
CAPÍTULO VINTE E OITO
– Não olhe muito, Perrie!
Luca estala os dedos na frente do meu rosto e eu saio do meu transe. Estamos em uma das mesas ao ar livre no paddock depois da qualificatória na Bélgica, aproveitando o clima fresco para terminarmos nosso trabalho. Porém, assim que Gael passou com os engenheiros do time, eu acompanhei seu percurso com o olhar até ele desaparecer no motorhome.
– Eu viajei legal, né?
– Muito. – Ele me entrega o HD externo e sorri. – As mini férias na Itália não foram o suficiente não? Eu sei que vocês aprontaram, Perrie. Você não me engana mais.
– Eu já te contei tudo o que aconteceu. E para Heart também! Nem parece o mesmo Gael que eu conheci.
– Jantares, caronas, presentes secretos... Ele ganhou o meu respeito, sabe. Ele pode ter sido um babaca lá no início, mas você voltou da Itália uma outra pessoa.
– Será que achei a minha versão do Eric?
Luca gargalha e junta as mãos, a seriedade tomando conta de seu corpo.
– Ele ganhou o meu respeito, mas não ganhou a minha bênção. Ele tem um longo caminho para percorrer se quiser um dia cogitar em te pedir casamento.
– Aliás, falando em casamento, como vão os planos? – Guardo meu notebook e estico os meus braços, alongando a minha coluna.
– Conseguimos uma data para o outono. Agora falta local, mestre de cerimônias, música, fotografia e decoração. – Ele tira o caderninho de dentro da mochila, e eu consigo ver as anotações e recortes de revistas entre as páginas.
– Buffet e vestimentas garantidas, então?
– Você ainda me pergunta isso? Claro, Michelle! – Ele se levanta, sinal de que finalmente encerramos o dia. – Eu nem precisei pedir, mas eu com certeza vou pagar pelo serviço como qualquer um, sem descontos só porque sou da família.
– Se eles não quiserem o dinheiro, eu aceito. – Agarro o braço de Luca e confiro quanto tempo até nosso motorista chegar. – Eu estou para assinar o contrato com a emissora de Chicago.
– Sério? Fico tão feliz por você! Seu contrato com a USN acaba este ano, né?
– Sim, e não tem proposta no mundo que me faça ficar lá. Adeus, Atlanta. Adeus, dias longe da minha família. E olá, Chicago!
– Perrie Michele, fotógrafa e coordenadora geral da divisão de automobilismo. – Luca pronuncia cada palavra com muito poder. – Nossa, ficou incrível. Você sabe se tem alguma vaga dando bobeira por lá?
– Eles prometeram que eu poderia formar a minha própria equipe. Pronto para chutar a Chicago X? – Aproximo meu passe do painel na catraca, deixo o paddock e avisto nosso carro.
– Com certeza! Você tem mais nomes em mente? Porque eu tenho dois colegas que seriam adições perfeitas.
– Falamos disso quando eu tiver assinado com a nova emissora, ok?
– Ok! Por que não celebramos hoje? Muita batata frita e waffles, tudo por minha conta!
– Eu te amo! – grito. – Eu te amo mais que o mundo inteiro!
– Menos, Perrie Michelle.
Entramos no carro, e eu confirmo o endereço do nosso hotel. O motorista nos enche de perguntas sobre o nosso trabalho – ele é um grande fã das corridas, mas não conseguiu ingressos para o final de semana –, e nós respondemos sorrindo porque trabalhamos com aquilo que amamos e temos orgulho disso. Ele nos deixa no hotel e nos deseja uma boa noite.
Passamos no quarto para guardar os equipamentos, e voltamos para as ruas da cidade de Spa para procurarmos um bom restaurante. No final, acabamos comprando batata frita e waffles para a viagem e devoramos tudo na cama do hotel enquanto assistimos a um filme de comédia qualquer.
Mal posso esperar para voltar a ter Luca, Heart, meu pai e Eric por perto. A solidão de viver em Atlanta nunca mais me aflingirá. Vou ter um abraço de conforto para quando eu estiver cansada, uma risada para quando eu sentir que preciso esquecer as responsabilidades, um conselho para quando eu estiver em dúvida do que fazer. Eu terei a minha família ao meu redor, e isso é o que mais importa.
E quando eu achar que Chicago não é suficiente, espero ter alguém para visitar do outro lado do mundo.
