Doze
“Depois de um doce olá, sempre há um amargo adeus. Depois de uma noite muito louca, há sempre um preço a se pagar. Não há resposta para esse teste, eu vou sempre cair nessa, sim. Eu sou escrava das minhas emoções, que se dane esse amor sem coração. Aquele sentimento quente e ansioso, a excitação extrema parecia o céu, mas talvez você não entre lá. Olhe para mim, olhe para você. Quem estará sofrendo mais? Você é esperto. Quem vai estar? Você mesmo.”
BlackPink | Kill This Love
30 de julho de 2000,
domingo.
— Não acredito!
O meu celular está sobre a bancada de mármore da cozinha de Emma. Estamos fazendo cookies enquanto Dalton atualiza América Forbes das últimas – e nem tão felizes – novidades desde que nos mudamos para cá, há uma semana. O apartamento de Emma é bastante espaçoso e abriga nós três tranquilamente. Dalton e eu nos mudamos para cá na quarta-feira, logo após saírmos do motel – sinto vontade de rir toda vez que lembro disso. Contei à América, enquanto colocava farinha em uma tigela e Emma picava os cubos de chocolate ao leite, que estou trabalhando no mesmo pub que Scott Summer e que ele, ironicamente, é inocente. Agora, minha amiga está surtando do outro lado da linha.
— Sua mãe é egoísta, Anastásia. Me desculpe, mas não consigo pensar nela sem usar essa palavra — sua voz é banhada de incredulidade e uma pitada de raiva. — Estou fervendo de ódio e essa situação nem aconteceu comigo!
— Não estou mais com raiva dela, apenas chateada — suspiro, moldando os cookies com a ajuda de Emma. — Até meu padrasto me ligou todos os dias desde que saí da mansão, mas minha mãe não. Eu esperava, pelo menos, um pedido de desculpas.
— Por que você não fala com ele? — América provavelmente está comendo alguma coisa, pois sua voz está abafada e ouço ela mastigar algo crocante. — Talvez ele soubesse te aconselhar de alguma maneira.
— Eles estão prestes a se casar. Francis tem um amor inexplicável pela minha mãe, esperou anos para ser retribuído. Quero que ele seja feliz de alguma forma. Contar isso poderia desequilibrar a relação deles. Não preciso transformar a vida das pessoas à minha volta em uma tempestade. Essa é a minha história, preciso resolvê-la por conta própria — termino de falar e exalo o ar dos meus pulmões, experimentando um pedaço de chocolate.
— Suas palavras são sempre tão tocantes, deveria ser escritora — Emma sorri para mim, abrindo o forno e colocando uma forma de cookies lá dentro. Seu nariz e as bochechas estão levemente sujas de farinha.
— Anastásia tem um diário — Dalton comenta e o encaro repreensiva. — Ela escreveu sobre a história dela com o Scott desde o dia em que eles se conheceram até o dia da formatura. Tem as datas e tudo.
— Dalton! — Atiro um punhado de farinha em seu rosto. Meu amigo cai na gargalhada, esfregando a cara e tossindo.
— Sério? Que lindo — os olhos azuis de Emma se iluminam. — Eu gostaria de ter uma história de amor com alguém que valesse um livro. Geralmente meus relacionamentos não merecem nem um post-it!
— Somos duas — América concorda do outro lado da linha. — Até a vida amorosa da minha mãe é melhor! Ela tem um encontro hoje à noite, enquanto eu vou ficar assistindo Friends e comendo pipoca no meu quarto.
Gargalhamos em uníssono. Sinto falta dela.
— Você deveria vir nos visitar — Dalton comenta, raspando a massa de cookie da tigela com o dedo. — Snowdalle é tão calma, você ia amar!
— Vou ver se consigo antes das aulas começarem, se não, só poderei ir nos feriados de fim de ano — ouço uma voz ao fundo chamá-la. — Preciso ir. Mamãe precisa de mim, falo com vocês outra hora. Foi um prazer te conhecer, Emma!
— O prazer foi meu!
Desligo o celular, retirando meu avental.
