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𝟬𝟮. O PASSADO DE EDITH.

CAPÍTULO 02 | O PASSADO DE EDITH

POR DOIS DIAS, EDITH PRESTON não ousou retornar ao próprio ateliê. O bom-senso a fez se esconder na escuridão da própria casa, onde as cortinas de um tecido grosso a mantinham separada da indiscrição das ruas sujas de Small Heath, e ela temeu pela própria sanidade durante todo o tempo em que ficou ali, pensando que, se caísse no sono, acordaria para encontrar a casa ardendo em chamas e ninguém viria para lhe salvar.

Ninguém nunca vinha.

Desafiar os Peaky Blinders não era um ato inteligente. Enviar um vestido para Thomas Shelby no lugar de um terno gratuito havia sido, provavelmente, a maior estupidez já cometida por ela em toda sua vida, que talvez chegasse ao fim por conta daquela ação mal pensada. Mas enquanto Thomas sabia tudo sobre guerras, Edith acreditava saber tudo sobre os homens: eles gostavam de estar no comando, e acreditavam que as mulheres deviam sempre atender suas vontades e desejos sem questionar.

Mas a Grande Guerra havia chegado ao seu fim. Durante o conflito, muitas coisas haviam mudado e as mulheres se tornaram mais independentes longe dos homens - para Edith, era a prova de que eram eles quem as impediam de evoluir -, ocupando cargos que antes eram direcionados a eles e executando trabalhos que antes nunca pensariam em aceitar. Já era hora dos homens aceitarem aquelas mudanças, e Edith sabia que isso não seria fácil para eles.

Não havia um motivo para olhar para baixo quando se estava no topo do mundo. Não havia o sentimento de necessidade de compreender aqueles que sempre viveram em suas margens, sempre em posições de serventia e dependência. E se os homens não faziam questão de olhar para baixo, Edith Preston se sentia no dever de escalar até atingir o ponto em que eles estavam, para que a olhassem nos olhos. Thomas Shelby e ela tinham um impasse, e nenhum dos dois sabia bem como resolver.

No terceiro dia, Edith voltou ao Mundo das Agulhas durante a manhã. Nas ruas, alguns olhares foram atraídos em sua direção e as pessoas murmuraram cumprimentos em sua direção, o que a fazia pensar que a notícia não havia se espalhado. Talvez aquilo fosse um bom sinal, e ao adentrar o pequeno estabelecimento e ver que tudo estava em ordem, exatamente como ela deixou, a morena soltou um suspiro de alívio.

Ora, ora, Thomas Shelby. Talvez você não seja tão ruim assim ━ ela murmurou para si mesma, soltando uma risada baixa ao se posicionar atrás do balcão. ━ Que bom.

Quando o som de passos na madeira do chão chamaram sua atenção, Edith girou o corpo sobre os calcanhares com um sorriso gentil, pronta para atender um novo cliente. No entanto, ao pousar os olhos sobre a figura que agora a acompanhava no ateliê, seu sorriso murchou pouco a pouco ao encontrar uma mulher desconhecida, de quarenta e poucos anos, com olhos astuciosos e um cabelo castanho cacheado. Em seu corpo, o vestido que havia sido entregue a Thomas Shelby mais cedo naquela semana jazia, fazendo Preston engolir em seco.

━ Não, querida, você se enganou. Ele é, sim, tão ruim quanto deve ter ouvido pelas ruas ━ a mulher disse, com a voz baixa e imponente ao olhar nos olhos de Edith. ━ Mas Thomas sempre foi mais bondoso com as mulheres.

Edith comprimiu os lábios pintados de vermelho em uma linha fina.

━ O vestido lhe caiu muito bem.

━ Eu concordo ━ a mulher disse, passando uma das mãos pelo tecido. ━ Thomas não gostou muito.

━ Não serviu no senhor Shelby? ━ ela ergueu as sobrancelhas, quase afogando-se no próprio cinismo. ━ Posso fazer alguns ajustes.

