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Seis

“Seu cabelo cresceu um pouco mais, seus braços parecem um pouco mais fortes. Seus olhos estão exatamente como eu lembrava, seu sorriso está um pouco mais suave. E eu, eu nunca me preparei para um momento como esse. Sim, de repente tudo voltou, tudo voltou. Porque depois de todos esses anos, eu continuo sentindo tudo quando você está por perto.”
Camila Cabello | All These Years

23 de julho de 2000,
domingo.

    No café da manhã, conheço uma versão romântica de Marina e Francis como um casal. Minha mãe está feliz, é nítida a alegria em seus olhos. Meu padrasto, então, nem se fala. Ambos acordaram bem cedo e prepararam um banquete para mim e Dalton. Estou de pé desde às sete horas da manhã; Francis trouxe seu gato — Linguado — para cá e o bichinho me acordou com seu miado extremamente alarmante. Eu e meu amigo estamos sentados à mesa, rindo da maneira desajeitada que Francis gira as panquecas na frigideira; ele já derrubou umas duas no processo de atirá-las para o alto.

— Como você sobrevivia morando sozinho? — Indago, minhas bochechas doendo por estar sorrindo demais.

— Eu comprava comida congelada — dá de ombros, colocando uma panqueca em meu prato. A massa passou um pouco do ponto, mas não me importo. Mamãe despeja geleia de frutas vermelhas sobre a minha panqueca e faz o mesmo na de Dalton. — Espero que gostem. Panqueca é a minha especialidade!

— O que vale é a intenção, né? — Dalton espeta a massa com o garfo, levando-a à boca. Minha mãe ri, juntando-se a nós três. — Uau — murmura de boca cheia. — Está mesmo muito bom!

— Eu disse — Francis se gaba e levo um pedaço à boca também. Realmente, está muito gostosa. — Quando seu carro vai chegar, Ana?

Termino de mastigar minha panqueca, bebericando meu suco de laranja.

— Provavelmente semana que vem — respondo. — E não se preocupem, assim que meu carro chegar, Dalton e eu vamos começar a procurar um loft para dividirmos.

— Por mim, vocês podem ficar o tempo que precisarem — mamãe comenta, colocando algumas gotas de adoçante em seu café. — A casa é muito grande para nós dois, de qualquer forma.

— Vocês não pensam em ter filhos? — Dalton pergunta, casualmente. Está sendo enxerido e acabo soltando uma risada. Enquanto isso, mamãe se afoga com o café e Francis dá alguns tapinhas em suas costas para auxiliá-la.

— Nós não temos mais… hum… — mamãe se recupera, secando os lábios com o guardanapo branco.

Idade — meu padrasto completa. — Para sermos pais — ele liberta um riso contido, mas percebo a leve tristeza que se camufla no gesto.

Até onde sei, Francis White nunca namorou seriamente com alguém ou se casou. Suspeito de alguns casos, pois já vi marcas de batom em suas camisas sociais. Nunca perguntei se ter filhos era um sonho para ele. Talvez tenha sido, mas infelizmente não conseguiu realizar.

Comemos e conversamos pelos próximos trinta minutos. O casamento de Marina e Francis está marcado para outubro. Mamãe quer que eu a ajude com a escolha da decoração e dos convites, e meu padrasto pede a ajuda de Dalton para a escolha dos sabores do bolo. Francis leva meu melhor amigo para conhecer o jardim – tento esconder meu ciúmes, pois tenho cem por cento de certeza que vou ser substituída por Dalton –, e fico sozinha com mamãe, ajudando-a a retirar a mesa e lavar as louças sujas.

Fecho a torneira, enxugando minhas mãos em minha calça de ioga. Mamãe está quieta, secando os copos e os guardando no armário sobre a pia. Me escoro na bancada, cruzando os braços. A tensão entre nós duas é sufocante.

— Você me parece muito feliz ao lado dele — minha voz soa alta por conta do silêncio ensurdecedor. — E me lembro de quando você dizia que não havia nada rolando entre vocês dois — dessa vez ela ri, abrindo a gaveta dos talheres.

