Quatro
“Eu vejo que estive no limite da autodestruição. Às vezes o silêncio pode parecer muito barulhento, há milagres da vida que eu tenho que alcançar. Mas eu sei que primeiro, tem que começar dentro de mim, oh.”
R. Kelly | I Believe I Can Fly
21 de julho de 2000,
sexta-feira.
I Believe I Can Fly do R. Kelly toca no rádio, a melodia repercute pelas paredes do apartamento localizado no subúrbio de Snowdalle e atravessa as frestas da porta. Me pergunto se Sarah e Helena se dão conta do quão alta e estridente está a música. Bato na madeira, impondo mais força no punho direito; das últimas cinco vezes, nenhuma das duas escutou.
— Caralho, dá para alguém vir abrir essa merda?! — Forço a maçaneta, ponderando se uso meus pés para bater ou se simplesmente viro as costas e vou embora.
Quando estou prestes a escolher a segunda opção, a porta é aberta e a figura de Helena Watson surge diante dos meus olhos. Ela está suada, o cabelo emaranhado no topo de sua cabeça como um ninho de rato. Desço minhas íris até seu rosto e a expressão que encontro é a mesma dos últimos dois anos; desgosto. Helena é rancorosa. Não importa quantas vezes eu peça desculpas ou me ajoelhe aos seus pés, ela continua me achando um babaca por nunca ter lhe contado o verdadeiro motivo para que Emma, Felipe e eu nos mudássemos para Snowdalle. Também já desisti de insistir. Se esse é o seu pensamento instalado sobre mim, não tenho porquê convencê-la de que sou outra coisa.
— Quem chamou ele aqui? — Arqueia as sobrancelhas. Abro a boca para lhe dar uma resposta irônica, mas Sarah Herrera surge ao seu lado. Alívio transpassa suas orbes azuis.
— Fui eu — comenta, abrindo mais a porta. — Precisamos da sua ajuda com duas coisinhas.
— Nós precisamos? — Helena encara a amiga estarrecida, mas me dá espaço para entrar.
Por muitas vezes, pensei na hipótese das duas serem um casal. Elas estão sempre juntas. Alugaram um apartamento juntas e já se beijaram uma vez, há dois anos atrás. Entretanto, Sarah e Helena já garantiram diversas vezes que entre elas não rola absolutamente nada. As duas são o suporte uma da outra. Uma amizade praticamente impossível de se desfazer do dia para a noite.
— Eu poderia estar dormindo essa hora, então diz logo — adentro o apartamento pequeno e extremamente arrumado, caminhando até o sofá cinza e me atirando nele.
O Dallin Brave é um edifício de dez andares que fica a vinte minutos da New Blizzard University. As garotas juntaram uma grana durante alguns meses e decidiram alugar um apartamento próprio para elas. Não é um dos mais caros e chiques da cidade, mas é bonito e aconchegante. As paredes são acinzentadas com detalhes rosa-bebê na decoração. As duas fizeram um ótimo trabalho nesse lugar.
— É uma hora da tarde, Scott! — Sarah reclama, tirando meus pés do sofá. Ela odeia que eu faça isso, mas não ligo muito. Irritá-la é um dos meus passatempos favoritos. — Nosso chuveiro queimou, preciso que conserte. É horrível tomar banho gelado!
— É verão!
— Gosto de banhos quentes, assim como você gosta de usar jaqueta de couro em um calor infernal — dá de ombros, cruzando os braços. — E também preciso que me ajude a desmontar o meu roupeiro. Comprei um novo e ele vai chegar provavelmente amanhã.
Solto um suspiro entediado, me levantando.
— Por onde eu começo?
— Pelo chuveiro — Helena me responde, por milagre. — Vou trabalhar às duas horas da tarde no Made's Burger e preciso de um banho.
— Você falando comigo? — Forço uma cara de espanto, entrando em seu joguinho infantil de me odiar. Na maioria das vezes, ela ignora completamente a minha presença. — Acho que meu desejo à estrela cadente foi atendido.
— Cala a boca — faz uma careta, se afastando do sofá. — Conserta o chuveiro logo, antes que eu chute a sua bunda até o meio da rua.