Um sorriso tomou conta dos lábios da mulher mais baixa, que deu mais um passo em direção a Edith, que por sua vez, manteve-se firme no lugar, com o balcão as separando.

━ Sabe, senhorita Preston, esse é o defeito dos homens. Talvez meu sobrinho perca um pouco de sua postura ao ver uma mulher bonita de saia e batom vermelho. Mas eu não ━ ela avisou, arqueando as sobrancelhas, e Edith franziu o cenho, em silêncio. ━ Outro defeito dos homens, é que eles tentam resolver as coisas com a cabeça quente. Eles querem tudo do jeito deles, sem exceções.

━ Nisso nós duas concordamos.

━ Claro. E eu sei que vai concordar comigo quando eu finalizar minha linha de pensamento ━ ela retrucou, andando devagar, quase perigosamente, pelo ateliê de Edith e passando as mãos pelos rolos de diferentes tecidos para sentir a textura. ━ Nós, mulheres, por outro lado, somos mais calculistas. Estamos acostumadas a pensar antes de agir. Eu poderia ter vindo aqui há três dias para enforcar você com esse vestido, como um de meus sobrinhos sugeriu, mas no lugar disso, eu preferi conhecer você melhor.

━ É mesmo? ━ indagou Edith, fingindo estar desinteressada, agora fazendo anotações em um caderno sobre o balcão enquanto a mulher se entretia com os rolos de tecido. ━ Então a senhora veio me convidar para tomar uma xícara de chá?

Quando uma faca foi fincada na folha de papel em que Edith escrevia, atravessando a prancheta e prendendo-se à madeira do balcão, a modista não viu opções além de subir o olhar para a mais velha.

━ Sabe, Edith, eu estive procurando saber sobre você. A senhora Cooke, do fim da rua, disse a mim que você mencionou em uma conversa ter vindo de Amersham ━ ela iniciou, com a mão envolvendo o cabo da faca, e a puxou em um movimento rápido. ━ Claro, eu estranhei um pouco, você não me parece ser uma mulher do campo. Mas eu resolvi confiar o suficiente nessa informação, e investigando um pouco mais a fundo, eu descobri que não havia nenhuma Edith Preston em Amersham.

A respiração de Edith se tornou mais lenta enquanto ela trincava os dentes para impedir que uma resposta atrevida deixasse seus lábios, temendo que, da próxima vez, a faca da tia de Thomas Shelby acabasse em sua língua. Assim, ela permitiu que a mulher continuasse sem interrupções.

━ Mas havia, sim, uma Edith Wilson. Ela sumiu há algumas semanas, pelo que eu soube, e seu marido Albert foi encontrado morto. A parte mais engraçada, para mim, é que no começo ele não apresentava sinais de ter sido assassinado, Edith. Até que tiraram suas roupas e encontraram um rasgo gigantesco, que havia sido costurado perfeitamente. Como se Albert tivesse sido morto por alguém com bastante experiência com agulhas ━ Edith engoliu em seco conforme a mulher continuava a narrar os detalhes de suas descobertas, e os nós de seus dedos embranqueceram diante da força que seus dedos exerciam ao segurar a caneta. ━ Agora, Edith, isso faz sentido para mim. Amersham é perto de Londres, o lugar perfeito para uma moça do campo abrir um ateliê e mudar de vida. Mas Small Heath? Não, você veio parar num buraco do inferno. Nós mal temos polícia por aqui ━ a mais velha disse, rindo pelo nariz de forma quase sombria. ━ Isso faria qualquer mulher solteira mudar de ideia sobre se mudar para cá. No seu caso, acho que foi um atrativo.

