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Página 5, álcool puro

Você não pode mais evitar o sofrimento.

Os móveis boiam sobre o líquido forte e alcoólico, enquanto estou no fundo de tudo, sentindo minhas narinas e olhos queimarem por causa de todo aquele sentimento amargurado que vem junto com o gosto insensível do whisky.

Sinto minhas vísceras saírem para fora de forma organizada e consentida. Lentamente, o álcool escorre pelas bordas da realidade. Sereias me dizem: "Esse será o primeiro de muitos afogamentos".

O álcool finalmente termina de esvaziar, aliviando um pouco do meu sofrimento. Completamente encharcada, a personificação do alcoolismo me chama de vagabunda enquanto acende o fogão, fazendo-me arder no meu próprio tormento.

A casa que antes era fogo se dissolve através de tudo aquilo que eu tentei evitar, até me deixar flutuando sobre um espaço preto e vazio, sem nada. As estrelas não existem; eu sou o único ser existente aqui.

Eu continuo queimando, mesmo com a falta de oxigênio que não preenche mais o meu pulmão. Fico horas ali, me sentindo cansada, presa e sozinha. O som, que não ecoa mais no espaço, me leva novamente até a cozinha, apagando o meu fogo e me deixando somente eu, uma cadeira e uma mesa sobre a qual há uma garrafa inteira de tequila.

Como não existe copo, eu abro a garrafa e tento saborear a bebida, mas não há gosto, nem cheiro, somente água. Nada acontece. As horas se passam e eu não consigo sair da mesa. Os tremores começam, e a ansiedade se aflora enquanto eu me deprimo com todas as coisas ruins que a vida me proporciona.

Até que algo acontece.
"Querida, cheguei." A voz de Vincent ecoa sobre uma porta que surge imediatamente no vazio.
"Nossa, eu tô morrendo de fome. Tem o quê pra comer?"

Eu respondo com uma voz indignada:
"Nada. Não há nada para comer, me recuso a fazer algo para você."
"Eu não fico horas no trabalho para chegar em casa e não ter nada para comer." Ele indaga, exigindo que algo seja feito.
"Então você quer algo para comer, né?" Digo, me levantando e indo até o quintal, colhendo galhos secos e bitucas de cigarro de um cinzeiro e colocando tudo em um prato.

Voltando pela porta novamente, eu o amarro na cadeira e o obrigo a comer aquela comida nojenta. Até que os papéis se trocam, e sou eu quem está comendo aquela maldita comida. O gosto daquilo era horrível, descendo lentamente e rasgando a minha garganta.

"Para, por favor."
Vicent se transforma em mim.
"Você que pediu por isso. Agora sofra."

Eu me pergunto quando aquele sofrimento vai acabar, até que sou levada a um mercado.
"Até no pós-vida eu sou obrigada a trabalhar."

Entro no mercado, e a maçaneta suspira e me diz:
"Você odeia esse emprego, então por que sempre volta? Você gosta de sofrer, né?"

Num gesto de ódio, eu quebro a maçaneta lentamente.
"Eu preciso desse emprego. Agora cala a boca."

A porta se modifica para uma automática, que se abre novamente, enquanto vejo todos os empregados, que têm o meu rosto, me encarando. Uma delas diz:
"Você machucou um de nós. Quem merece ser quebrada é você."

Como punição divina, sou levada até o meu antigo escritório de gerente.

Estou sentada, e sinto minha barriga ter contrações. Eu estou grávida. Na minha frente, estou eu mesma, que diz:
"Você não pode mais trabalhar aqui, Martha. Você estará muito ocupada cuidando desta criança."

"Mas como eu vou me alimentar?" Eu suplico, enquanto olho o olhar vazio de mim mesma dizer:
"O problema é seu."

Naquele dia, aquela moça voltou para casa. Sem muito o que fazer, tenta um aborto caseiro. Afinal, ela não conseguiria sustentar aquela criança.
"Você foi a causa disso." A voz de uma leve pluma me diz.
"Não, eu não sou."
"Quando você vai parar de tentar fingir que não estragou a vida daquelas duas pessoas?"

Lágrimas quentes escorrem sobre o meu rosto enquanto eu volto para a minha posição de gerente. Passo dias trabalhando mais e mais. Aquela rotina era exaustiva, mesmo que a minha família fosse dona da rede de supermercados.

Sempre que eu chegava em casa, sentia mais remorso e vontade de beber. Porém, eu não sentia nenhum gosto, nenhum efeito. Aquilo começou a me incomodar.

Em abstinência, eu ando pela casa à procura de algo para beber, até encontrar um frasco de álcool puro. Eu o engulo, sentindo minha garganta queimar como nunca.

Mas era tão bom. Pela primeira vez, eu consegui fugir de tudo aquilo. Porém, o álcool me traiu. Caio no chão, sentindo meus olhos incharem. Eu não podia mais fazer aquilo. Não há escapatória neste mundo; é apenas a casa e o trabalho.

"Eu vou te dar mais um lugar para ir." Uma voz familiar sussurra no meu ouvido, fazendo o chão afundar em desespero e a madeira ranger, dizendo que eu nunca seria nada na vida.

Eu caio em um estacionamento cheio de água. Tanta água que bate até no meu pescoço. Ali é frio e escuro, nada à vista, apenas um olho brilhante me observando. Eu o ignoro e começo a nadar. A água se recusa a escorrer pelas bordas do universo.

Sem muito o que fazer, eu mergulho, mas mãos paralelas me passam a perna e me puxam para o fundo, fazendo-me lentamente afogar. Num impulso maior, os produtos das prateleiras do mercado me puxam para baixo, fazendo-me perder a consciência.

O copo de água que está ao lado da cama me diz:
"Acorde, sua existência."

Eu acordo ao lado de Vincent, meu marido, e ele me pergunta:
"Do que você tem medo?"

O vento me balança na cama, fazendo-me cair dos céus e me levando para os meus jardins.

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