Sua voz é autoritária, mas seus lábios denunciam um sorriso engraçado. Consigo ver o esforço que faz para não rir e concluo que talvez ela não me odeie tanto quanto diz. Se eu cavar seu interior bem fundo, conseguirei encontrar sentimentos bons em relação a mim perdidos em um emaranhado de rancor e mágoa.
O quarto de Sarah tem cheiro de lavanda e perfume feminino. Os cobertores são azuis e o tapete felpudo é branco. Retirei os coturnos antes de entrar, caso contrário, ela arrancaria minhas bolas com uma faca. Já consertei o chuveiro e desmontei o roupeiro. Agora, estou ajudando-a a dobrar suas roupas – atiramos tudo sobre a cama e algumas coisas caíram no chão. Pego um sutiã bordô e o posiciono em frente aos meus mamilos.
— Meu Deus. Para de ser idiota — revira os olhos, pegando o sutiã e o colocando em uma sacola. — Deixe as roupas íntimas comigo. Dobre as calças e as blusas.
— Você é muito mandona — atiro um travesseiro em sua cabeça, assistindo-a dobrar alguns casacos. — Fala a verdade. Você me chamou aqui só para arrumar essas coisas ou tem algo rolando?
Sarah me encara, retorcendo os lábios cheios para o lado. Ela empurra as roupas para o chão e se senta sobre o colchão. Girls Just Want To Have Fun ressoa alta no quarto ao lado. É inacreditável como o tempo passa e a música favorita delas nunca muda. Embora o som retumbe por todo o local e a voz de Helena cantarolando esteja bem audível, minha melhor amiga não demonstra incômodo. Ela quer ter essa conversa agora.
— A garota ruiva que estava no Red Snakes ontem. Era a Aria, não era?
Sarah me observa minuciosamente. Sou pego de surpresa; não imaginava que a conversa se tratasse dela. Deixo sua calça jeans de lado, me acomodando na ponta da cama também. Engulo em seco e penso em contornar o assunto, mas suas íris azuis transpassam inquietude e preocupação.
— Sim, era ela. Como você sabe?
— Maick me contou — balança os ombros. Fofoqueiro. — Por que diabos ela estava lá?
Queria ter essa resposta também. Quando a vi no Red Snakes ontem à noite, pensei na hipótese de ser um delírio da minha mente. Porém, assim que seus lábios articularam meu nome, soube que Aria Griffin estava realmente ao vivo e a cores diante dos meus olhos. Foram quatro anos sem notícias. Sem vê-la. Sem ouvir sua voz. Encontrá-la depois de tanto tempo me deixou estático e sem reação. Porra. Somente após alguns segundos me recuperei – quando ela estalou os dedos em frente ao meu rosto e pediu uma bebida como se me ver fosse algo corriqueiro do seu dia a dia. Passei o pedido para Maick e me tranquei no escritório pelo resto da madrugada. Portanto, não faço ideia de até que horas permaneceu no pub ou o que raios veio fazer em Snowdalle.
— Não faço a mínima ideia — me jogo para trás, colocando o antebraço sobre os olhos para tapar a luz. — Só espero que ela não me traga problemas.
— É só você não permitir que ela traga problemas.
— Como se fosse fácil — solto uma risada de escárnio. — Aria é manipuladora e causa estragos por onde passa. Tem alguma coisa muito errada aí, só não sei o quê.
— Já parou pra pensar na hipótese de que ela se mudou só por se mudar? — Teoriza, se levantando. — Quando você veio para Snowdalle, não falou com ninguém sobre esta cidade. Talvez seja só uma coincidência!
— Uma infeliz coincidência — corrijo.
— Uma infeliz coincidência — sorri, cruzando os braços. — Como você está se sentindo sobre isso?
— Bem — ergo meu tronco sobre os cotovelos, fixando minhas orbes na porta de seu quarto. — Só estou confuso e um pouco surpreso. Espero que seja apenas uma visita. Odiaria ter que olhar pra cara dela todas as madrugadas.