— Primeira vez que faço cookies — Emma chama a minha atenção, retorcendo os lábios. — Espero que fiquem bons!
Sorrio.
— Obrigada por tudo que está fazendo pela gente, sério — me debruço sobre a bancada, encarando-a. — Por ter dado um espaço para a gente no seu apartamento e por me dar carona até o trabalho, já que Dalton está com o meu carro. E por ter conseguido uma vaga para mim no Red Snakes.
— Eu gostaria que tivessem feito o mesmo por mim um tempo atrás. E estamos nos ajudando. Também devo te agradecer — ela retribui o meu sorriso benevolente.
— Quanto falta para pagar a fiança da sua mãe? — Dalton inquire.
— Bastante. Kahill ferrou com ela — revira os olhos, entristecida. — Sinto falta dela. Fui visitá-la semana retrasada. Ela está tão arrependida de ter continuado nessa merda.
— Eu tenho um dinheiro no banco — meu amigo dá de ombros, cruzando os braços. — Meu pai era piloto e minha mãe era comissária de bordo. Ganho um dinheiro legal, posso dar metade pra você.
— Não! — Nega rapidamente. — Não há necessidade. Apenas me ajudando com as despesas do apartamento já está de bom tamanho. Foi uma escolha nossa, vocês não precisam se envolver nisso — Emma se vira e coloca as louças sujas dentro da pia. Dalton me encara de soslaio e balanço a cabeça positivamente.
— Tudo bem, então.
Na verdade, ele está dizendo: tudo bem, nós vamos visitar a sua mãe e perguntar o preço pessoalmente.
Trinta de julho. Hoje é aniversário de Francis White, meu padrasto. Recusei algumas de suas ligações nos últimos dias, pois eu estava de cabeça quente e queria reorganizar meus pensamentos e sentimentos com calma. Cogitei a hipótese de lhe contar sobre o ocorrido daquela noite, mas como eu disse para os meus amigos mais cedo: essa tempestade é minha. Não preciso carregar outras pessoas para dentro desse furacão comigo. Francis está feliz. Não irei roubar esse sentimento dele, jamais.
Adentro o Snowdalle Coffee & Tea, vasculhando o local até encontrar seu rosto familiar na última mesa da cafeteria. Sorrio em sua direção, mesmo que ele não esteja olhando para mim; está concentrado no cardápio, unindo as sobrancelhas sutilmente. Me aproximo da mesa, puxando a cadeira em sua frente. Seus olhos abandonam o cardápio e um sorriso afável surge em seus lábios.
— Você achou que eu havia esquecido, não é?
— Com base nas ligações rejeitadas e nas respostas instantâneas como "não posso agora, talvez mais tarde" — faz aspas com os dedos. — Sim, eu realmente achei.
Sorrio, mas não é um sorriso tão feliz.
— Eu realmente queria ter conversado com você desde a primeira ligação, mas a minha mente estava um verdadeiro caos — explico. — E, se pudermos não tocar em assuntos que envolvam minha mãe, eu agradeço.
A contragosto, ele assente.
— Sua mãe também não quis me dizer nada — é claro. — Já entendi que é um território proibido. Assuntos de família.
— Você também é a minha família agora. Na verdade, sempre foi — cruzo os braços sobre a mesa, relaxando os ombros. — Não pense que estou te excluindo ou algo do tipo, só estou… — poupando você de uma possível briga com a minha mãe. — Evitando pensar demais sobre a discussão. Não quero trazer um problema desnecessário até você.
— Tudo bem — solta um suspiro, desistindo. — Mas, se por um acaso…
— Eu quiser desabafar eu falo com você, prometo — levanto meu dedinho e entrelaçamos nossos mindinhos, sorrindo.
— Certo — pega o cardápio novamente, apontando para a lista de cafés. — O de sempre?
— Na verdade… — viro meu corpo em direção à balconista. Pisco para ela e as luzes da cafeteria se apagam. A moça acena para os outros funcionários e um deles traz um bolo de chocolate até a nossa mesa. Começo a bater palmas e logo todo mundo no local é contagiado pela cantoria de "parabéns pra você". As velas sobre o bolo soltam estrelinhas e Francis White parece um garotinho de seis anos encantado com tudo, não um cara de quarenta e três anos. — Feliz aniversário! — Comemoro e as pessoas presentes na cafeteria assoviam, agitadas.