Durante alguns segundos, as duas se encararam em silêncio. Por fim, quando Edith finalmente abriu a boca para responder, a mais velha voltou a falar:

━ Eu via você com esse batom vermelho, e eu só pensava que você era puta. Eu não pensava que você era a porra de uma assassina ━ ela disse, apontando a faca para a mais jovem, que mordeu o interior das bochechas. ━ E eu não quero saber o motivo de você ter matado o seu marido, eu realmente não dou a mínima. Mas você está em Small Heath agora, e aqui, os Peaky Blinders mandam e os outros obedecem. Talvez você esteja pensando que pode travar uma batalha contra Tommy, mandar vestidos a ele e sair ilesa, mas não. Thomas não é seu marido. Ele vai incendiar esse lugar com você dentro antes que possa tentar alguma coisa se não seguir as regras.

Edith assentiu, com a respiração entrecortada, estudando os traços da mulher. Algo em seu rosto se assemelhava aos traços de um gato; espertos, discretos e trapaceiros.

━ E por que não me entregar para a polícia?

━ Porque eu também sou uma mulher bondosa, senhora Wilson, e eu posso imaginar que você teve seus motivos. Não vim aqui para julgar ━ a mais velha respondeu, e Edith sentiu um gosto amargo na boca ao ser referida por seu título de casada. ━ Meus sobrinhos vão passar aqui mais tarde para que você possa tirar as medidas deles. Eu gostei desse material ━ ela disse, distanciando-se um pouco para mostrar o tecido ao qual se referia. ━ Eles não vão trazer suas carteiras ou talões de cheque. Eles vão trazer navalhas.

As mulheres eram piores que os homens porque suas batalhas não eram travadas com socos e tiros. Elas eram travadas com palavras perigosas e ameaças que envenenavam a alma de suas vítimas lentamente. Thomas Shelby talvez fosse conhecido como o demônio de Small Heath, mas aquela mulher, com certeza, poderia ser pior que o sobrinho se desejasse; Edith teve absoluta certeza daquilo ao ver a verdade em seus olhos escuros.

Ela não discutiu sobre o preço de seu trabalho. Apenas assentiu, respirando fundo, e uniu as sobrancelhas ao encarar o buraco feito na madeira pela faca.

━ Eles sabem sobre o que você acha que eu fiz?

━ Não. Eles sabem sobre o que você fez, e honestamente, eu devo a você os parabéns. Já fazia algum tempo que eu não via Arthur tão assustado com alguma coisa.

━ Os seus sobrinhos matam pessoas o tempo todo.

━ Sim. Eles são violentos, fazem o que acham que tem que fazer, raramente tentam esconder seus rastros ━ ela rebateu. ━ É como eu disse, as mulheres são mais frias que os homens. Você o matou sem deixar rastros. Limpou o corpo morto. Costurou a pele dele e o vestiu ━ a mulher citou, unindo as sobrancelhas, e Edith desviou o olhar para o chão. ━ É como um conto de terror.

━ Eu estava sendo cuidadosa ━ Edith defendeu, com a voz baixa. ━ Os seus sobrinhos. Eles vão me entregar?

━ Desde que você faça a sua parte e não arrume problemas para ninguém, ninguém irá arrumar problemas para você ━ a Shelby afirmou, num tom sério. ━ Parece simples, mas você não entendeu de primeira.

Edith suspirou, olhando para a mulher e assentindo em silêncio. Conforme a visitante saía do ateliê, a jovem modista observou seu corpo magro desaparecer de sua visão enquanto todos os xingamentos possíveis dominavam sua mente, não exatamente direcionados àquela mulher, como também direcionados a si mesma e sua estupidez.

Seu descuido. Sua ousadia. Sua burrice.

Seu marido. Suas escolhas.

Tudo que, de alguma forma, tivesse contribuído para que Edith Preston acabasse em Small Heath. Só podia ser uma maldição.

Pelo que parecia, Edith havia fugido de um pesadelo apenas para embarcar em outro.