— Nós precisamos nos conhecer outra vez — comenta, secando os garfos. — Eu era apaixonada por ele no ensino médio, mas não tanto ao ponto de me casar como fiz com seu pai. Eu só tinha olhos para Robert e a família que estávamos construindo. Fiquei encantada, e o sentimento por Francis ficou em segundo plano. Quando ele voltou de Londres, já não o conhecia mais como antes. Nos aproximamos como bons amigos, não como duas pessoas apaixonadas — suspira, deixando o pano de prato de lado. — Embora eu sempre soubesse que uma parte minha ainda o amava.

— Se você sabia, por que escolheu o papai?

— Escolhas erradas que fazemos no calor do momento? — Retorce os lábios, projetando os ombros para cima. — Mas não foi totalmente um erro, já que tivemos você.

— Uma vez, Francis me disse que às vezes, os nossos erros nos levam a lugares melhores do que se a gente tivesse feito as escolhas certas — sorrio com a lembrança e me apaixono pela frase, pois ela se encaixa perfeitamente bem na situação deles. — Na época, eu o ignorei. Não fazia nenhum sentido, mas analisando agora… é uma das frases mais sábias que já ouvi na minha vida.

— Francis White e sua incrível capacidade de falar coisas inteligentes — seus olhos lampejam amor e orgulho pelo noivo. Meu coração fica quentinho por eles. — O que pretende fazer hoje?

— Ler Harry Potter com o Dalton, talvez levá-lo ao Made's Burger para almoçarmos — sacudo os ombros. — De noite vou ir ao Red Snakes.

Observo o corpo de minha mãe enrijecer diante das minhas últimas palavras.

— Por quê? — Arregala os olhos, cruzando os braços em frente ao peito. Parece nervosa.

— Eu voltei para Snowdalle, mãe. Preciso resolver os assuntos pendentes agora — me desencosto da bancada.

— Você está realmente pronta para isso? — Se aproxima um passo, sua expressão muda drasticamente do vinho para a água. — As pessoas não são mais as mesmas, querida.

— Ninguém nunca está verdadeiramente pronto para alguma coisa, mãe — rolo os olhos. — E eu também mudei. Não sou mais a garotinha indefesa e assustada de dois anos atrás. Tomei a decisão de voltar. Quero concertar as coisas. Preciso disso para seguir em frente.

Mamãe parece finalmente concordar – a contragosto – e solta um suspiro carregado. Ela se aproxima ainda mais, parando ao meu lado para sussurrar de forma autoritária:

— Fique bem longe daquele garoto. É para o seu próprio bem, Anastásia.

Não tento lhe contrariar, apenas a observo se afastar em direção às escadas em silêncio. Se ela soubesse a mágoa que sinto por Scott Summer ter mentido para mim, jamais me pediria algo tão óbvio assim.
Estou concentrada no barulho das pequenas pedrinhas espalhadas pelo asfalto sendo esmagadas pelas minhas botas. Uma névoa acinzentada cobre o céu acima de mim, o vento ameno serpenteia meu corpo como se quisesse me fazer cócegas. Levanto a cabeça, avistando a fachada do Red Snakes a poucos metros de distância. Não sei de onde surgiu minha coragem para vir aqui, mas espero que ela não vá embora até que eu consiga conversar com Sarah Herrera.

Paro em frente ao bar, notando algo diferente; não é mais de madeira, e sim, de tijolos à vista – além de possuir um segundo andar. Uno as sobrancelhas, estudando em volta. O outro lado da rua ainda é vazio, apenas um posto de gasolina mais a frente e um bosque pelas redondezas. Constato que o lugar apenas foi reformado e inspiro todo o oxigênio que consigo para dentro dos pulmões, tocando a maçaneta prateada da porta com a ponta dos dedos e a abrindo.