++++++
Paris é belíssima. Como toda capital e cidade muito visada por turistas, ela tem seus problemas. Mas eu não estou aqui para ser a turista perdida que anda pelas atrações mais famosas, primeiro porque não estou de férias – a maior vantagem que acaba sendo uma desvantagem do meu trabalho é que eu posso trabalhar de qualquer lugar – e, porque a minha experiência foi planejada por alguém que conhece a cidade como a palma da mão.
Gael comprou a minha passagem e disse que cuidaria de tudo. Ele só precisava de alguns dados meus e das minhas datas de ida e volta. Hotel, alimentação, transporte: ele disse que eu era sua convidada e não deveria me preocupar. E que ninguém em Paris liga para quem ele é, então teríamos paz e tranquilidade – coisas escassas no paddock cheio e movimentado.
Ele me buscou no aeroporto e quando eu o perguntei sobre em qual hotel ficaria, ele riu e disse que hotéis eram besteira. Passamos no restaurante favorito dele para comprar o jantar e encerramos a noite jogados no chão da sala de seu apartamento, rindo das minhas tentativas falhas de aprender o básico de francês para os próximos dias.
Infelizmente a organização das ruas de Paris não é muito gentil com visitantes novatos. Gael saiu para uma reunião com o empresário, e eu decidi me aventurar pelo bairro dele já que as reportagens da semana estavam prontas. Preciso nem dizer que foi a pior escolha da minha vida, as ruas se pareciam muito e eu consegui me perder mesmo tendo um GPS no celular. Pelo menos terminei minha tarde próxima ao Arco do Triunfo – e fui resgatada por Gael, que balançou a cabeça assim que eu entrei no carro, desapontado comigo, mas se divertindo.
Aproveitei o fuso horário de Paris para fazer algumas conexões com outros jornalistas e colegas da área. Quando mandei mensagem para Anya para saber como andava a vida, ela me contou uma novidade incrível: ela tinha conseguido um novo emprego para trabalhar em uma produtora de documentários independente na França, e, por sorte, ela estava em Paris. Eu pulei de felicidade porque era tudo o que ela sonhava!
Marcamos para tomar um café e conversar, eu a atualizei – além do que tinha contado por mensagem quando ela viu que as fotos de Gael com a Hanna sumiram do perfil dele e quis mais detalhes do não-mais-casal – e ela abriu um sorriso mais brilhante que a Torre Eiffel à noite. Outra pessoa que sabia que aquela implicância de Gael não era apenas um indicativo ruim. Claro, como alguém que trabalhou no ramo do jornalismo, ela me avisou dos perigos. E aí eu detalhei toda a novela das fotos do baile, e ela ficou mais calma.
Entre as reuniões de Gael e as minhas horas trabalhando remotamente, conseguimos curtir Paris. O apartamento dele é muito espaçoso e bem localizado, nos dois últimos andares de uma construção charmosa como as que vi nos filmes que se passam em Paris. Vários quartos, uma cozinha enorme, dois pisos porque um só não é o suficiente para as obras de arte que ele coleciona.
Da pequena varanda no segundo piso, conseguimos ver a Torre Eiffel. Porém somente vê-la de longe não estava nos planos de Gael, e ele me levou para vê-la à noite. E depois subir e ver a cidade lá de cima. E explorar a cidade durante à noite, porque de dia estamos ocupados demais para sairmos juntos. Cada momento me deixa mais ansiosa para voltar aqui quando eu estiver de folga.
Eu não poderia esquecer de mencionar Rose, a gata de estimação que não foi com a minha cara. Não estou ansiosa para revê-la. Não nos demos bem quando nos conhecemos, e Gael disse que ela precisaria de mais tempo para entender que não terá sempre a atenção total dele. Mas, no fim, Chloe buscou a gata, que aceitou de bom grado ir para o apartamento dela.
– Rose leva bastante tempo mesmo para se adaptar a novas pessoas. – Gael disse quando Chloe saiu do apartamento com Rosé na caixa de transporte. – Ela gosta de Chloe porque elas são quase iguais, e porque minha irmã cuida dela quando estou fora.
– Acho que ela não gosta de mim porque prefiro cachorros – resmunguei.
– Não, ela só é difícil de conquistar a confiança, igual alguém que eu conheço. – Ele deu de ombros e riu.
Admito que me senti culpada por Chloe ter levado a Rose embora, mas foi Gael que decidiu que ela estava muito ciumenta. Quem sabe da próxima vez eu traga petiscos e ela aceite melhor a minha presença – se eu for convidada para uma segunda visita, claro.
Fizemos pequenos programas por toda Paris durante a semana, e Gael disse que guardou o melhor para o final.
