ele sabia que aquela parte era uma verdade. Talvez ele tivesse reconhecido todos os furos na história de Grace desde o princípio, se estivesse disposto a enxergar. Mas não estava, porque seu coração amolecido não o fez desejar conhecer a verdade, sabendo que ela iria o decepcionar. Mas ele via agora, claro como a luz do dia, e a voz de Edith ecoava no fundo de sua mente.
Não apenas a voz, dizendo-o que ela estava certa, como também a risada zombeteira. Seu olhar de falsa lamentação. Seu sorriso detestável de quem sempre tinha algo a dizer. Ele quase podia enxergá-la em sua frente, dando-lhe tapinhas nas costas antes de esfregar em sua cara a verdade dolorosa.
━ Você não precisa me caçar mais, precisa? Não agora que toda a polícia já está atrás de mim.
Ele se virou para sair dali, ouvindo os sapatos da mulher chocando-se contra o chão quando ela o seguiu de forma apressada, parando em frente à porta.
━ Thomas, me escute… ━ ela pediu. ━ Aqui, você está a salvo. O inspetor não viria até aqui. Ele me pediu em casamento nesta manhã. Não me deseja mal.
Thomas a encarou, sem emoção, e balançou a cabeça para os lados.
━ E nem eu, Grace. É melhor me deixar ir antes que isso mude.
O sentimento de ser enganado era corrosivo. Saber que a pessoa que mais lhe havia enganado era si mesmo era ainda pior.
Ele deveria matá-la. Deveria puxar o gatilho e dar um fim àquilo, mas ainda não conseguia. Assim como nunca conseguiu matar Edith, não era capaz de matar Grace. De formas muito diferentes, ela também o havia feito sentir, e agora, ele era fraco demais para tirar a vida da mulher que o prejudicou e colocou sua vida e seus negócios em risco por meses.
Devagar, ela saiu da frente da porta, destrancando-a sob o olhar frio do homem. Quando ele passou pela porta, olhou para a loira uma última vez.
━ Eu não quero vê-la em Small Heath novamente.
✒️
As duas malas que Edith conseguiu arrumar no pouco tempo que tinha até o próximo trem deixar a estação não eram pesadas. Provavelmente, também não eram úteis; ela as havia arrumado com tanta pressa que tinha suas dúvidas se algo ali dentro era verdadeiramente necessário ou, ao menos, utilizável.
Ela não estava pensando direito quando comprou a passagem, mas o medo que sentia era o suficiente para fazê-la querer sumir. Eles a investigariam quando Thomas sumisse, acreditando que ela poderia saber de seu paradeiro; ela havia sido uma das últimas pessoas a serem vistas com ele, afinal, e aquilo era motivo suficiente. Se a investigassem, poderiam chegar a algum lugar; Polly Gray não havia demorado muito para fazer o mesmo, e Edith odiava admitir que a mulher foi mais gentil do que a polícia seria em seu lugar.
Seus atos inconsequentes da última noite também a preocupavam. Ela percebeu que o prazer era uma armadilha quando se deu conta, naquela tarde, da falta de proteção das duas partes quando se uniram em um só na madrugada. Seu nervosismo foi tão grande que, por um momento, ela pôde jurar que sentiu um bebê chutando, o que era mais do que impossível.
Mas talvez fosse possível dali a alguns meses, e ela não desejava lidar com aquele tipo de problema por ali. Se estivesse mesmo grávida, deveria resolver se daria a luz à criança ou iria removê-la antes que se desenvolvesse dentro de si. Qualquer que fosse sua escolha, seria feita longe dali e dos outros Shelby, especialmente quando o possível pai não estivesse presente.
Não era o tipo de complicação que ela precisava. Não mesmo.
Trancou o ateliê pelo que pensou ser a última vez e carregou as malas apressadamente pelas ruas, escondendo-se em becos na tentativa de passar despercebida. Se alguém a visse indo embora, logo quando a polícia estava ali e Tommy havia desaparecido, poderia levantar suspeitas ou, ao menos, gerar perguntas que ela não desejava responder.
Seu estresse foi tanto que ela não se segurou. Parada em um beco, na parte de trás de um galpão vazio que era usado como ringue de luta, ela acendeu um cigarro e tragou profundamente, fechando os olhos e encostando as costas na parede de tijolos úmidos. Ficou ali até o cigarro chegar ao fim, e descartou a bituca no chão sujo, antes de analisar quais seriam suas próximas ações; poderia sair do beco e contornar o quarteirão para chegar à estação, ou poderia cortar caminho por dentro do grande galpão, se a porta dos fundos estivesse aberta.
Ela concluiu que chamaria menos atenção se optasse pela segunda opção, e quando girou a maçaneta, sorriu sozinha ao encontrar a porta destrancada, antes de pegar as malas e adentrar o local que, para sua surpresa estava vazio.