Sou recebida pelo ar quente e familiar do local. Algumas pessoas estão dançando, outras em grandes grupos fazendo competições de bebidas e tagarelando sobre assuntos aleatórios. Conforme adentro o local, noto as mudanças alarmantes em absolutamente tudo; as mesas e cadeiras são de uma madeira lisa e totalmente preta; o ambiente está mais avermelhado do que eu me lembrava; o teto é espelhado e um globo circula bem ao centro. Noto também duas escadas; uma que leva ao segundo piso e outra que desce para o subsolo. Dois seguranças estão tomando conta de ambas as entradas.

Me aproximo do balcão, meu coração pulsa na garganta conforme meus pés me guiam para a realidade que deixei enterrada no passado junto com a antiga eu. Me sento sobre a banqueta, deslizando meus dedos pela madeira enquanto não vejo ninguém para me atender. Estou nervosa. Meus dedos minam suor frio e ajeito minha saia vermelha de couro mais vezes do que sou capaz de contar. De repente, as portas duplas se abrem e espero ver Kevan, mas um cara de pele negra e olhos escuros como o céu estrelado surge diante de mim. Por um instante, sinto um alívio imensurável me atingir e deixo meu corpo amolecer sobre o banco.

— Boa noite, princesa — o homem cumprimenta educadamente, secando alguns copos com o pano de prato. — É nova? Nunca vi você por aqui.

— Talvez um pouco — sorrio, tentando amenizar o nervosismo.

— A cerveja para novos clientes é por conta da casa — devolve meu sorriso, colocando um copo em minha frente e servindo a bebida amarelada. — Você não tem cara de vinte e um, mas vou fingir demência. Só não exagera.

— Tenho vinte e faltam quatro meses para os meus vinte e um.

— Então vou deixar essa passar com a consciência mais tranquila — pisca, fazendo menção de se virar. Estendo minha mão até tocar em seu braço.

— Ei, o Kevan ainda trabalha aqui? — Questiono e noto quando seu sorriso radiante desaparece aos poucos. Ele engole em seco, cruzando os braços.

— Ele era o meu avô — revela. — Faleceu ano retrasado — minha boca se abre milimetricamente, meu coração soltando mais um fragmento para fazer companhia aos outros destroços. — Você o conhecia?

— Vim aqui beber com uns amigos uma vez. Kevan era um senhor muito gentil — lanço um sorriso mínimo em sua direção, ainda atônita pela notícia, e ele balança a cabeça, concordando. — Sabe se a Sarah vai vir trabalhar hoje? — Indago e beberico a cerveja; ainda não sou fã do gosto, mas a realidade começou a despencar sobre a minha cabeça e preciso me anestesiar de alguma forma.

— Você conhece todo mundo que eu conheço — ri, estreitando as pálpebras para mim. Quero dizer a ele que eu a conheço há muito mais tempo, mas opto pelo silêncio. — Ela está atrasada, mas daqui a pouco chega. Quer deixar algum recado ou vai esperar?

— Vou esperar aqui. Obrigada.

O neto de Kevan confere o horário em seu relógio de pulso, arqueando as sobrancelhas grossas e soltando um sorriso que beira o alívio.

— Meus quinze minutos de glória chegaram. Qualquer coisa é só tocar o sininho — aponta para o pequeno cordão dependurado em um sino ao meu lado direito. Não havia o visto ali antes.

— Obrigada — agradeço mais uma vez e o vejo desaparecer pelas portas duplas.

Encaro minha cerveja, levando meu polegar até meu pulso esquerdo. Meus batimentos cardíacos estão acelerados e tudo em minha volta parece distante da minha realidade atual. A música soa como um zunido em meus ouvidos e minha imaginação pinta uma fileira de copos com vodka diante de mim. Lembro do gosto. Lembro de não ter conseguido beber a última dose. Lembro das risadas. Lembro do sorriso dele.