✒️

Às seis da tarde, três homens adentraram o ateliê, cumprimentando a modista com um aceno de cabeça e palavras emboladas pelo álcool. Eles não se pareciam muito fisicamente, mas Edith sabia que eram os irmãos Shelby, os líderes dos Peaky Blinders. Ela tirou um momento para avaliar suas feições antes de se levantar de trás do balcão, observando os traços bonitos, quase delicados, que compunham os rostos severos daqueles homens em um contraste interessante e agradável aos olhos.

O mais velho era mais alto que os outros dois. Ele olhava para Edith quase amedrontado, e um pouco de pó branco se acumulava em seu bigode grosso. Em um sinal de respeito, ele tirou a boina da cabeça, evidenciando as laterais raspadas do cabelo. O mais jovem entre eles tinha um sorriso quase imperceptível nos lábios, como o sorriso de uma criança travessa que havia descoberto um grande segredo, e quando sentiu os olhos da mulher sobre si, levantou as sobrancelhas levemente.

Thomas era Thomas. Edith não precisava observá-lo por mais tempo do que havia feito em sua última visita, quando ele, de forma menos eficaz que sua tia, tentou conseguir ternos gratuitos. Ele encarou a mulher sem qualquer emoção nos olhos, e quando Edith finalmente se pevantou, após os encarar o suficiente, ele acompanhou seus movimentos.

━ Qual de vocês vai primeiro? ━ ela indagou, dando a volta no balcão e cruzando os braços ao olhar calmamente para os três irmãos. Então, sua atenção pousou sobre o mais alto entre eles, que evitava a olhar de volta, e ela supôs ser o Arthur mencionado pela tia mais cedo. ━ Que tal você?

O mais jovem riu ao ver Arthur arregalar os olhos levemente, dando dois tapas no ombro do irmão, e deu um passo à frente, ajeitando a gola da camisa.

━ Eu vou.

━ Nosso Johnny Boy sempre ficou mais confortável tirando as roupas ━ Arthur murmurou, vendo o irmão seguir Edith até os fundos do ateliê, onde a mulher abriu uma porta para um pequeno cômodo e acendeu a luz.

Em silêncio, ela aguardou até que John entrasse e fechou a porta atrás do homem, antes de caminhar até uma cômoda e abrir a primeira gaveta. De lá, ela tirou um pequeno bloco de notas, uma caneta e uma fita métrica, que pendurou no pescoço. Então, se virou para o homem e apontou para uma das paredes, onde haviam marcas de medida de altura.

━ Tire o paletó, as calças e se encoste naquela parede.

Com muito prazer ━ ele riu baixo, tirando a boina e deixando-a sobre a cômoda, antes de tirar o paletó e o pendurar no cabideiro presente no cômodo. Em seguida, puxou uma arma presa à cintura e a deixou ao lado da boina. ━ Quer que eu tire mais alguma coisa?

Edith o encarou em silêncio, unindo as sobrancelhas.

━ Não. Você pode ficar com a camisa. Me ajuda a visualizar melhor o tamanho dos ternos ━ ela disse, cruzando os braços enquanto o homem assentiu e desafivelou o cinto, abrindo o botão da calça e a chutando de seu corpo, mantendo os sapatos. Então, ele encostou as costas na parede, atendendo o pedido de Edith, que se aproximou e anotou sua altura no bloco de notas. ━ Um e oitenta e dois com os sapatos. Pode se afastar da parede.

John a observava com um sorriso permanente, divertindo-se com o mau-humor da modista.

━ A tia Polly sabe mesmo como convencer as pessoas, não é? Porra, eu não quero imaginar o que ela disse a você ━ ele riu pelo nariz enquanto Edith esticava a fita métrica em suas costas, de um ombro ao outro. ━ Ela é uma boa mulher, a minha tia Polly.

━ Eu tenho certeza que é ━ a modista resmungou, dando a volta no corpo de John para passar a fita métrica por seu peitoral. ━ Não contraia os músculos, John.

