Página 1, o ar da minha graça
Árvores sussurram segredos do universo enquanto galáxias devoram poeira cósmica e supernovas explodem ao longe.
VOCÊ NÃO DEVERIA ESTAR AQUI.
O ar da minha graça não te suspira mais. Nem eu consigo mais suspirar. A única coisa que vejo são pontos brilhantes espalhados pelo vasto e insondável espaço negro.
O mundo começa a girar, e grandes explosões me empurram para um enorme buraco de coelho, forçando-me a engolir tudo aquilo de que sempre fugi. Até as estrelas murmuram: "Já pode acordar, Vicent. Você não está em casa."
Meus olhos se abrem de repente. "Este é o meu quarto?" Pensamentos sobre Bethany Wood atravessam minha mente. Minha velha cama de infância está ali, os lençóis confortáveis, quase como se fossem feitos de escuridão e desespero que se apoderam do meu corpo.
Num impulso, me levanto. A luz está apagada, exceto por uma leve fresta que escapa pela janela. Ao me aproximar, vejo apenas um carro estacionado na rua e um poste de luz piscando em código Morse: "Sua esposa está esperando você para o jantar."
Saio do quarto e encontro um corredor vazio, tão vazio que parece se estender ao infinito.
A cada passo, minha respiração se torna mais pesada. O ar parece sorrir para mim, enquanto a umidade das paredes murmura que é hora de parar. Por um momento, uma luz no fim do corredor se acende. Um televisor antigo de tubo surge, decorado com um adesivo de gatinho.
"Venice remove até a sua alma se você não tomar cuidado."
O comercial mostra uma criatura grotesca, com olhos brilhantes como lanternas, apresentando Venice, um produto feito de sangue, antimatéria e madeira de Look Wood perfeito para "limpar sua alma".
Logo em seguida, um programa começa: "Sua mãe está chorando."
Uma voz estridente grita em meu ouvido: "Eu nunca deveria ter te parido!"
A cena muda. Vejo novamente o pobre garotinho chorando por sua mãe e pelo pai, preso por matar o amante da esposa. Apenas o menino sabia do ocorrido.
A TV desliga, e o corredor mergulha em completa escuridão. Uma escada se revela à minha frente, suas paredes marcadas por palavras em negrito: "Seu filho da puta, por que levou uma criança para jogar um corpo morto da ponte?"
Enquanto desço as escadas, o corrimão murmura: "Você sabe que terá que se casar com ela. A família é dona de uma rede de supermercados."
Cada passo faz a madeira ranger, o som ecoando como se o tempo estivesse se arrastando. O peso do momento cresce, e um sussurro arrepiante atravessa minha espinha: "Suas vísceras... eu odeio suas vísceras."
No final da escada, uma figura esguia e transcendental me espera.
"Você deveria sair daqui," ela diz, a voz reverberando como estrelas colidindo e supernovas explodindo.
"Onde estou?" pergunto, meus dentes rangendo com o sabor metálico do medo.
"Você é intrometido." Com um empurrão colossal, caio metros abaixo, sentindo minha perna se partir em centenas de pedaços.
Rastejo, guiado pelo som de passos profundos como ondas quebrando, até chegar à sala de jantar.
"Bem-vindo. Você deveria estar aqui?"
A voz doce, mas perturbadora, de minha mulher ecoa, como um soneto salgado.
"Eu estou aqui."
"Vou ter dó da sua pobre alma condenada, Vicent," ela diz, enquanto minhas pernas, famintas, almejam desejo.
Ao servir o jantar, percebo que são galhos secos e bitucas de cigarro. Como tudo com avidez, como se fosse um banquete de sábado.
"Estive faminto por tanto tempo. Obrigado."
"Não seja tolo. Você sabe que não merece isso. Por que continua comendo?" pergunta Bethany, enquanto segura sua xícara de chá.
"E quem mais comeria?" respondo, mastigando cada folha seca com uma estranha satisfação.
"Nem tudo precisa ser consumido, Vicent. Você deveria se envergonhar."
Com um olhar de desprezo, ela me ordena: "Vá embora."
Levanto-me, deixando para trás tudo o que criamos. Saio pela porta daquela casa que já não é mais minha. A rua está fria, envolta em uma escuridão densa. Não há som, nem comunicação. Apenas postes de luz piscando e árvores desconexas.
Ando sem rumo, buscando algo, qualquer coisa.
"Este mundo é tão vazio," penso, olhando para o céu. Antes estrelado, agora é apenas uma sombra do que foi.
Encontro um banco e, resignado, deito-me ali. Ao longe, ouço sonetos vindos da praça, um se chama bom dia martha, eu sou dependente de você.
"Minha mãe adorava os sonetos que meu pai tocava. Às vezes, me pergunto: onde vocês estão?"
De minha boca sai um leve vapor, brilhos interestelares dançando ao redor. Sorrio como uma criança, enquanto sou levado aos céus por mãos invisíveis.
O ar da minha graça não te suspira mais. Mas agora, as estrelas me fizeram acordar em outro lugar. Uma longa estrada.
"Eu já vivi isso antes."
E lá estava Andrômeda, flutuando sobre as águas.
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