Quase vazio.
━ Arthur? ━ ela indagou, unindo as sobrancelhas em confusão quando viu o corpo do homem jogado ao chão. Ela soltou as malas, caminhando em sua direção, e encontrou um banco de madeira próximo a ele. Ao se aproximar mais um pouco, viu o pior: uma corda presa ao seu pescoço. ━ Você enlouqueceu, porra?!
Encontrou o gancho que prendia a corda anteriormente no teto; deveria ter arrebentado antes que Arthur concluísse seu objetivo, ela pensou, e não pode evitar ser dominada pela raiva. Ela não sabia o que o havia motivado, mas sabia que, independentemente de qualquer coisa — da loucura, das drogas e da bebida —, Arthur era um homem forte, que havia enfrentado coisas terríveis e sobrevivido. Ele aterrorizava todos que entrassem em seu caminho, e ela não conseguia enxergar uma situação em que ele pudesse ser a vítima.
Quem o machucaria tanto para que ele tentasse algo assim?
Era absurdo para ela que ele, um homem tão temido e poderoso, que poderia ter e fazer o que quisesse, escolhesse tentar algo como aquilo. Especialmente quando ela tentava sobreviver a todos os custos, há mais anos do que deveria ter na conta. Era triste, humilhante. Edith não sabia o que sentia; se era pena, desgosto ou surpresa. Talvez uma mistura dos três.
Revolta.
Quando o choque inicial passou, ela deu passos ainda mais largos em direção ao homem, que agora estava de joelhos, tentando desvencilhar-se da corda em seu pescoço. Parecia ainda não ter reconhecido sua presença.
Ela tirou a arma da cintura e a destravou. Sem pensar muito, tocou a testa de Arthur com o cano da arma, e foi a primeira vez que ele notou sua companhia no galpão.
━ Você fracassou ━ ela disse, com a voz contida, mas perigosa. ━ Mas eu prometo a você que eu não vou. Basta você dizer.
Ele estava desnorteado, ela percebeu. Confuso, decepcionado, perdido. Nem mesmo balbuciou, apenas permaneceu em silêncio, encarando-a com os lábios entreabertos. Edith empurrou o cano da arma mais fortemente em sua cabeça, vendo-o cair sentado no chão.
━ Você quer morrer, Arthur?
Quando a resposta de Arthur veio em um soluço, conforme ele balançou a cabeça freneticamente para os lados e escondeu o rosto para que ela não visse suas lágrimas caindo, ela abaixou a arma. Travou-a mais uma vez e guardou no lugar de costume, ajoelhando-se próxima ao homem, mas sua saia tornou a tarefa difícil. Ela não ousou tocá-lo, mas desejou poder o consolar quando se sentou no banco de madeira do qual ele havia pulado há poucos minutos.
Alguns momentos torturantes foram necessários para que ela tomasse coragem para tocar um dos ombros de Arthur, movimentando a mão para cima e para baixo numa tentativa de acalmá-lo. Não disse nada quando levou as mãos pequenas até o seu pescoço, trabalhando arduamente em desfazer o nó da corda que o prendia, enquanto ele ignorava seu olhar, tentando engolir o choro.
Edith era contra o que Arthur tentou fazer. A ideia parecia covarde em sua mente. Mas ela pensou que, talvez, a dor que Arthur sentia fosse grande demais para suportar, e tentou simpatizar com aquilo; para ela, era um pouco complicado, porque mesmo nos momentos mais baixos de sua vida, a ira sempre superou a tristeza, e a busca por vingança foi maior do que qualquer sentimento que pudesse fazê-la considerar algo como tirar a própria vida.
Mas aquilo não era sobre ela. Era sobre Arthur, e os dois eram pessoas diferentes. Ela sempre o via irritado, e todos sempre desviavam o olhar quando ele passava; Edith sempre imaginou que ele, assim como ela, fosse raivoso demais para sentir verdadeira tristeza. Aparentemente, ela estava errada, e ver o homem naquela situação embrulhou seu estômago.
━ Escute, está tudo bem, certo? ━ ela afirmou, agora apenas observando-o de seu banco. ━ O que aconteceu com você?
Ele balançou a cabeça para os lados.
━ Certo. Você não é uma criança, e eu não sou a sua mãe, porque eu nunca daria para o imbecil do seu pai ━ ela concluiu, fazendo menção de se levantar, e viu algo no rosto de Arthur mudar ao ouvi-la falar do pai. ━ Ele te fez algo?
━ Nada que já não tivesse feito antes ━ finalmente respondeu, soltando uma risada pelo nariz, ainda que não achasse a menor graça em toda a situação. ━ Nada que Tommy, Polly e John não tivessem me avisado que ele faria.