Ele relaxou, parando de estufar o peito, e uniu as sobrancelhas levemente enquanto a mulher tirou a caneta de trás da orelha e anotou a medida.

━ Mas o que é que você está julgando? Até onde eu sei, você também não é santa ━ ele retrucou, unindo as sobrancelhas, e passou uma mão pelo cabelo cortado da mesma forma que o dos irmãos. Edith tocou suas costas para ajustar sua postura e mediu seus braços, do ombro ao pulso. ━ Eu pensava que as mulheres eram melhores que os homens, Edith. O que você fez, isso não é coisa que mulheres deveriam fazer.

━ Se eu fosse um homem, teria feito um serviço malfeito. Mas eu tive capricho ━ ela respondeu, com a voz baixa, evitando o olhar de John enquanto envolvia a fita métrica ao redor de seu pescoço para tirar a medida da gola. ━ E não é você quem pode me julgar.

━ Você fala como se eu saísse por aí, matando as pessoas que encontro na rua aleatoriamente ━ John reclamou quando a mulher se abaixou para medir suas pernas. ━ Não é verdade. Eu mato quando me dão motivos.

━ Eu também ━ Edith disse, de forma simples, e olhou para cima no intuito de encontrar os olhos de John. ━ Abra as pernas. Eu preciso tirar a medida da costura interna.

Despir alguém de suas roupas é colocar alguém em uma situação de vulnerabilidade. Mas não para John; John Shelby nunca pensou que suas roupas significassem alguma coisa de verdade. Assim como seus filhos gostavam de estar sempre descalços, ele também se sentia melhor longe das vestimentas. John tinha consciência de que roupas podiam representar poder, mas ele também sabia que era um dos homens mais temidos e poderosos de Birmingham. Com ou sem suas roupas.

Ele não tinha medo de Edith. Não mesmo. John não temia homens que já haviam matado muito mais; por que iria ter medo de uma mulher?

Ela estava de joelhos em sua frente, tirando suas medidas para fazer ternos que ele não iria pagar para ter. John estava parcialmente despido, mas se alguém naquele cômodo estava numa situação de vulnerabilidade, era Edith Preston.

━ Cuidado com as joias da família, Edith ━ John pediu, num resmungo, e a mulher revirou os olhos. ━ Eu ainda quero ter mais filhos.

━ Mais? ━ ela repetiu, anotando as últimas medidas e levantando-se. ━ Quantos filhos você tem?

━ Não o suficiente ━ retrucou ele, começando a se vestir novamente quando Edith lhe deu as costas. ━ Você precisa de mais alguma coisa?

Ela balançou a cabeça negativamente.

━ Apenas mande um dos seus irmãos entrar.

John assentiu, pegando a arma sobre a cômoda ao deixar o cômodo. Alguns segundos depois, Arthur entrou, com as sobrancelhas unidas e um olhar de cachorro sem dono que não ornava com o resto de seus traços duros. A mulher achava curioso o medo que ele sentia de si; como Polly havia explicado mais cedo, ela se lembrou, talvez fosse devido à dita frieza de suas ações. Edith encarou o homem em silêncio; assim como ele, ela também não estava a fim de conversas.

━ Tire as calças, o colete e o paletó. Deixe a camisa, a roupa de baixo e os sapatos ━ ela instruiu, virando uma página de seu bloco de notas para anotar o nome do homem, diferenciando suas medidas das do irmão. ━ Quando terminar, encoste na parede.

Arthur obedeceu contra a própria vontade. Como ele havia dito anteriormente, John era quem sempre estava confortável em tirar as roupas. Ele, nem tanto; a magreza de seu corpo e suas marcas de guerra o incomodavam ao se olhar no espelho, porque o faziam lembrar de tudo o que havia passado durante as batalhas travadas. Todo o sofrimento, toda a fome, todos os companheiros perdidos, tudo o que tentava esquecer. Arthur Shelby gostaria de poder ignorar a si mesmo e escapar de sua própria companhia, e quando era obrigado a se permitir ser visto, longe da carcaça que o disfarçava e protegia, aquilo se tornava impossível.