As luzes retornam a iluminar o Snowdalle Coffee & Tea. Meu padrasto recebe os parabéns dos funcionários e de algumas pessoas nas mesas à nossa volta. Uma senhora se aproxima, segurando sua mão e dando leves batidinhas em suas costas ao elogiar:
— Parabéns pela filha tão linda — aprisiono uma risada na garganta, mas Francis engole em seco e sua feição se torna triste. — Que você tenha muitos e muitos anos de vida, querido — e se afasta.
— Aconteceu alguma coisa? — Pergunto, lhe alcançando a faca para cortar o bolo pequeno.
— Não — o mais velho balança a cabeça veementemente, estampando um sorriso deveras forçado no rosto. — Não aconteceu nada.
— Você sonhava em ter filhos? — Indago, recordando-me da pergunta de Dalton em um café da manhã lá na mansão; em como sua tristeza foi camuflada por um sorriso forçado igual a esse.
— Sim — admite, sem rodeios, cortando o bolo e me dando a fatia coberta de chocolate e morangos. — Era o meu maior sonho.
— E por que não o realizou?
Francis suspira.
— Construir uma família vai muito além de juntar as escovas e dormir na mesma cama, Ana. Construir uma família exige amor de ambas as partes, confiança, lealdade, afeto e, o principal de tudo, as duas pessoas devem querer isso. Um relacionamento é como um elástico — demonstra com as mãos e me concentro em suas palavras. — As duas pessoas devem segurá-lo firmemente e jamais soltá-lo, pois, no momento em que isso acontecer, machucará o outro. As duas partes precisam estar dispostas a enfrentar isso e, no meu caso, ninguém nunca quis segurar a outra ponta do elástico comigo.
— Você… — tento engolir a pergunta, mas ela arranha minha garganta, implorando para sair. — Você já me odiou por conta da minha mãe ter soltado o elástico naquela época?
Francis arregala os olhos. Não esperava por essa pergunta. Parece ofendido, mas preciso saber.
— Nunca, Anastásia — analisa meus olhos com preocupação. — Você sempre pensou isso?
— Só agora — respondo, sincera. — Não se preocupe. Nunca duvidei do seu carinho por mim, Francis. Você sempre me tratou como se fosse meu…
— Pai?
— É — sorrio e vejo uma película cristalina de água cobrir seus olhos. — Como se fosse meu pai. Minha segunda palavra foi Fancis. Eu adorava sair com você e a mamãe até a Misty Mountain, apesar do papai ficar uma fera — solto uma risada e ele também. — Você sempre esteve muito presente na minha vida e, apesar de não ser meu pai biológico, é meu pai do coração. Você é o meu segundo pai. E eu amo você.
Francis está chorando. Eu estou chorando. As moças da mesa ao lado estão com os olhos lacrimejados.
— Também amo você — seca as lágrimas rapidamente, olhando para as mulheres. — Onde já se viu? É meu aniversário e a minha filha do coração está me fazendo chorar!
Começamos a gargalhar.
— Última curiosidade do dia.
— Manda ver!
— Se você tivesse um filho com a minha mãe, provavelmente escolheria o nome do garoto, não é? — Ele balança a cabeça, concordando. — Qual nome você colocaria?
— Austin — responde sem hesitar. — O nome do meu filho seria Austin.
Uma fita de cetim une o decote em "V" do meu vestido lilás acetinado. Ele acaba um pouco acima dos meus joelhos e é franzido nas laterais do quadril. Meus cabelos estão totalmente lisos hoje e a maquiagem é leve e discreta, da mesma cor do meu vestido. Abandonei os saltos e decidi colocar um all-star branco. Felizmente é uma festa de fraternidade e não uma festa na empresa dos meus pais, onde minha mãe muito provavelmente me obrigaria a colocar um salto agulha.