Não a odeio mais como um dia já odiei. Também não me sinto angustiado ao pensar sobre a traição. Contudo, não é algo fácil de ser ignorado. Mesmo se passar dez anos, ainda me lembrarei da primeira pessoa que partiu meu coração ao meio. Posso esquecer a cena, mas jamais esquecerei a maneira como ela fez eu me sentir.
Sarah coça a testa, pensativa.
— Algo me diz que isso não se trata apenas de uma visita, Scott.
Sexta-feira é dia de acompanhar Christopher Almonte nas sessões de terapia. Não sei dizer ao certo quando nos tornamos amigos. Simplesmente aconteceu. Christopher terminou seu relacionamento com Anne Hero no ano retrasado, algumas semanas depois de Kevan Price ter falecido. Ele apareceu no Red Snakes e acabou com praticamente todo o estoque de cerveja do bar. Entre copos e mais copos, acabamos desabafando um com o outro. Christopher estava em um relacionamento tóxico com a ex-namorada e segundo ele, sair daquela bolha sufocante foi a coisa mais dolorosa que já enfrentou na vida. Conforme as palavras emboladas eram cuspidas para fora da boca, o nome de Anastásia Walker foi citado junto ao de Sarah Herrera. Os três eram melhores amigos. Pessoas inseparáveis. A culpa o devastou e ele se sentiu péssimo por ter afastado as melhores amigas.
Na época, eu também estava um trapo. Meus pensamentos estavam confusos. Meu coração se partia a cada batida só de escutar o nome dela. Desde o momento em que a conheci, Anastásia Walker não abandonou meus pensamentos uma vez sequer. Quando ela virou as costas e me deixou sozinho em uma cela sem me dar a oportunidade de me explicar, também não foi diferente; a cada maldito instante, seu rosto se projetava diante de mim. Nunca, em toda minha vida, desejei tanto desconhecer uma pessoa. Se eu soubesse onde o meu amor por ela me levaria, teria arrancado meu coração do peito.
Já Maick Price estava lidando com a perda recente do avô e, mesmo que ambos não fossem tão próximos, ele ficou arrasado com o ocorrido.
No fim, acho que os fragmentos dos nossos corações se uniram em um só e isso nos tornou praticamente irmãos. Somos base. Lar. Família. Não sou fã de muitas frases, mas uma em específico me chama a atenção e se encaixa perfeitamente nesse caso: “Algumas coisas ruins precisam acontecer em nossas vidas para nos colocar na direção das melhores coisas que poderíamos viver”. É deprimente saber que situações péssimas precisaram acontecer em nossas vidas para nos unir, mas se era o necessário para estarmos juntos – aqui e agora –, então a dor valeu a pena, de certa forma.
O Dr. Paul Peterson é um homem com aparentemente mais de cinquenta anos. Usa um óculos grande demais para seus olhos pequenos e possui a voz mais serena que já ouvi. Quem nos indicou ele foi o próprio Maick. Segundo meu amigo e colega de trabalho, nossa saúde mental estava totalmente abalada e precisávamos urgentemente de ajuda. No início, relutei. Nunca fui fã de me abrir com as pessoas. Gosto de lidar com os meus problemas sozinho. A ideia de contar todas as merdas da minha vida para um completo desconhecido e dividir minhas angústias com ele foi inaceitável. Entretanto, Christopher estava nervoso e com medo de ser julgado na primeira sessão. Por isso, o Dr. Paul nos deixou acompanhá-lo até sua sala.
Fizemos uma terapia em trio – Maick fez a frente contando sobre as suas inseguranças e alguns problemas familiares, incluindo o período de luto. Depois, Christopher se abriu contando sobre seu relacionamento turbulento. Conforme eu escutava as situações tóxicas e abusivas que ele passava com a ex-namorada, mais compreendia seu comportamento defensivo na época. Na minha vez, eu simplesmente travei. Não sabia por onde começar; minha mãe, meu pai, Aria, Matthew ou Anastásia. Permaneci atirado na poltrona confortável da sala, estalando os dedos para aliviar a tensão e encarando o Dr. Paul da forma mais irrelevante possível. No final da sessão, acabei não abrindo a boca para falar absolutamente nada. O doutor disse que estava tudo bem. Era a minha primeira vez tendo contato com a terapia e nas outras sextas talvez fosse mais fácil para mim me soltar.
