Ao abrir a porta, rapidamente entra um jovem rapaz, de olhar cabisbaixo, vai direto ao seu lugar, pressiona a palma da sua mão contra seu rosto e no ambiente só se ouve o som de lágrimas mudas sofrendo efeito da gravidade.

Por longos minutos tudo que se encontra no ambiente são dois corpos, cada um em seu devido lugar, compartilhando neste momento um encontro entre duas existências problemáticas. Um exprimindo suas emoções na ação do chorar e o outro sua empatia na ação de permitir compartilhar.

Após um tempo, o jovem rapaz com voz embargada tenta dar voz a sua aflição.

- Porque perder é tão dolorido? Porque o vazio é tão penetrante, e tão fétido. Esse cheiro da perda está impregnando na minha pele, porque perder é tão dolorido?

Voltando ao ato de chorar, se passa mais alguns minutos de silêncio, aquele que estava lá contratado para o ajudar, percebia na dor do outro uma identificação lacerante, porque perder é tão dolorido? Também queria saber respostas ao sentimento visceral que surgia no interior mais profundo de seu corpo.

- Quando perdemos alguém, perdemos além da pessoa amada uma parte nossa. A parte que só podia ser enquanto interagia com a existência e presença dessa pessoa perdida. Nosso corpo é o portador de nossa existência e a forma pelo qual somos no mundo. O toque pode representar o afeto e o carinho, estar de corpo presente é uma forma de criar laços de confiança, então é normal quando este corpo presente se vai, acabar criando um sentimento de traição, de rompimento a esta confiança.

- Mas e como lidar com o vazio? Como lidar com esse sentimento de estar se decompondo, de olhar minha pele e ter ódio dela? Essa mesma pele que outrora recebeu os toques quando estávamos juntos, gesto de nosso amor e comprometimento, e agora ser o vilão dos meus pensamentos?

- A pele é o tecido da vida, ela nunca é lisa, pelo contrário, é cheia de buracos. Quando perdemos essa parte de nós junto com o abandono da pessoa amada, fica um vazio que não é preenchido, é uma ferida que no máximo se cicatriza com o tempo, e deixa uma marca nessa pele. No final, o conjunto de marcas que temos na nossa pele, nesse tecido que reflete nossa vida, é o que caracteriza quem nós somos, nossa identidade e nossa identidade. Quando olha para as marcas que ficou, quem é você?

Longos minutos se passaram, o rapaz em silêncio continuou com as mãos trêmulas em seu rosto, até que se levantou e saiu, foi embora, e naquela sala restava não mais um encontro entre dois corpos, mas somente uma existência solitária e o abandono em sua forma mais concreta e materializada.

Refletindo sobre o atendimento que tinha acabado de realizar, encarou o papel branco. Se sentia cobrado por aquela folha branca sem conteúdo a achar respostas, respostas que não tinha.

Levantou e em passos lentos contemplou o rádio que trazia novidades:

Novas notícias, o suspeito preso pela polícia pelos crimes com os três jovens acabou de ser solto, as provas dos crimes não foram suficientes para incriminá-lo, sua defesa diz que ele é inocente, e agora? Quem poderá nos defender?