🕸️CAPÍTULO III: TEORIA DO CAOS🕸️
— 𝕾𝖊𝖗𝖎𝖆𝖑 𝕶𝖎𝖑𝖑𝖊𝖗 𝕰𝖘𝖈𝖆𝖕𝖊—
Em seu peito, instalaram-se moinhos de vento que rodopiavam incessantemente.
Era assim que encarava o vício: o mal subia-lhe a garganta provocando ânsia; o tortuoso trêmulo das mãos ninava freneticamente o vinho; o pavor permitia escorrer lágrimas de suor em sua curta testa; o sopro da vida era sugado a cada milésimo de segundo de seu corpo.
Compadecia-se com amargura na adolescência por carregar consigo o sofrimento e o mistério do desaparecimento de seu pai.
Mesmo com o sol preponderante lá fora em certos dias, nunca houve luz em sua vida — pelo menos era isso que pensava. Para Sarah Kato, o verão vinha gélido e no inverno era torturante respirar.
Sorrateiros, a noiva cadáver e o assassino quase engatinhavam curvados, pareciam meros gatinhos prontos para atacar um passarinho que guiava a rota — a solicita Julia Estevão.
Aos olhos alheios, o esbarrão não passou de um mal-entendido, de um homem bravo e de uma mulher insana que estava pronta para uma festa à fantasia às seis da tarde no meio de uma cafeteria pacata.
A cena continha uma sucessão de acontecimentos atípicos e estranhos demais até mesmo para o caos — reunia o combo de características que o assassino evitava estarem atreladas a ele.
Mas, assim como a teoria do caos, Daniel Miller continuou ali, sendo seguido por uma borboleta preta.
O bater mudo e quase imperceptível das asas desse inseto resguardava inevitáveis consequências e um futuro imprevisível; justamente por ser este o único lepidóptero que pode despertar tanto uma enorme admiração quanto um pavor estridente em alguém.
Nunca presenciar alguém gostar de uma mariposa não anula o fato de que alguém pode a preferir.
São as cores que ditam o belo e o horrível em nosso mundo e, assim, regam o terreno que o coração peregrina, às vezes em direção à repulsa, de tempos em tempos, ao amor.
Mariposas não possuem uma paleta de cores tão encantadora quanto às de uma borboleta, mas, ainda assim, há quem escolha amar a monocromia do que a policromia. O rumo que irá tomar, independentemente do objeto ou inseto, depende exclusivamente do interior que o sujeito emana.
De acordo com a física, a existência de luz é crucial para a possibilidade de enxergar as inúmeras e até inomináveis tonalidades, aqueles que não a possuem estão fadados à escuridão e nunca poderão sentir de fato por conta da terrível ausência de luminosidade da alma.
Dos três, Julia compunha uma resplandecência em tons azuis; a noiva cadáver era um prisma pelo qual passava somente a matiz vermelha.
Daniel Miller não tinha cor.
O loiro era seguido por uma borboleta escura em cada ação, e com ela surtiam efeitos devastadores. E quando este inseto fez as asas se encostarem em instantes incalculáveis de tão rápidos, o impossível estava prestes a acontecer e nem mesmo sua mente insaciável poderia ter ciência do resultado que esse voar traria desta vez.
Esgueiravam-se para os fundos da cafeteria ao seguirem Julia Estevão. O cenário era uma exposição da obra mais surrealista de um trio de fugitivos que escapavam de três irmãos inocentes e ainda era composto por um dos homens mais sádicos do Brasil.
Para além da porta de madeira com o letreiro em letras garrafais escrito SAÍDA, puderam sentir o vento seco de Pedra da Lua.
— Pronto, está livre. Preciso voltar antes que notem minha ausência — Julia falou, apontando a saída com a cabeça.
— Muito obrigada! — agradeceu a mulher fantasiada enquanto a balconista voltava para o seu posto.
O frio não cessava, nem no ambiente e muito menos no coração de pedra envolto pelas ondas da satisfação que saiam da essência de Daniel ao poder ficar sozinho com aquela mulher.
Enquanto isso, a noiva cadáver tremia de frio e não percebia o quão radiante sua desconhecida companhia estava.
Como um cair de peças de dominó, um fato levou ao outro de maneira tão inevitável que Miller só pensava em uma coisa: teoria do caos.
— Vista meu casaco — Daniel falou, deixando a noiva boquiaberta ao sentir o tecido em seus ombros. A estrada para o inferno é pavimentada de boas intenções.
— Não precisa! Seu casaco ficará todo sujo de sangue falso — ela respondeu.
O demônio soltou uma breve risada ao pensar nas inúmeras vezes que a mesma vestimenta ficou suja com sangue de verdade e insistiu para ela vesti-lo.
— Já que insiste, agradeço... Mas ainda estou preocupada. Essa cidade é tão pequena que não me surpreenderia dos meus irmãos me acharem na esquina.
Daniel ergueu as sobrancelhas. Pegou um maço de cigarros do bolso, acendeu um e soltou a fumaça devagar, enquanto a mulher olhava para os lados procurando os culpados por tentarem descobrir o segredo que ela guardou desde a última competição de fantasia.
— Se quiser, posso te ajudar. Meu carro está estacionado na frente da cafeteria, posso te levar daqui — Daniel ousou usar a pior das táticas para sequestrar uma desconhecida.
Para a surpresa do assassino, a garota ficou aliviada e relaxou o corpo na hora que ouviu a frase com a sugestão mais tosca de todas.