Pisco repetidas vezes, vasculhando o bar até encontrar o palco do karaokê. Ainda está lá no canto, mas é um pouco maior agora e os equipamentos parecem todos novos. O telão está aceso, mas ninguém segura um microfone em mãos. Meus lábios se repuxam calmamente em um sorriso carregado de saudade e angústia. Minha mente me castiga – após dois longos anos de negação –, e as duas memórias sobre aquele palco com Scott Summer me invadem de uma maneira impiedosa. Essas foram as lembranças que mais tentei evitar nos últimos anos; as boas. Alimentei demais as más ao ponto das nossas melhores memórias não serem mais tão nítidas em minha mente. Mas aqui, agora, olhando para o palco e puxando do fundo do poço essas lembranças, noto que tivemos muito mais momentos felizes do que tristes juntos.

Como se o universo estivesse zombando da minha cara, as luzes avermelhadas do bar se apagam e somente uma leve iluminação branca fica acessa no canto da parede – dando um destaque especial para o karaokê. As pessoas assoviam, algumas correm para pegar os bancos em frente ao palco e o ambiente fica estranhamente silencioso. Temos karaokê aos sábados e domingos. Não gosto nada da angústia que afoita meu peito e me deixa tonta. Detesto a ideia de ver um casal subir naquele palco, cantar alguma música romântica e deixar as minhas experiências nele totalmente nítidas. Odeio, ainda mais, quando meus olhos o reconhecem.

A sensação de vê-lo após dois anos é muito mais dolorosa do que eu imaginava. Sinto como se meu coração não fosse capaz de suportar tamanha dor. O bar fica repentinamente pequeno, apertado e claustrofóbico. É como colocar álcool em uma ferida ainda não cicatrizada. Dói pra caramba e não me permite respirar normalmente. Seguro a bancada de madeira com força, vendo-o se acomodar na banqueta em frente ao pedestal do microfone. Ele ajeita um violão no colo, dedilhando as cordas e abrindo meus ferimentos. A iluminação é quase nula, mas consigo perceber seus cabelos um pouco mais compridos, os braços relativamente mais fortes e um sorriso sereno manchar seus lábios avermelhados.

— Como a maioria de vocês sabem — começa, a voz rouca atingindo meus ouvidos e causando uma tempestade avassaladora dentro de mim. — Faço algumas apresentações aqui aos domingos. Não chego nem perto de um Michael Jackson ou de um Freddie Mercury, mas dá pro gasto — ri, arrancando sorrisos sinceros da platéia em sua volta. Principalmente das mulheres.

Ainda é o mesmo, penso. Pode ter mudado em outras questões, mas seu humor continua intacto. Me sinto repentinamente frustrada comigo mesma; eu precisei enterrar a antiga Anastásia Walker, cada lembrança dela, cada gosto e cada memória para conseguir, por um período curto de tempo, sorrir outra vez. Enquanto Scott Summer, aparentemente, apenas seguiu sua vida após ter me usado para conseguir algo terrivelmente sujo.

É revoltante.

Termino de beber minha cerveja já quente, apenas para não fazer desfeita ao neto de Kevan – o cara parece ser legal – e me levanto do banco, prestes a sair pela porta do Red Snakes e falar com Sarah amanhã, em sua casa ou ligar para seu celular; caso o número ainda seja o mesmo. Entretanto, a voz de Scott chama minha atenção. Paro no canto do bar, onde seus olhos dificilmente conseguirão me encontrar, e permaneço. Quero ver o quanto meu coração ainda consegue ser completamente contraditório se tratando dele; se irá se partir ou se reconstruir.

— Essa música se chama Honey — as luzes vermelhas voltam a acender parcialmente, e agora não estou mais tão escondida. Torço mentalmente para que ele cante a música inteira com os olhos fechados e não direcione as íris para este canto. — We don't have much time, honey. So take my hand, light up my life. Even for a moment, we don't have much time.

Nós não temos muito tempo, querida. Então pegue minha mão, ilumine a minha vida. Nem que seja por um instante, nós não temos muito tempo.

Sinto calafrios percorrerem meu corpo, desde os dedinhos dos pés até meu último fio de cabelo. A voz de Scott é ainda mais rouca e sensual agora. Sempre admirei a maneira como ele interpretava as canções que cantava; no atual momento não é diferente. Seus olhos estão fechados, um vinco se forma em sua testa, como se estivesse sentindo dor ou raiva ao deslizar cada mísera palavra pela boca.