Não fui nas outras sextas.
Dois meses depois, bati na porta de seu consultório. Foi a recaída mais filha da puta e intensa que tive. Era dia 19 de novembro e eu tive a brilhante ideia de revirar a caixinha onde guardo o colar de Anastásia Walker. Pegá-lo em mãos foi como tocar em ferro quente. Isso despertou as lembranças, os sentimentos proporcionados por ela e depois, a sensação angustiante de não tê-la ao meu lado para comemorar a data, como havíamos feito em seu aniversário de dezoito anos. Comparar as situações me desestabilizou e me vi obrigado a conversar com alguém que não iria me julgar e mandar eu esquecê-la como se isso acontecesse em um passe de mágica. Precisava sentir. Entender. Superar e seguir em frente.
O Dr. Paul me recebeu de portas abertas – mesmo sem hora marcada – e se sentou, pronto para me ouvir. Metralhei todos os meus problemas em sua direção, como se a minha vida dependesse daquilo. O doutor arregalou os olhos e pediu para que eu me acalmasse; não consegui. Falei sobre minha mãe, sobre meu pai, sobre Aria e Matthew, até chegar no motivo que havia me levado até ali de fato: Anastásia. Foi a primeira vez que consegui falar sobre o assunto abertamente – compartilhar o misto de emoções que eu sentia ao pensar nela. Pude dizer a ele que ainda a amava na mesma medida que agora a odiava. O Dr. Paul não me julgou em nenhum momento, muito menos me interrompeu, apenas me deixou falar por uma hora seguida. Ao terminar, me senti leve.
Paul Peterson é um cara gente fina, sabe conversar e dar bons conselhos. No dia, ele colocou uma folha de caderno e uma caneta sobre a mesa em minha frente. Com a voz calma, disse para mim dobrá-la ao meio e, de um lado, escrever meus sonhos, sentimentos bons e coisas que me deixavam feliz. Do outro, tudo de ruim que eu estava sentindo no momento. Passei uns dez minutos pressionando a caneta contra o papel e, quando finalmente terminei, o Dr. Paul disse:
— Agora, rasgue esse papel ao meio, separando a parte boa da ruim.
Assim o fiz.
— A parte ruim, você amassa bem, como se estivesse amassando esses próprios sentimentos negativos e depois jogue-o no lixo.
Amassei a folha de papel com tanta força, que os nós dos meus dedos se tornaram brancos. O doutor balançou a cabeça, satisfeito com a fúria que impus ao jogá-la na lixeira de sua sala.
— Assim como você jogou esse papel no lixo, você também jogou o que te deixa mal; o que te impede de seguir adiante. Quando jogamos algo no lixo, não voltamos para pegar de volta. Assim vai ser quando esses sentimentos ruins te afligirem; lembre-se de que os descartou. Já a parte boa, guarde consigo e todos os dias leia esse papel, e veja que existem vários motivos para você ser feliz e viver o presente, sem se condenar pelo passado.
Minhas atitudes e minha vida não podiam mais girar em torno de Anastásia Walker. Eu precisava encontrar algo que me deixasse feliz novamente. Vivo. E que de preferência só dependesse de mim mesmo, sem envolver outra pessoa na jogada. Foi aí que comecei a levar as corridas clandestinas a sério e a desabafar através da música. Tenho algumas letras prontas – nem todas se tratam de amor, mas a maioria é.
A partir desse dia, comecei a acompanhar Maick e Christopher por vontade própria nas sessões, mas nem em todas, como é o caso de hoje.
— Como você tá? — A voz de Maick chama a minha atenção. Estamos na sala de espera, largados sobre o sofá de dois lugares. Estou folheando um jornal, deslizando meus olhos pela matéria da nova prefeita da cidade; que aliás, é mãe de Briana St. Taylor, uma amiga da minha turma de biologia marinha.
— Tô legal.
Christopher emagreceu nos últimos meses. Suas olheiras são evidentes e ele não faz a barba tem algum tempo. É nítida a situação deplorável do cara, mas Maick e eu sempre estamos ao seu lado, tentando animá-lo do nosso próprio modo. Nem sempre funciona.