O vestido azul-marinho de Emma vai de ombro a ombro e a maquiagem preta realça seus olhos azuis. Ela está incrível e, assim como eu, também optou por um tênis branco. Dalton colocou uma camiseta cinza e bermuda jeans escura. Apesar de não estar tão produzido como nós duas, está terrivelmente gato.
Estamos há poucos quarteirões da tal fraternidade, segundo Emma Rei. Ela está me guiando pelas ruas perto da New Blizzard University e meu estômago se agita ao lembrar que daqui um mês e alguns dias estarei pisando na universidade para seguir o meu sonho. Essa semana foi uma correria, mas Dalton e eu conseguimos resolver todas as papeladas da faculdade. Agora somos oficialmente estudantes da NBU.
— Chegamos!
A rua asfaltada está cheia de automóveis e achar uma vaga é praticamente impossível. Felizmente consigo colocar meu carro em uma pequena estrada de areia sem saída e descemos do veículo. Caminhamos pela calçada e Jailhouse Rock vai ficando cada vez mais ensurdecedora. Seja lá quem for o aniversariante, está de parabéns pelo bom gosto musical. O quintal não está tão lotado, mas consigo ver claramente pelas janelas do casarão de dois andares que lá dentro está um verdadeiro formigueiro.
Adentramos a sala de estar e já somos recebidos com colares de pisca-pisca. Sinto uma garota passar tinta laranja, rosa-pink e verde-limão nas minhas bochechas. Não dou nem dez passos para dentro da fraternidade e já avisto Sarah, Helena, Anne, Briana, Christopher, Clay e Maick perto da cozinha. Engulo em seco. Uma parte minha torcia para que essa noite fosse apenas Emma, Dalton e eu. Sem relembrar das antigas amizades, apenas desfrutar das novas. Mas quem sou eu no meio disso tudo? É óbvio que eles estariam aqui. São amigos do aniversariante. Sou apenas uma convidada tentando fazer parte do novo mundo deles.
Dez minutos se passam e estou no meio da sala, dançando com Emma – Helena se juntou a nós e conseguiu arrastar Sarah, Anne e Briana consigo. Evito olhar para Sarah e ela faz o mesmo comigo. Me sinto deslocada e com um buraco enorme no coração, mas respiro fundo e finjo não me importar com o incômodo no peito. Dalton foi para os fundos da casa à procura de Clay e consigo visualizá-los sentados na beira da piscina, balançando os pés na água e gargalhando alto.
Fecho os olhos e me permito aproveitar o momento. Jogo meus cabelos soltos para o lado, ficando de frente para Briana. Ela sorri para mim, balança os cabelos cacheados com as mãos e rebola até o chão. Depois, volta para cima e entrelaça nossos dedos. Começamos a balançar os ombros; ela indo para trás e eu indo para a direção dela – e vice-versa – ao som de Livin' La Vida Loca do Ricky Martin. Gargalhamos, nos soltamos e voltamos a dançar individualmente. Me surpreendo com a sua simpatia comigo, já que aparentemente ela e Scott tem algum caso. E ao mesmo tempo fico feliz. Odiaria ter mais uma pessoa me odiando nessa cidade.
Desde que cheguei aqui, minha rotina tem se baseado em segredos, angústias e mentiras. Em nenhum momento consegui ficar completamente alegre com algo. Meus sorrisos são sempre revestidos por uma camada grossa de tristeza, raiva e rancor. Não preciso permanecer presa no meu passado, procurando mais e mais motivos para me sentir culpada quando tudo já está feito e não há como reverter certas situações; preciso me agarrar ao meu futuro e encontrar todos os motivos possíveis para sorrir e ser totalmente feliz outra vez.
Trinta minutos depois, estou sentada no sofá ao lado de Racer Oliver – o aniversariante da noite. Eu não sabia quem ele era, só ouvi um pouco do que Emma havia me contado antes de saírmos de seu apartamento. Racer é o "dono" do Black Racing Haze. O cara que organiza as corridas e as apostas. Ele é extremamente engraçado, apesar da cara de poucos amigos. Racer adora teorias da conspiração, dentre elas, uma envolvendo nosso cantor favorito: Elvis Presley. Segundo ele, Elvis não morreu no dia 16 de agosto de 1977, mas sim, forjou a própria morte para fugir da fama e curtir a vida como um mero empresário no ramo de aluguéis de jet-skis no Havai. Não consigo levá-lo a sério.