Darkness is coming. So hold my hand, promise me that one day you'll come back. Hold me and enlighten me, before it's too late — não consigo silenciar meu coração. Ele bate tão apressadamente, que preciso me encostar na parede para não cair no chão. Uma garota se aproxima de mim, parando ao meu lado com um copo de cerveja em mãos. Ela aponta para Scott, sorrindo.

A escuridão está chegando. Então, segure minha mão, me prometa que um dia irá voltar. Me abrace e me ilumine, antes que seja tarde demais.

— Queria dar os parabéns à garota que o inspira a escrever essas músicas — sua voz é um pouco arrastada, mas consigo lhe escutar. — Deveria ter sido muito importante para ele, mas então o decepcionou.

— Ou ele a decepcionou e hoje em dia conta mentiras em suas canções para fazer a garota parecer a vilã da história — deixo meus pensamentos saltarem da minha mente e a garota estreita os olhos para mim.

— Você a conhece?

Dou de ombros.

— Costumava conhecer.

Volto minha atenção para Scott Summer – ou Tyler Summer –, seja lá qual for seu verdadeiro nome. Perdi alguma parte da música enquanto conversava com a garota ao meu lado, e agora o vejo de olhos abertos, encarando a platéia.

Time is up, honey. And all that's left are fragments of what we once were. Now I hold other girls' hands, honey. You're not here to enlighten me anymore and it's a shame 'cause I could have been everything to you — meu estômago embrulha, minhas mãos escorrem suor frio e sinto como se pequenos alfinetes estivessem perfurando meus pulmões. — Now I hug other girls, honey. And even if I don't want to admit it, I'd trade it all for that little time with you.

O tempo acabou, querida. E tudo o que restou foram fragmentos do que um dia nós fomos. Agora eu seguro as mãos de outras garotas, querida. Você não está mais aqui para me iluminar e é uma pena, pois eu poderia ter sido tudo para você.

Agora eu abraço outras garotas, querida. E mesmo não querendo admitir, trocaria tudo isso por aquele pouco tempo com você.

Um sorriso presunçoso se desprende de seus lábios ao encarar uma garota em frente ao palco. É um daqueles sorrisos que provavelmente irá resultar em uma foda no final da noite. O tipo de sorriso que faz meu peito doer, pois ele não é direcionado para mim. É também o tipo de sorriso que me faz questionar o que realmente sinto por ele após dois anos.

So take my hand, light up my life. Even for a moment...Então pegue minha mão, ilumine a minha vida. Nem que seja por um instante…

Suas íris azuis continuam vasculhando a platéia, mas desta vez, se arrastam para além dela.

Para os cantos do bar.

Para mim.

Então, acontece.

Seu sorriso some instantaneamente e observo seu maxilar se tornar rijo. Meus joelhos vacilam, mas consigo sustentar a pose neutra enquanto nossas lembranças desmoronam diante de nós. Seus olhos me fitam com intensidade, transbordam sentimentos negativos e repudio como isso me afeta. Parece que invertemos os papéis. Não há motivos para ele me odiar. Eu sim tenho. Odeio a forma como me analisa e me toca sem ao menos encostar um dedo em mim. Já fiquei com outros caras em Paris. Eles colocavam os dedos em meu corpo, mas não os sentia me tocar dessa maneira.

The time is over. And you never came back, baby. O tempo acabou. E você nunca voltou, querida.

Suas orbes não se desviam das minhas e percebo o esforço que faz para terminar a música. Engulo a bola áspera de saliva em minha garganta, aproveitando a euforia da platéia para dar o fora. Não suporto ficar mais nem um minuto sob as íris tempestuosas de Scott Summer.

Abro a porta do Red Snakes, mas ao levantar minha cabeça, sou recebida por um emaranhado de fios loiros e ondulados. Não sei como é possível, mas meu coração quebra pela milionésima vez só nesta noite.

Anastásia?

Sinto meus olhos lacrimejarem.

Sarah.