Ajeito meu cabelo e retoco o batom vermelho para que ele se destaque mais. Consigo ouvir Gael andando de um lado para o outro em seu quarto, resmungando algo em francês no telefone. Encosto a porta do banheiro e ligo para Harriette e Luca.
– Perrie! – Luca quase me deixa surda. A expressão dele muda assim que eu dou alguns passos para trás e mostro meu look. – Meu Deus, desde quando você virou modelo?
– Está bom mesmo? Eu não sei se exagerei ou se estou muito simples, ele não me fala para onde vamos, aí tive que improvisar. – Ajeito o cós da calça e sorrio para a câmera, vendo que Heart finalmente atendeu.
– O que aconteceu, Perrie? – ela pergunta, com o olhar distante. Assim que ela processa o que está acontecendo, vejo uma lágrima escorrer. – Eu sabia que você ficaria linda! Será que ele pode tirar algumas fotos suas? Eu quero postar para todo mundo apreciar essa obra de arte!
– Vou pensar no seu caso. – Pego o celular na bancada da pia e percebo que Gael não está mais ali.
Como apenas mandei fotos da vista do apartamento durante o dia para eles, aproveito que estamos em ligação para mostrá-los o visual durante a noite.
– Luca! – Ouço a voz de Eric ao fundo. – É a Perrie?
– Eu mesma – respondo. – Deixa eu mostrar a vista daqui para vocês, a torre fica muito linda.
– Perrie, por favor, você tem que estar comigo durante a Semana de Moda, eu imploro. Vou ligar para o assessor do evento e pedir para te incluírem como minha assistente, eu quero que você me leve em todos os lugares legais! – Heart só sabe falar de trabalho e de como quer muito conhecer Paris.
– Eu vou, prometo. – Aponto para a torre e deixo eles suspirarem com a beleza do cartão postal de Paris. – Ver a cidade lá de cima então, meu Deus, de tirar o fôlego.
– Eu estou passando mal de inveja, Perrie! Eric, que tal passarmos nossa lua de mel em Paris?
– Luca nunca pensa em incluir as amigas, acho incrível – Heart alfineta, e eu rio.
– Depois do ano novo, que tal todos viajarmos para Paris? Mas cada um paga a sua conta – sugiro antes que eles briguem.
– Ma chérie, com quem você está falando? – Gael me abraça por trás e espia a tela do meu celular. – Bonsoir, Harriette e Luca.
Eric aparece na tela, e eu percebo logo de cara que Gael ainda não caiu nas graças dele. Meu amigo me advertiu umas milhares de vezes que eu deveria ter muito cuidado, e não sair mergulhando de cabeça num novo relacionamento. Não é à toa que ele é a voz sensata do grupo e advogado.
– É melhor você estar tratando a minha amiga muito bem, Carpentier – ele adverte. – Eu tenho disposição de sobra para te processar em tribunais internacionais, caso ninguém tenha te avisado.
– Não se preocupe, ela está em boas mãos. – Ele beija a minha bochecha e lança seu melhor sorriso para a câmera. – Caso vocês venham para Paris, receberei vocês em meu apartamento. Agora, se nos derem licença, eu pretendo levar a amiga de vocês para jantar.
– Tire fotos dela! Gael, é sério, ela não vai tirar nenhuma foto para mim! – Heart berra tão alto que acho que a vizinhança inteira ouviu.
– Me mande o seu e-mail e eu lhe enviarei as fotos – ele responde.
– Vocês ouviram Gael, eu tenho um compromisso e não quero me atrasar. Beijos. Amo vocês!
– Bom jantar! – Eles desejam em uníssono e eu desligo a ligação.
Encontro Gael sentado no sofá com a câmera na mão. Depois que ele se aventurou com a minha câmera, ele comprou uma para si – claro que pediu a minha ajuda por mensagem porque queria algo em específico. Ele acabou comprando uma câmera semiprofissional com uma pegada mais vintage. Eu brinquei até que se ele queria algo retrô, comprasse logo uma câmera de filme.
– Sério que você vai dar ouvidos a Harriette? – resmungo.
Confiro a minha roupa no espelho: a calça de alfaiataria de corte reto branca é uma criação da minha irmã, assim como a regata de cetim soltinha preta. Ela insistiu para que eu colocasse essa roupa na mala desde o dia que me enviou algumas peças novas. Até então, eu não tinha achado a oportunidade perfeita para usá-las, mas hoje é a noite.