— Elvis Presley faleceu aos quarenta e dois anos, vítima de uma arritmia cardíaca súbita — arqueio as sobrancelhas. — É lógico que infelizmente ele morreu.
— Nosso Rei do Rock está vivíssimo neste exato momento rindo de pessoas como você — sorri para mim, me entregando o décimo potinho de Jelly Shot sabor limão. Essa gelatina alcoolizada é maravilhosa!
Reviro os olhos e desisto de lhe contrariar.
— Nathaniel Stuart! — Racer exclama, encarando um ponto fixo na entrada da fraternidade. Viro meu rosto na mesma direção e sorrio ao ver Nate atravessar a porta, sendo pintado no rosto com tinta néon também.
O ruivo está impecável dentro de uma camiseta social vinho. As mangas estão arregaçadas até os cotovelos e os primeiros dois botões estão abertos. Seu cabelo está molhado e a calça jeans escura agarra perfeitamente suas coxas. Ele anda com a postura ereta e uma das mãos escondidas dentro do bolso – parece que está desfilando sem nem estar em uma passarela.
— Tenho a impressão de que você está babando — Emma ri ao meu lado. Está com os cabelos bagunçados e o batom vermelho levemente borrado.
— Quem foi o sortudo que manchou seu batom? — Indago, apontando para os seus lábios.
— Eu não perguntei o nome — dá de ombros. — Mas tem um irmão gêmeo e quero muito pegar ele também — enrola uma mecha de cabelo no dedo, vasculhando a casa. — Se vir um cara de bermuda jeans branca e regata preta, me avise. Ou talvez não, já que você vai estar ocupada em três, dois…
— Oi.
— Um! Vou procurar meu próximo alvo sozinha — Emma levanta, dando espaço para Nathaniel. Sorrio de seu comentário e a observo se afastar, para só então respondê-lo:
— Oi!
— Uau. Você tá bonita — sorri, se atirando ao meu lado com dois potinhos de Jelly em mãos. Pego o vermelho, espetando meu dedo na gelatina e virando-a em minha boca.
— Obrigada. Você também tá bonito — uma fileira de dentes brancos e alinhados surge em seus lábios. Paro tempo demais em sua boca e sinto meu rosto esquentar com a proximidade. Ele parece notar, pois sorri ainda mais.
— Não esperava ver você aqui — comenta, engolindo seu Jelly também. — Na verdade, não sabia que você tinha relação com o Scott e os amigos dele.
Desvio meu olhar, inspirando fundo.
— Lembra quando eu beijei você para dispensar um cara?
— Como esquecer do dia em que perdi o bv com a garota mais linda daquela festa?
Solto uma risadinha, empurrando seu ombro com o meu.
— Então, Scott era o cara — não pretendia contar isso a ele, mas o álcool está começando a fazer efeito e isso significa que as minhas palavras simplesmente ganham vida própria e saem da minha boca sem pedir permissão.
— Não brinca — Nate ri, surpreso. — Logo ele? O cara é tipo maçaneta de porta, todo mundo já passou a mão.
— Ele era o meu melhor amigo na época. Eu não queria estragar as coisas entre a gente.
— Mas você o beijou mesmo assim, não é?
— É — mordisco meu lábio inferior, encarando-o. — Mas é passado e hoje em dia nem nos falamos mais — apenas jogamos um joguinho sádico com a única finalidade de nos provocarmos e nos machucarmos no final. E não estou disposta a perdê-lo. Jamais.
— Sério? Não me pareceu isso no dia da corrida. Vocês parecem duas pessoas intensas com assuntos pendentes — analisa, soltando um suspiro pacífico. — Olha, não sei o motivo pelo qual vocês brigaram ou sei lá, se afastaram, mas não quero ser uma segunda opção na sua lista ou só um cara com quem você vai ficar para provocá-lo.