— Sério?! Muito obrigada! Poderia me levar para casa? Ai, meu Deus, não, isso não! Alguém de lá poderia relatar tudo e, pior, eles vão me achar lá, obviamente, já que moramos todos juntos!
— Pois bem, se quiser, pode se trocar na minha casa.
Daniel ficou extasiado ao observar a ingenuidade daquela mulher e supôs que seria uma burguesa qualquer de Pedra da Lua do tipo que não lê nenhum jornal e muito menos se preocupa por ter as mesmas semelhanças físicas das vítimas que estavam nas manchetes há mais de um ano.
Mulheres são encontradas decapitadas e boiando nas lagoas das grutas, a última foi identificada como Valéria Escarlate, outra loira, segundo os investidores.
A noiva cadáver abriu um grande sorriso com os lábios borrados de batom cor de vinho. Miller também sorriu com a reação enquanto tragava o tabaco.
— Seria perfeito, mas, nossa, que indelicadeza da minha parte! Ainda não sei seu nome...
— Miller. Daniel Miller.
— Sou Emma, Emmanuelle Magalhães — ela disse, segurando o casaco e terminando de vesti-lo.
Daniel começou a pensar que a ingenuidade de Emma tinha sido a cereja do bolo para aquela ocasião.
Afinal, se ele não tivesse escolhido aquela desconhecida na rua, se Julia não o tivesse chamado como nunca havia feito, ele não teria ficado segundos a mais na cafeteria e, assim, Emma nunca teria esbarrado nele. Miller não teria retirado o véu em fúria e não veria o rosto da mulher, até mesmo se ela passasse por acaso ao seu lado na rua.
Nada daquilo teria acontecido se um bater de asas de uma borboleta não tivesse sido dado. O assassino sorria agraciado e crendo que, pela primeira vez, o destino o entregou de bom grado a uma vítima.
Miller não estava completamente errado, era mesmo o destino de Emmanuelle Magalhães cruzar com o seu caminho. Daniel apenas não sabia que, desta vez, a vítima seria ele mesmo.
— Vamos? Esconda-se atrás de mim, vou te dar cobertura caso seus irmãos apareçam.
— Você é um anjo! — Caído? Sim.
Emma ficou a poucos centímetros atrás das costas largas de Miller, seguiu devagar seus passos enquanto ele olhava para os lados procurando os rapazes da cafeteria. Ninguém parecia estar ali perto. Assim, a dupla atravessou a rua rapidamente e entrou no carro.
— Perdão! Estou sujando todo o banco do seu carro. — Emma disse. Daniel tentou não rir desta vez. Como poderia explicar a comédia que era ouvir aquilo?
— Sem problemas. — Ele virou a chave na ignição, esperou o veículo esquentar por alguns minutos e, depois disso, um barulho alto soou, assustando a passageira.
— Meu Deus, eu me assusto com qualquer coisa — ela disse ao perceber que era apenas o ronco do motor e colocou o cabelo atrás da orelha.
— Para quem gosta do Halloween, parece um tanto contraditório. — Daniel virou o volante em êxtase, pisou no acelerador e tirou o carro da vaga.
Tudo estava saindo ridiculamente tão fácil que Miller começou a ficar preocupado. Nunca foi tão fácil. Na verdade, tinha ficado cada vez mais difícil, principalmente após a interferência da mídia, que tanto irritava Daniel. Emma olhou aterrorizada para ele.
— Está maluco?! É mais provável que alguém que se assusta com facilidade gostar mais de Halloween do que quem tem dificuldade nisso. Amantes do terror e horror existem porque adoram a sensação do susto.
— Se você diz... Eu não gosto de Halloween.
Emma cruzou os braços e jogou a cabeça para o lado enquanto a paisagem do interior de São Paulo estampava as janelas escuras com insulfilm.
— Aposto que não se assusta com facilidade.
— Não. Somente com o espelho, às vezes.
— Olha, não estou te cantando, até porque tenho namorada, ela foi viajar e... enfim, você não está interessado nisso... mas você é um rapaz muito bonito. Por que se assusta com o espelho?
— Não sei... só acontece. E você pode me contar sobre sua namorada, sem problemas, vamos passar algum tempo juntos mesmo. — Para Emma, esse período seria somente por hoje, para Daniel, até quando ele se cansar de torturá-la.
A noiva cadáver sorriu e olhou para frente, encarando o trânsito de Pedra da Lua. Estava feliz por poder conversar sobre isso com alguém livre de preconceitos, pois, naquela cidade pequena, o casal era segredo e apenas amigos muito íntimos sabiam delas.
— Ela é muito parecida comigo até, loira, olhos claros e... precisou voltar para o Rio de Janeiro, para resolver alguns problemas familiares. Mas é estranho...
A garota respirou fundo e, antes de continuar, seu sorriso minguou:
— Ela não me atende, nem me responde, estou preocupada. E isso faz o quê? Mais de duas semanas. Como não tenho contato com os parentes dela, é impossível ligar para qualquer um deles. — Recuperou o fôlego, parecendo nervosa em relatar aquilo. — Enfim, ela disse que volta na semana que vem e eu confio nela. — Emma empinou o nariz, em uma tentativa de parecer indiferente a uma situação que a aterrorizava há dias.
— Sinto muito. Qual o nome da sua namorada?
— Samantha, Samantha Pinheiro.
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