━ Bem, Tommy, Polly e John avisaram porque se importam com você, e eu garanto que você os machucaria muito mais do que machucaram seu pai, se conseguisse se matar ━ ela disse, apontando o quepara ela era óbvio. ━ Então, eu não entendi o motivo de tudo isso. Você não pensou direito?
Arthur a olhou.
━ Nem tudo é sobre vingança, Edith.
━ Bom, algumas coisas deveriam ser ━ ela retrucou, cruzando os braços. ━ Não desconte em si mesmo os erros de idiotas como aquele velho imundo.
Finalmente, ela se levantou, estendendo uma mão para Arthur. Foi a primeira vez que ele aceitou qualquer tipo de proximidade vindo da mulher, e ela quis rir; ele sempre a afastava temendo que ela fosse o matar como matou Albert. Curiosamente, aquela foi a vez que ela chegou mais perto de acabar com sua vida, e a primeira em que ele não a temeu.
━ Se você ainda quiser fazer isso, use a porra de uma arma. É mais moderno.
Envergonhado, ele evitou seu olhar. Ao fazer isso, notou suas malas.
━ Está de saída?
━ Você sabe, preciso visitar a família. Meu marido no campo está me esperando.
Arthur soltou uma risada baixa. Edith sorriu de volta.
Talvez ela não fosse tão ruim, ele pensou. Talvez não fosse o monstro que ele imaginava. As pessoas podiam enganar; ele admirava o pai como um herói, e no fim, foi ele o maior vilão de sua história. Arthur sentiu um gosto amargo na boca ao concluir aquilo, ainda sendo encarado por Edith, que cruzou os braços em frente ao tronco.
━ Você é o maldito Arthur Shelby, porra. Vamos falar sério agora. Você é a porra de um adulto, e você tem a porra de um bigode que ocupa metade da sua cara. Eu não sei o que o seu pai fez, mas você vai sair desse inferno de galpão e vai encarar isso como um homem ━ ela falou, quase impaciente, mas de certa forma, sua voz parecia gentil e preocupada. ━ Eu vou dar a você dez minutos para se lamentar, que é o tempo que vamos caminhar daqui até sua casa. Quando chegarmos lá, você vai falar para Polly sobre isso, e vai fazer o que precisar fazer. E vai tomar a porra de um banho, porque você está fedendo a rum.
Ele uniu as sobrancelhas, tentando recobrar sua pose ameaçadora, embora soubesse que, depois de tudo, aquilo não funcionaria com Edith.
━ Você não precisa ir comigo. Eu não sou uma criança.
━ Bom, alguém precisa se assegurar de que você não vai pular da ponte.
Edith o fez carregar suas malas por todo o caminho, durante o qual não conversaram. Seu plano era exigir que o carro dos Shelby a levasse a estação assim que entregasse Arthur em segurança, não desejando deixá-lo sozinho naquela situação, e assim, ainda chegaria na estação a tempo para pegar o trem.
Enquanto caminhavam, ela quis rir de seus próprios conselhos. Encare isso como um homem, ela disse a Arthur, enquanto planejava fugir de Small Heath para não enfrentar as consequências de suas próprias ações – e as de Thomas Shelby. Ela não negaria sua hipocrisia.
Quando chegaram ao destino, Arthur colocou uma das malas no chão para abrir a porta, e ambos entraram na casa vazia, seguindo até a cozinha, onde encontraram Polly conversando com Thomas, o que fez Edith interromper seus passos e segurar o ímpeto de falar um palavrão. Ele não deveria estar ali. Deveria estar bem longe, fugindo da polícia, e longe o bastante para não vê-la indo embora. Mais uma vez, ele frustrava seus planos, e a encontrava no último lugar que ela esperava o fazer; curiosamente, era a casa de sua família.
━ Arthur! ━ Polly se levantou ao vê-los entrar, mas continuou próxima à mesa, encarando o sobrinho com o cenho franzido no rosto preocupado. ━ O que aconteceu?
Arthur olhou par Edith, que balançou a cabeça negativamente.
━ Eu não vou dizer nada. É com você.
Ele suspirou.
━ Eu não quero falar. Não agora.
━ Certo. Ninguém vai obrigar você a falar nada ━ Edith respondeu, dando de ombros, evitando olhar para Thomas, que a observava com curiosidade, assim como a tia. ━ Está tudo bem.
Era triste vê-lo agir como uma criança, mas Edith achava cômico, no fundo, porque não sabia dizer em que momento ou por qual motivo Arthur havia passado a aceitar suas ordens. Ela apertou um de seus ombros uma última vez, e ele caminhou para se sentar com os familiares, que apesar da curiosidade, não fizeram perguntas.