Gael está com uma blusa de gola alta preta e calças num tom de vinho bem fechado que provavelmente foram feitas sob medida para ele. Ele se levanta e inclina a cabeça, entediado com a minha demora. Me posiciono perto da porta da sacada e me preparo para as fotos.
Primeiro ele toma distância para registrar meu corpo inteiro, de modo que as fotos serão suficientes para Harriette postar em seu site. Assim que ele se aproxima para enquadramentos mais fechados, eu me deixo experimentar com a presença da câmera, ora sorrindo, ora olhando por sobre o ombro como quem não quer nada.
– Eu tenho uma coisa para você. Espere aí – ele diz. Vejo desaparecer em um dos quartos extras e voltar com uma sacola branca, com o nome de uma marca que não conheço, escrito em dourado. – Para você.
– Se for um vestido, eu prometo usar em outra ocasião, ok?
– Acho que você já vai sair usando, porém precisa abrir primeiro.
De dentro da sacola, tiro uma caixa. Não há um laço nela, então um simples erguer da tampa revela o conteúdo. Olho para Gael antes de dizer qualquer coisa, e me deparo com a curiosidade e apreensão em seu olhar. Sério que ele achou que, depois de tantos presentes, ele iria errar agora?
– Eu sempre quis ter uma boina! – O acessório tem o toque macio da lã e o formato característico das boinas que eu vi as pessoas usando na rua. – É perfeita, muito obrigada!
Ele me acompanha quando eu vou até o espelho ajeitá-la em minha cabeça.
– Ela é ajustável e feita com materiais veganos. – Ele me ajuda a encaixá-la na cabeça, e passa uma das mãos por uma mecha do meu cabelo.
– Obrigada, de verdade. – Inclino o rosto e ele me beija. – Você leu meus pensamentos, eu quase comprei uma hoje de manhã.
– Que bom que não comprou. Pronta para irmos?
– Sim, só preciso pegar meu casaco.
– Te espero no saguão. – Ele me beija mais uma vez.
Pego meu sobretudo no quarto, paro mais uma vez na frente do espelho para ajeitar a boina, desço as escadas para o primeiro piso do apartamento e entro no elevador junto de Gael. Ele segura a minha mão, e caminhamos juntos até o estacionamento subterrâneo no qual o carro estacionado, não muito longe do prédio.
Gael dirige por Paris com tranquilidade. Ele não me disse aonde estamos indo, só falou que jantaremos depois da surpresa. Estou morrendo de curiosidade, porque parece que, em Paris, a cada esquina existe uma atração diferente para explorarmos.
Aumento o volume da música na rádio e cantarolo a letra.
Gael me olha e sorri, e logo depois alcança a minha mão. Seus dedos envolvem os meus, ele ergue a minha mão e a beija.
– Espera, eu não acredito... – digo, ainda incrédula com a minha lerdeza. – Quando você ganhou a corrida na França, você dedicou o troféu a Rose, sua gata?
– Foi divertido ver um pouco de ciúmes no seu olhar. – Ele ri. – Sim, eu dediquei a vitória a Rose. Na verdade, eu falei Rosé, como o nome do meio da Chloe, mas foi dedicado para as duas.
– Eu desisto! Você sempre pensa em tudo – rio.
– Longas horas de voo acabaram por servir de algo. – Ele está cada vez mais relaxado na minha presença. Os avanços perceptíveis ficam guardados para os nossos momentos, porque quando estamos no paddock temos que nos proteger. – Da próxima vez, eu dedico a vitória a você. Pode ser?
– Eu quero estar dentro do parc fermé para tirar as melhores fotos. Isso é melhor que qualquer dedicatória.
– Feito. – Ele solta a minha mão e diminui a velocidade. – Quer se tornar a minha fotógrafa oficial nas corridas?
– Hum, infelizmente não. Mas não se preocupe, eu estarei nas corridas por um bom tempo com a minha nova emissora.
– Espero que eles gostem da ideia de se tornarem parceiros oficiais da equipe, eu realmente gosto de como você conduz entrevistas e produz o material.
– E eu pensando que te deixava entediado com as minhas pautas.
– Ninguém gosta de fazer inúmeras entrevistas, mas as suas sempre foram mais naturais e dinâmicas. Se eu parecia entediado, não era culpa sua.
– Não era isso o que eu queria ouvir.
Gael gargalha, e não me responde. Ele estaciona o carro enquanto eu continuo cantarolando a música que está tocando no rádio. Quando eu faço menção de abrir a porta, ele me encara e sussurra algo em francês. Ele sai do carro, dá a volta e abre a porta para mim.