Por algum motivo, me sinto ofendida.
— Você acha que eu sou esse tipo de garota? — Solto uma leve risada. — Os assuntos pendentes que tínhamos já foram resolvidos. Não temos mais nada há muito tempo.
— Não estou querendo ofender você e nem nada do tipo, Anastásia. Só não quero me iludir — revela, esbanjando sinceridade. — Só quero ter a certeza de que enquanto eu estiver te beijando, você vai me querer te beijando, e não outro cara no meu lugar.
Minhas bochechas ruborizam. Prendo um sorriso bobo, fisgando meu lábio inferior. Nathaniel leva o polegar até minha bochecha, deslizando-o até puxar meu lábio dos meus dentes e deixar a mostra o que o seu simples comentário foi capaz de fazer comigo.
— Não esconda mais esse sorriso de mim. Você fica ainda mais linda com ele estampado no rosto.
Uau. Tudo bem. Acho que acabei de soltar um gemido baixinho. Agradeço pela música alta. Nunca na minha vida gostei tanto de uma caixa de som como agora.
— Você dança bem? — Pergunto ao notar sua atenção demorada na minha boca. Ainda não é o momento certo para beijá-lo. Nosso primeiro e único beijo foi totalmente baseado no calor do momento. No meu calor do momento. Preciso concertar essa situação, e não farei isso nessa festa. — Se tivermos alguma coisa, você vai precisar acompanhar o meu ritmo — levanto do sofá, estendendo minha mão para ele. Nate sorri, se levantando também.
— Fiz duas aulas de dança uma vez para não fazer feio no aniversário de vinte e um anos da minha irmã — o ruivo me guia até o meio da sala, onde as pessoas estão pegando seus pares para dançarem ao som de From This Moment On da Shania Twain. Posiciono minhas mãos em seus ombros e Nate coloca as dele em minha cintura. Começamos a nos mover.
— Você tem uma irmã? Qual o nome dela?
— Se chama Nala Stuart — ele segura o riso. — Meus pais meio que são fãs de O Rei Leão.
Gargalho, jogando minha cabeça para trás.
— Seu nome era para ser Simba Stuart?
O ruivo comprime os lábios, apertando os olhos com força por um instante.
— Se eu te disser que meu nome é Nathaniel Scar Stuart você ainda dançaria comigo?
— Meu Deus! É o melhor nome que eu já ouvi — rio, balançando a cabeça. — Mas o nome da sua irmã é ainda melhor.
— Ela diz que gosta, mas já me contou que gostaria de trocar.
— Qual a diferença de idade entre vocês?
— Quatro anos. É uma droga — revira os olhos e me gira. Deito a cabeça em seu ombro e inspiro seu perfume. Fecho os olhos momentaneamente, apreciando o cheiro gostoso. — Você tem irmãos?
— Infelizmente não, mas gostaria.
Nos balançamos de um lado para o outro, seguindo a melodia da música. Sou girada outra vez e minha visão está totalmente liberada para a porta principal. Espremo meus olhos naquela direção e assisto Scott Summer entrar na casa com uma garota ruiva ao seu lado. Meu coração dá um curto-circuito e observo a mesma garota que pintou minhas bochechas pintar a deles também e colocar os colares brilhantes em seus pescoços. A garota ao seu lado ri e caminha para a cozinha segurando seu ombro. Não sei se bebi muitos Jelly's ou se é por conta de ver os dois tão próximos que meu estômago dá um giro completo.
No refrão da música, ocorre a troca de casais e estou dançando com Emma. Sorrio, girando-a na ponta dos dedos.
— Você conhece ela? — Aponto com a cabeça para a cozinha e para a ruiva peituda ao lado de Scott. A garota é incrivelmente linda. Traja um vestido preto de alças finas que vai até a metade de suas coxas grossas.
— Hum… não lembro. Ela esteve no Red Snakes ontem e conversou com o Scott no escritório dele. Deve ser alguém da faculdade — dá de ombros e trocamos de casal outra vez. Agora, estou com um garoto aparentemente tímido. Ele pisa no meu tênis e aprisiono um xingamento na ponta da língua.