O silêncio agradou Edith: era mais fácil trabalhar contra sua vontade quando não era obrigada a conversar. As medidas de Arthur foram tiradas rapidamente, e o único som ouvido no cômodo, além dos passos da mulher, era da caneta riscando o papel do bloco de notas. Quando Edith finalizou suas anotações, ela colocou a caneta atrás da orelha e jogou o bloco de notas na cômoda, soltando um suspiro e olhando para o homem, que já se vestia desajeitadamente.

O mais velho entre os irmãos Shelby deixou o cômodo no mesmo silêncio em que entrou, enquanto a mulher encarou suas costas desaparecendo na escuridão do ateliê mal iluminado. Ela havia acabado de fazer seu serviço com dois dos três homens presentes. Restava apenas um. O pior entre eles.

Thomas.

Ele entrou em silêncio, encarando Edith fixamente enquanto a mulher retribuía, visivelmente descontente com toda a situação em que havia sido colocada. Desviando o olhar para a cômoda, a modista pegou o bloco de notas novamente, escrevendo o nome de Thomas para diferenciar suas medidas das dos irmãos, e se aproximou do homem em silêncio, apontando a ponta da caneta para ele de forma entediada.

━ Você já devia estar sem roupas. Está demorando muito ━ ela disse, antes de unir as sobrancelhas ao se ver cara a cara com o homem, reparando em algo que não havia se atentado por completo anteriormente, e murmurou: ━ Hm. Eu teria que encurtar o vestido para servir em você.

━ Que bom que as ameaças não te fazem perder o bom humor, Edith ━ ele retrucou, mantendo o rosto inexpressivo, levantando as sobrancelhas levemente. ━ Apenas o suficiente para fazer você colocar um pouco de senso na cabeça.

Thomas Shelby não sabia como havia sido a abordagem de Polly durante sua visita ao Mundo das Agulhas para convencer Edith que era melhor ceder alguns ternos do que ver o local ser incendiado, mas saber que havia funcionado era o suficiente. Ainda assim, era quase vergonhoso o fato de que Edith Preston precisou ser visitada por três membros da temida família Shelby para aceitar cooperar; ele tinha dúvidas se a mulher era desinformada, teimosa, valente ou apenas estúpida.

Travar um embate com uma modista não era algo que ele se orgulhava de ter precisado fazer. Mas, fosse por sua estupidez ou teimosia, Edith Preston - ou Wilson, como sua tia Polly havia descoberto - havia se provado bem mais corajosa do que grande parte dos homens de Birmingham, e aquilo era algo a ser notado. Mas a valentia não era algo capaz de ofuscar o desrespeito, não para Thomas, e mesmo a coragem de Edith não seria suficiente para fazê-lo pagar por seus ternos.

━ Eu ouvi dizer que os seus ternos são feitos em Londres ━ ela comentou, com a voz baixa, vendo o homem tirar a boina e o sobretudo. ━ Em uma grande alfaiataria, muito respeitada, por sinal. Onde os ricos compram ternos.

━ É mesmo? ━ ele perguntou, desinteressado, continuando a tirar as peças de roupas necessárias para tirar suas medidas sob o olhar afiado de Edith. ━ Você tem bastante tempo para fofocar.

━ Não são fofocas. Eu reconheço roupas bem-feitas quando as vejo, e os seus ternos são de qualidade ━ ela insistiu, cruzando os braços ao se encostar em uma das paredes. ━ Você e seus irmãos não precisam dos meus ternos.

Thomas estava surpreso que a mulher ainda estava insistindo naquele assunto. Ela pensava que iria conseguir amolecer seu coração?

━ Não mesmo, senhora Wilson ━ ao citar seu título de casada, Thomas viu a modista trincar a mandíbula. ━ Mas você precisa aprender a ter respeito.