– Merci, Gael. – Se estou na França, vou usar as poucas palavras que sei enquanto estiver com ele. Sei que, bem lá no fundo, ele gosta de compartilhar o francês comigo. – Onde estamos?
– Não vou te falar.
Andamos pela calçada, passamos por algumas vitrines e eu tento, de todo modo, identificar qualquer sinal do que ele planejou. Paramos em frente a portas duplas de vidro e ele sorri.
– Não é nenhum Louvre, mas eu espero que você goste. – Ele abre uma delas e indica que eu entre.
Não vejo muito além de um balcão e paredes brancas no longo corredor. Vejo o nome da galeria de arte e secretamente imploro para o universo que esta noite não envolva nenhuma aula de pintura porque estou com a roupa menos adequada para tal. Gael tira seu casaco, e eu faço o mesmo. Ele confere algo atrás do balcão e ri.
– Acho que Emilien está lá atrás. Eu vou trancar a porta e...
– Enric!
O homem negro que entra no corredor tem um sorriso enorme em seu rosto. Ele deve ser o dono desse lugar, ou um dos colaboradores, ou o professor da aula de pintura, ou o modelo para a aula de pintura. Ele e Gael se cumprimentam e se abraçam como velhos amigos.
– Emilien, esta é Perrie. – Ele estende o braço e eu me aproximo. – Ma chérie, Emilien é o melhor curador e artista que eu já tive a chance de conhecer.
– A famosa Perrie Michelle. Enchanté.
– Famosa? – Ergo uma sobrancelha. – Gael, por que você não consegue tirar o meu nome da sua boca? Daqui a pouco eu terei que me preocupar com a reputação que você fez para mim!
Emilien ri e abre um dos botões de seu blazer.
– Ele apenas falou coisas boas. E, bom, as fotografias que você produz dizem muito sobre sua persona. – Ele gesticula enquanto fala, mas isso não me deixa menos nervosa.
– Minhas fotografias?
– Não fale muito, é uma surpresa – Gael adverte. – Muito obrigado por isso, Emilien.
– Você ainda tem a chave? – Gael confirma com um aceno de cabeça, e Emilien sorri. – Apague as luzes do salão antes de ir embora e não deixe nenhum resto de comida aqui, ok?
– Pode deixar. Depois me avise como eu posso retribuir este favor.
– Não se preocupe com isso. Au revoir, Enric! – Emilien se despede de nós.
Encaro Gael até ele dizer o que estamos fazendo aqui. Como assim minhas fotografias? Emilien é o dono desse lugar? Se ele é artista, qual é seu tipo de trabalho? Muitas perguntas, mas poucas respostas.
– Não se mova, eu vou buscar algo para bebermos. – Ele afasta e desaparece em um corredor longo e que curvava para a esquerda.
– Eu não prometi nada – resmungo e sigo na direção oposta.
No salão, eu reconheço algumas das fotos que tirei de Gael. Elas estão dezenas de vezes maiores do que quando estão na tela do meu notebook. E estão diferentes, de uma forma muito boa.
Tento identificar algumas, em qual circuito e situação elas foram tiradas, mas são milhares de fotos e dezenas de dias de trabalho para armazenar em minha cabeça. Então só passeio pelas salas, desfrutando da sensação de ver minhas fotos para além de publicações jornalísticas e de redes sociais. Minhas fotos com intervenções artísticas: pinceladas ao redor dos carros, quase que como criando a aparência de que, na verdade, o carro foi parcialmente pintado ali e a figura original só possui parte do carro; recortes e colagens de diversas fotos, uma ao redor da outra, não apenas espelhando a imagem principal, mas construindo uma atmosfera psicodélica – e talvez surrealista.
– Pêrrí? – a voz de Gael ecoa pela galeria vazia e eu rio.
– Aqui! – Aceno, mas rio do meu gesto bobo. Claro que ele não vai me ver.
Paro em frente a uma foto que reconheço. Gael se consagrando campeão da corrida na França, saindo do carro depois de quase duas horas sob o sol quente e a agitação da torcida. Ele saiu do cockpit, tirou o capacete e a balaclava antes mesmo de descer do carro e olhou para a multidão. Era nítido o sentimento de satisfação e vitória.
E com os recortes sobrepostos à imagem – fotos do carro, de Gael mais novo, do troféu – com trechos de frases positivas e negativas sobre sua performance, a fotografia conta uma história além da vitória.
– Você estragou a surpresa. – Ele para ao meu lado e me estende uma taça fina com o que eu acredito ser suco de uva. – Eu ia fazer um tour guiado.