— Foi mal. Minha amiga meio que me obrigou a isso — ri, sem graça, ajeitando os óculos em seu rosto. Retribuo o sorriso forçadamente, trocando de par novamente. Careless Whisper ressoa pela fraternidade e é automático: meus olhos buscam Scott Summer. Arrasto minhas íris até a cozinha, mas ele e a garota desconhecida já não estão mais lá.
Me concentro no meu par e sorrio para ele, me controlando para não rir do pênis desenhado com tinta néon em sua testa. Ele me gira, eu rodopeio entre os casais e uma mão firme se coloca na base da minha cintura. Preciso espalmar o peitoral do cara para não chocar nossos corpos com força. Ao reconhecer os olhos azuis gélidos de Scott Summer, solto um suspiro surpreso – e dessa vez, nem mesmo o som alto vindo das caixas de som é capaz de cobrir o meu arquejo.
— Feliz em me ver, Walker? — Um sorrisinho sacana brinca em seus lábios. Estreito os olhos, buscando dentro de mim forças para encontrar a Anastásia que está disposta a jogar com ele.
Uma tarefa bem difícil visto que seu polegar está acariciando levemente as minhas costas, espalhando arrepios por cada parte do meu corpo. O loiro desliza os dedos entre os meus, entrelaçando-os. Acompanho o gesto com os lábios entreabertos. Acho que esqueci como se respira.
— Deixei você sem palavras?
— Não quero gastar minhas preciosas palavras com você, Summer — sorrio.
Aí está ela!
— Uau. Que malvada — une as sobrancelhas e revira os olhos teatralmente. Scott me inclina para baixo, meus cabelos quase arrastam no chão e instintivamente enrosco minha perna direita em seu quadril. Quando ele me ergue novamente, minha testa quase encosta em seus lábios. — Não está tão enferrujada.
— Meu Deus, cala a boca — é a minha vez de revirar os olhos.
— Vem calar — o desgraçado está se divertindo, consigo ver através de seus olhos banhados de luxúria que está conseguindo justamente o que quer: me irritar e me desestabilizar.
Umedeco meus lábios, desviando minha atenção para a sua boca. Minha garganta seca, lembro-me de todas as coisas que eu sentia ao beijá-lo e, por um momento, desejo sentir tudo de novo. Suas mãos alcançam a base do meu pescoço, os dedos lânguidos se infiltram nos meus cabelos enquanto os polegares acariciam minhas bochechas. Sinto minhas pernas se tornarem moles como gelatina e meu coração perder o ritmo das batidas.
— Me peça para parar, anjo — sussurra. Sinto seu hálito de menta e cerveja atingir a pontinha do meu nariz. — Peça para eu me afastar de você.
Eu não quero que pare e muito menos que se afaste. Preciso sentir seus lábios sobre os meus. Preciso sentir suas mãos percorrendo cada centímetro do meu corpo como se não houvesse amanhã. Sei que é arriscado, sei que isso pode fazer parte do seu joguinho, mas quando ele me toca desse jeito, sou um caso totalmente perdido.
— Scott…
Nem um "pare" e nem um "se afaste de mim". Apenas um "Scott" que basicamente diz: vá em frente, derrame toda a sua angústia na minha língua. Irei saborear cada um dos seus dias me odiando nos últimos dois anos, enquanto você arranca o meu coração do peito com as próprias mãos.
— Não me faça implorar… — engulo em seco. — Só anda logo com isso.
Scott sorri, parece se deliciar com as minhas palavras falhas e traidoras. Ele se inclina para frente, alcançando meu pescoço e arrastando sua língua quente e aveludada sobre a minha veia saltada em êxtase. Fecho os olhos, deixando um gemido escapar ao sentir sua respiração chocar-se contra a minha pele como um raio impiedoso, fazendo meu corpo inteirar-se de uma sensação entorpecente e eletrizante. Estou completamente tomada pela sensação inebriante de seus dentes mordiscando a pele fina do meu pescoço para logo em seguida sugar o local. Com beijos delicados e suaves, Scott sobe até o lóbulo da minha orelha, transformando em líquido o meu último resquício de sanidade.