— O Dr. Paul está sentindo a sua falta — Chris comenta e eu me levanto, deixando o jornal de lado. — Faz umas quatro sextas que você não fala com ele.
— Talvez na próxima — atravessamos a porta de vidro e imediatamente levo a mão ao meu bolso frontal, retirando a carteira de cigarros e um isqueiro. Ao acender a droga entre os lábios, fecho os olhos, aliviado.
— Vocês querem ir beber alguma coisa lá em casa? — Maick questiona, retirando um saco pequeno de cenouras descascadas da mochila. Uno as sobrancelhas.
— Não tô no clima. Acho que bebi demais ontem — a expressão de Christopher evidência isso para qualquer um. Consigo sentir o cheiro de conhaque de longe. — Meu estômago não reagiu muito bem — bate sobre a barriga seca, fazendo uma careta de dor. — Por que você está comendo cenouras?
— Sarah disse que faz bem pros dentes — sacode os ombros, se encostando na lataria da Shelby. — Não é tão ruim. Ela resolveu virar vegetariana e estou entrando na onda.
— Você comeu carne ontem, cara — dou um tapa estalado em sua nuca.
— Uuuh — Christopher gargalha, empurrando o ombro de Maick. Gosto quando ele sorri verdadeiramente. Sei que já cometeu algumas merdas no passado, como, por exemplo, magoar minha melhor amiga, mas acredito que assim como todo mundo, Chris é tão merecedor de encontrar a felicidade quanto qualquer um de nós. Ninguém está isento de falhar, com ele não é diferente. — Você tá de quatro por ela!
— Só falta latir — completo, me sentando sobre o capô do meu carro e expelindo a fumaça do cigarro para cima.
— Falando em garotas. Você já contou para o Chris que sua ex está na cidade? — Maick desvia o assunto, colocando a atenção de Christopher totalmente em mim. Cara desgraçado.
— Como assim? A garota que trepou com seu melhor amigo?
— Ela mesma. Aria apareceu ontem no Red Snakes e, antes que me pergunte, não faço a mínima ideia de como ela veio parar justamente aqui.
— Cacete — sussurra, estarrecido. — Bem, mas pelo visto… você não está tão incomodado com isso.
— Claro que não — desço do meu carro, apagando a bituca do cigarro em uma lixeira específica para isso. — Aria deixou de ter efeito sobre mim há muito tempo.
E é a verdade. A única pessoa ainda capaz de abalar minhas estruturas e acabar com a tranquilidade do meu coração, tem um nome completamente diferente e está há horas de distância daqui. Enquanto Anastásia Walker estiver longe de Snowdalle, o caos também ficará longe de mim.
Paro a Shelby no estacionamento de um bar afastado da cidade – quase na divisa entre Snowdalle e Darenwood. O Lander Round não é inimigo do Red Snakes. Na verdade, não temos concorrentes. Esse bar é mais voltado para caminhoneiros e motoqueiros. Eu não quis ir até o meu trabalho, pois com certeza Sarah e Maick me importunariam por conta das inúmeras doses de álcool. Eles cogitariam a hipótese de que estou me afundando na bebida, mas não é verdade. Sei me controlar.
Peço uma dose de tequila assim que me acomodo em uma das banquetas dispostas ao redor do balcão. As coisas aqui dentro tem cheiro de mofo, cerveja barata e maconha. Não me incomodo. Na realidade, o cheiro da droga me tranquiliza. Estou de costas para a entrada do bar, mas ouço o tilintar dos sinos e sinto a brisa abafada que entra quando a porta é aberta. Apesar da música relativamente alta, escuto saltos entrarem em atrito com o chão até o balcão. No mesmo instante em que o barman coloca minha dose de tequila com sal em torno da borda do copo com um limão em minha frente, alguém se acomoda ao meu lado. Desvio minha atenção para a pessoa, observando os cabelos ruivos espalhados pelos ombros nus e o batom vermelho marcando os lábios cheios de Aria Griffin. A ruiva cruza os braços sobre o tampo de madeira, deixando amostra seu decote cavado.