━ O que eu realmente preciso, senhor Shelby ━ Edith iniciou, mordendo as bochechas por dentro enquanto se aproximava do homem com a fita métrica para medir a largura de suas costas. ━ É de dinheiro para pagar a porra do meu aluguel, o que vai ser difícil se eu gastar mais do que tenho fazendo ternos de graça.

Ele a olhou disfarçadamente por cima dos ombros, vendo-a anotar algo em seu bloco de notas. Sentindo o olhar do homem sobre si, ela levantou o olhar, encarando-o de volta.

━ Eu sei que você deve ter algum dinheiro guardado, senhora Wilson ━ ele insinuou, com a voz rouca e arrastada, vendo-a balançar a cabeça negativamente. ━ Você tomou a vida do homem, Edith. Por que não tomar o resto? Ele deve ter deixado alguma coisa para você além do sobrenome.

Os dedos da modista estremeceram e a fita métrica caiu no chão. Thomas girou o corpo, agora ficando cara a cara com a mulher, que comprimiu os lábios em uma linha fina. Ele estudou suas reações, mas não havia nada parecido com tristeza em seu olhar. Edith havia cometido um crime do qual não se arrependia, e ele ainda não sabia o suficiente para dizer se aquilo era ou não justificável.

Para Thomas, se um homem morria pelas mãos da própria esposa, era um homem que merecia morrer. O sexo masculino controlava tudo: os homens eram mais fortes, mais respeitados, mais temidos. Se Albert Wilson havia sido fraco o suficiente para se permitir ser morto por Edith, então Shelby não sentia qualquer simpatia pela situação. Tudo o que ele sentia a respeito daquela história, era curiosidade. Nem mesmo a surpresa o atingia; se Thomas sabia de algo, era que ninguém era digno de confiança.

━ Eu não quero nada que venha dele ━ Edith respondeu, abaixando-se para pegar a fita métrica no chão. ━ Nem seu sobrenome.

Ele assentiu.

━ E por que não, senhorita Preston?

Uma das únicas certezas que Edith tinha, por mais incomum que aquilo pudesse parecer, era que ninguém em Small Heath a denunciaria para a polícia por seu crime. Aqueles que sabiam, talvez, a julgassem e lhe lançassem olhares tortos, mas a polícia não era bem-vinda naquele local, e era impossível denunciar um crime por ali sem evidenciar vários outros.

Ela não iria negar o que havia feito. Não havia utilidade, não quando a família mais poderosa de Birmingham já estava investida em sua história. Edith sabia que se tivesse aceitado fazer os ternos de primeira, nada de seu passado teria vindo à tona, e aquele era seu único arrependimento: ser descuidada e ingênua a ponto de pensar que escaparia dos Peaky Blinders sem enfrentar consequências por sua desobediência.

━ Eu não o amei o suficiente para deixá-lo viver ━ ela respondeu, com a voz baixa. ━ E certamente não o amo o suficiente para querer carregar seu sobrenome.

Tommy conhecia o remorso. Ele conhecia a dor nos olhos de quem se arrependia de suas ações, de quem se arrependia de tirar vidas. Muitos de seus companheiros de guerras carregavam aquele peso no olhar, um brilho quase vazio. Ele não enxergava nada parecido com aquilo nos olhos de Edith.

━ A guerra o afetou muito? ━ Thomas indagou, quase desdenhoso, quando Edith puxou a caneta de trás da orelha para anotar algumas observações sobre as medidas de seus braços. ━ Ele ficou insuportável de lidar?

━ Albert não foi para a guerra ━ ela retrucou, subindo os olhos para o homem, que franziu o cenho disfarçadamente. ━ Por que é que você está fazendo perguntas sobre ele?