– Não me diga que você fez isso. – Aponto para a tela à minha frente.
– Emilien e alguns amigos dele que fizeram, eu apenas comprei as fotos e encomendei as obras. Sabe aquele amigo que você confia de olhos fechados para fazer qualquer coisa? Emilien só perguntou "O quão pessoal você quer que seja o resultado?" e eu falei que ele poderia arrancar lágrimas minhas e eu agradeceria.
– Bom, com certeza eu vou chorar até o final da noite. – Dou alguns passos em direção a obra e a toco. – Nem parece que há uma foto por trás disso, é uma obra independente da imagem real.
– E você faz parte disso. – Ele me estende o braço e pergunta: – Podemos voltar para o começo? Prometo que você vai gostar de ver as obras na ordem que Maurice escolheu.
– Guie-me então, Enric. – Aceito seu gesto e acompanho-o até a primeira sala.
Gael fala dos quadros com muito embasamento: ele descreve o que o artista – seja Emilien ou um de seus amigos – buscou criar ao intervir na foto. Alguns apostaram em técnicas mais tradicionais, outros experimentaram com uma mistura do tradicional com o digital, ou até mesmo com a produção de efeitos manualmente. Ele sabe mesmo do que está falando, suas descrições de materiais, propostas e execução são detalhadas, mas não são complicadas.
Avançamos pelas salas, a cada quadro novo é uma volta ao passado porque eu consigo, assim que Gael menciona de qual corrida é aquela foto, voltar ao momento original. Minhas perguntas sobre a parte técnica das obras dão espaço para o infinito conhecimento dele sobre a área. Ele fala, aponta os detalhes, leva a minha mão até o quadro para que eu sinta a textura das pinceladas – ele disse que podemos fazer isso aqui sem medo de sermos massacrados pelos artistas – e pede para que eu feche os olhos e explore tudo além da visão.
E quanto torno a abrir os olhos, encontro-o sorrindo para mim. Roubo um beijo entre uma sala e outra, deixo que ele toque a minha pele exposta enquanto fala. São os pequenos momentos em que estamos longe das pistas que valorizamos.
– E tem uma última peça aqui. – Ele aponta para a última sala.
Eu caminho, já sem o salto alto e o glamour que eu planejara para o meu look, ao lado dele e não me surpreendo quando o quadro em questão está coberto por uma cortina de veludo.
– Por favor, não me diga que você fez algo com as fotos que tiramos em Milão.
– Não, aquelas fotos estão muito bem guardadas. Você vai ficar tentando adivinhar até estragar a surpresa ou vai me deixar te mostrar o que há debaixo disso?
– Vá em frente. – Ele dá um passo, mas eu seguro sua mão. – Espera, o que você vai fazer com esses quadros depois?
– Primeiro vamos expor para o público, assim o trabalho de Emilien e seus amigos ganhará algum reconhecimento. E depois vou leiloar alguns para doar o dinheiro para um projeto social que envolva arte – ele explica. – Por quê? Você quer um deles?
– Talvez. – A curiosidade transparece em seu rosto, mas eu mudo de assunto. – Vamos logo, revele o que está atrás dessa cortina antes que eu morra de curiosidade.
– Espero que você goste.
Nunca que eu teria antecipado o que estava escondido atrás do veludo escuro. Nem em um milhão de anos eu imaginaria que a minha imagem se tornaria um tipo de obra de arte. Muito menos uma imagem que eu nem sabia que existia.
Algum dos fotógrafos que estava cobrindo o evento deve ter passado despercebido depois que eu bebi alguns drinks, porque eu teria visto a lente apontada na minha direção do outro lado do vidro. O baile em Londres é uma mistura de memórias concretas e de cenas que eu não tenho certeza se aconteceram de verdade. Mas eu me lembro muito bem de me sentar no jardim, longe do salão, das conversas e de Gael, e respirar bem fundo.
E a imagem captura isso: minha postura relaxada, meu olhar em algum lugar distante, o macacão e a capa vermelha se destacando mesmo na penumbra suave do jardim. No entanto, a foto não é a estrela do quadro.
Os limites entre as pinceladas e o momento registrado em um clique são claros, porém a conexão entre tinta e realidade é bem orquestrada. Quem quer que tenha pintado as flores, as árvores e os arbustos ao redor do meu corpo o fez com maestria: todos os detalhes se conectam e dão uma outra vida à fotografia. Tento observar todos os detalhes antes que as lágrimas tomem conta do meu rosto.
– Pêrrí. – Já é tarde demais quando eu tento esconder a emoção.