Sarah me guia até o subsolo após atender alguns clientes. Maick – o cara que me atendeu e neto de Kevan – a deixou sugar alguns minutos. Aqui embaixo é escuro e cheira a perfume masculino. Quatro mesas médias de sinuca estão dispostas nos cantos do bar e a mesa maior está posicionada no centro. Sofás vermelhos de veludo circundam todas as paredes do andar. Uma juckbox está ligada ao lado da pequena copa de bebidas. Reconheço a melodia de It's Tricky.

Sou puxada até uma porta vermelha e Sarah a destranca com uma chave que tira do bolso. O uniforme das hostess é composto por um macacão vermelho e brilhoso. Um botton com uma serpente está posto na altura de seu peito, logo abaixo seu nome: Sarah H. Adentro a sala mediana, constatando que é dos funcionários pelos armários com os nomes de cada um. Diferentemente do restante do bar, aqui as coisas são bem iluminadas. Me sento sobre a ponta de um sofá, analisando a loira fechar a porta atrás de si e caminhar até mim. Consequentemente, os sons ao lado de fora ficam abafados.

— Queria deixar claro que a minha vontade neste exato momento é de dar um tapa na sua cara — Sarah inicia, mordiscando o lábio inferior e encarando os próprios pés. — Mas eu só quero entender… entender toda essa sua ausência, o motivo de nunca ter telefonado ou mandado uma mensagem.

— Você sabe o motivo, Sarah.

— Não, Anastásia. Eu realmente não sei — se atira em uma poltrona, parecendo estasiada. — Você simplesmente sumiu do mapa, deixou seus amigos e familiares aqui e nunca enviou uma mísera carta!

— Eu precisava disso! Não tinha como permanecer aqui. Eu não conseguia respirar sem me lembrar do dia da nossa formatura! Você precisa me entender — praticamente suplico.

— Esse é o problema. Você espera que os outros entendam o seu lado, mas você não faz o mesmo com as pessoas. Então, não, Anastásia. Eu não preciso te entender.
 
— Está falando do Scott? — Solto uma risada de escárnio. — Ele mentiu para mim! Como ainda consegue ser amiga dele?!

— Porque diferente de você, eu resolvi dar uma chance a ele. Eu escutei, permaneci. Não arrumei minhas malas e abandonei tudo sem ouvir o outro lado da história. Você, pelo contrário, só se preocupou consigo mesma e foi embora. Queria preservar seu coração e não se importou com os outros que deixaria espalhados pelo caminho. Você, Anastásia Walker, é egoísta.

Eu sou egoísta? — Levantamos ao mesmo tempo. O sangue ferve em minhas veias. — Decidi confiar meu coração a ele e olha o que aconteceu! Então, me desculpe por ter saído da cidade para, pela primeira vez na vida, pensar um pouco na minha saúde mental!

— O problema nem é você ter saído, até eu faria isso por um tempo — suspira, colocando a mão na testa e desviando as íris de mim. — Mas o que diabos seus outros amigos e seus pais tinham haver com isso?

— Tudo me lembrava ele. Cada coisa nessa cidade trás as lembranças que eu luto diariamente para deletar — o rosto de Sarah atinge matizes avermelhadas. Se antes ela parecia brava, agora está furiosa.

— Você. Deletou. Tudo. Anastásia — a cada palavra, um passo em minha direção. — Até as lembranças boas que você tinha com outras pessoas. Comigo — afunda o indicador em meu peito, uma película cristalina de água cobre seus olhos azuis. — Eu também me senti traída, desolada e magoada. Eu precisava do seu colo, das suas palavras meigas e da amiga bondosa que eu sempre admirei. Ela nunca voltou pelas portas daquele aeroporto.

— Sarah… — a loira se afasta e observo o leve tremor em seu corpo, devido ao esforço que está fazendo para não chorar diante de mim.