— É uma pena que estejamos jogando, anjo — não sei se me concentro em suas palavras ou em suas mãos percorrendo meu quadril. — Porque você não faz ideia da vontade que eu estou de te beijar bem aqui, na frente de toda essa gente e inclusive do seu novo amiguinho ali — seguro seus cabelos, sentindo minhas costas atingirem uma parede fria. Quando foi que começamos a nos mover para o lado mais escuro e vazio da sala? — Porque você não imagina o quanto eu estou me controlando para não carregar você até o meu carro e arrancar a porra desse seu vestido — agora seus olhos estão fixos nos meus, embebidos de uma tempestade tentadora e extremamente perigosa.
— Então faça isso — minha voz está se liquefazendo como um cubo de gelo em meio ao deserto. Odeio isso.
Calmamente, Scott se desvencilha de mim com um maldito sorrisinho arrogante nos lábios. Ele começa a rir, negando com a cabeça.
— Eu ainda mexo com você — cruza os braços em frente ao peito e eu continuo colada na parede, processando sua súbita mudança de comportamento. — Não é uma pena? Deve ser horrível entrar nesse joguinho comigo carregando todos esses sentimentos por mim dentro do coração — suas íris azuis descem até a fenda do meu vestido acetinado, me despindo com a maior cara de pau. Lentamente, volta o olhar para o meu rosto, sorrindo de canto. — Se eu fosse você, desistiria. Está na cara que vai ser a primeira a se deixar levar pelas emoções.
Scott gira sobre os calcanhares, prestes a ir embora. Solto uma risada revestida do mais puro ódio e ganho sua atenção novamente voltada para mim.
— Se está tão convicto disso, por que está indo embora? Tem medo de me beijar e descobrir o quanto de mim ainda vive em você? — Arqueio as sobrancelhas, me aproximando de seu corpo petreo. — Quem está com medo de ser levado pelas emoções é você, Scott! Iniciamos esse jogo doentio por sua causa! Eu quis resolver as coisas entre nós, quis botar um ponto final na nossa história, mas você arrumou um jeito de colocar vírgulas e mais vírgulas nela! — Afundo minha unha em seu peito, tentando não perder ainda mais a cabeça com ele. — Quer mesmo me usar para ter a sua vingança perfeita ou isso é só um pretexto para continuar perto de mim?
Summer destitua a nossa distância com apenas um único passo, apoiando as mãos abertas contra a parede e me deixando sem saída. Inflo minhas narinas, buscando o oxigênio que ele acabara de me roubar com a sua atitude impulsiva. Fito suas íris inundadas de raiva, mágoa e rancor, esperando suas próximas palavras cortantes e regadas de ódio.
— Você se lembra de mim? — Questiona, com hostilidade. Não há mais nenhum resquício de arrogância em sua voz. Engulo a saliva alojada em minha garganta e faço o possível para as minhas cordas vocais voltarem a funcionar.
— Como assim? — Consigo murmurar, sentindo meu coração pulsar em minhas têmporas e um buraco se alojar na boca do meu estômago.
— Estou perguntando se você se lembra do cara que se arrastava aos seus pés e perdoava cada mísera facada que você dava no coração dele — praticamente rosna, se aproximando mais um centímetro do meu rosto. — É dele que estamos falando e, se você ainda não entendeu, ele morreu no instante em que você saiu pela porta do salão sem dar a ele uma chance de se explicar. Não existe pretexto, a única coisa que me move até você é a sede de vingança — Scott se afasta e consigo respirar normalmente outra vez. Cerro o maxilar, fechando minhas mãos em punho ao lado do corpo.
Me lançando um último olhar encolerizado, ele completa:
— Quero que se lembre daquele Scott, pois essa será a única lembrança boa que terá de mim.
Quem é vivo sempre aparece, né?
(Se ainda existe alguém aí, por favor não me mate!)
*Texto sem revisão.
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