Gael me abraça e a obra é ocultada por seu corpo. Ele me aperta, e eu ouço as batidas de seu coração bem perto de mim. Permanecemos assim até eu me acalmar. De todas as coisas que já aconteceram comigo, eu não sabia que precisaria de me ver em uma obra de arte para sentir que
– É tão belo – sussurro. – Por quê? Como?
– Não estrague a magia de ser parte de uma obra de arte. – Ele desliza os dedos pelo meu cabelo. Faço o movimento contrário e levanto meu rosto, procurando conforto em seus olhos. – Você quer ficar com ela?
– Sim. Eu só não tenho onde guardá-la agora, eu vou me mudar de Atlanta para Chicago, e não sei se ela cabe na casa e...
– Não pense demais, Perrie. – Ele tira alguns fios de cabelo da frente do meu rosto. – Quer dar mais uma volta antes de irmos? Ou também podemos ficar aqui a noite toda, Emilien não precisa saber que jantamos aqui.
– Mais uma volta, por favor. – Ele sorri, eu sorrio, eu me sinto bem. – Posso fotografar as obras com meu celular? Quero guardá-las para sempre.
– Fique à vontade, mas não se preocupe com a qualidade: Emilien as fotografou para guardar, eu posso pedir os arquivos para você.
– Merci, Gael. – Fico na ponta dos pés e toco seus lábios com os meus. – Merci.
– Me lembre de te ensinar mais frases em francês. Você fica tão bonita quando pronuncia qualquer coisa, e parece até francesa com essa boina. – Ele a ajeita. – Vamos voltar para o início, se é o que você deseja.
Sei que ele se referiu ao passeio pela galeria, mas quero dizer que não desejo mais voltar ao início de nosso relacionamento – pensamento que mais guardei em minha mente do que compartilhei. Quero ficar aqui, com ele, ou em qualquer lugar ao lado dele. Porque, no final do dia, foi o caminho que nos moldou – e não nos separou por completo. Tudo poderia ter sido diferente se não tivéssemos colidido.
Porém não quero pensar nisso enquanto ele me guia pelas salas e corredores.
Não quero estar em nenhum outro lugar.
++++++
Gael me encara enquanto caminhamos pelas margens do rio Sena durante a madrugada. Ele está carregando meu sapato depois que eu desisti de tentar andar pelo calçamento com eles.
A noite está agradável e praticamente estamos sozinhos aqui. Ao longe, tenho um pequeno vislumbre da Torre Eiffel. Mas esses são apenas detalhes de uma noite divertida e leve.
– Espera, então você já foi modelo para estudantes de arte?
Tropeço no vento, e Gael me segura para evitar a queda mais ridícula da minha vida. Um gin tônica, um jantar completo – e vegano – num restaurante embarcação no rio Sena. Nós rimos, comemos, jogamos conversa fora. Gael foi tentando me ensinar algumas coisas em francês para que eu falasse com os garçons – todos pareciam simpáticos e acolhedores com a minha tentativa hilária de pronunciar qualquer coisa – e, a cada tentativa minha, as nossas risadas tomavam o salão.
– Sim, algumas vezes. Era um combinado que eu tinha com os professores: eu frequentava as aulas esporadicamente, eles me pediam para posar como modelo para as aulas de Técnicas de Desenho.
– Você ficava nu? Tipo nu de verdade? E não tem medo que aqueles alunos te reconheçam não? Ou, sei lá, alguma arte por aí tenha traços que liguem a você?
– Não, Perrie.
– Não ficava nu ou não tem medo?
– Não ficava nu! – Ele gargalha. – O que eu não fiz para assistir algumas aulas de artes antes de me jogar de vez no mundo das corridas.
– Não te julgo, eu já fiz coisa muito pior pois, quando se é novo no ramo, você tenta de tudo para ter um diferencial.
– Tipo o que?
– Tipo vestir a cópia de uma camiseta da equipe organizadora de um estádio de hóquei para conseguir os melhores ângulos do jogo. – Inclino a cabeça e tento recuperar as boas memórias dos planos malucos que eu tinha para conseguir algo diferente do que meus colegas. – Também já passei uma semana quase morando na cafeteria dentro do prédio de uma emissora para descobrir como eles obtiveram uma exclusiva com um ex-piloto da Nascar.
Gael abre a boca, e eu o interrompo:
– Não, você não quer saber de detalhes dessa história.
– Mas você nunca fez nada ilegal, certo?