— Por favor, cala a boca e deixa eu falar. Foram dois malditos anos esperando você. Dois malditos anos sentindo a droga da sua falta, então me deixa terminar! — Seca as lágrimas com exaspero, borrando a maquiagem preta e andando de um lado para o outro. Pressiono meus lábios, impedindo que o soluço escape da minha garganta. — Helena e eu alugamos um apartamento de três quartos no Dallin Brave. Céus! Nós duas compramos lençóis lilás e até tinta para pintar o seu quarto. Estávamos confiantes de que você desistiria dessa ideia maluca de se mudar para Paris. Quando nossas férias acabaram, nós fomos ao aeroporto e te esperamos, esperamos e esperamos — soluço, tapando a boca com o dorso da mão. — Você não voltou. Nem no dia seguinte e nem nas outras duas malditas semanas. Enquanto estávamos aqui, sentindo sua falta e alimentando uma falsa expectativa de que você sairia de algum daqueles aviões, você estava se desfazendo de absolutamente tudo que te lembrava Snowdalle. Inclusive suas melhores amigas.

Não consigo falar. Apenas me sento sobre o sofá novamente e permito que as lágrimas se libertem. Nunca imaginei que uma conversa com Sarah Herrera seria tão dolorosa. Suas palavras são afiadas e espetam meu coração, girando-as apenas para garantir que doa o suficiente.

— Me desculpa — sussurro, fitando-a. — Eu sei que errei, mas agora já está tudo feito e a única coisa que posso dizer é isso. Me desculpa.

— Espero que entenda que as coisas mudaram, Anastásia. A última vez que conversamos, foi um dia antes da nossa formatura — ri, sem humor. — Não sei como você se sentiu na época e nem imagino a barra que foi engolir todas aquelas merdas de uma vez só, mas esses dois anos não serviram de nada para você. Pelo visto, nada mudou a não ser o seu corte de cabelo. Quando pegou suas coisas e saiu de Snowdalle, você não se livrou dos problemas, apenas os adiou. Não sei o que te trouxe até aqui, mas se você veio procurar a antiga Sarah, sinto muito em te dizer, mas ela já não existe mais.

Abro a boca para lhe responder, mas a porta vermelha se abre e Maick enfia a cabeça para dentro da sala.

— Você tá aqui a meia-hora. Eu disse dez minutos — brada, mas não parece verdadeiramente irritado. — Precisa voltar ao trabalho.

Sarah concorda, alisando o macacão cheio de glitter vermelho. Nem ao menos tenho tempo de me despedir, pois ela sai da sala sem olhar para trás. Fungo, enxugando os olhos em minha blusa de mangas compridas.

— Então… você é a Anastásia Walker? — O cara sorri em minha direção, ainda parado sob o marco da porta.

— É — me levanto, ajeitando minha saia. — Sou eu.

Caralho — ri, me analisando dos pés à cabeça. — Quando Scott me disse que uma garota havia ferrado com o coração dele, imaginava alguém diferente.

— Como assim?

— Sei lá… você é meiga — aponta. — Parece tão doce e sensível. Não consigo imaginar alguém tão pura assim deixando alguém tão sombrio como o Scott de coração partido.

— Então seu amigo só te contou um lado da história. E provavelmente não é o certo.

— Não — balança o dedo indicador, negando e estalando a língua no céu da boca repetidas vezes. — O lado dele é o certo e todos aqui sabem disso. Mas pela maneira que você está o acusando, pelo visto ainda não te informaram que o seu lado da história é o errado.

— Por que ninguém me conta nada por completo? — Bufo, revirando os olhos. — Não gosto desse suspense que todo mundo cria só para me deixar pior ainda!

— Talvez seja porque essa é a sua história e é você quem deve desvendar os mistérios dela — pisca, apontando a chave na fechadura. — Quando sair, tranque a porta e dê as chaves para algum dos funcionários — gira sobre os calcanhares, prestes a sair do meu campo de visão, mas antes, ele se vira em minha direção e sorri ao dizer: — Ah, e não se preocupe! Scott acabou de sair. Pelo visto, você não é a única que foge do passado.

2/2
Confira se leu o capítulo anterior.
❤️

f i n a l m e n t e
a partir de agora é só surto atrás de surto!

Até breve! ❤️🤧

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