— Não convidei você — aponto, chupando o limão e bebendo a tequila em um só gole.
— Não preciso de convite. O lugar está vago e, até onde eu sei, você não é o dono desse bar — rebate, umedecendo os lábios levemente. — Desde quando você se tornou um bêbado de bar de esquina? Me lembro de um Tyler estudioso, que trabalhava na biblioteca de Londres.
— As coisas mudaram, Aria. Principalmente minha paciência com pessoas que não vou com a cara. Então, por favor, vá assombrar outro lugar.
— Não estou afim, obrigada.
Jogo meu limão dentro do copo, fazendo menção de me levantar. Não suporto ouvir a voz dessa garota. Entretanto, seus dedos envolvem meu pulso com firmeza e me mantenho imóvel no lugar, fitando seus olhos esverdeados.
— Tudo bem, eu saio. Só queria conversar.
— Procure um local chamado Traidores Anônimos. As pessoas ficarão felizes em ouvir o que você tem a ensinar. Aliás, o que está fazendo aqui?
— O vinho do hotel é péssimo — revira os olhos de forma dramática, ignorando minha provocação. — Precisava de algo forte.
— Hotel? Por que diabos está em um hotel? — A cada segundo que passa, fico ainda mais confuso com sua aparição repentina nesta cidade.
— Não sou como seu pai que compra mansões as custas dos outros, preciso me virar — meu corpo enrijece sobre a banqueta e meu sangue ferve. — Ops, assunto delicado?
Pressiono minhas pálpebras com a ponta dos dedos. Estou perdendo a paciência com ela.
— Quem te contou isso?
— Ah, por favor, Tyler! Snowdalle é uma cidade pacata. Quase nada de interessante acontece por aqui. Quando rola algo bombástico, como a prisão de um dos maiores foragidos da polícia, a notícia circula por pelo menos uma década — Aria pega o meu copo vazio, passando o indicador sobre o sal que restou e o levando até os lábios. Desvio o olhar para os anéis circundando meu polegar e dedo médio, evitando qualquer tipo de manipulação da parte dela. — Isso me lembra os últimos quatro anos da minha vida sendo taxada de vagabunda por ter traído meu namorado com o melhor amigo dele.
Porra. Sério que ela vai puxar essa merda agora?
— Não quero falar sobre isso — chamo o barman novamente, pedindo outra dose de tequila. Aria aproveita o embalo e pede uma também.
— Tudo bem — sorri, balançando os ombros de forma despretensiosa. — Vamos falar sobre a sua vida nos últimos anos.
Solto uma risada amarga.
— Não vou falar da minha vida com você — Aria pega sua dose, espalhando o sal no limão e bebendo a tequila tão rápido quanto eu.
— Tyler, qual é?
— E não me chame por esse nome. É só Scott.
— Tudo bem, Tyler Scott. Não acredito que depois de tanto tempo você ainda me odeia — faz uma cara de pobre coitada, mas não me encara nos olhos. Não consigo acreditar que ainda estou sentado ao lado dela.
— Não odeio você, só é indiferente pra mim e a pessoa que eu menos desejava encontrar nesse momento — pisco em sua direção, me levantando e pagando pela minha bebida.
Aria Griffin pega as notas e as devolve para o meu bolso, retirando do sutiã o valor das minhas duas doses.
— Você acha que vou te perdoar só porque vai me pagar duas bebidas? — Arqueio as sobrancelhas.
— Acredito que não, mas é por esses pequenos gestos que vou começar a tentar — devolve a minha piscada, colocando os fios ruivos para trás dos ombros.
— Beleza — chamo o barman outra vez, pedindo uma garrafa do Bourbon mais caro do bar. Ele a coloca em minha frente e aponto para a ruiva ao meu lado. — É por conta dela.
Aria arregala os olhos, abrindo a boca. Parece indignada. Assim que eu gosto.
— Seu filho da puta! — Esbraveja, o rosto ficando avermelhado.
Sorrio em sua direção, me afastando de costas até a saída.
— Obrigado pelo Bourbon, Aria!
Postei dois capítulos hoje, então confira se você leu o anterior antes desse!
Até sábado! ❤️
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