– Jamais! Eu já ouvi muito dos seguranças dos eventos e dos meus colegas, mas nunca fui presa. Já gritaram, já me expulsaram, já disseram que eu nunca mais trabalharia no ramo ou entraria naquele prédio. Mas eu estou aqui, não estou? – Paro de caminhar e abro os braços, sinalizando que quero absorver aquele momento por todo o meu corpo.
– Sim, você está. – Gael passa as mãos ao redor da minha cintura e fica frente a frente. – Obrigado por passar uns dias comigo em Paris.
– Obrigada pelo convite. Da próxima vez, você acha que consegue fechar o Louvre só para nós dois?
– Não sou famoso o suficiente para isso. – Ele faz uma careta, e eu rio. – Quem sabe um dia.
– Eu não quero que meu tempo aqui acabe. – Admito com um pouco de pesar. É fácil esquecer que temos uma relação profissional para manter quando estivermos no paddock e na frente das câmeras.
– Vamos voltar a ser inimigos quando estivermos trabalhando?
– Não precisamos mais disso. Porém ainda precisamos estar atentos aos olhares curiosos.
– Eu só quero que a temporada acabe. Não sei se suporto a pressão e os desafios por muito mais tempo.
– A temporada vai acabar em menos de três meses. Assim que estivermos livres das intermináveis entrevistas, quem sabe você pode ir me visitar em Chicago.
– Você quer que eu vá até lá? – O sorriso que toma conta de seu rosto é belíssimo.
– Depois que eu me mudar e chutar a USN, sim. Eu quero que você vá lá e conheça a minha família. – Sorrio com a ideia de um jantar com todos, ou até mesmo uma tarde com chocolate quente e biscoitos caseiros.
– Tem certeza? E se eles ainda me detestarem pelo que aconteceu?
– Já passou, Gael. É passado. Eles vão te adorar, prometo.
Fico na ponta dos pés e passo meus braços ao redor do pescoço dele.
– Se você diz.
Fecho os olhos. Vou mentalizar que estamos no topo da torre, que o amanhã não é finito, que Paris é apenas um pulo de distância para nós. A cidade acabou por se tornar o lugar seguro: não somos lembrados dos nossos trabalhos, não precisamos nos preocupar com nossos colegas. Somos apenas Gael e Perrie.
Faço menção de beijá-lo, mas seu toque se vai, assim como a boina que estava me mantendo aquecida.
Abro os olhos e ele está metros à minha frente, com seu sorriso travesso e vestindo a minha boina.
– Me devolva, por favor. – Estico a minha mão, e ele dá mais alguns passos para trás. – Gael, é sério.
– O que você pretende fazer se eu não devolvê-la?
– Gael – resmungo. – Não estou no clima para brigar.
– Mas não estamos brigando.
– Mas nós vamos se você não me devolver a boina! – Bato o pé e cruzo os braços.
Minha irritação só o deixa mais satisfeito, ele nem tenta esconder o sorriso ou o divertimento. Balanço a cabeça e decido decretar um fim à brincadeira.
Finjo que vou seguir na direção contrária, mas dou meia volta e disparo em direção a ele. Alcanço-o antes que ele reaja direito, passo meus braços ao redor dele e ergo uma mão. É claro que não consigo alcançar, ele tem os reflexos de um piloto e sua mão está erguida acima de mim.
Antes que eu possa esbravejar seu nome do meio, começo a rir. Quando eu esqueci que me apaixonar poderia ser tão leve? Não é mais sobre a boina, é sobre nós dois, revelando camadas de nossos jeitinhos aos poucos. Abraço-o forte, e deixo de lado o acessório que só recuperarei mais tarde.
Ele percebe minha desistência. Seus braços envolvem o meu corpo, seu queixo descansa sobre a minha cabeça. Não precisamos de palavras agora.
Fecho os olhos. Não quero ir para casa agora.
Se ele quiser ficar aqui para sempre, eu ficaria também. Porque não é sobre exposições de arte, jantares caros, passeios turísticos.
Mas sim sobre apreciar a companhia do outro.
+++
Olá, amantes parisienses!
2021 foi um ano muito louco para mim, tanto na minha vida pessoal quanto na literária!
Mas nada como encerrar o ano com um capítulo de respeito com nosso casal favorito! ❤️
Obrigada pela paciência e pelo carinho!
Desejo a todes ótimas festas e um Feliz 2022!
Se cuidem!
Amor,
Isa
{eu sei que demorei para atualizar, mas precisei focar na faculdade e tive alguns problemas pessoais complicados que tiraram toda a minha vontade de escrever, mas eu jamais abandonaria a história}
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