👻 CAPÍTULO IX: FANTASIAS 👻
— 𝕾𝖊𝖗𝖎𝖆𝖑 𝕶𝖎𝖑𝖑𝖊𝖗 𝕰𝖘𝖈𝖆𝖕𝖊—
O vício começou como qualquer outro: um hábito que a libertava da realidade e parecia, até então, bastante inofensivo.
Sarah mentia para si mesma quando bebia, durante o mestrado, todo final de semana. Era somente algo social, dizia, mas a coisa piorou quando virou diária. Pelo menos cinco latas de cerveja todo dia, era, para Sarah Kato, como se fosse água: necessária em todos os sentidos.
Poderia ter matado o assassino quando teve a chance? Sim. Queria fazer isso? Com certeza. Fez quando teve oportunidade? Não.
Para um coração tão vingativo, a morte seria uma pena muito ínfima como sentença do demônio. Ela viria, sem dúvida, pelas mãos da mulher, mas de maneira lenta e dolorosa.
Não somente com um tiro.
Seria pelas chamas.
A justiça seria feita pelas próprias mãos da noiva cadáver e o assassino seria punido como ela bem entendesse. A morte viria, mas ainda poderia esperar.
A visão não estava somente turva, mas duplicada. Assim, pode ver dois olhos azuis, dois cigarros e duas mãos os segurando, duas bocas com o batom vermelho vinho, dois rostos de mulher com uma faixa branca na bochecha e duas vinganças o encarando por cima.
Daniel Miller estava no chão, amarrado com várias cordas, as mesmas com que prendeu Emma Magalhães. Desta vez, ele seria a vítima.
Emma o envolveu na corda, cortou um pedaço do pano branco que escondia o caixão antes e amarrou o tecido em metade do próprio rosto para estancar o sangue dos cortes.
E, depois, envolveu o lado esquerdo da face de Miller em uma corda, estancando o olho sangrento.
Matutou se deveria entregar Miller para a polícia e correr para o hospital em seguida, mas Emma sentia uma imensa vontade de devolver na mesma moeda exatamente o que ele havia feito com Samantha Pinheiro.
Horas depois, quando o efeito da morfina enfim passou e o assassino começou acordar, Emma estava sentada perto dele. Ela fumava um cigarro assim como ele havia feito. Queria fazê-lo reviver o terror que causou, não pouparia os detalhes.
As duas mulheres idênticas ainda olhavam para ele à medida que iam se aproximando uma da outra e, assim, formaram uma única imagem, uma única mulher, uma única vingança que viria no peso de duas.
Quando notou ele acordado, Magalhães apertou o canivete, deixando a lâmina suja com seu próprio sangue à mostra.
Quando o olhar de Daniel parou de duplicar a realidade, ele a encarou e entendeu de imediato o que ela faria. Diferente de Miller, ela não pronunciou uma única palavra, apenas traçou o grande X na bochecha do homem e o ouviu gritar.
Emma não sentiu prazer, satisfação ou excitação, a única coisa que se manifestou dentro dela foi a ansiedade. Sabia muito bem que torturar alguém não estava no topo da sua lista de desejos, mas o fez mesmo assim.
Para o seu espanto, o assassino não chorava ou grunhia de sofrimento, mas, sim, de prazer.
O mais puro prazer soava da boca de Daniel Miller como se ele gemesse. Ao notar aquilo, Emma parou a tortura e, incrédula, falou, como se estivesse mesmo conversando com o primeiro anjo caído.
— Você está... você está... — As palavras faltavam da mesma forma que sentido, senso e interpretação sumiram em uma situação dessas.
— Gostando? — ele perguntou com um sorriso sórdido na face.
— Você está gostando?
— Surpresa! — Ele começou a rir, uma gargalhada alta, rouca e grossa.
— Gostaria de morrer também? — Emma ficou furiosa, aproximou o canivete do peito dele e começou a apertar.
— Sinceramente? Sim.
Magalhães revirou os olhos e, em um instante, sabia muito bem como torturá-lo.
Levantou-se com dificuldade, sentindo a perna estalar de dor, fez uma careta com a sensação ao ficar de pé. Cambaleou para perto da estante rangendo os dentes a cada passo que dava e, quando estava bem próxima, quase caiu no chão ao sentir a perna ceder e dobrar.
— Merda! — ela praguejou a ardência da bala.
— A bengala do meu pai está em cima da estante, ela pode te ajudar — Miller comentou.
— E por que se preocupa com isso? — Emma o olhou irritada, os olhos dele já estavam bem abertos.
— Porque te ver sofrer sozinha não me deixa feliz, gostaria que eu estivesse causando isso.
Emma bufou de raiva, mas ficou na ponta dos pés esticou os braços o máximo que pôde, até que seus dedos alcançassem o pedaço fino de madeira acima da estante.
Naquele momento, ela se concentrava em não cair, pois, caso acontecesse, morreria de dor.
Enfim, pegou a bengala.
Magalhães andou até um dos potes translúcidos, parou e ficou encarando com repulsa e ânsia o que parecia ser somente uma bola meio oval envolvida em um pano dentro do recipiente. Daniel arregalou os olhos.
— Fique longe delas! — ele berrou.
Emma começou a rir.
Ela apoiou a bengala debaixo do braço e, com as duas mãos, pegou um dos potes de vidro. Virou-se com um pé e encarou Miller que se debatia ferozmente no chão tentando se aproximar.
Não conseguia, pois seu corpo estava paralisado, então, ele apenas se contorcia no chão.
— Devolva! Devolva ela! Agora! — ele berrava, cuspindo gotículas de saliva.
Emma riu e jogou o pote de vidro para o lado, ele caiu ao lado da mesa preta e se estilhaçou. Daniel Miller começou a chorar de raiva. Emma pegou outra e jogou na mesma direção.