━ Eu estou fazendo perguntas sobre você, porra ━ ele corrigiu, com os olhos presos nos da modista. ━ Estou tentando entender o que você tem de errado. Ainda não consigo dizer se é estúpida ou se você esconde um segredo maior e pior do que demonstra ━ Thomas continuou, semicerrando os olhos levemente, enquanto Edith envolveu a fita métrica ao redor de seu pescoço, aproximando seus corpos ao se inclinar para ver as medidas daquela área. ━ Eu não me importo com o que seja, desde que você não se esqueça de quem é que está no comando por aqui.

━ Eu sei que não sou eu, senhor Shelby ━ ela respondeu, soltando seu pescoço. ━ Você pode ficar despreocupado. Pode investigar minha vida o quanto quiser. Não há mais nada significativo para descobrir.

━ Essa é uma decisão que eu ainda vou fazer, senhorita Preston ━ ele anunciou, vendo-a se abaixar para tirar a medida de suas pernas. ━ Existem muitos favores que posso te conceder enquanto estiver em Small Heath, mas não a minha confiança.

Edith não deveria achar graça. Ainda assim, um riso rouco deixou sua garganta.

━ Você me acha uma mulher tão perigosa assim?

Ele balançou a cabeça em negação de forma quase imperceptível.

━ Não existem mulheres perigosas. Apenas homens fracos.

Edith discordava; as mulheres podiam ser bem mais perigosas que os homens se desejassem. Ela, por exemplo, sentia mais medo de Polly do que de qualquer um de seus sobrinhos. Mas ela sabia muito bem, assim como todas as mulheres sabiam, que os homens nunca seriam capazes de vê-las de igual para igual, porque não desejavam perder a posição de superioridade que lhes era garantida pela ignorância.

Ela não respondeu. Àquele ponto, não faria diferença alguma; ela não queria mudar o pensamento de Thomas. Havia vantagens em ser subestimada, e ela sabia bem como se aproveitar de tais. Sua feminilidade não era um castigo; a burrice dos homens que a menosprezavam por aquilo, sim.

━ Eu já tenho todas as suas medidas, senhor Shelby ━ Edith avisou, após alguns minutos, fechando o bloco de notas. Ela abriu uma das gavetas da cômoda e puxou um maço de cigarro, pegando um deles e o acendendo com um isqueiro dourado, antes de levá-lo até a boca e dar uma longa tragada. ━ Você pode se vestir e ir embora.

Ela o encarou enquanto ele se vestia, tragando silenciosamente seu cigarro. A fina camada de fumaça dominava o pequeno quarto, e Edith desviou o olhar de Thomas para seus pertences que ainda jaziam sobre a cômoda. O brilho das lâminas escondidas na boina a fez se arrepiar com o pensamento de quantas pessoas já haviam sido cegadas daquela forma.

━ Pensei que cigarros não eram permitidos aqui dentro.

━ Eu sou a dona dessa porra de ateliê, senhor Shelby ━ ela resmungou, voltando a atenção a ele. ━ Eu também tinha a regra de cobrar pelos meus serviços, e você acabou com isso. Algumas regras não se aplicam mais.

Ele levantou as sobrancelhas ao balançar a cabeça negativamente, aproximando-se de Edith após terminar de se vestir. Devagar, ele tomou o cigarro de seus dedos finos, levando-o até os próprios lábios. Ela não se moveu, encarando-o em silêncio.

━ Se você não respeitar as próprias regras, por que alguém faria diferente? ━ ele perguntou, com a voz rouca, soltando a fumaça devagar. Enquanto Edith semicerrou os olhos em sua direção, ele estendeu um braço para pegar a boina, ajeitando-a sobre a cabeça, e caminhou até a porta. ━ Se precisar que nós venhamos provar os ternos, pode falar com Polly. Você deve encontrá-la na igreja.

━ Igreja? Não me parece o tipo de lugar que ela frequenta.

Ele abriu a porta, sem se virar para encará-la mais uma vez.

━ Nada é o que parece, senhorita Preston.

dark paradise voltou! espero que gostem dos novos capítulos que estão chegando ❤️

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