Página 4 ☆ as estrelas me trairam
Você compra estrelas no céu noturno porque a sua vida é escura.
Aqui descansa o sonhador, o ser que trouxe estrelas, galáxias e poeiras cósmicas para esse ambiente. Vicente finalmente encontrou o que parece ser uma espécie de pós-vida agradável: o céu estrelado.
O ambiente parece ser perfeito.
As estrelas sussurram no ouvido de Vicente: "Durma, você está em casa."
As horas se passam, até que, de repente, como um anjo caído, sou arremessado dos céus e, a cada vez que me aproximo do chão, vou me desfazendo e virando poeira, até que os meus restos caiam sobre os jardins de Martha. Um lugar seco e sombrio, onde todas as flores estão mortas, reflexo de meses após o que aconteceu com ela.
Novamente em casa, entro pela porta dos fundos, como se eu fosse um intruso. Eu prometi nunca mais encontrar Martha depois daquele "tchau". Mas o universo me chama para cá.
Entro na cozinha, e dos armários caem brilhos latejantes de vidro, enquanto as taças de cristal se quebram com o grito do enforcado. Aquele mesmo grito que ouvi na morte de minha mãe, trazendo de volta todas as lembranças.
O chão se enche de Venice. Cansado de se esconder, o medo surreal da solidão sai da ventilação, me dizendo: "Ela criou Venice para acabar com os problemas, assim como você criou as estrelas e os céus para tentar acalmar a sua alma."
Ignoro a solidão e sigo em frente, indo em direção à sala de jantar. Encontro Martha caída em coma veniliciano. Ela sufoca com o próprio vômito. Em um ato de desespero, choro estrelas que caem sobre o chão, criando Venice estrelado.
Martha, subitamente, se desmancha em licor veniliciano e se rematerializa novamente. "Ah, pela primeira vez você fez algo útil. Obrigado por reformular essa bebida alcoólica maravilhosa." Eu me afundo em suas palavras e sou levado para as profundezas das florestas de Look Wood.
A floresta cheira a carne podre e é completamente cinza. Os galhos das árvores balançam como nunca, enquanto folhas caem sobre memórias vazias, cheias de tiros e mortes.
À medida que entro na floresta, meus passos ficam cada vez mais pesados, quase como se tudo ali desejasse ver minha cabeça empalhada em uma pequena cabana no interior mais profundo de tudo aquilo que os matou.
Começo a reparar em olhos que não param de me encarar. É diferente de tudo que já vi neste lugar. Esses olhos estão sedentos por sangue.
Adentrando mais na floresta, encontro uma lápide: "Aqui jazem todos os animais que você matou em vida." Tento ignorá-la, mas sinto o peso de tudo isso sobre minhas costas. Finalmente, encontro a velha casa dos Condamnés.
Respiro fundo, relembrando a noite que aconteceu ali. Olho pela janela e vejo uma sombra chorando dentro da casa, enquanto outra ensaca um corpo desovado. "Você tem que me prometer que não vai contar para ninguém."
Aquela maldita memória. Os animais que antes me observavam avançam sobre mim. Fecho meus olhos e, novamente, escuto as estrelas dizendo: "Acorde, você não está em casa." Acordo na minha velha cama de infância. Ao olhar para a janela, encontro o meu eu observando os meus outros eus.
"Tudo novamente. Este lugar sempre me faz voltar para cá", falo, levantando-me da cama. Vou até o corredor, mas, ao invés de ir para a esquerda, penso: "O que há do outro lado?" Viro-me para a direita e sigo em frente, ouvindo os vazamentos de água me dizerem: "Ela te deixou, fez você morar na rua e quase morrer de hipotermia."
Tentando ignorar tudo isso, continuo seguindo. O estalar da madeira sob meus pés ecoa, trazendo novas vozes: "Por que você pediu desculpas para o seu pai se não fez nada de errado?" Lágrimas de cianeto escorrem pelo meu rosto, e penso: "Por que não faz isso parar, mãe? Eu não quero mais perseguir um fantasma."
Continuo pelo corredor até encontrar uma escada que desce direto para o porão. A cada passo, sinto-me mais próximo de alcançar o que tanto desejo.
Ao chegar ao final da escada, um piano começa a tocar em tom menor uma velha música que meu pai cantava para mim. Quando abro a porta, me deparo com uma mulher de rosto sereno, porém velho. Seus olhos são vazios e sem cor, e seus cabelos flutuam, espalhados por todo o ambiente.
"Olá, filho." Bethany finalmente dá as caras. Corro para abraçar minha mãe, chorando de alegria. "Me desculpe por fazer isso", ela diz, transformando-se em mim e me entregando uma faca.
Com a faca em mãos, lentamente perfuro meu outro eu, devastado e chorando desesperadamente. Sua carne ressoa em mim, fazendo-me sentir todas as dores.
Nossos corpos se unem em um só.
O ar da minha graça já não suspira mais. Nem eu mesmo consigo suspirar. A única coisa que vejo são pontos brilhantes em um enorme espaço negro.
O ciclo continua.
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