No lugar, Thomas voltou a olhar para Edith, alternando o olhar entre suas malas.
━ Está indo a algum lugar?
━ Eu decidi me dar umas férias.
━ Estou vendo. Repentino, não é?
Ela revirou os olhos.
━ Você é da polícia, porra?
Thomas arqueou uma das sobrancelhas, enquanto Polly olhou para os dois com o cenho ainda franzido, servindo uma xícara de chá a Arthur. Limpando a garganta, o irmão do meio se levantou, caminhando com calma para fora da cozinha, puxando Edith por um dos braços ao ir para o cômodo do lado, onde poderiam ter privacidade.
Ela bufou ao seguí-lo, puxando o braço de volta assim que chegaram a sala de estar, e o encarou em silêncio, que o homem logo quebrou:
━ Por que?
━ Você me disse que ia embora, e eu tive medo de que a investigação sobre a sua localização pudesse levantar suspeitas sobre mim ━ ela respondeu, em tom de obviedade.
━ Você desaparecer também iria levantar suspeitas ━ ele observou, sentando-se no sofá e cruzando as pernas. Edith levantou uma sobrancelha, cruzando os braços. ━ Eu te disse para ficar.
━ Thomas, você não me diz o que fazer.
Ah, ele sabia bem daquilo. Havia tentado várias vezes, sem sucesso. Ele assentiu com a cabeça devagar, ainda a observando.
━ Eu te pedi para ficar ━ consertou.
Ela trocou o peso de uma perna para outra, sem sair do lugar.
━ Você sabe que eu também não costumo fazer o que me pedem.
Ele levantou as sobrancelhas, ficando impaciente com a conversa que não chegava a lugar nenhum; talvez aquilo fosse sua culpa, afinal, também não estava sendo exatamente direto. Mas decidiu ser, de uma vez por todas.
━ Bem, agora eu não vou pedir ou te dizer o que fazer. Vou avisar ━ ele anunciou, com a voz calma, mas firme. ━ Eu não vou sair de Small Heath, e você também não.
Edith continuou o encarando inexpressiva.
━ O que mudou desde a última vez que nos vimos até agora? Por que ia fugir, e agora não vai mais?
Com um suspiro, ele se levantou mais uma vez. Aproximou-se da mulher, que não se moveu, e segurou seus ombros, obrigando-a a olhar em seus olhos.
Não sabia exatamente o que dizer. Era uma conversa que ele também não gostaria de ter; falar sobre como Grace o enganou por meses era humilhante, ainda mais porque sabia que Edith faria questão de tornar tudo ainda pior. Por um lado, ele sentia que merecia, e desejou dar a ela o ar da vitória; por outro, apenas não queria remoer o assunto tão cedo, após um dia tão cansativo.
Decidiu ser simples, vago. Sabia que Edith compreenderia suas palavras sucintas.
━ Eu descobri a verdade, foi o que aconteceu ━ disse, e ela semicerrou os olhos. ━ Acabou, Edith.
━ Bom, você demorou o bastante. Não se orgulhe demais.
Ele sabia que ela poderia ser muito pior. Surpreendeu-se ao perceber que ela escolheu não ser.
Thomas subiu as mãos de seus ombros para seu rosto, vendo-a fazer uma careta, mas também não se afastou. Ele sorriu levemente.
━ Eu ainda tenho algumas pendências para resolver ━ disse, estudando seu rosto. ━ Mas quando tudo acabar, eu vou me lembrar que ainda devo a você o jantar de ontem.
Edith soltou uma risada quase escarniosa, balançando a cabeça negativamente enquanto levava as mãos aos pulsos de Thomas, que segurava seu rosto. Ela diria algo detestável, ele sabia que diria. Viu no brilho de seus olhos quando um reflexo traiçoeiro passou por eles.
Thomas sabia que, não importava o que ela dissesse e o quanto o ofendesse, ele voltaria para mais. Era como funcionavam desde o início, equilibrando-se aos tropeços em uma corda bomba.
━ Sabe, Tommy, o sol já nasceu e já se pôs. Talvez eu tenha planos melhores para o jantar.
tô tímida. acho que ninguém esperava a cena do começo do capítulo (nem eu esperava que viesse tão cedo), mas quando eu comecei a escrever eu simplesmente senti que tava na hora do tommy perder o bv. Talvez tenha parecido meio repentino, mas pra mim, fez muito sentido com a história e a personalidade dos dois.
foi minha primeira vez escrevendo uma coisa assim e eu tô morrendo de vergonha por liberar a andressa urach que me habita, mas vcs merecem!! espero que tenham gostado dessa parte em especial, e também do resto do capítulo! me contem o que acharam!
vejo vocês no próximo!
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