— Pare com isso! Pare! Agora mesmo! — o demônio não parava de berrar.
Emma pegou outro pote, mesmo com medo de olhar para o chão e ver os restos mortais ali, mas torturaria Miller ao máximo. Quando jogou o terceiro pote com força, sentiu prazer no que fazia a Daniel.
— Não faça isso! O que você quer de mim?! — A voz tenebrosa soava acompanhada de um gemido de choro.
Emma se aproximou de Daniel, desviando do líquido que aumentava no chão do porão, evitando sentir o cheiro do formol crescer em seu olfato.
Colocou a ponta da bengala no peito de Miller o fazendo parar de se debater.
O olho dele estava enfaixado de maneira grotesca, o pano estava embebido de sangue, mas Emma fez isso na tentativa de não o matar de uma vez, não deixaria que ele morresse por causa de um sangramento.
— Me diga! O que fez com Samantha?!
— Quer mesmo saber isso? Por quê?!
— Para fazer o mesmo com você!
— Não poderia...
— Com toda certeza eu poderia!
— Não. — Daniel riu. — Não poderia, você não teria força e muito menos capacidade por conta da perna. Eu a pendurei, você não vai conseguir fazer o mesmo.
— Me diga o que mais você fez! Fala logo! Se não, vou quebrar mais alguns dos seus preciosos potes!
Miller estava com a mandíbula travada, não aguentaria ver mais uma de suas obras jogadas ao chão com tanta brutalidade.
Não se importava com a marca em seu rosto, a visão perdida, e muito menos com a própria vida. Só se importava com elas, as eleitas.
Não morreria até matar Emma Magalhães.
Dessa vez, não mataria por prazer, seria por ódio.
Quando Daniel enfim abriu a boca para falar, ambos ouviram um som no andar de cima.
— O que foi isso? — Emma perguntou, estremecida.
— A campainha... Deve ser o meu vizinho. Conversamos sobre esportes toda quinta-feira.
A campainha tocou de novo. Emma encarou o teto pensativa. Minutos depois do segundo toque, ela ouviu uma... vibração.
— É o meu celular. — Daniel disse.
Emma ficou se segurando na bengala, agachou-se com dificuldade, pôs uma mão no chão, com a outra apoiou a bengala na estante e levou esta até o bolso da calça de Miller.
— Está no outro. — Magalhães revirou os olhos e vasculhou o outro bolso, pegou o aparelho e o desligou.
— Vamos esperar seu vizinho desistir.
— Alexandre desistir de falar sobre futebol? Eu duvido, era o nome dele na tela, certo? — Miller riu e a campainha tocou de novo.
— Uma hora, ele vai embora.
— Ou vai pegar a chave extra que tem e entrar.
Emma arregalou os olhos e pôs-se de pé, pegou a bengala de novo, seu coração martelou de ansiedade. E se aquele homem entrasse? Óbvio que Daniel iria para a prisão fosse pelo relato dela ou do vizinho, mas ainda não, ainda não podia.
— Você está blefando — Emma falou e se virou andando com a bengala até a escada. — Vou gritar que você não está.
— Quer pagar para ver? Alex me conhece desde criança e vai achar estranho se você fizer isso.
— Não vou te soltar. — Emma bufou.
— Só desamarre meus pés, nós subimos e falo com ele.
— Você está pensando em abrir a porta? No estado que estamos?
— É só falar que estamos fantasiados. Como você disse, amanhã não é Halloween?
A escada foi um verdadeiro tormento para Emma Magalhães, mas, mesmo precisando segurar a bengala com uma mão e com a outra apontar a arma para Daniel, ela conseguiu subir.
Esse foi o modo como ela permitiu que ele subisse, pois se Daniel tentasse fugir, atiraria.
Os dois chegaram até a porta, o casal do horror, uma vestida de noiva cadáver com metade do rosto enfaixado e com sangue escorrendo até o pescoço; o outro com uma faixa no olho e o rosto com um pano vermelho escondendo os cortes explícitos.
Emma respirou fundo e abriu a porta.
Alex, um homem de pele retinta, ia apertar a campainha pela quarta vez quando a porta abriu e ele sentiu o coração disparar. Boquiaberto e confuso ao encarar o casal, pensou: Que brincadeira é essa?
— Dani...
— Gostou das nossas fantasias para o Halloween? — Daniel interrompeu Alex, que suspirou, e Emma revirou os olhos.
— Que susto e... são bem realistas. Prazer... sou Moura, Alexandre Moura. — Emma apenas sorriu de lado enquanto segurava a arma nas costas de Miller.
— Esqueci de te avisar que hoje não poderíamos conversar, o Halloween já é amanhã, então minha... parceira de fantasia e eu estávamos provando nossas roupas. Por isso demorei para atender a porta — disse Daniel, olhando para Emma e sorrindo, mesmo sentindo o círculo do cano metálico rente à suas costas.
— Ah, claro. Sem problemas. Mas... você nunca gostou de Halloween.
— Eu devo um favor para Emma Magalhães, então... vou participar com ela do concurso de Pedra da Lua.
— Entendi. — O homem manteve as sobrancelhas juntas analisando o casal. — Bom, conversamos depois.
Daniel sorriu, Emma forçou o sorriso e fechou a porta antes mesmo de Alex se despedir. Afundou o cano da arma em Miller e começou a empurrá-lo.
— Qual a necessidade de fechar a porta na cara dele?
— Ninguém cai nesse papo furado. Ele já deve ter notado algo errado. Mudança de planos. Não irei mais tentar te torturar.
— Não? — Miller riu enquanto os dois andavam devagar pelo hall.
— Não. Agora, você vai morrer, Daniel Miller.
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